Luís Nassif: Xadrez da linguagem da
ultradireita, de Olavo de Carvalho a Pablo Marçal
O fenômeno Pablo
Marçal representa a terceira onda da ultradireita e, se não for parado, caminha
para substituir a Hidra de Lerna do Bolsonarismo – que tem no corpo de Jair e
nas três cabeças de Eduardo, Carlos e Flávio, sua expressão mais concreta.
É um processo já
analisado pelos pioneiros dos estudos da psicologia de massa do fascismo.
Quando o chefe fracassa, tende a ser substituído por outro, que para destronar
o anterior, tem que mostrar mais força e mais coragem verbal. E a linguagem é
elemento vital nessa disputa.
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1 – a linguagem da ultradireita
O ponto inicial do
desmonte institucional do país foi a mudança na linguagem pela chamada parcela
“culta” da opinião pública – a que se desinforma pela mídia. O novo normal
passa a ser a substituição da polêmica formal pela ofensa, misturada com
teorias conspiratórias das mais variadas.
O primeiro publisher
brasileiro a entender a linguagem da ultradireita foi o infame Roberto Civita,
o herdeiro que destruiu a editora Abril e a revista Veja.
Lembro-me até hoje da
estreia. O primeiro artigo foi de Tales Alvarenga, um ex-diretor de redação da
Veja que, na época, era colunista. A linguagem tinha uma virulência ofensiva
inédita.
A primeira cobertura
foi na campanha de defesa das armas, uma capa bancada pela Associação de Rifles
dos Estados Unidos.
As características da
linguagem eram nítidas desde o começo (com o auxílio do Gemini):
Discurso de
ódio: a linguagem utilizada para incitar o ódio, a discriminação e a
violência contra grupos minoritários.
Populismo e
simplificação: Recursos como a simplificação, a generalização e a emoção
para mobilizar as massas e construir uma narrativa maniqueísta.
Conspiracionismo: A
disseminação de teorias da conspiração.
Identidade e
pertencimento: Para construção de uma identidade coletiva e um sentimento
de pertencimento a um grupo homogêneo e superior.
Uso de novas
tecnologias: A internet e as redes sociais têm papel fundamental na
disseminação da linguagem.
Em cima desses
princípios, foram desenvolvidos truques retóricos, dos quais o grande professor
foi Olavo de Carvalho.
O uso de linguagem de
bar para atacar as instituições dessacralizava todos os ritos e hierarquias que
caracterizam a democracia liberal.
O ataque ao
“politicamente correto” ajudava a destruir consensos civilizatórios construídos
ao longo de décadas e de guerras. As reações às grosserias eram tratadas como
“mimimi”.
Seguiu-se uma guerra
cultural que visava destruir todas as celebridades que pudessem representar
pensamento progressista, de músicos populares a escritores, de políticos a
jornalistas.
A parte mais
brutalizada da classe média caiu imediatamente no canto das novas gralhas.
Lembro-me que, bem no início do processo, fui com minhas três menininhas – duas
filhas e uma neta – a um cinema em um shopping do Bosque da Saúde. Estávamos na
fila da pipoca quando um sujeito furou a fila. Dei-lhe uma chamada. Sua reação
foi padrão:
- Deixe de ser politicamente correto.
No meu livro, “A
Conspiração Lava Jato” – que aborda a década maldita de 2010 e a conspiração do
impeachment -, prestes a ser lançado, o ponto de partida para a selvageria foi
a incorporação do preconceito e a mudança da linguagem pela mídia corporativa.
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2 – o fator Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho foi
o primeiro a perceber os novos caminhos do renascimento do fascismo e o
modelo de negócio da nova classe, a dos influenciadores. Criou comunidades de
alunos na Internet e, presencialmente, em Curitiba. Montou grupos na Internet.
Ganhou dinheiro com aulas virtuais. Ou seja, descobriu as possibilidades da
Internet para atrair seguidores, com seu discurso de ódio, e desenvolver novas
formas de negócio.
Foi o grande mestre da
retórica da ultradireita, as respostas desconcertantes. Por exemplo, o “e daí”
que servia para desarmar qualquer indignação contra ataques descabidos a
personalidades consagradas da cultura nacional.
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3 – do preconceito à grosseria
Os primeiros a
perceber o preconceito social, decorrente da ascensão das classes populares,
foram Jô Soares e suas “meninas” e Arnaldo Jabor. Foi um período em que a
classe C passou a frequentar ambientes da classe média, e o Rio de Janeiro
vivia os últimos momentos da super-auto-estima do carioca. Mas ainda dentro da
linguagem convencional da mídia.
Jabor deu o passo
seguinte, incorporando a linguagem agressiva e um anticomunismo dos anos 50 com
suas pirações conspiratórias.
Destaco no livro:
“Confesso que a
primeira vez que ouvi Arnaldo Jabor falar em “comunismo viral”, julguei que
fosse apenas mais um roteiro teatral para atender à demanda da mídia por
cronistas vociferantes. Ele citava Jean Baudrillard e voltaria a citar inúmeras
vezes.
Segundo Baudrillard, o
comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo
inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas
através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida social –
vide o novo eixo do mal da América Latina”.
