quarta-feira, 31 de julho de 2024

“O Estado retorna com todas as suas formas mais brutais, incluindo a guerra”, diz pesquisador

Paolo Gerbaudo é pesquisador sênior da Faculdade de Ciência Política e Sociologia, da Universidade Complutense, com passagem pelo King’s College London. No ano passado, publicou Controlar y proteger: El retorno del Estado (Verso).

Para ele, a crise financeira de 2008 e a pandemia revelaram as deficiências do neoliberalismo e das inércias globais e, mais do que em uma transição, estamos em um novo mundo. A Pax Americana morreu e abriu passagem a um conflito entre blocos em que o Estado, com suas formas mais severas e brutais, volta a ocupar um papel central.

<<<< Eis a entrevista.

·        Quando Donald Trump afirmou que “o futuro não pertence aos globalistas, mas aos patriotas”, anunciava o fim da globalização?

Esse discurso de Trump capturava algo da atmosfera dos avançados anos 2010, que era essa perda de confiança na globalização. A direita atribui esse globalismo aos liberais, a Biden e ao Partido Democrático, na Itália. O  Vox  faz o mesmo jogo com Sánchez, na Espanha, quando na realidade são eles os globalistas e os aliados do poder financeiro.

No entanto, compreenderam que, ao menos publicamente, declarar-se a favor da globalização não é tão popular como era antes. As pessoas encontraram aspectos positivos na globalização, seja pelos produtos baratos ou pela possibilidade de viajar livremente, mas a sua desconfiança aumentou porque viram que as suas condições de vida e de trabalho pioraram.

·        Os discursos antiglobalistas da direita se tornaram uma forma de culpar os outros pelos seus próprios erros?

Sim. Na realidade, tentam tirar proveito apelando a interesses mais locais frente a forças invisíveis, impessoais, em nível global. E isso não é simplesmente uma coisa irracional. Afinal, a proximidade é a lógica de definição do político.

Parte da esquerda se converteu em um liberalismo muito superficial, que vê esta lógica de proximidade como algo que é intrinsecamente negativo, que leva ao nacionalismo, ao racismo, à discriminação. Contudo, isso não é verdade. Existem formas de identidade local que são abertas, inclusivas e solidárias. Existem formas de patriotismo que são as bases do republicanismo e do espírito democrático.

·        O ponto de inflexão da crise do neoliberalismo foi o que aconteceu em 2008?

Foi a primeira peça do dominó, que fez as outras caírem com atraso e sucessivamente. Demonstrou uma enorme disfuncionalidade do sistema econômico global e fez saltar pelos ares a perigosa ideia do mercado que se autorregula, sendo isto é pura ficção.

Naquele momento, falava-se do neoliberalismo zumbi, que sobrevivia a si mesmo e desenvolvia formas diferentes, mais autoritárias, mais austeras. Era um neoliberalismo que perdia seu elemento de desejo e de promessa, de  marketing, de things can only get better, como dizia a canção da campanha do New Labour, de 1997, de que vamos nos tornar todos ricos e passar muito bem.

No meu livro, uma fonte de inspiração foi superar essa ideia de que estamos em uma transição pós-neoliberal. E envolvido um pouco por essa citação de  Gramsci que diz que é o tempo dos monstros, enquanto o velho mundo está morrendo e o novo ainda está por nascer, busquei refletir que todas as transições terminam. Minha aposta no livro é dizer não, já chega de ficar nesse limbo, aceitemos que já estamos em um mundo novo.

·        Um mundo novo em que o Estado retorna…

Um mundo novo que é espantoso, em que o Estado retorna em todas as suas formas mais brutais, incluindo a guerra. Este mundo é a realidade que temos de encarar, porque, caso contrário, ficamos em um mundo de espelhos, no qual só ganhará a direita, que sabe se desenvolver nesse tipo de cenário.

O que aconteceu em 2008 e tudo o que veio depois geraram muita raiva. A Covid demonstrou que sob essa superfície de segurança, de rotina, havia magma, um lago vulcânico que estava pronto para explodir. E explodiu com a  guerra na Ucrânia, com o enfrentamento entre os Estados Unidos e a  China, e essa estabilidade da Pax Americana abriu passagem a um conflito entre blocos.

·        O Ocidente está mudando de posição em relação às regras que havia imposto, como se observa nas discussões sobre as barreiras alfandegárias?

Claro. Isso é o que nos diziam muitos economistas como Ha-Joon Chang, que destacava que o livre mercado era uma mentira que os estados hegemônicos do  capitalismo contavam aos países em desenvolvimento, porque naquele momento lhes convinha. E agora, diante da China, somos nós os seguidores em muitos aspectos. Assim como no ciclismo, somos nós que vamos correndo atrás do líder.

·        Os subdesenvolvidos.

Somos subdesenvolvidos por culpa do neoliberalismo.

O  neoliberalismo  destruiu a economia, pois provocou a ilusão de que o que conta é o dinheiro e que não importa onde é produzido. Isso nos levou a abandonar as produções navais, os estaleiros, a produção de baterias. Levou-nos a deixar tudo isto nas mãos da China, que aproveitou para se tornar um país líder em tecnologia.

·        E agora são solicitadas tarifas.

A fantasia do livre mercado levou a este desdobramento, e agora não podemos nos queixar porque a China jogou bem o nosso jogo. O que devemos reconhecer é que foi o jogo que fracassou. Agora, considero legítimo que países subdesenvolvidos como os nossos utilizem tarifas moderadas.

No entanto, penso que precisamos de uma economia social que priorize o interesse dos trabalhadores, com produtos acessíveis, bons e sustentáveis. Não proponho uma autarquia, nem um isolamento total, pois sempre haverá um mundo de intercâmbios comerciais. O problema é que o  hiperglobalismo  levou a uma dependência extrema, beneficiando apenas um pequeno grupo financeiro.

