sábado, 24 de agosto de 2024

Tereza Cruvinel: ‘Eis que surge algo pior que Bolsonaro’

A pesquisa Datafolha divulgada informou o Brasil que está surgindo na política algo pior que Bolsonaro, uma direita mais extremada, um fascismo mais escrachado, portador de mensagens ainda mais tenebrosas.   É isso que representa Pablo Marçal,  que ao longo de agosto, mês de lobisomens, cresceu de 14% para 21%, empatando tecnicamente com Boulos (23%) e com o prefeito Nunes (19%).

Pela primeira vez, Bolsonaro é desafiado como líder da extrema direita por alguém que se apresenta como o negador absoluto da política, apontando o ex-presidente como um falso anti-sistema, e esta talvez seja a única verdade cuspida por aquela boca maligna.  Bolsonaro, um fingidor, mostrou na presidência seus genes políticos, adotou os códigos do fisiologismo, seduziu o Centrão e cooptou o Congresso com a entrega do orçamento.

O auto denominado ex-coach está falando e seduzindo os céticos com a política que se desiludiram também com Bolsonaro.  E fala com a violência que agrada os mais revoltados e desesperados: fala palavrões, mente, ofende, desacata, insulta e põe apelidos jocosos em todos os políticos. E não só para os paulistanos que elegerão um novo prefeito, mas para todo o país, ele através de suas redes sociais: é de outros estados que estão vindo a maioria dos pix com a ajuda financeira que ele tem pedido.

Bolsonaro chegou a flertar com Marçal mas recuou ao perceber que estava diante de um competidor perigoso para sua liderança na extrema direita. Refluiu para Ricardo Nunes, agora nominalmente em terceiro lugar. Neste momento estão trocando farpas pelas redes, que Marçal parece dominar bem mais que Carlos Bolsonaro e faz o gabinete do ódio parecer uma traquinagem juvenil.

É cedo para saber se ele será um novo Russomano, o mais notável cavalo perdedor da política paulista, ou se terá fôlego para chegar ao segundo turno e quem sabe vencer.  Talvez se afogue no mar de lama sobre sua vida, que apenas começou a ser revelado.  De todo modo, é assustador que haja tanta gente declarando a pretensão de votar em alguém tão abjetamente oposto à civilidade.

É assustador que a extrema direita esteja conseguindo produzir algo ainda pior que Bolsonaro, alguém mais genuinamente fascista que Bolsonaro.

 

¨      "Lacração" e likes, armas da extrema direita. Por Pedro Maciel

Tenho dito que o melhor lugar do mundo para se viver é em Foncebadon, um “Pueblo” espanhol, localizado no município de Santa Colomba de Somoza, na província de Leon; por quê? Porque lá vivem apenas oito pessoas (onde há poucos seres humanos, o risco de se esbarrar na idiotia humana, que viceja em lugares “cheios de gente” é menor).

Não tem sido fácil conviver com pessoas que foram cooptadas pela lógica da extrema-direita e do neopentecostalismo; a maioria dos idiosubjetivados são, a priori, boas pessoas, mas são manipuladas e servem a interesses que colidentes com os seus; há, evidentemente, os muitos canalhas que assumiram pautas e narrativas da extrema-direita para atender seus interesses pessoais. 

A ascensão da extrema-direita - sempre vazia de ideias e cheia de certezas -, coincide com o rebaixamento da Política à mesquinha busca de “likes” nas redes sociais, através da “lacração”, sempre com vistas à obtenção de algum tipo de lucro, seja financeiro (a tal “monetização”) ou relacionado ao fortalecimento político de uma pessoa ou grupo.

Não sei se o leitor conhece o significado de cada termo.

A gíria “lacrar” surgiu na internet como um sinônimo de arrasar ou “mandar bem”, principalmente em discussões nas redes sociais, como o Twitter e o Instagram. Quando uma pessoa lacra, significa que deixou as outras sem argumento, encerrando o assunto.

Já os likes são a quantidade de manifestações de aprovação a uma publicação; eles representam a existência do chamando “engajamento” do público com conteúdo; nesse mundo novo, os likes têm um papel crucial na sobrevivência e crescimento de uma marca.

Noutras palavras, quanto mais pessoas se envolvem (engajam) com um conteúdo, mais visto o produto é; portanto, engajamento faz com que o alcance das suas publicações aumente, aparecendo mais não só para quem participou da atividade, mas também para outros usuários. 

