segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Mercado se cala às falas de Trump ao Fed, mas não admite que Lula critique o BC?

Imagina se fosse o presidente Lula quem dissesse, claramente, essa frase, perante a nata do mercado financeiro e do empresariado: “Vou exigir que os juros caiam imediatamente e, da mesma forma, eles deveriam estar caindo em todo o mundo”. Os porta-vozes do mercado financeiro viriam com quatro pedras na mão para acusar o presidente da República de estar tentando interferir na independência do Banco Central em relação ao poder Executivo. Isso ocorreu várias vezes na gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro em 2019 e que, em fevereiro de 2021, com a Lei 179 que deu independência ao Banco Central do Brasil, teve o mandato garantido até 31 de dezembro de 2024. Lula era sempre criticado por tentar interferir da “independência” do Banco Central, quando, na verdade, faltou ao BC de RCN trocar figurinhas com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para saber o que iria fazer o governo na política fiscal e na delicada recomposição dos impostos cortados eleitoralmente por Bolsonaro (ambos com impacto na demanda e na inflação). Mas quem disse essa frase, diretamente da Casa Branca, foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no telão transmitido aos participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça).

Não chega a ser novidade Trump fazer pressão contra as taxas de juros. Além dos interesses gerais da economia e da população, ele, como um grande empresário do ramo imobiliário, deseja juros os mais baixos possíveis. Juros altos travam a economia, o consumo e os investimentos. E são os inimigos dos mercados de ações e imóveis. Por isso, já na largada, Trump repetiu a mesma forma de pressão que aplicava ao Federal Reserve Bank (o BC dos EUA), com pouco efeito aparente em seu primeiro mandato, quando bem que tentou recuperar o tombo do mercado imobiliário com a crise financeira mundial que teve origem no mercado secundário de hipotecas, em 2008, embora anuncie medidas que podem gerar inflação e determinar cautela do Fed nos juros. O estranho é que não se ouviu, no mercado financeiro brasileiro, dos porta-vozes que execram Lula qualquer reparo à interferência de Trump.

O mercado financeiro, de um modo geral, se deixa levar pela cartilha ortodoxa monetarista. O mandato do Fed nos Estados Unidos tem três pontos básicos: garantir a estabilidade da moeda (e da inflação), garantir o bem-estar social e o pleno emprego, mas sem que uma ponta desequilibre a outra. No Brasil, além de “garantir a estabilidade do poder de compra da moeda” (e da inflação), o BC deve “zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. É o que deseja o presidente Lula. Mas o mercado financeiro acredita que tudo se resolve pela taxa de juro (de preferência subindo quando suas apostas são na mesma direção). O mercado financeiro é composto por compradores e vendedores de posições nas apostas nos mercados futuros. Uns apostam no pior, outros na posição contrária, geralmente acompanhando as posições do BCB ou do Fed.

Tanto Trump, quanto Lula e até Bolsonaro por meio de seu ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, um monetarista raiz/ortodoxo, aluno de Milton Friedman, não apostam todas suas fichas na política monetária para controlar a inflação. Guedes cortou diretamente os impostos federais e estaduais dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações, entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2022, para tentar reeleger Bolsonaro. Não adiantou. A inflação, que estava em 12% ao ano e o Banco Central não conseguia domar com a elevação dos juros, encolheu para 5,72% em dezembro, mas ainda estourou o teto da meta da inflação (5,00%) e não impediu a derrota do presidente e a eleição de Lula. Agora, com o país assolado por pressões inflacionárias causadas por desastres climáticos domésticos (enxurrada no RS, estiagem e incêndios no Sudeste e Centro-Oeste) e no exterior (seca na Ásia que quebrou as safras de café da Indonésia e do Vietnã, o 2º produtor mundial, e de açúcar na Índia) e pela pressão da escalada do dólar ante as ameaças tarifárias de Trump, a inflação dos alimentos à domicílio somou 8,22% no ano passado, quase o dobro da inflação oficial de 4,83%.

·        Muito palpite e pouca ação

Mas o pior que o governo pode fazer é tentar ter pressa e meter os pés pelas mãos para tentar baixar os preços dos alimentos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) errou ao não garantir estoques no mercado de soja em grão, ou não perceber os problemas externos do café, que subiu 39% no ano passado. Sem estoques, que se evaporaram de vez quando o dólar disparou no último trimestre, o óleo de soja subiu 21% nos supermercados. Foi menor que o desastre do MAPA na gestão Bolsonaro, quando o óleo de soja subiu 98% até setembro de 2022 porque toda a safra tinha sido vendida e o país teve de importar soja para fazer óleo. A queda de preços dos alimentos deve se acentuar de março em diante, com a entrada no mercado das safras de soja e milho. Vão baixar os preços das rações para aves, suínos (e concorrer com a carne) gado leiteiro e bovino em confinamento de engorda. E março tende a ser o pico dos aumentos de juros (1%) a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom, que se reúne dias 29 de janeiro e 19 de março). Se a cotação do dólar continuar em queda (sempre disse aqui que a causa era o medo de Trump, não problemas fiscais), o pior terá passado e a inflação tende a caminhar mais perto do teto da meta (4,50%).