·        Voltando a 2008, as políticas de austeridade levaram à ascensão de vários partidos de esquerda antiestablishment, como o Podemos e o Syriza. Hoje, estão quase acabados. No entanto, observamos a ascensão da extrema direita. Por que os primeiros fracassaram e os segundos triunfaram?

Houve falhas de política e de liderança, falhas de organização e até de caráter no caso de Tsipras, no sentido de prometer algo que não é possível cumprir. Aquele referendo que houve na Grécia e enganar o povo grego foram desastrosos para a credibilidade da esquerda. Esses movimentos foram muito importantes porque souberam capturar um entusiasmo popular e um desejo de mudança.

Fracassou-se, mas, claro, quando há fracassos em todos os casos, quer dizer que há algo mais profundo. E esse algo mais profundo é, por um lado, subestimar o nível de jogo do adversário. Por outro lado, é preciso considerar que tanto  Meloni quanto Abascal são exércitos, não jogando com a assembleia ou com a espontaneidade. Estamos diante de um enorme nível de profissionalismo e de organização, com muito dinheiro por trás.

Portanto, houve uma espécie de inocência na esquerda. Se você é contra o sistema econômico, não pode ir para esse confronto com boas intenções. Precisa ter força para a organização e paciência. Então, penso que o imediatismo foi um erro. Acredito que faltou pensar de forma mais concreta qual era o projeto de país, a alternativa produtiva e de sistema econômico para dar às pessoas uma ideia de futuro que pudesse acompanhar esse discurso de mais longo prazo.

·        Por que a extrema direita lidera, agora, esse discurso de defesa do Estado?

O capitalismo tem múltiplas facetas. Por um lado, existe um  capitalismo  orientado às exportações, competitivo em nível internacional e produtivo, que é a referência de centristas, liberais, de figuras como Macron e de grande parte da social-democracia liberal. Por outro lado, existe um capitalismo nacional, improdutivo e não competitivo, mas com inúmeros interesses devido à quantidade de postos de trabalho que abrange.

Este setor encontra proteção em uma parte da direita, que defende o pequeno proprietário e os pequenos negócios, que temem o grande capitalismo. Neste contexto, o Estado é visto como um protetor, seja através de tarifas ou de medidas de segurança frente às ameaças como a imigração, que é percebida como um perigo.

·        Ao passo que a esquerda…

Na esquerda, a partir de 68, dos anos 1970, passou a existir uma corrente libertária que naquele momento fazia sentido frente ao stalinismo e o  burocratismo da social-democracia. No entanto, esta posição se transformou em uma espécie de neoliberalismo cultural, um “neoliberalismo para hippies” que impede uma reflexão estratégica sobre o poder e sobre o que Gramsci chamava de “fazer-se Estado”.

Segundo Gramsci, a classe trabalhadora deve assumir o controle de seu próprio destino, da história, criar uma classe dirigente e governar. A  esquerda  enfrenta dificuldades em assumir esta responsabilidade histórica.

·        Em outra entrevista, dizia que o populismo de esquerda é a melhor resposta ao populismo de direita. Isto não implica que a esquerda se renda à lógica e aos métodos da extrema direita?

A definição de populismo depende de como é interpretado. Para mim, especialmente nos anos 2010, o populismo representava a rejeição popular ao projeto neoliberal. Durante aqueles anos, surgiu um forte sentimento de descontentamento e crítica à classe política. Isso, em certo sentido, era saudável.

Sou italiano e sigo obcecado por Gramsci, que falava de uma crise orgânica quando os laços entre representantes e representados são rompidos. Os cidadãos retiraram o seu apoio aos políticos tradicionais, criando uma fase de suspensão e transição em busca de novos líderes. O populismo daquela época refletia este momento de transição, no qual a velha classe política já não era aceita e surgia a necessidade de buscar ou criar novos representantes.

A direita resolveu esta crise criando uma nova identidade política que combinava o mercado capitalista com o nacionalismo, protegendo os interesses dos ricos. Ao contrário, a esquerda ficou dividida entre a nostalgia do passado e uma visão involuntariamente hiperliberal da política, e a consciência de que este mundo não pode mais ser recuperado e que é necessário construir um diferente.

·        Nas redes sociais, florescem discursos anarcocapitalistas que depois conseguem promover Javier Milei, por exemplo. Existe uma espécie de alergia ao Estado. Por quê?

Milei é o exemplo mais claro de uma tendência à rejeição do Estado. Parte da sociedade, principalmente a classe média cansada, vê o Estado como um intrometido ilegítimo que impõe impostos. Este discurso hiperneoliberal  ressalta apenas os aspectos negativos do Estado e oculta a realidade de que mesmo os sistemas mais capitalistas dependem da intervenção estatal.

O neoliberalismo de Milei, baseado em memes e simplificações, é um sintoma da crise do neoliberalismo. Milei está destruindo serviços públicos essenciais para a economia. Seu discurso moral e de guerra cultural faz sucesso entre pequenos empresários e criptoinvestidores que creem não precisar do Estado, embora se beneficiem de seus serviços como estradas, polícia e bombeiros. Esta classe média arrogante e insatisfeita, que sente que lhe devem algo, é politicamente perigosa.

Falta uma cultura do Estado que o apresente como um motor de desenvolvimento.   Não é que gostemos do Estado. O Estado pode ser um meio de opressão. O que nós, democratas, gostamos é do Estado democrático. Ou seja, o Estado como pilar de um sistema republicano de participação, envolvimento, coesão e solidariedade.

·        Nesse mundo de estados, qual é o papel desempenhado pelas nações que precisamente não contam com um?

É uma questão muito importante no contexto europeu, onde existem diferentes níveis de soberania, como nações sem Estado se relacionam com Estados multinacionais. E esta é uma questão muito difícil de resolver em um contexto de conflito democrático.

Penso que a autodeterminação tem que ser a lógica em que essas questões se desenvolvem. Contudo, aceitando também que essa lógica não é tão simples como pode parecer. Cabe definir quais são as regras, o momento. E acredito também que qualquer processo de autodeterminação também tem custos.