A consequência de mais visualizações (likes e engajamento) é o aumento de vendas, pois, quanto mais pessoas entram em contato com o seu conteúdo, mais chances há de que as mensagens sejam convertidas em negócios fechados, especialmente num tempo em que a imagem parece valer mais que o conteúdo; vivemos um tempo “maluco” em que as pessoas tendem a confiar apenas em conteúdo que têm mais visualizações ou likes, na web, e isso ocorre sem análise crítica. 

Essa lógica toda vale para o universo da política, tanto que um espantalho idiota como Bolsonaro chegou à presidência da república, muito graças às lacrações e aos likes.

A influência das redes sociais e de ferramentas como o WhatsApp é enorme e a extrema-direita usa com enorme competência. 

Lembremos da importância das redes e das mentiras para o Brexit (processo de saída do Reino Unido da União Europeia), para a eleição de Trump nos EUA, ambos em 2016, na eleição de Bolsonaro em 2018; e nos casos de Viktor Orbán, na Hungria; de Matteo Salvini, na Itália; do partido Vox na Espanha e de Marine Le Pen, na França (todos clientes do malvado Steve Bannon).

Bannon fundou uma organização chamada “O Movimento”, com o intuito de ajudar os partidos nacionalistas europeus em suas campanhas políticas. Além disso, como pode ser visto no documentário “Privacidade Hackeada” (de Karim Amer e Jehane Noujaim, 2019), colaborou com a campanha de Mauricio Macri na Argentina, e trabalhou para Guo Wengui, um exilado chinês bilionário que se opõe ao regime de seu país.

Atualmente, a extrema-direita está bem-organizada, usa bem as redes, elege seus representantes e usa “o santo nome de Deus em vão”, sem nenhum constrangimento, para validar a maldade que representa e pratica; como o nazismo alemão dos anos 1930 -  a extrema-direita está a usar democracia liberal para ocupar espaços institucionais de poder, mas é “malouquinha” para instituir ditaduras –, isso mesmo a extrema-direita não tem compromisso nem com a democracia liberal, e buscará manter-se no poder pela violência onde puder fazê-lo, Bolsonaro tentou.

A extrema-direita compreendeu que há um descontentamento enorme da sociedade com o neoliberalismo e com a democracia liberal; mas ela precisa defender o sistema, então ela, através das redes sociais, passou  a estabelecer interlocução direta com um número enorme de pessoas e faz um discurso de negação da Política, dos políticos, dos partidos e de toda a institucionalidade, além de mostrar enorme capacidade de mobilização popular (lembremos das marchas de junho de 2013, do 7 de setembro de 2021, dentre outros eventos recentes).

Para enganar incautos a extrema-direita simula combater o que chama de “sistema” ou de “mecanismo”, mas ela o defende; ela é aliada do neopentecostalismo adepto das teologias da prosperidade e do domínio; quem a financia, seus movimentos e representantes, no Brasil e no mundo, são os próceres do capitalismo financeiro, por isso não há ataques ao sistema econômico hegemônico, por isso não se debate às causas estruturais de tanta injustiça. 

A extrema-direita trabalha para proteger o sistema liberal, o capitalismo financeiro e o imperialismo, por isso direciona ataques aos políticos e partidos de esquerda, usa um discurso forte que transformou os ideais socialistas de uma sociedade justa, fraterna e igualitária em pecado e crime; e nós da esquerda - os únicos capazes de fazer o debate necessário com a sociedade acerca das injustiças sistêmicas e da necessidade de se buscar um caminho para além do capitalismo, do imperialismo e do liberalismo -, temos sido ineficientes (ou incapazes?).

Fato é que a extrema-direita, que perdeu a vergonha de dizer o que pensa, tem grande capacidade tecnológica para cultivar e amplificar o discurso do ódio no fértil adubo neoliberal e fala com milhões e milhões de pessoas; a extrema-direita faz isso mentindo nas redes sociais, mas os seus conteúdos ganham os corações e mentes dos incautos (se a extrema-direita é má e mentirosa, mas nós da esquerda temos sido incompetentes e não estamos conseguindo falar com a sociedade e o pior: somos pautados por idiotas como Pablo Marçal, pelos Bolsonaro 00, 01, 02 e 03, por gente como Nikolas Xupetinha e Damaris Alves).