Quando se dirige um carro é preciso olhar o que está à frente do para-brisa), mas cuidar do que está atrás (pelo retrovisor) e o que se passa à esquerda e à direita (sempre surge uma moto inesperada). Dirigir um país é algo semelhante, com surpresas à direita e à esquerda. Mas o governo parece estar muito fixado no que pode divisar com o farol alto via para-brisa (2026). O susto com a alta dos preços pode ter vindo de informes do IBGE. Eles surgem duas vezes por mês. Ao longo de 12 meses, os preços dos alimentos têm subido além da inflação (em 2023 foi o contrário: com a supersafra de grãos para uma inflação de 4,62%, os preços da Alimentação e Bebidas subiram só 1,03%. E uma grande ajuda veio da queda de 9,37% no preço da carne. Outro grande empurrão para baixo veio da queda de 14% nos óleos e gorduras. As donas de casa e consumidores em geral percebem os movimentos a cada ida à feira ou aos supermercados. Só os técnicos dos ministérios da Agricultura Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar parece não terem se dado conta de que, na metade do ano, os preços do café e do óleo de soja já subiam bem além do IPCA. No último trimestre, com a escalada do dólar, a carne que atravessou em baixa o 1º semestre disparou e fechou o ano em alta de 20%, o óleo de soja subiu mais de 20%, e o leite longa vida ficou 18% mais caro devido aos impactos na estiagem na produção leiteira.

É estranho que quando o presidente Lula fez uma visita à China, em fins de março de 2023, para marcar um desagravo do governo brasileiro aos insultos do governo Bolsonaro ao maior parceiro comercial do Brasil, responsável por mais da metade do saldo da balança comercial do país, ele levou uma comitiva recorde de ministros, políticos empresários e representantes da sociedade brasileira. Na comitiva estava o líder do MST, João Pedro Stedile, e a expectativa era de que os trabalhadores da agricultura familiar fossem aprender com as cooperativas chinesas técnicas de cultivo intensivo de alimentos básicos. Infelizmente, não se viram iniciativas do Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado por Paulo Teixeira, para atrair a Embrapa e a Emater nos estados para desenvolver espécies de sementes e tecnologia de cultivo para as pequenas lavouras de tubérculos e legumes, hortaliças e verduras e frutas. Na China, a revolução dos maquinários gigantes que fizeram a produtividade das grandes lavouras de soja, milho, algodão, sorgo e girassol darem um salto no Centro-Oeste do Brasil, já chegou à pequena lavoura. O que o governo precisa fazer é atrair esses fabricantes para o Brasil. Na base da enxada, sem assistência técnica adequada e máquinas que fazem o trabalho render, não há como a pequena lavoura ser altamente rentável e dar um salto de produtividade – garantindo preços mais baixos e estáveis para hortaliças e verduras, frutas e legumes ao longo do ano. O Brasil é um grande produtor e exportador de frutas, mas este ano, uma estiagem na Bahia arrasou a produção de bananas, cujos preços há muito perderam a expressão “a preços de banana em fim de feira”. Nem na hora da xepa, as bananas avulsas, despencadas, estão baratas.

No mais, é melhor ouvir mais as palavras sensatas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O que vai fazer os preços dos alimentos recuarem ou subir menos são dois fatores principais: a entrada da safra de grãos, que começa a ser colhida este fim de mês (arroz e soja no Sul) e soja e milho no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, até março-abril. O outro fator é o recuo do dólar, que já caiu mais de 5% nos últimos dois meses. Quanto menos barulho o governo fizer – com palpites desencontrados como perigosos, por darem margem a más interpretações, como no caso do PIX, melhor. Um ministro da Fazenda respeitado dentro do governo é o melhor plano anti-inflacionário.

·        A Paz custa bem menos

Lula já propôs, em fins de 2023, quando o Brasil presidia o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, um cessar-fogo entre Israel e o Hamas na faixa de Gaza (veto dos EUA impediu que se abreviasse em mais de um ano o sofrimento e o morticínio de palestinos). A resolução intermediada pelas administrações Biden e Trump e os governos do Catar, Egito, Arábia Saudita e as representações do Hamas e do governo de Israel, traduzem em bom português o preço da Paz. O melhor investimento para baratear preços é apostar na diplomacia para resolver conflitos. Lula sabia que alimentos e combustíveis baixariam os preços com um cessar fogo duradouro, como queria também entre Rússia e Ucrânia (um dos maiores produtores de combustíveis e um grande produtor de cereais). Trump assumiu a ideia. E Bolsonaro, toscamente, tentou dissuadir Vladimir Putin a não invadir a Ucrânia, em viagem a Moscou na primeira quinzena de fevereiro. Chegou a dar entrevista dizendo que tinha convencido Putin a não invadir a Ucrânia. O que ocorreu em 23 de fevereiro.

A guerra, com o posterior boicote dos países da OTAN ao gás russo, provocou uma escalada dos preços dos combustíveis e dos alimentos. Isso foi fatal às pretensões eleitoreiras de Bolsonaro, pois a vigência do PPI (sistema de paridades de preços internacionais) da Petrobras, criado em 2017 no governo Temer, forçava ajustes imediatos de preços internos dos combustíveis acompanhando as cotações internacionais e a variação do dólar (que também disparou na época). Depois de trocar três presidentes da estatal, no começo de 2022, Bolsonaro incumbiu Guedes de fazer a maior intervenção nos preços. Lula prometeu na campanha “abrasileirar” os preços usando mais o petróleo leve do pré-sal nas refinarias da Petrobras que passaram a operar a plena carga, e os preços não têm subido tanto. Sorte da população, apesar da grita do mercado financeiro, sob o argumento de que o “lucro da Petrobras iria cair” – o que não ocorreu. No IPCA-15 de janeiro a gasolina subiu 0,53%, mas a principal causa foi a alta de 1,56% do etanol (o álcool anidro entra em 27% na gasolina comum e faz o preço subir na bomba mesmo sem reajustes nas refinarias da Petrobras).

