Tereza Cruvinel: ‘Eis que surge algo pior
que Bolsonaro’
A pesquisa Datafolha
divulgada informou o Brasil que está surgindo na política algo pior que
Bolsonaro, uma direita mais extremada, um fascismo mais escrachado, portador de
mensagens ainda mais tenebrosas. É isso que representa Pablo
Marçal, que ao longo de agosto, mês de lobisomens, cresceu de 14% para
21%, empatando tecnicamente com Boulos (23%) e com o prefeito Nunes (19%).
Pela primeira vez,
Bolsonaro é desafiado como líder da extrema direita por alguém que se apresenta
como o negador absoluto da política, apontando o ex-presidente como um falso
anti-sistema, e esta talvez seja a única verdade cuspida por aquela boca maligna.
Bolsonaro, um fingidor, mostrou na presidência seus genes políticos,
adotou os códigos do fisiologismo, seduziu o Centrão e cooptou o Congresso com
a entrega do orçamento.
O auto denominado
ex-coach está falando e seduzindo os céticos com a política que se desiludiram
também com Bolsonaro. E fala com a violência que agrada os mais
revoltados e desesperados: fala palavrões, mente, ofende, desacata, insulta e
põe apelidos jocosos em todos os políticos. E não só para os paulistanos que
elegerão um novo prefeito, mas para todo o país, ele através de suas redes
sociais: é de outros estados que estão vindo a maioria dos pix com a ajuda
financeira que ele tem pedido.
Bolsonaro chegou a
flertar com Marçal mas recuou ao perceber que estava diante de um competidor
perigoso para sua liderança na extrema direita. Refluiu para Ricardo Nunes,
agora nominalmente em terceiro lugar. Neste momento estão trocando farpas pelas
redes, que Marçal parece dominar bem mais que Carlos Bolsonaro e faz o gabinete
do ódio parecer uma traquinagem juvenil.
É cedo para saber se
ele será um novo Russomano, o mais notável cavalo perdedor da política
paulista, ou se terá fôlego para chegar ao segundo turno e quem sabe vencer.
Talvez se afogue no mar de lama sobre sua vida, que apenas começou a ser
revelado. De todo modo, é assustador que haja tanta gente declarando a
pretensão de votar em alguém tão abjetamente oposto à civilidade.
É assustador que a
extrema direita esteja conseguindo produzir algo ainda pior que Bolsonaro,
alguém mais genuinamente fascista que Bolsonaro.
¨ "Lacração" e likes, armas da extrema direita. Por
Pedro Maciel
Tenho dito que o
melhor lugar do mundo para se viver é em Foncebadon, um “Pueblo” espanhol,
localizado no município de Santa Colomba de Somoza, na província de Leon; por
quê? Porque lá vivem apenas oito pessoas (onde há poucos seres humanos, o risco
de se esbarrar na idiotia humana, que viceja em lugares “cheios de gente” é
menor).
Não tem sido fácil
conviver com pessoas que foram cooptadas pela lógica da extrema-direita e do
neopentecostalismo; a maioria dos idiosubjetivados são, a priori, boas pessoas,
mas são manipuladas e servem a interesses que colidentes com os seus; há, evidentemente,
os muitos canalhas que assumiram pautas e narrativas da extrema-direita para
atender seus interesses pessoais.
A ascensão da
extrema-direita - sempre vazia de ideias e cheia de certezas -, coincide com o
rebaixamento da Política à mesquinha busca de “likes” nas redes sociais,
através da “lacração”, sempre com vistas à obtenção de algum tipo de lucro,
seja financeiro (a tal “monetização”) ou relacionado ao fortalecimento político
de uma pessoa ou grupo.
Não sei se o leitor
conhece o significado de cada termo.
A gíria “lacrar”
surgiu na internet como um sinônimo de arrasar ou “mandar bem”, principalmente
em discussões nas redes sociais, como o Twitter e o Instagram. Quando uma
pessoa lacra, significa que deixou as outras sem argumento, encerrando o
assunto.
Já os likes são a
quantidade de manifestações de aprovação a uma publicação; eles representam a
existência do chamando “engajamento” do público com conteúdo; nesse mundo novo,
os likes têm um papel crucial na sobrevivência e crescimento de uma marca.
Noutras palavras,
quanto mais pessoas se envolvem (engajam) com um conteúdo, mais visto o produto
é; portanto, engajamento faz com que o alcance das suas publicações aumente,
aparecendo mais não só para quem participou da atividade, mas também para outros
usuários.