A extrema-direita é sem-vergonha, racista, machista, misógina, antifeminista, imperialista e alimenta-se de delirantes teorias da conspiração; suas armas são as big datas e a inteligência artificial; a direita compreendeu como conversar e convencer as pessoas, ela compreendeu os medos e frustrações particulares dos abandonados de cada país e o seu sucesso decorre do uso eficiente de tecnologias para detectar medos, frustrações, traços de personalidade ou desejos, com dados obtidos de diferentes formas (informações fornecidas por amostragem estatística, através do algoritmo da Cambridge Analytica de Bannon, que a possibilita manipular populações por meio das redes sociais). 

O que fazer? Ou mudamos para Foncebadon ou fazemos uma autocrítica honesta e ampliamos nossa militância em unidade, não há outros caminhos 

 

¨      Boulos e Marçal: ainda há o que se fazer. Por Fernando Horta

Em fevereiro de 2024 o ex-campeão mundial de Boxe, Acelino Popó, atualmente com 48 anos nocauteou em 36 segundos o “influencer” Kleber “Bambam”, de 46 anos. A luta rendeu para ambos algumas dezenas de milhões de reais e o falastrão influencer encontrou a justeza de um ou dois golpes certeiros do ex-campeão. A lei da gravidade fez o resto.

Se a luta tivesse sido no mundo digital, contudo, Bambam teria vencido.

Não pode ser entendido como uma novidade o fato de Pablo Marçal, contra até mesmo o bolsonarismo, estar já em segundo lugar nas pesquisas para prefeitura de São Paulo defendendo o teleférico como solução para os problemas de transporte de São Paulo e ensinando como se deve socar o nariz de um tubarão, caso você esteja sendo atacado por ele. Situações semelhantes já tinham acontecido em 2013, quando o jovem Kataguiri resolveu “marchar” até Brasília – precisando de auxílio médico do SUS – para depois tornar-se deputado. Ou em 2018 quando o deputado ligado à milícia do baixo-clero chamado Bolsonaro se tornaria presidente ou ainda em 2018 mesmo, quando um juiz corrupto, desbocado e completamente inábil que até a última semana não figurava nem entre os três nas pesquisas ao governo do RJ se elege.

Ninguém na esquerda, absolutamente ninguém, pode se dizer “surpreendido” eis que a única coisa que Marçal poderia fazer era levar a disputa para a eleição de São Paulo para o terreno da mentira, da fraude e do mundo digital, onde suas táticas sujas são muito mais efetivas que o bom-mocismo de Boulos ou o clientelismo da velha guarda de Nunes.

Em pesquisa que realizei recentemente com candidatos às eleições de 2024 a imensa maioria reputava o mundo digital como algo “acessório” à “política de verdade” e não foram poucas as vezes que ouvi de velhos líderes partidários termos como “amassar barro”, “fazer corpo-a-corpo” ou “comer pastel com caldo” para sinalizar que a campanha “ainda se faz nas ruas”. A eleição de 2024 precisa enterrar de vez esse tipo de discurso, ou assim eu espero.

De qualquer forma, ainda há briga para Boulos, embora ele precise urgentemente se adequar a cinco pontos importantes da disputa. Lembrando sempre que, neste momento, Boulos é quem tem menos chance de crescer pois sua rede digital é pequena, não hierarquizada, não testada e de caráter regional, enquanto Marçal tem uma rede nacional, orquestrada, verticalizada e com muita experiência em técnicas de viralização, memificação, gameficação, transição de sentido e desinformação. A regra nas redes é que você precisa ou de tempo, ou de dinheiro. No melhor dos cenários, tenha as duas. O que agora parece é que Boulos não tem nenhuma das duas.

No melhor dos intuitos deixo aqui cinco pontos que Boulos precisa refletir e transformar sua campanha para reduzir a vantagem de Marçal a que reputo hoje, já sendo decisiva.