Trump, por sinal, copiou Lula quando apelou à Arábia Saudita, maior produtor de petróleo entre os aliados dos americanos, a investir mais para aumentar a produção e baratear os preços do petróleo. Preços mais baixos aliviam os orçamentos das famílias no Ocidente, África e Ásia, mas reduzem as receitas da Rússia, cuja produção rivaliza com a da Arábia e a americana, quando os planos de “drill baby drill” que sacramentam a saída do Acordo de Paris (e salve-se quem puder) reativarem a exploração de petróleo e gás nos territórios atuais dos EUA. Ou onde “Tio Sam” pisar suas botas. Trump usa a ameaça de queda de preços para forçar Putin a trocar o campo de batalha pela mesa de negociação na Ucrânia.

·        Para não dizer que não falei em política

Na última semana do recesso do Legislativo, uma briga de foice deve se instalar nos bastidores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a eleição da composição das mesas diretoras das duas casas do Congresso, sábado, 1º de fevereiro. Na Câmara, não se espera surpresas: a eleição do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) está sacramentada; no Senado, Davi Alcolumbre, senador pelo União-AP, é “pule de dez”. As cabines de votação (voto eletrônico) foram instaladas na semana que passou.

O PL de Jair Bolsonaro e Valdemar Costa Neto está fazendo força para pegar um lugar que seja nas mesas diretoras da Câmara e do Senado. Na última legislatura ficou de fora, depois que apresentou a candidatura própria do senador Rogério Marinho (PL-RN), derrotado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Um detalhe, Hugo Motta e Arthur Lira (PP-AL), que volta à planície depois de reinar quatro anos (dois com Bolsonaro e dois com Lula) no Planalto, são crias do ex-presidente da Câmara. Eduardo Cunha, que conduziu o “impeachment” contra a ex-presidente Dilma. Todo cuidado é pouco

Os resultados da eleição e da composição das mesas podem ter influência no processo de reforma do ministério Lula, que só aguarda a definição da dança das cadeiras partidárias.

 

¨      O Rei na República. Por Aurélio Wander Bastos e Lier Pires Ferreira

 Entre 2018 e 2022, foi instituído no Brasil, de modo informal, um presidencialismo de novo tipo, parlamentarista - presidencialista, onde o primeiro-ministro é o presidente da Câmara dos Deputados e o Congresso executa grande parte do orçamento na forma de emendas parlamentares. De acordo com dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), desde 2020 a União já pagou ou empenhou cerca de R$ 35 bilhões, um valor exorbitante cuja destinação é incerta. Esse montante exclui outras repasses para o Legislativo, como o fundo partidário, cujo valor girou em torno de 5 bilhões somente em 2024.

Essa situação, cujas origens estão no segundo governo Dilma, quando o desgaste político que levou ao impedimento da presidente ampliou progressivamente a força do Congresso, foi consolidada na gestão Bolsonaro, instalando uma bomba-relógio que o atual governo não sabe como desmontar.

Um exemplo claro das dificuldades do atual governo ocorreu com o recente recuo quanto ao monitoramento do PIX.

A medida, correta do ponto de vista fiscal, visava a atualizar regras para o monitoramento de transações financeiras, para inibir fraudes e sonegação fiscal.

As novas regras fixavam um monitoramento de movimentações acima de R$5 mil para pessoas físicas e de R$15 mil para pessoas jurídicas, reproduzindo o que já ocorre, por exemplo, com os pagamentos que são feitos via cartão de crédito. Foi um caos!

A partir de postagens do deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG), um dos ícones da nova direita no Brasil, uma onda de desinformação varreu as redes sociais, colocando o governo contra as cordas.

Fake News apontavam para a tributação das transações via PIX, que prejudicariam principalmente microempreendedores e pequenos comerciantes, como barraqueiros, pipoqueiros e motoristas de aplicativos.

Em meio à onda de insatisfação, Lula publicou um vídeo esclarecendo que as novas regras não representavam novos tributos.

Ninguém acreditou.

Sob uma avalanche de críticas, replicadas por parlamentares, influenciadores e outros atores vinculados ao bolsonarismo e à direita brasileira, o governo recuou, revogando publicamente a medida com uma declaração lacônica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas. Em tempos de pós-verdade, a narrativa se impôs aos fatos.

O caso do monitoramento do PIX, principalmente por "fintechs", pois os bancos tradicionais já eram obrigados a prestar essas informações, mostra o custo da governabilidade.

Sem conseguir mobilizar a sociedade civil em torno de um projeto nacional e com um Congresso fisiológico e que lhe é avesso, Lula tem que negociar alianças frágeis, caso a caso, com grupos parlamentares de centro e centro-direita.

Nem mesmo o tradicional loteamento de ministérios e cargos públicos, outrora capaz de amalgamar forças políticas diversas e garantir a governabilidade, está funcionando. Ademais, posto sob a “espada de Dâmocles”, o presidente vive a eterna ameaça de um golpe parlamentar, como aquele que trouxe Temer ao poder.

Um dos aspectos mais perversos deste quadro é que os parlamentares, beneficiários únicos do garroteamento do Executivo, não desejam governar.

O parlamentarismo-presidencialista, ou parlamentarismo-orçamentário, permite ao Congresso controlar amplas parcelas do orçamento federal, mas não lhe traz os dessabores inerentes ao governo.

A denúncia-bomba de Nikolas Ferreira era um questionamento falacioso, político, de uma justa medida do governo, mas Nikolas é um deputado oposicionista, sem compromisso com a governabilidade.

Essa postura mostra a atual posição do Congresso em relação ao governo. É uma cômoda situação de autoridade sem responsabilidade, de bônus sem ônus.

Afinal, se o país for mal, a responsabilidade recairá exclusivamente nos ombros do Executivo.