·        Viemos de eleições europeias em que a extrema direita alcançou quase 25% dos votos. Que futuro vislumbra para a União Europeia?

O futuro é preocupante porque não tem projeto. Não tem rota de saída para superar o impasse entre uma União Europeia que não sabe “fazer-se Estado” e Estados-nação que já não são, realmente, estados. Este vazio de poder e a  falta de legitimidade criam uma situação explosiva, agravada pelo conflito militar próximo e uma aliança europeia desorganizada e sem coesão interna.

A direita de Meloni, com suas raízes no fascismo, é inquietante. No entanto, sua liderança não busca mudar o sistema econômico, mas, sim, perpetuar as atuais desigualdades e o caos para manter interesses particulares, usando sua cultura extremista mais como um truque estético do que como um verdadeiro projeto.

 

Fonte: Entrevista com Paolo Gerbaudo, por Ibai Azparren, no Naiz  tradução do Cepat, em IHU

 

Salvador: Moradores antigos do Centro Histórico pagarão alto preço com chegada de grandes empreendimentos

No Centro Histórico de Salvador, centenários prédios entre a Praça da Sé e a Rua Chile estão dando lugar a hoteis e restaurantes de luxo. A mudança na paisagem urbana está acompanhada de um aumento significativo no custo de vida na região. O surgimento de empreendimentos comerciais de alto padrão e as obras em curso trazem uma nova fase para o local, levantando preocupações entre antigos moradores e comerciantes sobre os possíveis benefícios e prejuízos dessa transformação.

A quarta matéria da série “Da Decadência Urbana às Noites de Luxo no Centro de Salvador” explora como essas melhorias urbanas podem levar ao aumento dos preços de aluguel, alimentação e serviços, refletindo o fenômeno da gentrificação. Ele ocorre quando um bairro se torna mais caro e mais sofisticado, o que pode beneficiar a área, mas também pode deslocar os moradores que já viviam lá.

•        Investimento de grandes grupos

No Centro Histórico de Salvador, grandes grupos empresariais enxergam na decadência uma oportunidade para revitalizar o Centro, utilizando suas riquezas para transformá-lo em um ponto promissor da economia de luxo soteropolitana.

Um dos principais investidores na transformação da região é o Grupo Fera Investimentos, que adquiriu vários imóveis na área. Em entrevista ao BNEWS, o advogado Felipe Almeida, que participou da venda de cinco imóveis para o Grupo Fera no final do ano passado, acredita a área será reconfigurada para atender a um público de alto padrão, com a expectativa de que a transformação traga um novo perfil para a região. “As coisas por ali vão mudar muito. Vai ser para um público de nível A +”, avalia.

As vendas das quais tem participado são em locais como a Rua Chile, Rua Carlos Gomes e o Comércio. Ele explica que são imóveis antigos, por vezes com dívidas e em estado crítico de conservação, mas em pontos privilegiados da cidade, com vista para a Baía de Todos-os-Santos.

•        Deslocamento dos residentes históricos

A chegada das empresas de alto padrão não é bem aceita por alguns moradores do Pelourinho. A trancista Natasha Mendonça, de 24 anos, vive no local desde que nasceu. Mora em uma casa própria, o que considera um aspecto facilitador, mas diz ver conhecidos migrando para outros bairros devido ao aumento do custo de vida e às desocupações durante projetos de requalificação feitos no bairro nos últimos anos.

"Dá pra contar nos dedos quantas famílias moram, de fato, no Pelourinho. Porque o público maior é hoteis, pousadas… E o povo se vê sufocado a sair daqui", protesta. Ela frisa que a maioria dos moradores trabalha no local e a distância do trabalho gera obstáculos, como mais horas fora de casa e maior custo no dia a dia.

Um ex-morador da região, que preferiu não se identificar e trabalha como hostess em hoteis e restaurantes locais, relata que, apesar da conveniência de viver próximo ao trabalho, foi forçado a deixar o Pelourinho. “Ficou mais barato morar em Brotas do que morar aqui”, lembra, ao classificar o momento como “péssimo” para os antigos habitantes.

•        Impactos

O economista e professor universitário Edísio Freire explica que empreendimentos de luxo podem provocar gentrificação. Ele observa que, à medida que o ticket médio aumenta, isso pode ser economicamente positivo, pois indica desenvolvimento da área. No entanto, sugere que esse processo pode levar à segregação de algumas famílias que não conseguirem acompanhar as mudanças econômicas.

"O ticket médio começa a aumentar. Isso é muito positivo do ponto de vista econômico, porque a área se desenvolve. Com um público disposto a pagar um preço maior, é preciso oferecer um serviço melhor. Então, a região fica mais cara. E talvez algumas famílias que não conseguirem acompanhar esse processo acabem sendo segregadas", explica.

O vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA), Ernesto Carvalho, reforça que a segregação socioespacial ou socioeconômica é característica da gentrificação. “Provoca a saída de moradores ou frequentadores antigos por causa do aumento do custo de vida. Pode acontecer em áreas urbanas onde há expectativa de valorização ou revalorização imobiliária”, acrescenta.

Conhecido como ‘Mestre Calá’ no Pelourinho, Clarindo Silva passou a vida inteira na região. Dos seus 82 anos, 53 foram dedicados à administração do renomado restaurante Cantina da Lua, localizado no Terreiro de Jesus. Para ele, a chegada de empresas de alto padrão contribui para a preservação da área, além de gerar empregos e renda. No entanto, ele ressalta a importância de não prejudicar a população local e defende a implementação de ações sociais. “As pessoas precisam ter sensibilidade de que nós é que estamos aqui há vários anos. Merecemos respeito e isso a gente cobra da maneira mais enfática possível”, diz.

A líder comunitária do Santo Antônio Além do Carmo, Tânia Pastori, enxerga oportunidades de emprego na região e acredita que a inflação não tem afetado negativamente a população local. “É uma área de classe média. Tem pessoas de baixa renda, mas não como em outros lugares. Até essas famílias gostam das coisas que acontecem, porque conseguem renda.” Também reforça que os imóveis ficaram muito mais valorizados, com alguns alcançando preços em torno de R$ 1 milhão.