A consequência de mais
visualizações (likes e engajamento) é o aumento de vendas, pois, quanto mais
pessoas entram em contato com o seu conteúdo, mais chances há de que as
mensagens sejam convertidas em negócios fechados, especialmente num tempo em
que a imagem parece valer mais que o conteúdo; vivemos um tempo “maluco” em que
as pessoas tendem a confiar apenas em conteúdo que têm mais visualizações ou
likes, na web, e isso ocorre sem análise crítica.
Essa lógica toda vale
para o universo da política, tanto que um espantalho idiota como Bolsonaro
chegou à presidência da república, muito graças às lacrações e aos likes.
A influência das redes
sociais e de ferramentas como o WhatsApp é enorme e a extrema-direita usa com
enorme competência.
Lembremos da
importância das redes e das mentiras para o Brexit (processo de saída do Reino
Unido da União Europeia), para a eleição de Trump nos EUA, ambos em 2016, na
eleição de Bolsonaro em 2018; e nos casos de Viktor Orbán, na Hungria; de
Matteo Salvini, na Itália; do partido Vox na Espanha e de Marine Le Pen, na
França (todos clientes do malvado Steve Bannon).
Bannon fundou uma
organização chamada “O Movimento”, com o intuito de ajudar os partidos
nacionalistas europeus em suas campanhas políticas. Além disso, como pode ser
visto no documentário “Privacidade Hackeada” (de Karim Amer e Jehane
Noujaim, 2019), colaborou com a campanha de Mauricio Macri na Argentina, e
trabalhou para Guo Wengui, um exilado chinês bilionário que se opõe ao regime
de seu país.
Atualmente, a
extrema-direita está bem-organizada, usa bem as redes, elege seus
representantes e usa “o santo nome de Deus em vão”, sem nenhum
constrangimento, para validar a maldade que representa e pratica; como o
nazismo alemão dos anos 1930 - a extrema-direita está a usar democracia
liberal para ocupar espaços institucionais de poder, mas é “malouquinha” para
instituir ditaduras –, isso mesmo a extrema-direita não tem compromisso nem com
a democracia liberal, e buscará manter-se no poder pela violência onde puder
fazê-lo, Bolsonaro tentou.
A extrema-direita
compreendeu que há um descontentamento enorme da sociedade com o neoliberalismo
e com a democracia liberal; mas ela precisa defender o sistema, então ela,
através das redes sociais, passou a estabelecer interlocução direta com
um número enorme de pessoas e faz um discurso de negação da Política, dos
políticos, dos partidos e de toda a institucionalidade, além de mostrar enorme
capacidade de mobilização popular (lembremos das marchas de junho de 2013, do 7
de setembro de 2021, dentre outros eventos recentes).
Para enganar incautos
a extrema-direita simula combater o que chama de “sistema” ou de “mecanismo”,
mas ela o defende; ela é aliada do neopentecostalismo adepto das teologias da
prosperidade e do domínio; quem a financia, seus movimentos e representantes,
no Brasil e no mundo, são os próceres do capitalismo financeiro, por isso não
há ataques ao sistema econômico hegemônico, por isso não se debate às causas
estruturais de tanta injustiça.
A extrema-direita
trabalha para proteger o sistema liberal, o capitalismo financeiro e o
imperialismo, por isso direciona ataques aos políticos e partidos de esquerda,
usa um discurso forte que transformou os ideais socialistas de uma sociedade
justa, fraterna e igualitária em pecado e crime; e nós da esquerda - os únicos
capazes de fazer o debate necessário com a sociedade acerca das injustiças
sistêmicas e da necessidade de se buscar um caminho para além do capitalismo,
do imperialismo e do liberalismo -, temos sido ineficientes (ou incapazes?).
Fato é que a
extrema-direita, que perdeu a vergonha de dizer o que pensa, tem grande
capacidade tecnológica para cultivar e amplificar o discurso do ódio no fértil
adubo neoliberal e fala com milhões e milhões de pessoas; a extrema-direita faz
isso mentindo nas redes sociais, mas os seus conteúdos ganham os corações e
mentes dos incautos (se a extrema-direita é má e mentirosa, mas nós da esquerda
temos sido incompetentes e não estamos conseguindo falar com a sociedade e o
pior: somos pautados por idiotas como Pablo Marçal, pelos Bolsonaro 00, 01, 02
e 03, por gente como Nikolas Xupetinha e Damaris Alves).