Neste contexto, sob a batuta de Lira e Pacheco, bancadas ávidas por recursos públicos vendem caro a governabilidade, desfrutando com imensa liberdade as oportunidades do poder.

O Brasil vive uma “sinuca de bico”, mas há alternativas institucionais dentro da ordem democrática.

A sociedade precisa pressionar para que o Parlamento aprove uma Emenda Parlamentarista, nos moldes do que existe na Alemanha, Canadá e França, países de capitalismo maduro nos quais o controle dos congressistas sobre o orçamento e demais instrumentos de governo, inclusive as indicações de bancada para cargos nos ministérios e nas empresas públicas, corresponde à responsabilidade pelo bom desempenho do Executivo.

Não pode haver autoridade legítima sem a responsabilidade correspondente.

Todavia, para além da baixa adesão popular à causa parlamentarista, o Congresso Nacional procura preservar o presidencialismo de coalizão trazido pela Constituição Federal. Trata-se de uma manobra fora da história. Se a combinação de um sistema de representação proporcional com lista aberta, multipartidarismo e gestão presidencial funcionou relativamente bem até o primeiro mandato de Dilma, as crises posteriores, inclusive no que tange à polarização política expressa (mas não limitada) pelas figuras de Lula e Bolsonaro, deixou expostas fraturas que o sistema presidencialista parece incapaz de reparar.

O presidencialismo-parlamentarista hoje implantado deflui irresponsavelmente o poder político do Parlamento Federal, sem permitir um controle transparente do orçamento. Daí as atuais tensões entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Flávio Dino tenta, a duras penas, estabelecer limites republicanos ao controle parlamentar sobre o orçamento e sobre o próprio governo.

O Brasil vive hoje uma situação anômala, na qual o presidente da república “reina”, mas não governa.

Em que pese as responsabilidades e atribuições conferidas pela própria Constituição, o poder de fato está nas mãos do Parlamento.

Lula, o presidente de plantão, virou um Rei na República. Tem o ônus da governabilidade, mas não dispõe do poder necessário para governar.

É imprescindível refundar o sistema de governo, preservando a Constituição Cidadã tão delicadamente tecida por homens da estatura política de Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral. A história nos mostra que o presidencialismo é incompatível com a instabilidade política. É necessário estabilizar a República para evitar uma nova aventura autoritária que vá além dos abalos já provocados pelo 08 de janeiro ou pelo “Punhal Verde e Amarelo”.

O país almeja por uma governança responsável, capaz de responder aos desafios que vivencia. Está claro que o sistema atual está em colapso, exigindo medidas institucionais saneadoras. Ameaças golpistas emergem diuturnamente: não dá mais para esperar.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB

 

Economia prateada: oportunidades e desafios do envelhecimento

"A economia brasileira passará, progressivamente, a girar em torno da produção e do consumo da população de 50 anos e mais de idade", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia.

<><> Eis o artigo.

·        O envelhecimento populacional e a economia prateada

O Brasil, durante a maior parte dos 500 anos da sua história, sempre foi um país com uma estrutura etária jovem, uma vez que mais de 50% da população tinha menos de 20 anos. As taxas de mortalidade e natalidade eram altas e a expectativa de vida era baixa. A economia brasileira, quase que completamente, girava em torno da produção e do consumo da população abaixo de 50 anos de idade.

Mas esta situação começou a mudar com a redução das taxas de mortalidade ao longo do século XX – especialmente depois do fim da Segunda Guerra Mundial – e com o início da diminuição generalizada da taxa de fecundidade (número médio de filhos por mulher) a partir da década de 1970.

O avanço da transição demográfica (queda das taxas de mortalidade e natalidade) gerou uma mudança da estrutura etária, com redução da proporção de crianças e jovens e o aumento progressivo das camadas adultas e mais idosas da população. Desta forma, o Brasil experimentou uma grande transformação demográfica nas últimas seis décadas. Pela primeira vez em cinco séculos, nos anos 2000, haverá mais idosos do que crianças e adolescentes no país. Também, pela primeira vez, haverá decrescimento da população total do país a partir de 2042.

O gráfico abaixo mostra a evolução de quatro grupos etários da população brasileira de 1950 a 2100, segundo dados da Divisão de População da ONU. A população de 0-14 anos era de 22,7 milhões de crianças e adolescentes em 1950, cresceu até o pico de 53,3 milhões em 1993, caiu para 45,3 milhões em 2015 (quando foi ultrapassado pelo grupo 50 anos e +), deve chegar a 39,3 milhões de pessoas em 2029 (quando será superado pelo grupo 60 anos e +), vai continuar diminuindo até 23,4 milhões de pessoas em 2084 (quando será ultrapassado pelo grupo 80 anos e +) e deve terminar o século com 20,2 milhões de crianças e adolescentes em 2100.

A população total do Brasil era de 53,4 milhões de habitantes em 1950, chegou a 201,7 milhões em 2015, deve atingir o pico de cerca de 220 milhões de habitantes em 2042, iniciando uma fase de decrescimento até 163,4 milhões de habitantes em 2100. A população total deve ter um crescimento total de 3,1 vezes entre 1950 e 2100.

A população de 50 anos e mais de idade era de 4,8 milhões de pessoas em 1950, passou para 46,3 milhões em 2015 (quando superou o grupo 0-14 anos) vai continuar subindo até o pico de 98,8 milhões de pessoas em 2067 e deve diminuir para 85 milhões de pessoas em 2100. A população de 50+ deve ter um crescimento de 18 vezes entre 1950 e 2100.

população de 60 anos e mais de idade era de 2,1 milhões de pessoas em 1950, passou para 24,2 milhões em 2015 e deve chegar a 40 milhões de pessoas em 2029 (quando superará o grupo 0-14 anos). Deve atingir o pico de 72,3 milhões de pessoas em 2070 e vai diminuir para 65,2 milhões de pessoas em 2100. A população de 60+ deve ter um crescimento de 31 vezes entre 1950 e 2100.