Tânia aponta que os moradores dominam os estabelecimentos do bairro e fazem parte da característica local. Por isso, não acredita em um possível processo de migração. “Os visitantes não querem ver uma avenida de longe. Querem ver um bairro bucólico, parecendo interior. Por isso, precisamos predominar o comércio, para evitar a gentrificação”, acredita.

O sociólogo e professor do Serviço Social da Indústria (Sesi), Leandro Passos, sugere que a percepção da população em relação ao aumento do custo de vida e às mudanças na cidade está diretamente relacionada à degradação da qualidade de vida e à segregação espacial.

O especialista explica que o aumento do custo de vida resulta na perda de recursos econômicos, levando a restrições no consumo e no acesso a serviços comuns, enquanto a segregação espacial provoca um sentimento de estranhamento em relação a um espaço que antes era familiar.

“Isso pode ser facilmente observado em Salvador em bairros que passam por um processo de gentrificação, a exemplo do Santo Antônio Além do Carmo, no qual anteriormente tinha em todo seu ecossistema uma dinâmica mais popular e devido a intervenções urbanas e econômicas mudam a natureza da região. Compra e reforma de imóveis por grandes empresas e consequentemente a elevação do seu padrão alteram a destinação social fazendo surgir moradias com valores mais caros e empreendimentos voltados a um público que não os dos moradores tradicionais daquela localidade. Sendo assim, é inevitável não ocorrer uma segregação e uma hostilidade ainda que sutil às camadas mais populares”, explica.

Já o economista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Marcos Alban, defende que a gentrificação não se aplica ao Centro Histórico. Ele aponta que não há infraestrutura suficiente para atender a população de alto padrão em setores como o de mobilidade, como acontece em áreas nobres. Alban ressalta que há restrições para as modificações que seriam necessárias, por ser uma área tombada.

Para que os novos empreendimentos se firmem a longo prazo, o especialista aponta como solução a moradia popular. Ele diz que a movimentação local proporciona sensação de segurança aos turistas e visitantes. “É preciso que os soteropolitanos ocupem o Pelourinho, morem na Rua Chile, da mesma forma que moram no Santo Antônio Além do Carmo”, defende.

O vice-presidente do CAU-BA, Ernesto Carvalho, destaca que a utilização de prédios públicos pela iniciativa privada pode contribuir para o processo de gentrificação.  Segundo Carvalho, embora isso possa gerar oportunidades de trabalho para diversas faixas socioeconômicas, a definição de áreas inteiras para empreendimentos exclusivos, se não for bem planejada, pode intensificar esse processo.

Ele defende que o poder público deve equilibrar a revitalização com a criação de moradias populares e o estímulo ao surgimento de serviços essenciais, como mercados, farmácias e escolas. "Poderia se converter em oportunidade de trabalho para diversas faixas socioeconômicas. Mas a definição de zonas inteiras destinadas a empreendimentos exclusivos tende, se não bem dimensionada ou devidamente planejada, a ser uma âncora desse processo", diz.

•        Desenvolvimento é necessário e gentrificação é inevitável

O economista Edísio Freire concorda que o desenvolvimento é necessário e que a gentrificação é inevitável, mas acredita que um equilíbrio será encontrado. Ele prevê que o início do processo será marcado por adaptações, com desafios para alguns e oportunidades para outros.

"O momento inicial vai ser de adaptação, com agonia para uns e alegria para outros. Quem conseguir se adaptar vai se manter, e os que não conseguirem vão precisar encontrar novos caminhos. E as empresas que chegarem vão promover o desenvolvimento na região. Mas à medida que as coisas forem evoluindo, a estrutura em si vai se adaptar", avalia.

Em meio a essa discussão, a transformação do Centro Histórico de Salvador segue em plena ebulição, impulsionada pela chegada de empreendimentos de alto padrão e pela valorização dos imóveis. O equilíbrio entre progresso e preservação será crucial para garantir que a evolução da região beneficie a todos, sem sacrificar a identidade e o bem-estar das comunidades históricas.

 

Fonte: BNews

 

O que são disruptores endócrinos e como evitá-los

Você já ouviu falar em disruptores endócrinos? O nome parece ser difícil, mas todos nós estamos em contato com eles durante o dia a dia. Essas substâncias nocivas vêm ganhando cada vez mais destaque em pesquisas nos últimos anos.

A preocupação tende a aumentar. Isso porque a cada dia vemos vários estudos apontarem os danos que esses organismos fazem à saúde e ao meio ambiente,

Os disruptores endócrinos (DEs) (endocrine disruptors chemicals, em inglês) são uma gama de substâncias químicas que podem interferir no sistema hormonal. Assim, alterando a forma natural de comunicação do sistema endócrino. E, logo, causando distúrbios na vida selvagem e também afetando a saúde do próprio ser humano.

<><> Como agem os disruptores endócrinos no organismo humano

Os DEs atuam no organismo humano por meio da imitação dos hormônios naturais (como o estrogênio). Dessa forma, pode ocorrer um bloqueio da ação hormonal natural e uma alteração dos níveis de hormônios endógenos.

Já existem na natureza muitas substâncias similares, como os fitoestrógenos presentes na soja. Porém, os artificiais supõem um perigo muito maior que os compostos naturais. Isso porque eles persistem no corpo durante anos, enquanto os estrógenos naturais podem ser eliminados em poucos dias.

Nosso organismo é capaz de eliminar os estrógenos naturais por já estarmos adaptados a eles. Mas muitos dos compostos artificiais resistem aos processos de excreção. Além disso, se acumulam no organismo, submetendo animais e humanos a uma contaminação de baixo nível, mas de longa duração. Essa forma de exposição crônica por substâncias hormonais sintéticas não tem precedentes em nossa história evolutiva.