Quando abriu o mercado
para cronistas de ódio, Jabor foi acompanhado por alguns colunistas menores,
como Cora Ronai, Nelson Motta e Guilherme Fiúza, no jornal O Globo.
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4 – a criação de personagens
Mas o investimento
mais pesado foi feito pela revista Veja em parceria com a Editora Record,
dirigida editorialmente por Carlos Andreazza. Aliás, quando foi substituído por
Rodrigo Lacerda na Record, a mudança foi registrada assim em nota oficial da
editora: ”Rodrigo Lacerda é um nome do primeiro time do mercado editorial.
Certamente conseguirá imprimir sua marca, sem perder de vista os valores da
Editora Record, que preza pela diversidade de pensamento e pelo debate”.
Veja foi a primeira a
trabalhar na construção de personas. Os dois primeiros projetos foram Diogo
Mainardi e Reinaldo Azevedo.
Por aqueles tempos, a
revolução da informática marcava uma mudança geracional, uma nova era na
economia, na qual havia espaço para os jovens talentosos, montados em suas
startups, enfrentando o sistema.
A construção de
Mainardi foi cópia do jovem cronista do filme “O poder da mídia”. Uma emissora
de TV foi cooptado para participar de uma disputa no mercado de
telecomunicações. Selecionou um jornalista de cultura e passava para ele
dossiês de toda ordem, até torná-lo uma figura política relevante. A partir
daí, passou a ser instrumentos do lobby de comunicação.
Já o personagem
Reinaldo Azevedo se formou na melhor escola Olavo de Carvalho, usando todas as
simbologias do fascismo.
Passou a usar símbolos
– o chapéu Panamá -, que era vestido por seguidores ululantes em cada
lançamento de livros. E recorria aos ataques mais desqualificadores possíveis.
Vítimas eram tratadas como “canalhas”, “Mão Peluda”, frequentadores da sauna
gay, tudo isso em veículos que abandonaram completamente os rituais da mídia.
Apedrejou uma
professora de psicologia da USP, de 70 anos, denunciando-a como traficante, por
orientar um trabalho de redução de danos em ecstasy. Denunciou os alunos do
Colégio Pedro 2º no Rio, por conta de reuniões políticas estudantis. Atacou
ministros do Supremo que se recusavam a endossar o golpe do impeachment.
Exercitou um antipetismo feroz, praticou um moralismo que antecedeu o que viria
depois. Foi a personificação mais completa do Coringa.
A partir de certo
momento, surgem os influenciadores, toscos em estado puro, expelindo grosserias
de um modo muito mais autêntico e natural do que jornalistas travestidos. Não
havia mais diferença entre o ululante cronista de Veja e o ululante influenciador
bolsonarista.
Com o tempo, Mainardi
continuou um jovem, mesmo de cabelos brancos, e desapareceu na poeira.
Inegavelmente mais talentoso, Reinaldo se refez, depois que os raios da Lava
Jato atingiram Michel Temer e Aécio Neves e a invasão dos influenciadores o
deixou em companhias socialmente desagradáveis. Tornou-se um democrata radical,
defensor de Lula e da democracia. E com brilho.
Mas a porteira havia
se escancarado. Por ela passou a boiada da Lava Jato, a boiada muito mais feroz
das milícias-militares de Bolsonaro e chega-se, agora, ao ápice da loucura, com
Pablo Marçal.
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4 – o bolsonarismo 1.0
Dado o tiro de partida
do mensalão, com a parcialidade irresponsável do Supremo Tribunal Federal e da
Procuradoria Geral da República, todos os abusos foram permitidos.
A mídia alimentou as
primeiras ondas da ultradireita, que se organizaram em torno da Lava Jato. Nas
redes, tornaram-se presas fáceis da família Bolsonaro, assessorada por
profissionais de Steve Bannon, e pelos primeiros influenciadores.
As jogadas iniciais
consistiam em colocar uma matéria difamatória contra uma vítima, em algum site.
Depois, abrir centenas de links para a matéria, além de espalhá-la pelas redes
sociais. Repetiam o mesmo padrão Reinaldo Azevedo, sem a Veja, mas contando com
as redes de disseminação de WhatsApp.
O bolsonarismo em rede
consagrou o tipo popular convencional, grosseirão, intelectualmente limitado,
preconceituoso até a medula, trazendo a besta fera dos porões do país para o
Palácio do Planalto.
O novo modelo
indiferenciava tudo, jogava no mesmo ambiente organizações criminosas, grupos
militares, políticos do centrão, aventureiros de toda espécie.
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5 – o bolsonarismo 2.0
Com Pablo Marçal é
inaugurado o que o competente jornalista da Folha, Igor Gielow, batizou de
bolsonarismo 2.0.
A Internet permite
criar um mundo de ficção e de conspirações. O estilo Marçal age em várias
frentes:
- O atrevimento sem limites, afrontando autoridades,
tribunais, mídia.
- O moralismo caricato do bolsonarismo.
Mas, em cima dessas
receitas conhecidas, um raciocínio rápido e a capacidade de construir um mundo
baseado nos melhores filmes de ficção.