A população de 80 anos e mais de idade era de 184 mil pessoas em 1950, passou para 2,9 milhões em 2015, deve chegar a 23,5 milhões de pessoas em 2084 (quando superará o grupo 0-14 anos) e deve continuar crescendo até 24 milhões de pessoas em 2100. A população de 80+ deve ter um crescimento de 131 vezes entre 1950 e 2100.

Portanto, o grupo das crianças e jovens de 0-14 anos que representavam mais de 40% da população, na maior parte da história brasileira, vai ser ultrapassado pelo grupo 50+ em 2015, será ultrapassado pelo grupo 60+ em 2029 e será superado pelo grupo 80+ em 2084. A população de 50 anos e mais de idade, que representava menos de 10% da população brasileira em meados do século passado, concentrará mais da metade da população total do país antes de 2100. No século XXI, pela primeira vez na história humana, haverá mais idosos, de diferentes gerações, do que crianças e adolescentes na sociedade.

Desta forma, a economia brasileira passará, progressivamente, a girar em torno da produção e do consumo da população de 50 anos e mais de idade. O crescimento da proporção da população do topo da pirâmide etária e o envelhecimento da idade média da força de trabalho são indicadores da transformação de uma economia que tinha sua dinâmica baseada na população jovem para uma economia fortemente dependente da produção e do consumo da população prateada (com 50 anos e mais de idade).

·        A economia prateada

O conceito geral da economia prateada é complexo e ainda está em formação. Mas a literatura sobre o tema ganhou destaque, inicialmente, por meio da divulgação de documentos da OCDE e da União Europeia. A Comissão Europeia (2009) definiu a economia prateada como as oportunidades econômicas existentes e emergentes que se desenvolvem como resultado do aumento dos gastos do governo e do consumidor, bem como das necessidades específicas de pessoas com 50 anos ou mais, resultantes do envelhecimento da população. Por outro lado, a economia prateada é reconhecida pela OCDE (2014) como a produção prateada, ou seja, que produz e entrega produtos e serviços direcionados aos idosos, moldando o ambiente no qual pessoas com 50 anos e mais cooperam e alcançam sucessos no local de trabalho, se envolvem em projetos inovadores, ajudam no desenvolvimento socioeconômico e levam vidas saudáveis, ativas e produtivas.

Desta forma, a economia prateada, ou “Silver economy”, refere-se ao conjunto de atividades econômicas que abarcam as contribuições, as necessidades e as demandas da população idosa, especialmente de 50 anos e mais de idade. Com o envelhecimento da população se espraiando por todos os quadrantes do planeta, a economia prateada tem ganhado cada vez mais destaque e atenção. A economia prateada atinge todas as áreas da sociedade e da economia, mas os setores mais impactados são:

# Saúde: Serviços de saúde, cuidados de longa duração, medicamentos e tecnologia médica para atender cuidados geriátricos, doenças crônicas e garantir uma melhor qualidade de vida.

# Habitação: Desenvolvimento de infraestrutura e moradias adaptadas e seguras, com design acessível e serviços assistenciais integrados.

# Lazer e turismo: Viagens voltadas para idosos, com infraestrutura e serviços adaptados, como pacotes turísticos que levam em conta mobilidade e saúde.

Seguros e finanças: Produtos financeiros específicos, como seguros de saúde e planos de previdência.

# Oportunidades de emprego: O envelhecimento da população também gera oportunidades diante do aumento da oferta de mão de obra de uma força de trabalho madura e mais experiente.

# Inovação e tecnologia: Startups e grandes empresas têm investido no desenvolvimento de tecnologias que ajudem a melhorar a qualidade de vida dos idosos, como soluções para telemedicina, dispositivos de assistência, e aplicativos para saúde mental e física.

# Economia e consumo: A população idosa tem um poder de compra significativo, seja em função das camadas com maior poder de poupança ou por ter acesso a políticas públicas de garantia de renda como a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Evidentemente, o envelhecimento populacional e a economia prateada trazem desafios que precisam ser enfrentados, assim como trazem oportunidades:

·        Desafios

# Produtividade: À medida que os trabalhadores envelhecem, pode haver uma diminuição da produtividade física em algumas ocupações, especialmente nas que exigem esforço físico. Contudo, os trabalhadores mais velhos tendem a compensar isso com experiência, conhecimento e atuação na economia virtual e de serviços.

# Aposentadorias: O aumento do número de trabalhadores se aposentando pode levar a escassez de mão de obra em alguns setores, uma demanda por novos trabalhadores qualificados e uma redução da razão de suporte (queda na proporção da população em idade convencional de trabalhar).

# Custos de saúde: Com o envelhecimento populacional e uma força de trabalho mais velha, os custos com planos de saúde e bem-estar tendem a aumentar para empregadores e governos, pressionando o sistema de saúde e as políticas de seguridade social.

·        Oportunidades

# Capacitação e requalificação: Com o aumento da expectativa de vida e da longevidade, muitas pessoas permanecem produtivas por mais tempo, o que abre espaço para programas de requalificação profissional, voltados para trabalhadores mais idosos, adaptando-os para novas demandas do mercado de trabalho e adaptação às novas tecnologias.