<><> Em que produtos podemos encontrar disruptores endócrinos?

Os primeiros relatos de substâncias químicas que agiam como disruptores endócrinos apontavam para o dietilestilbestrol. Esse é um medicamento usado por mulheres entre os anos 50 e 70, o qual apresentou resultados desastrosos. Como câncer de vagina e infertilidade nas filhas nascidas de mães que o usaram, além de deformações irreversíveis do útero.

Os filhos também podem ser afetados através da exposição aos desreguladores endócrinos no leite materno. Experimentos em animais já mostraram que a exposição a disruptores endócrinos influência no desenvolvimento do sistema reprodutivo masculino.

Um estudo constatou que fetos expostos a produtos desreguladores endócrinos possuem duas vezes mais probabilidade de ter volume de sêmen abaixo dos valores de referências estabelecidos pela OMS. Esses volumes são 2 ml de sêmen e 40 milhões de espermatozoides. Isso explica, em parte, a baixa qualidade do sêmen de alguns jovens suíços. Nesse estudo, os produtos mais associados foram pesticidas, ftalatos e metais pesados.

Outros inúmeros prejuízos foram causados por pesticidas como o DDT, inicialmente considerado como “milagroso” pelo controle de pragas na lavoura. Ele provocou vários problemas na saúde da população no mundo todo, inclusive no Brasil, principalmente na região de Cubatão.

Esses compostos sintéticos são originários de diferentes tipos de indústrias, destacadamente a química. Anualmente são lançadas novas substâncias no mercado sem o devido estudo prévio em relação aos efeitos nos organismos e no meio ambiente. Portanto, estamos constantemente entrando em contato com novas substâncias que podem atuar como desreguladores hormonais.

Além disso, outros produtos encontrados em casa também são fontes de disruptores endócrinos, como os produtos de higiene pessoal, cosméticos, aditivos alimentares, embalagens, recipientes de plástico e contaminantes. Para entendermos melhor, devemos conhecer alguns grupos de disruptores endócrinos mais comuns e com os quais entramos em contato todos os dias.

•        Exemplos de disruptores endócrinos a serem evitados

Confira algumas matérias que explicam de forma mais detalhada como agem, onde são encontrados e como evitar alguns disruptores endócrinos:

•        Ftalatos;

•        Bisfenol F;

•        Benzeno;

•        Bisfenol A;

•        Parabenos;

•        Bisfenol S;

•        Chumbo;

•        Triclosan;

•        Tolueno.

Além desses compostos, um relatório demonstrou que diversos tipos de plástico se comportam como disruptores endócrinos. Desse modo, podendo causar esterilização, problemas comportamentais, diminuição da população e outros danos à saúde.

<><> Perigo em baixa doses

Ainda não se sabe qual a quantidade necessária de disruptores endócrinos para causar danos à saúde humana. Entretanto, estudos epidemiológicos apontam que quantidades ínfimas já teriam a capacidade de serem perigosas, oferecendo efeitos adversos ao funcionamento do sistema endócrino.

Os disruptores endócrinos podem interagir e produzir efeitos significativos, mesmo quando combinados em baixas doses, as quais individualmente não produziram efeitos observáveis.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há indícios de que a exposição aos disruptores endócrinos ao longo do tempo aumentam algumas doenças, como:

•        Reprodutivas/endócrinas: câncer de mama, câncer de próstata, endometriose, infertilidade, obesidade, diabetes;

•        Imunes/autoimunes: suscetibilidade a infecções, doenças autoimunes;

•        Cardiopulmonares: asma, doenças cardíacas, hipertensão, infarto;

•        Cerebrais/nervosas: mal de Parkinson, mal de Alzheimer, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dificuldades de aprendizado e outras condições que afetam o sistema nervoso.

Outro problema relacionado aos disruptores endócrinos é a obesidade. Acredita-se que a principal ação dos disruptores endócrinos relacione-se à interferência na diferenciação do adipócito e nos mecanismos de homeostase do peso. No Brasil, as maiores prevalências de obesidade são encontradas nas regiões mais industrializadas do país, portanto, onde potencialmente ocorre maior exposição da população aos disruptores endócrinos.

Embora haja alguns esforços no sentido de barrar os disruptores endócrinos, existe uma infinidade de produtos químicos sintéticos que ainda não foram avaliados quanto à atividade de desregulação hormonal e muitos não são identificados pelo fabricante no produtos.

Por conta disso, estamos olhando apenas a ponta do iceberg, ainda há perguntas a serem respondidas, como:

•        Quantos disruptores endócrinos existem?

•        De onde eles vêm?

•        Quais os seus efeitos a longo prazo?

•        Quais seus mecanismos de ação?

 Todas essas perguntas precisam de respostas.

Enquanto isso, temos que nos precaver e buscar novas informações para sabermos como evitar os disruptores endócrinos e outras substâncias nocivas.

 

•        Quem usa batom, brilho ou protetor labial pode estar ingerindo, aos poucos, metais pesados

Além das cores, os batons proporcionam hidratação, proteção solar e antienvelhecimento aos lábios. Eles também protegem a pele labial contra a poluição do ar, pois formam uma camada que impede o contágio de alergias provocadas por partículas presentes no ar ou veiculadas pelas próprias mãos. Acontece que alguns desses cosméticos podem conter substâncias tóxicas, como metais pesados, e até componentes cancerígenos. Porém, essas informações não são tão difundidas e, quando chegam ao conhecimento dos usuários, são subestimadas porque tais produtos normalmente não são ingeridos, e sim aplicados sobre a pele ou cabelo. Mas esse fato não exclui riscos associados aos tóxicos, ao contrário do que muita gente pensa. Com os batons coloridos ou sem cor, brilhos e protetores labiais, a história é outra, pois esses produtos são aplicados diretamente nos lábios e acabam sendo ingeridos em pequenas porções. Quem usa batom regularmente pode chegar a comer mais de dois batons inteiros por ano! É importante ficar ligado nos componentes do batom que você usa.