A extrema-direita é
sem-vergonha, racista, machista, misógina, antifeminista, imperialista e
alimenta-se de delirantes teorias da conspiração; suas armas são as big datas e
a inteligência artificial; a direita compreendeu como conversar e convencer as
pessoas, ela compreendeu os medos e frustrações particulares dos abandonados de
cada país e o seu sucesso decorre do uso eficiente de tecnologias para detectar
medos, frustrações, traços de personalidade ou desejos, com dados obtidos de
diferentes formas (informações fornecidas por amostragem estatística, através
do algoritmo da Cambridge Analytica de Bannon, que a possibilita manipular
populações por meio das redes sociais).
O que fazer? Ou
mudamos para Foncebadon ou fazemos uma autocrítica honesta e ampliamos nossa
militância em unidade, não há outros caminhos
¨ Boulos e Marçal: ainda há o que se fazer. Por Fernando Horta
Em fevereiro de 2024 o
ex-campeão mundial de Boxe, Acelino Popó, atualmente com 48 anos nocauteou em
36 segundos o “influencer” Kleber “Bambam”, de 46 anos. A luta rendeu para
ambos algumas dezenas de milhões de reais e o falastrão influencer encontrou a
justeza de um ou dois golpes certeiros do ex-campeão. A lei da gravidade fez o
resto.
Se a luta tivesse sido
no mundo digital, contudo, Bambam teria vencido.
Não pode ser entendido
como uma novidade o fato de Pablo Marçal, contra até mesmo o bolsonarismo,
estar já em segundo lugar nas pesquisas para prefeitura de São Paulo defendendo
o teleférico como solução para os problemas de transporte de São Paulo e ensinando
como se deve socar o nariz de um tubarão, caso você esteja sendo atacado por
ele. Situações semelhantes já tinham acontecido em 2013, quando o jovem
Kataguiri resolveu “marchar” até Brasília – precisando de auxílio médico do SUS
– para depois tornar-se deputado. Ou em 2018 quando o deputado ligado à milícia
do baixo-clero chamado Bolsonaro se tornaria presidente ou ainda em 2018 mesmo,
quando um juiz corrupto, desbocado e completamente inábil que até a última
semana não figurava nem entre os três nas pesquisas ao governo do RJ se elege.
Ninguém na esquerda,
absolutamente ninguém, pode se dizer “surpreendido” eis que a única coisa que
Marçal poderia fazer era levar a disputa para a eleição de São Paulo para o
terreno da mentira, da fraude e do mundo digital, onde suas táticas sujas são muito
mais efetivas que o bom-mocismo de Boulos ou o clientelismo da velha guarda de
Nunes.
Em pesquisa que
realizei recentemente com candidatos às eleições de 2024 a imensa maioria
reputava o mundo digital como algo “acessório” à “política de verdade” e não
foram poucas as vezes que ouvi de velhos líderes partidários termos como
“amassar barro”, “fazer corpo-a-corpo” ou “comer pastel com caldo” para
sinalizar que a campanha “ainda se faz nas ruas”. A eleição de 2024 precisa
enterrar de vez esse tipo de discurso, ou assim eu espero.
De qualquer forma,
ainda há briga para Boulos, embora ele precise urgentemente se adequar a cinco
pontos importantes da disputa. Lembrando sempre que, neste momento, Boulos é
quem tem menos chance de crescer pois sua rede digital é pequena, não hierarquizada,
não testada e de caráter regional, enquanto Marçal tem uma rede nacional,
orquestrada, verticalizada e com muita experiência em técnicas de viralização,
memificação, gameficação, transição de sentido e desinformação. A regra nas
redes é que você precisa ou de tempo, ou de dinheiro. No melhor dos cenários,
tenha as duas. O que agora parece é que Boulos não tem nenhuma das duas.
No melhor dos intuitos
deixo aqui cinco pontos que Boulos precisa refletir e transformar sua campanha
para reduzir a vantagem de Marçal a que reputo hoje, já sendo decisiva.
- Compartimentalização:
Esse conceito é mal compreendido como “furar a bolha” e chegou a
impulsionar os efeitos deletérios do “janonismo cultural” nas eleições de
2022. Compartimentalização é a capacidade que as redes têm de manter
certos grupos sociais cativos de determinadas fontes de informação. Não
necessariamente redes digitais somente fazem isso, mas as igrejas e suas
eternas pregações para que fiéis não “confiem ou assistam” a televisão
também. Boulos precisa compreender exatamente para quais grupos ele não
consegue falar, entender a racionalidade por trás das regras de
compartimentalização e alcançar esse grupo com conteúdo significativo. Não
adianta fazer – como fazia janones – com fake news e depois se vangloriar
do dado quantitativo irreal. É preciso um trabalho mais profundo de
comunicação.