# Valorização da experiência: Trabalhadores mais velhos possuem um conhecimento acumulado valioso para a organização. Além disso, seu perfil estável pode contribuir para a menor rotatividade e a transversalidade do processo de envelhecimento. A diversidade etária nas empresas facilita a transferência de conhecimento e habilidades entre gerações, reduzindo os efeitos da discriminação e do etarismo.

# Novos mercados: O envelhecimento da população também cria uma demanda crescente por produtos e serviços voltados para a longevidade, como cuidados de saúde especializados, produtos de tecnologia assistiva e moradias adaptadas. A força de trabalho mais velha pode ser integrada a essas novas indústrias, especialmente por já conhecerem bem as necessidades desse público.

# Tecnologia assistiva: Tecnologia definida como produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que tenham como objetivo promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação das pessoas com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.

# Sustentabilidade ambiental: A economia prateada pode contribuir de forma significativa para a sustentabilidade ambiental. Esse impacto ocorre de diversas maneiras, com o potencial de influenciar práticas de consumo, inovação tecnológica e planejamento urbano mais sustentáveis. Os idosos tendem a ter hábitos de consumo mais moderados e conscientes em comparação com gerações mais jovens, priorizando a qualidade e durabilidade dos produtos em vez de tendências descartáveis.

# Uso de Tecnologias Verdes: Com o avanço da economia prateada, há uma demanda crescente por tecnologias que melhorem a qualidade de vida dos idosos de forma sustentável. Isso inclui tecnologias verdes, como dispositivos de saúde que utilizam menos energia, sistemas de telemedicina que reduzem a necessidade de deslocamentos e soluções para casas inteligentes que monitoram a saúde e a eficiência energética dos lares.

Os defensores da economia tradicional e do crescimento econômico indefinido e a qualquer custo interpretam o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico como “suicídio populacional” ou “inverno demográfico”, como se fossem fatores geradores de uma recessão demoeconômica catastrófica. Contudo, diante da Sobrecarga da Terra e da crise climática e ambiental, a megatendência do envelhecimento, seguida do decrescimento populacional, é um fato inexorável. Todavia, a economia prateada, a despeito dos desafios, pode transformar o “inverno demográfico” em primavera social e ambiental.

·        O terceiro bônus demográfico ou dividendo prateado

Todo processo de envelhecimento populacional é precedido por uma janela de oportunidade demográfica. O 1º bônus demográfico, ou bônus da estrutura etária, ocorre quando a proporção da população em idade ativa aumenta em relação à proporção de jovens e de idosos. Mas o 1º bônus demográfico é uma oportunidade temporária (tem data de começo e de término) e seu aproveitamento depende de como um país gerencia e capitaliza essa oportunidade para promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Em geral, as sociedades enriquecem e eliminam a pobreza e a fome se a sociedade civil, a iniciativa privada e o setor público investem na educação, saúde e pleno emprego e trabalho decente. Todo país rico do mundo conseguiu alto nível de bem-estar social durante o período do 1º bônus demográfico. Não existe país rico e com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com estrutura etária jovem. O 1º bônus demográfico termina quando se aprofunda o envelhecimento populacional e a população em idade ativa passa a crescer menos do que a população total. Mas o fim do 1º bônus demográfico não é o fim do mundo, pois os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da economia prateada.

O bônus da produtividade é um conceito que se refere ao impacto positivo que o aumento da produtividade tem sobre a economia e os salários dos trabalhadores. Em termos simples, ele ocorre quando os trabalhadores produzem mais bens e serviços por hora de trabalho, o que pode resultar em melhores salários, maior competitividade das empresas e crescimento econômico sustentável.

Bônus da Produtividade permite:

a) Aumento da Eficiência, quando as empresas e os trabalhadores se tornam mais eficientes, utilizando menos recursos para produzir a mesma quantidade ou mais, isso gera um excedente econômico. A produtividade pode ser aumentada por meio de inovações tecnológicas, melhores práticas de gestão, qualificação dos trabalhadores ou investimentos em capital,

b) Mais Investimentos, quando o aumento da produtividade atrai mais investimentos, tanto internos quanto externos e as empresas que são mais produtivas conseguem gerar maiores retornos sobre os fatores de produção (capital e trabalho).

O 3º bônus demográfico, ou dividendo prateado, é um conceito que se refere ao aproveitamento do potencial produtivo e criativo das gerações prateadas (de 50 anos e mais de idade). O artigo “Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia” (Ogawa et al, 2021) mostra que o Japão – o país mais envelhecido do mundo – tem tomado uma série de medidas para reduzir a escassez de recursos humanos no país. Os autores usaram um modelo de simulação para avaliar a capacidade de trabalho inexplorada para idosos japoneses. A “capacidade de trabalho não explorada” foi definida como uma folga entre a probabilidade de emprego real e a prevista.

O resultado evidenciou que existe um potencial de avanço da força de trabalho na economia prateada. O exemplo do Japão pode ser replicado para outros países, inclusive para toda a América Latina, como mostrou o informe do seminário ““Desafíos y oportunidades del envejecimiento poblacional: la economía plateada” (Cepal, 2024).

Evidentemente, o 3º bônus demográfico requer a prevalência de um envelhecimento populacional saudável e sustentável, com acesso universal aos cuidados de saúde de qualidade, combate ao isolamento e à solidão, participação ativa na comunidade, com acessibilidade e mobilidade, promovendo a construção e adaptação de habitações que atendam às necessidades dos idosos, facilitando a sua independência.