<><> Preocupação

Os riscos associados ao uso de itens labiais estão relacionados aos padrões de exposição tóxica presente nesses produtos (geralmente metais pesados). O uso do batom é diário e sua reaplicação ocorre, em média, 20 vezes por dia, segundo uma pesquisa. Levando isso em consideração, um estudo revelou que é possível ingerir de 24 a 87 miligramas de produto por dia. Se considerarmos uma aplicação ao longo dos 365 dias do ano, isso resulta na ingestão de mais de oito gramas de batom por ano. Para se ter uma ideia, uma embalagem comum de batom possui aproximadamente 3,5 gramas de produto, e oito gramas de batom correspondem a mais de dois batons inteiros ingeridos por ano.

Assim como a maioria dos artigos de beleza vendidos comercialmente, os batons podem conter parabenos, fragrâncias e corantes. Outras pesquisas revelaram ainda mais problemas à saúde ocasionados por certas substâncias presentes em cosméticos, como esmaltes, batons e outros itens de maquiagem.

<><> Chumbo

Pesquisadores da Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador de alimentos e medicamentos nos EUA, encontraram presença de chumbo em 400 amostras de batons de marcas amplamente disponíveis no mercado. A FDA regula apenas as concentrações de chumbo presentes nos corantes dos batons, estabelecendo um limite de 20 partes por milhão (ppm) de chumbo. Essa regulação da FDA é muito permissiva e vai contra estudos que apontam a não existência de níveis seguros de exposição ao chumbo. No Brasil, o acetato de chumbo é regulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e só pode estar presente em tintura capilar com limite de 0,6% contendo não mais que três ppm de arsênio e uma ppm de mercúrio. No Canadá e na Europa, o chumbo foi banido.

Mas “só” identificar chumbo na composição dos batons não é a pior parte. Foram encontradas concentrações de chumbo muito acima dos níveis identificados por pesquisas anteriores. Resumindo, algumas marcas elevaram o nível de chumbo presente nos seus batons em até dez vezes, por isso é tão importante verificar os componentes do batom que você usa.

<><> Outros tóxicos

Os alertas em muitos meios de comunicação enfocam, na maioria das vezes, a presença de chumbo nos produtos para lábios. Porém, em pesquisas conduzidas por pesquisadores da Environmental Health Perspectives e do Instituto Politécnico de Lisboa foram detectadas a presença de outros metais pesados como o níquel, crômio, alumínio, cádmio, cobalto, cobre, manganês e titânio em produtos labiais em geral e também em outros itens cosméticos, tais como lápis para olhos e hidratantes, e até em protetores solares. Sucede que essas substâncias químicas elencadas acima também fazem mal à saúde.

<><> Efeitos

O chumbo está associado à ocorrência de demência, depressão, agitação, agressão, perda de concentração, déficit de QI, hiperatividade, desregulação do ciclo menstrual, nascimento prematuro, Alzheimer, Parkinson, redução das capacidades cognitivas, entre outros distúrbios e doenças. Quando ingerido, os efeitos tóxicos principais do chumbo atingem o cérebro e o sistema nervoso. Altas concentrações de chumbo no corpo podem causar danos ao fígado, danos aos ossos, danos ao sistema reprodutivo e aumentar a pressão sanguínea. Segundo a Internacional Agency for on Cancer (IARC), que regula os riscos de determinados produtos causarem câncer, os compostos de chumbo inorgânico são classificados como possivelmente carcinogênicos para humanos. A Environmental Protection Agency (EPA), agência ambiental americana, classifica o chumbo e os seus compostos orgânicos como provavelmente cancerígenos.

O níquel pode ser considerado o campeão de alergias na pele. Em 2008, a União Europeia baniu o níquel na composição de cosméticos e estabeleceu restritas recomendações para produtos com este metal pesado que ficam em contato prolongado com a pele, como os brincos (veja sobre os possíveis problemas que a junção substâncias químicas mais joias podem provocar à saúde). Há estudos que comprovam problemas de dermatite alérgica até mesmo pelo uso de celulares que possuem em sua composição o metal em contato direto com a pele:

O cromo foi banido nos cosméticos pela União Europeia, Canadá, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Camboja, Mianmar e Malásia. A substância pode provocar ao longo da vida problemas de pele como a dermatite. O cádmio, por sua vez, está relacionado a problemas nos rins, ossos e pulmões.

Saiba mais sobre os problemas que envolvem os cosméticos em um vídeo produzido pelo The Story of Stuff Project, curtindo o vídeo.

<><> Cuidados e reciclagem

Evite comprar de marcas que estejam associadas à presença de chumbo e de outros metais tóxicos. Procure produtos livres de substâncias químicas nocivas à saúde. E continue atento aos rótulos para evitar o contato com outras substâncias perigosas, como as fragrâncias, corantes e parabenos.

Além desses cuidados, é importante também verificar a data de validade desses produtos. Quando vencidos, a eficiência deles diminui e os riscos de surgir alergia, irritações e herpes (no caso dos batons) aumentam, uma vez que são maiores as chances de ocorrer oxidação e decomposição dos ingredientes presentes na fórmula, incluindo aí as substâncias tóxicas. Sendo assim, se você perceber que a cor do batom mudou e ele estiver seco e exalando um cheiro diferente e desconfortável, saiba que esses são sinais de que está na hora de descartá-lo.

Pelo fato de alguns itens de beleza conterem em sua fórmula substâncias prejudiciais à saúde, como já dito, é importante descartar esses produtos de forma adequada. Pois, caso contrário, eles podem ocasionar a contaminação de solos e lençóis freáticos, por exemplo. Para dar um fim sustentável ao seu produto cosmético, você pode levá-lo até a loja em que o comprou – algumas empresas de cosméticos recolhem uma quantidade mínima de produtos vazios e, em troca, oferece ao cliente um novo produto da marca; e outras possibilitam que o cliente deixe o produto de beleza em agências dos Correios (veja como descartar corretamente cosméticos vencidos). Mas antes de levá-los a esses locais, para que sejam reciclados, não se esqueça de limpar antes o recipiente com um pano úmido.