- Estratificação: Um
dos maiores males atualmente é que quem fazia campanha nos anos 80 e 90
fazia para um “brasileiro médio”. Um tipo ideal weberiano que as empresas
de publicidade da época tinham milhares de técnicas para definir. Como a
comunicação analógica é finita (no tempo e no dinheiro) apresentar um
candidato para todo mundo era o essencial. Ocorre que no mundo digital há
um Pablo Marçal para cada grupo de pessoas. Há um “coach de sucesso”, há o
“milionário filantropo”, há o “inovador intrépido” e tantos outros quantos
grupos forem identificados por linguagem e interesses. Há também o
estelionatário contumaz e o fascista anti-esquerda e todos eles são
direcionados a cada grupo por uma comunicação estratificada. Já Boulos é
sempre apresentado da mesma forma. E sobre essa forma são aplicados os
rótulos negativos das redes de Marçal. No final do dia, Marçal está sempre
“limpinho” e Boulos sempre amarrotado de mentiras.
- Multiprojeção:
Cada rede social, cada técnica de comunicação e cada grupo a ser
comunicado tem uma quantidade específica de técnicas de produção de
conteúdo, veiculação e amplificação. Compreender isso significa ter várias
projeções da mensagem que se quer passar, adaptadas aos sentidos e às
necessidades comunicativas que podem variar até diariamente no ritmo
frenético das campanhas. Em 2022 a equipe inteira do Felipe Neto
(incluindo toda a atenção dele mesmo) foi deslocada para desfazer os
ataques do bolsonarismo. E mesmo com tudo isso, muitas vezes não
conseguíamos. Não trabalhar com o conceito de multiprojeção de Boulos é
perder por muito.
- Antecipação:
Precisamos ser justos, nada que Marçal ou o bolsonarismo criam nas redes é
novo, novidade ou particularmente inteligente. Todos os movimentos
poderiam ter sido antecipados e, se antecipados corretamente, já termos
elementos comunicativos para fazer uma barricada cognitiva contra os
ataques. Em realidade, a imensa maioria dos políticos de esquerda acham
que comunicação política se faz apenas em tempos eleitorais e costuma se
preocupar com isso quatro ou cinco meses antes das eleições. Isso
significa que quando a campanha inicia, nós já estamos atrasados em
relação à direita, no mínimo em 3 anos e meio de trabalho. Essa diferença
se materializa em cadeiras no parlamento, por exemplo. Hoje, já é possível
saber todos os temas e como será a última semana de campanha de Marçal e
se a equipe do Boulos não está preparada hoje, não estará quando a
tormenta (prevista) chegar.
- Construção:
redes de comunicação são construídas desde que o mundo é mundo. Muito
antes das revoluções digitais. Lá atrás, levava-se séculos para construir
as redes e eram cultivadas com cuidado. Hoje, a mudança se deu no tempo. O
dinheiro constrói redes de forma rápida, mas a ideologia as constrói de
forma instantânea. Os algoritmos das redes sociais jogam sempre a favor
dos temas de ódio, violência e corrupção – claramente a plataforma da
direita. Conduzem o absurdo ao espaço da normalidade e o normal fica invisível.
A esquerda tem redes adormecidas que precisam ser despertadas, mas isso só
se dá a partir do uso de determinados compromissos e palavras. Em outras
palavras, se Boulos continuar com sua “guinada ao centro” se tornará
invisível e não se aproveitará daquilo que o trouxe até aqui como deputado
mais votado da esquerda. Estranhamente ele foi convencido de que ser ele
mesmo não era suficiente para ser eleito, enquanto Marçal, acorda todo dia
e acredita que mesmo sendo um criminoso sentenciado, enganador de multidões
ele pode – sendo ele mesmo – ser eleito.
Meu maior medo é que
uma derrota de Boulos para o histriônico Marçal seja uma senha para a renovação
do fascismo no Brasil. Agora “coachcrático”, digital e ainda mais mentiroso e
perverso. E esse medo é também do bolsonarismo. A família Bolsonaro encontrou
um monstro que faz melhor todas as monstruosidades que eles sempre fizeram. É
mais próximo do PCC e do tráfico de drogas. Conhece melhor as condenações
judiciais por estelionato, mente melhor nas redes e promete mais sucesso às
pessoas. Consegue amealhar mais dinheiro sendo um “mito maior”. E, exatamente
por isso, vai engolir o Bolsonarismo e ser uma ameaça real em 2026.
Que ninguém se engane.
Marçal quer ser presidente em 2026. São Paulo é apenas seu campo de provas.
Fonte: Brasil 247
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