Um fator fundamental é refutar as discriminações e o etarismo, promovendo representações positivas e diversificadas de pessoas, desafiando estereótipos negativos e promovendo uma visão mais inclusiva e respeitosa dos idosos. Também, incentivar políticas que permitam aos idosos continuar trabalhando, se assim desejarem, por meio de empregos flexíveis e adequados, além de garantir sistemas de aposentadoria e previdência social robustos para proporcionar segurança econômica aos idosos. Incentivar programas de voluntariado onde idosos possam contribuir e, ao mesmo tempo, receber apoio da comunidade. Por fim, é essencial garantir a diversidade etária nas empresas e a transferência social de conhecimento e habilidades entre gerações.

·        Considerações finais

O Brasil iniciou um processo de mudança da estrutura etária a partir da década de 1970, quando a transição da fecundidade tomou impulso no país. O envelhecimento populacional teve início nas últimas 3 décadas do século passado, mas vai se transformar na principal característica da dinâmica demográfica brasileira no século XXI. Nas últimas décadas do século atual as gerações de 50 anos e mais de idade serão a maior parcela da população brasileira, sendo que a parcela com a maior taxa de crescimento será aquela de 80 anos e mais de idade.

O Brasil viverá uma fase inédita, com a população total diminuindo a partir de 2042, mas com a população de 50 anos e mais de idade crescendo até 2067, a população de 60 anos e mais de idade crescendo até 2070 e a população de 80 anos e mais de idade crescendo até 2100. Portanto, a proporção da população idosa terá um peso cada vez maior na sociedade e na economia.

Considerando grupos de 30 anos, a população brasileira de 50-79 anos será maior do que a população de 20-49 anos a partir de 2050. O século XXI será o momento de mudança de uma economia com oferta ilimitada de mão-de-obra jovem para uma economia com redução do montante da força de trabalho jovem, paralelamente, ao crescimento da oferta de trabalho da população de 50 anos e mais de idade.

Sem dúvida, a economia prateada pode ser um catalisador de mudanças positivas rumo à sustentabilidade social e ambiental, tanto por meio de redução das desigualdades e da implementação de padrões de consumo mais conscientes, quanto pelo incentivo à inovação tecnológica e ao planejamento urbano sustentável. Ao alinhar as necessidades do envelhecimento populacional com práticas ecologicamente responsáveis, há a oportunidade de criar um futuro mais sustentável e inclusivo para todas as gerações.

Desta forma, a economia prateada é o conjunto de atividades econômicas voltadas para atender as necessidades, a produção e o consumo das pessoas idosas e do conjunto da população. Inclui setores como saúde, habitação, tecnologia, lazer, serviços financeiros, educação continuada, entre outros. Ela reconhece os idosos como um grupo economicamente cada vez mais relevante, tanto no consumo quanto na produção de bens e serviços, considerando a longevidade e o aumento da participação ativa e criativa dessa faixa etária, com solidariedade intergeracional, sem discriminações e com inclusão social.

 

Fonte: Por José Eustáquio Diniz Alves, em EcoDebate

 

Estudos indicam redução de massa cerebral por uso excessivo de tela

Embora possa parecer exagerado à primeira vista, o termo "cérebro podre" ou "podridão cerebral", da expressão em inglês "brain rot", pode ser mais literal do que pensamos. Eleita a palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford por mais de 37 mil pessoas, o termo descreve, de acordo com a Oxford University Press, a deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdo superficial, especialmente na internet. As citações ao termo em inglês aumentaram 230% entre 2023 e 2024, refletindo uma preocupação social crescente com esse fenômeno.

Assim, o que começou como uma expressão coloquial encontrou apoio na ciência. Pesquisas citadas pelo jornal britânico The Guardian indicam que o uso excessivo de mídias sociais e o consumo compulsivo de conteúdo de baixa qualidade – como notícias sensacionalistas, teorias da conspiração e entretenimento vazio – podem literalmente encolher a massa cinzenta, diminuir a capacidade de atenção e enfraquecer a memória. Uma combinação de efeitos que faz com que o termo "podridão" não pareça exagerado.

·        Do e-mail à rolagem infinita

Os primeiros sinais de alarme soaram no início do século com algo que hoje nos parece inofensivo: o e-mail. Como o jornal El País noticiou recentemente, citando um artigo do Guardian de 2005, uma equipe da Universidade de Londres, após 80 testes clínicos, descobriu que o uso diário de e-mail e telefone celular causava uma queda média de dez pontos no QI dos participantes, um impacto que eles descreveram como mais prejudicial do que o uso de maconha.

Imagine então o que acontece agora com a constante enxurrada de tweets, stories, reels, notificações, pushes e fluxos intermináveis de conteúdo.

Os aplicativos modernos são projetados especificamente para nos manter viciados, aproveitando o que Michoel Moshel, pesquisador da Universidade Macquarie, descreveu ao El País como "a tendência natural do nosso cérebro de buscar novidades, especialmente quando se trata de informações potencialmente prejudiciais ou alarmantes, uma característica que já nos ajudou a sobreviver".

·        Mudanças cerebrais preocupantes

Em geral, o quadro atual é preocupante. Uma meta-análise de 27 estudos de neuroimagem revelou que o uso excessivo de internet está associado a uma redução no volume de massa cinzenta em regiões críticas do cérebro responsáveis pelo processamento de recompensas, controle de impulsos e tomada de decisões. De acordo com Moshel, essas alterações são semelhantes às observadas em casos de dependência de substâncias como metanfetaminas e álcool.

Além do ambiente clínico, o "uso desordenado de tela" tem sido estudado em ambientes educacionais. Uma meta-análise citada em um artigo do The Conversation, do qual Moshel é um dos autores, lista 34 estudos que vinculam o uso compulsivo a um desempenho cognitivo significativamente inferior, especialmente no que diz respeito a atenção sustentada e controle de impulsos. O problema, de acordo com o relatório, não se limita aos mais jovens; ele também afeta adultos que passam muitas horas na frente de celulares e computadores.