No caso dos batons que não agradam mais a você, uma dica é transformá-los em um novo batom. Nesse caso, tire-os do invólucro e os coloque em uma vasilha. Leve a vasilha ao fogo em banho maria, e mexa os batons com um palito. Quando eles começarem a derreter, a cores vão se misturar, formando uma nova. Depois de derretidos, transfira o seu novo batom para um recipiente, espere esfriar e depois é só testá-lo. Outra opção é trocar com as amigas ou doar para alguém.

 

Fonte: eCycle

 

Da defesa em recepção em Brasília ao susto com 'banho de sangue': como a relação de Lula e Maduro murchou

A relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, murchou desde o início do mandato de Lula, e se desdobrou com troca de farpas e indiretas entre os dois mandatários nas últimas semanas.

Maduro vive um impasse político em seu país desde domingo (28), quando disputou a eleição. A situação é delicada para o Brasil, porque Maduro costumava ser um aliado de Lula, mas o governo queria eleições limpas e democráticas. E a oposição venezuelana e autoridades de outros países disseram que isso não ocorreu.

Assim que o presidente brasileiro assumiu o cargo, uma das primeiras ações do governo foi retomar as relações com a Venezuela, que até então tinham sido rompidas no governo anterior.

No primeiro ano de mandato, Lula fez questão de destacar a importância da aliança com a Venezuela e de reconhecer o governo de Maduro.

Mas após o país vizinho tomar ações contrariando acordos e excluindo observadores internacionais das eleições, além de invalidar candidaturas da oposição, a relação estremeceu (veja os detalhes adiante).

Nos últimos dias, Maduro mentiu que as eleições brasileiras não são auditadas, o que foi classificado pelo governo brasileiro como desrespeitoso.

O Brasil ainda não se posicionou oficialmente sobre se reconhece ou não a vitória de Maduro, anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão eleitoral da Venezuela, que é ligado ao governo daquele país.

O CNE declarou que o atual presidente se reelegeu por 51,2% dos votos.

O assessor especial do governo Lula para relações exteriores, Celso Amorim, está em Caracas, capital da Venezuela, onde acompanha os desdobramentos das eleições, e tenta manter o diálogo com Maduro.

Em uma conversa de cerca de uma hora na noite desta segunda, Amorim reforçou o pedido do governo brasileiro para a Venezuela publicar integralmente as atas da eleição presidencial.

<><> Elogios em público

Em maio do ano passado, Maduro esteve no Brasil para a cúpula de líderes da América do Sul. Antes disso, a última passagem dele pelo país tinha sido em 2015.

No dia anterior ao evento, que ocorreu em Brasília, Maduro esteve no Palácio do Planalto, onde se reuniu com Lula. Em seguida, os dois presidentes almoçaram juntos no Palácio Itamaraty.

Ao chegar ao Itamaraty, Lula posou para fotos ao lado de Maduro e fez a seguinte indagação antes de apertar a mão do presidente venezuelano: "Quantos anos vocês passaram ouvindo dizer que o Maduro era um homem mau?". Maduro respondeu: "Muitos anos".

Durante declaração naquele dia, o presidente brasileiro classificou o momento como "histórico" e disse que "brigou muito" com governos que não reconheciam Maduro como presidente da Venezuela. Ressaltou que o governo buscaria a "integração plena" entre os dois países.

Lula ainda afirmou, na época, que existia um preconceito contra o país vizinho e que o Brasil foi criticado por ser amigo da Venezuela. Foi nesse contexto em que o presidente brasileiro disse que a Venezuela precisaria divulgar sua "narrativa" — frase bastante criticada pela oposição do petista.

"Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa efetivamente fazer pessoas mudarem de opinião. [...] É preciso que você construa a sua narrativa, e eu acho que por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você", pontuou Lula na ocasião.

As eleições venezuelanas também fizeram parte da fala de Lula naquele dia. O presidente brasileiro argumentou que somente o povo da Venezuela, por meio de um pleito livre, poderia dizer quem iria governar o país. Chegou a mencionar que os adversários teriam de "pedir desculpas pelo estrago que fizeram na Venezuela."

As relações entre Brasil e Venezuela tinham sido rompidas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ainda em 2019, após assumir, Bolsonaro deixou de reconhecer Maduro como presidente venezuelano e passou a aceitar Juan Guaidó como presidente interino. Outros países também aceitaram a representação de Guaidó.

A relação foi retomada assim que Lula assumiu a presidência e, em 18 de janeiro, o Brasil estabeleceu representação diplomática para atuar na embaixada brasileira em Caracas.

Nicolás Maduro está no poder desde 2013. Ele sucedeu na função o seu padrinho político Hugo Chávez, que chefiou o país a partir de 1999 e morreu em 2013.

·        Telefonemas sobre eleição

Em outubro e dezembro do ano passado, Lula e Maduro conversaram por telefone.

Na conversa de outubro, Lula e o aliado esquerdista trataram sobre eleições na Venezuela; sanções dos Estados Unidos ao país vizinho; fornecimento de energia elétrica; e também propostas para o pagamento da dívida venezuelana com o Brasil.

De acordo com o Planalto, na ligação, Lula solicitou informações sobre negociações entre governo e oposição na Venezuela em torno da realização das eleições.

Lula também tratou, segundo o governo, sobre tratativas entre Venezuela e Estados Unidos para a suspensão de sanções norte-americanas, que, nas palavras do Planalto, "atingem a economia e a população civil" da Venezuela.

Contrários ao governo de Maduro, os EUA impuseram sanções econômicas à Venezuela. As medidas agravaram a crise econômica do país.

Outro assunto do telefonema de Lula e Maduro, segundo o Planalto, foram as propostas para a retomada do pagamento da dívida da Venezuela com o Brasil.