Como a psicologia de
massa define o pensamento conspiração? O hommus bobus, personagem do cronista
americano H. L. Mencken, é um solitário. Quando se junta a outros, ganha uma
sensação de força inédita. Se conseguiu se tornar forte em um passe de mágica,
passa a aceitar qualquer improvável como factível.
Marçal usa essas
características para criar um mundo de fantasia de filmes de ficção.
Em seu projeto, o
crime será combatido com inteligência artificial identificando a mera intenção
de cometer crime e remetendo para o lugar policiais e drones. O roteiro foi
copiado do filme Minority Report, dirigido por Steven Spielberg e baseado
no conto de Philip K. Dick. Nele, a polícia de Washington D.C. utiliza uma
tecnologia avançada para prever e prevenir crimes. A PreCrime, divisão especial
da polícia, é composta por três “precognitivos”, indivíduos com a capacidade de
visualizar crimes futuros através de sonhos vívidos.
Já começa a despertar
oportunistas políticos de sempre, como Marcos Ideiafix Cintra, o homem do
imposto e da proposta única.
Em Marçal, no entanto,
a criatura parece ter dominado o criador. Antes de conquistar o poder, ele
passou a atropelar vários itens do código eleitoral e – atenção, Tábata! – do
código do consumidor. O esquema de Pablo Marçal para reprodução paga de cortes,
com participação do “cortador” a obter “cortares” subordinados é pirâmide e
fere o Art ii, inciso 9º da lei 1521/1951, também conhecida por Lei dos Crimes
contra a Economia Popular.. O esquema está mais para Amway do que para pirâmide
pura, mas continua provocando o mesmo resultado.
Marçal é a maior
vocação que aparece, até agora, como o Milei brasileiro. Se não for parado
enquanto é minhoca, virará jibóia.
¨ Clã Bolsonaro muda estratégia e deixa de criticar Pablo Marçal
para não perder apoio
O ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) e seus filhos cessaram desde sábado (24) os ataques ao candidato
à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, Pablo Marçal, informa a jornalista Mônica Bergamo, da
Folha de S. Paulo. Entre as razões para a mudança de
estratégia está a repercussão negativa que o conflito gerou entre os eleitores
de direita, que criticaram duramente os filhos de Bolsonaro e seus aliados.
Ao contrário de outros
adversários da direita que foram atacados pelos Bolsonaro, como Sergio Moro
(União Brasil) e Joice Hasselmann (Podemos), Marçal teria crescido ao ser
defendido pelos eleitores desse espectro político. Além disso, aliados analisam
que o ex-coach poderia crescer ainda mais se a briga com Bolsonaro continuasse,
já que ele estaria no centro dos holofotes. "Ao entrar nessa disputa,
Bolsonaro dá a ele uma relevância que Marçal ainda não tem", disse um
aliado do ex-presidente.
Outro fator que pesou
para o fim do conflito público com Pablo Marçal foi o bloqueio das contas do
candidato nas redes sociais após decisão da Justiça Eleitoral. Bolsonaro chegou
a se manifestar contra o bloqueio. Na avaliação de seus aliados, se ele continuasse
com as críticas, iria aparecer que o ex-presidente estava apoiado a “censura”
contra Marçal. "Independente de quem tenha a rede censurada, eu não
compactuo com essa prática, porque cada vez mais vai se tornando uma rotina.
Daqui a pouco estamos todo mundo aí censurado", escreveu.
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Marçal revela que sonha disputar a Presidência da República em 2026
Há cerca de um mês,
antes de sua inesperada ascensão nas pesquisas eleitorais, o coach e empresário
de extrema direita Pablo Marçal (PRTB) confidenciou a um interlocutor que
disputar a prefeitura de São Paulo não era o seu verdadeiro objetivo. “Eu quero
é ser presidente da República”, teria confidenciado Marçal, de acordo com a
coluna do jornalista Lauro Jardim, de O Globo.
Nesta semana, em
entrevista ao programa Brasil Agora, da TV 247, o historiador Fernando Horta
afirmou que Marçal busca se mostrar um outsider mais preparado do que Jair
Bolsonaro (PL) visando disputar a Presidência da República em 2026. Horta
explicou que Marçal está repetindo a tática usada pelo Movimento Brasil Livre
(MBL) em seus primeiros anos, utilizando ferramentas digitais para disseminar
uma narrativa distorcida e atacar adversários.
“Ele está se lançando
candidato, não à Prefeitura de São Paulo, mas à presidência da República em
2026. Ele vai vir para a presidência como um outsider, numa condição melhor do
que o Bolsonaro conseguiu. E aí é que nós vamos ter que ver qual vai ser a postura
do Bolsonaro. Se ele vai se aceitar ultrapassado, se ele vai se aceitar
desimportante e abraçar o Pablo Marçal para tentar obter algum tipo de vantagem
politicazinha ali, ou se ele vai bater de frente e aí eu acho que ele perde,
porque o Marçal tem mais recursos, mais ferramentas e menos ética ainda do que
tinha o Bolsonaro”, disse Horta.
Fonte: Jornal GGN/Brasil
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