Ainda assim, o problema é particularmente grave entre os jovens. De acordo com dados de 2021 da ONG americana Common Sense Media citados no The Conversation, pré-adolescentes passam 5 horas e 33 minutos por dia em frente às telas, enquanto esse tempo é de 8 horas e 39 minutos para adolescentes.

Na Austrália, por exemplo, uma pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Gonski da UNSW revelou que 84% dos educadores consideram tecnologias digitais uma distração na sala de aula. De acordo com uma pesquisa da organização australiana especializada em saúde mental Beyond Blue, citada pela emissora americana ABC, o tempo excessivo de tela está entre os principais desafios para os jovens, perdendo apenas para problemas de saúde mental.

·        Círculo vicioso da era digital

Eduardo Fernández Jiménez, psicólogo clínico do Hospital La Paz, em Madri, explicou ao El País que o cérebro ativa diferentes redes neurais para gerenciar diferentes tipos de atenção. O bombardeio constante de estímulos variáveis afeta particularmente nossa capacidade de atenção sustentada, que é fundamental para o aprendizado acadêmico.

O problema é agravado por um círculo vicioso difícil de romper: de acordo com um estudo publicado na revista Nature, pessoas com saúde mental debilitada têm maior probabilidade de consumir conteúdo de baixa qualidade, o que, por sua vez, piora seus sintomas. E quanto mais tempo se passa em frente à tela, mais difícil é reconhecer e limitar o problema.

·        Existe uma solução?

Especialistas recomendam uma abordagem em duas frentes: qualidade e quantidade. É fundamental estabelecer limites claros para o tempo de tela e fazer um esforço consciente para se desligar. Atividades que exigem presença física, como esportes ou reuniões com amigos, são essenciais para neutralizar os efeitos negativos do uso prolongado da tela, recomendou o psicólogo Carlos Losada em dezembro ao El País.

Também é importante dar prioridade a conteúdos educativos que evitem características viciantes e estabelecer intervalos regulares. Porque, como sugere a pesquisa, o "cérebro podre" pode ser mais do que uma metáfora, mas um processo real de deterioração cognitiva causada por nossos hábitos digitais.

Com as empresas de tecnologia projetando algoritmos para maximizar nosso tempo de tela e um público cada vez mais digitalizado, o desafio vai além do indivíduo. É preciso políticas públicas que incentivem a transparência e a educação digital crítica.

A ironia é que essa "podridão cerebral" pode estar alterando a forma como percebemos e respondemos ao mundo justamente quando mais precisamos de nossas capacidades cognitivas. Talvez seja hora de lembrar que existe um mundo além da tela, um mundo que nossos cérebros foram realmente projetados para explorar.

¨      1 em cada 7 adolescentes tem problemas relacionados à saúde mental

Estudo desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, concluiu que um em cada sete adolescentes sofre com algum problema relacionado à saúde mental, principalmente ansiedade e depressão. O trabalho foi publicado no Journal of Adolescent Health.

O artigo apontou, também, a existência de altas taxas de abuso de álcool e drogas, distúrbios alimentares, problemas de comportamento, além de ideação suicida.

Outro dado alarmante é que cerca de um terço dos jovens apresenta essas doenças antes de chegar aos 14 anos, e metade, por volta de 18 anos. 

As conclusões foram obtidas depois de uma revisão que contemplou estudos desde 2010, procurando identificar as motivações que mais influenciam a saúde e o desenvolvimento dos adolescentes na faixa etária dos 10 aos 19 anos no mundo todo.

Especialistas ressaltaram que inúmeros fatores explicam o aumento dos problemas de saúde mental nesse público, como o maior número de pesquisas desenvolvidas nessa faixa etária, além de mais acesso à informação e melhor entendimento das questões de saúde mental, o que tem aprimorado os diagnósticos.

O surgimento de transtornos mentais ocorre devido à interação de muitos aspectos, como condições sociais, econômicas, psicológicas, culturais, genéticas, histórico familiar, maus-tratos físicos e psicológicos e eventos estressores recorrentes.

“Não há um único fator causal, é uma soma de situações que podem levar a alterações e maior vulnerabilidade para quadros de transtorno mental”, relatou o psiquiatra Gabriel Okuda, do Hospital Albert Einstein, em entrevista ao Metrópoles.

O artigo também destacou o aumento do sentimento de solidão, principalmente entre meninas, fenômeno que dobrou entre os anos de 2012 e 2018. Os autores defendem que há uma associação com o aumento da utilização de tecnologia e redes sociais, que podem provocar exclusão escolar e bullying.

“De fato, o contato por redes sociais é mais distante, gera relações mais superficiais. A pandemia da Covid-19 acelerou o isolamento social, já que crianças e adolescentes perderam o convívio escolar e isso impactou a formação de amizades e o funcionamento social, tudo foi trocado pela vivência online”, acrescentou o especialista

<><> Como identificar se o problema está em casa

A adolescência é uma etapa de transição, que pode afetar a saúde mental. Por isso, é essencial observar qualquer alteração de atitude.

“Se os familiares, amigos ou professores notam alteração comportamental importante, como agitação, agressividade, irritabilidade, nervosismo, tristeza, desânimo; se está mais ansioso, isolado, recluso; se diminui suas relações sociais e amizades, tem perda de apetite ou alteração de sono; tudo isso pode estar relacionado a quadros de transtornos mentais”, afirmou o psiquiatra.

 

Fonte: DW Brasil/Fórum