A dívida da Venezuela junto ao governo brasileiro estava estimada em US$ 1,2 bilhão em maio de 2023, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Em dezembro, os dois presidentes voltaram a se falar em ligação. Na ocasião, Maduro telefonou para Lula — momento em que havia uma tensão entre Venezuela e Guiana por uma disputa territorial pela região denominada Essequibo. A região hoje faz parte do território da Guiana, mas estava sendo reivindicada pelo governo de Maduro.

Na conversa, segundo o governo brasileiro, o presidente manifestou preocupação com a crise e fez um "chamado ao diálogo". Segundo fontes do governo brasileiro na época, Maduro recebeu bem a proposta de o Brasil ser uma espécie de mediador entre os dois países na disputa.

Depois de falar com Lula, Maduro publicou uma mensagem no X (antigo Twitter) em que mencionou uma possibilidade de diálogo com a Guiana. Mas, na época, não foi possível dizer se a postagem já estava programada ou se foi resultado da conversa.

<><> Mudança de temperatura

Em 1º de março deste ano Lula e Maduro voltaram a se encontrar durante a 8ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em São Vicente e Granadinas.

A expectativa de auxiliares próximos de Lula era que o presidente medisse a temperatura no país com relação às eleições presidenciais.

O Itamaraty buscava, por meios diplomáticos, levar a Venezuela a cumprir o Acordos de Barbados, que determina eleições transparentes no país.

Lula estava preocupado com a situação do país vizinho, após Maduro ter tomado ações que colocavam em risco esses acordos (veja algumas delas abaixo).

Na semana anterior, pelo menos 12 funcionários de um escritório local do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) deixaram a Venezuela, depois que o governo determinou sua saída.

Outros fatores também contribuíram para insegurança por parte de Lula, segundo relataram assessores do presidente do Brasil. Entre eles:

Aliado a esses fatores estava a disputa pela região de Essequibo, que aumentava o nível de tensão. Maduro já tinha sido avisado por emissários do governo brasileiro sobre o risco de perder o controle da situação.

Auxiliares do presidente brasileiro ainda disseram que Lula não apoiaria qualquer "aventura" de Maduro ao tentar anexar o território. Na época, o governo brasileiro reforçou as fronteiras e o efetivo de militares.

E, como o previsto, naquele dia da ligação, os dois líderes conversaram sobre eleições as venezuelanas. Mas também estiveram na pauta o contexto econômico, o comércio bilateral entre os dois países, e as parcerias para frear o garimpo ilegal nas regiões fronteiriças.

O único tema que ficou de fora na conversa desse dia, segundo assessores, foi Essequibo.

Já no fim de março, Lula voltou a falar sobre as eleições da Venezuela, durante uma visita do presidente da França, Emmanuel Macron, a Brasília.

Lula classificou como "grave" o veto à principal candidata de oposição a Maduro. Na ocasião, a professora Corina Yoris, não conseguiu completar o registro da candidatura à presidência.

"É grave que a candidata não possa ter sido registrada. Ela não foi proibida pela Justiça. Me parece que ela se dirigiu até o lugar e tentou usar o computador local e não conseguiu entrar. O dado concreto é que não tem explicação, não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato. Eu quero que as eleições sejam feitas igual a gente faz aqui no Brasil, com a participação de todos. Quem quiser participar, participa, quem perder chora, quem ganhar ri, e assim a democracia continua", desse Lula na época.

Outro candidato da oposição, Manuel Rosales, acabou conseguindo se inscrever de última hora.

Foi nesse momento em que Maduro começou a se tornar um vizinho incômodo para Lula.

<><> Troca de farpas

No dia 17 de julho, Nicolás Maduro disse em um comício, na Parroquia de la Vega, um distrito popular na Zona Oeste de Caracas, que o país poderia enfrentar um "banho de sangue" e uma "guerra civil" caso ele não fosse reconduzido ao cargo nas eleições de 28 de julho.

Na semana seguinte, em entrevista a agências internacionais, Lula disse ter ficado "assustado" com a declaração de Maduro. Acrescentou que o presidente venezuelano deveria aprender que, quando se perde uma eleição, é preciso respeitar o resultado e ir "embora".

"Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe, que a única chance da Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo", afirmou o presidentes às agências.

Naquele momento, Lula destacou que o Brasil enviaria observadores internacionais ao país, e o assessor da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o processo eleitoral do país vizinho.

No mês anterior, Lula já tinha conversado com Maduro sobre a importância da "ampla presença" dos observadores nas eleições venezuelanas e reiterou o apoio brasileiro aos Acordos de Barbados.

Isso porque a Venezuela tinha excluído a União Europeia da lista de observadores internacionais para as eleições de julho.

Em 23 de julho, após a declaração de Lula sobre estar assustado, Maduro rebateu a fala do presidente brasileiro sem citá-lo nominalmente. O presidente venezuelano afirmou: "Quem se assustou que tome um chá de camomila."

Nesse mesmo dia, ao falar sobre "banho de sangue", Maduro justificou que fez uma referência à revolta popular de 1989, conhecida como "Caracaço".

À época, dezenas de pessoas morreram. O evento provocou uma virada política na Venezuela nos anos seguintes, além da ascensão da popularidade de Hugo Chávez.

Mas, no dia seguinte, outra fala polêmica fez o Brasil se posicionar.

Maduro mentiu durante um comício, sem citar provas, que as eleições brasileiras não são auditadas, o que foi classificado pela equipe do governo como "provocação desrespeitosa".

Diante disso, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, reiterou que “as urnas e as eleições brasileiras são auditadas, desde o início do seu processo até o seu final”.

Após a fala, o TSE, então, decidiu voltar atrás e não enviar mais os observadores para acompanhar a eleição.

Ficou mantida apenas a ida de Celso Amorim como observador, que, até a publicação desta reportagem, acompanhava os desdobramentos do resultado da eleição.

Em conversa, com Maduro nesta segunda (29), Amorim reforçou o pedido do governo brasileiro para a Venezuela publicar integralmente as atas da eleição presidencial.

 

Fonte: g1