  1. Compartimentalização: Esse conceito é mal compreendido como “furar a bolha” e chegou a impulsionar os efeitos deletérios do “janonismo cultural” nas eleições de 2022. Compartimentalização é a capacidade que as redes têm de manter certos grupos sociais cativos de determinadas fontes de informação. Não necessariamente redes digitais somente fazem isso, mas as igrejas e suas eternas pregações para que fiéis não “confiem ou assistam” a televisão também. Boulos precisa compreender exatamente para quais grupos ele não consegue falar, entender a racionalidade por trás das regras de compartimentalização e alcançar esse grupo com conteúdo significativo. Não adianta fazer – como fazia janones – com fake news e depois se vangloriar do dado quantitativo irreal. É preciso um trabalho mais profundo de comunicação.
  2. Estratificação: Um dos maiores males atualmente é que quem fazia campanha nos anos 80 e 90 fazia para um “brasileiro médio”. Um tipo ideal weberiano que as empresas de publicidade da época tinham milhares de técnicas para definir. Como a comunicação analógica é finita (no tempo e no dinheiro) apresentar um candidato para todo mundo era o essencial. Ocorre que no mundo digital há um Pablo Marçal para cada grupo de pessoas. Há um “coach de sucesso”, há o “milionário filantropo”, há o “inovador intrépido” e tantos outros quantos grupos forem identificados por linguagem e interesses. Há também o estelionatário contumaz e o fascista anti-esquerda e todos eles são direcionados a cada grupo por uma comunicação estratificada. Já Boulos é sempre apresentado da mesma forma. E sobre essa forma são aplicados os rótulos negativos das redes de Marçal. No final do dia, Marçal está sempre “limpinho” e Boulos sempre amarrotado de mentiras.
  3. Multiprojeção: Cada rede social, cada técnica de comunicação e cada grupo a ser comunicado tem uma quantidade específica de técnicas de produção de conteúdo, veiculação e amplificação. Compreender isso significa ter várias projeções da mensagem que se quer passar, adaptadas aos sentidos e às necessidades comunicativas que podem variar até diariamente no ritmo frenético das campanhas. Em 2022 a equipe inteira do Felipe Neto (incluindo toda a atenção dele mesmo) foi deslocada para desfazer os ataques do bolsonarismo. E mesmo com tudo isso, muitas vezes não conseguíamos. Não trabalhar com o conceito de multiprojeção de Boulos é perder por muito.
  4. Antecipação: Precisamos ser justos, nada que Marçal ou o bolsonarismo criam nas redes é novo, novidade ou particularmente inteligente. Todos os movimentos poderiam ter sido antecipados e, se antecipados corretamente, já termos elementos comunicativos para fazer uma barricada cognitiva contra os ataques. Em realidade, a imensa maioria dos políticos de esquerda acham que comunicação política se faz apenas em tempos eleitorais e costuma se preocupar com isso quatro ou cinco meses antes das eleições. Isso significa que quando a campanha inicia, nós já estamos atrasados em relação à direita, no mínimo em 3 anos e meio de trabalho. Essa diferença se materializa em cadeiras no parlamento, por exemplo. Hoje, já é possível saber todos os temas e como será a última semana de campanha de Marçal e se a equipe do Boulos não está preparada hoje, não estará quando a tormenta (prevista) chegar.
  5. Construção: redes de comunicação são construídas desde que o mundo é mundo. Muito antes das revoluções digitais. Lá atrás, levava-se séculos para construir as redes e eram cultivadas com cuidado. Hoje, a mudança se deu no tempo. O dinheiro constrói redes de forma rápida, mas a ideologia as constrói de forma instantânea. Os algoritmos das redes sociais jogam sempre a favor dos temas de ódio, violência e corrupção – claramente a plataforma da direita. Conduzem o absurdo ao espaço da normalidade e o normal fica invisível. A esquerda tem redes adormecidas que precisam ser despertadas, mas isso só se dá a partir do uso de determinados compromissos e palavras. Em outras palavras, se Boulos continuar com sua “guinada ao centro” se tornará invisível e não se aproveitará daquilo que o trouxe até aqui como deputado mais votado da esquerda. Estranhamente ele foi convencido de que ser ele mesmo não era suficiente para ser eleito, enquanto Marçal, acorda todo dia e acredita que mesmo sendo um criminoso sentenciado, enganador de multidões ele pode – sendo ele mesmo – ser eleito.

Meu maior medo é que uma derrota de Boulos para o histriônico Marçal seja uma senha para a renovação do fascismo no Brasil. Agora “coachcrático”, digital e ainda mais mentiroso e perverso. E esse medo é também do bolsonarismo. A família Bolsonaro encontrou um monstro que faz melhor todas as monstruosidades que eles sempre fizeram. É mais próximo do PCC e do tráfico de drogas. Conhece melhor as condenações judiciais por estelionato, mente melhor nas redes e promete mais sucesso às pessoas. Consegue amealhar mais dinheiro sendo um “mito maior”. E, exatamente por isso, vai engolir o Bolsonarismo e ser uma ameaça real em 2026.

Que ninguém se engane. Marçal quer ser presidente em 2026. São Paulo é apenas seu campo de provas.

 

Fonte: Brasil 247

 

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