terça-feira, 12 de novembro de 2024

Tarso Genro: ‘Uruguai e a Frente ampla — motivos para lutar e vencer’

Não tenho certeza se ainda é possível falar em “ciclos históricos”, naquele sentido concebido pelas grandes narrativas da teoria da história, cujas ações desenvolvidas pelos atores mais importantes de cada época se situavam, politicamente, a partir da análise dos interesses materiais em confronto, mais facilmente visíveis. Parece obvio que as classes e a luta entre elas não despareceram, bem como permanece válido o mesmo sentido da ideia de nação. Mas parece certo, todavia, que o fenômeno da imigração em massa e a brutalidade da transição climática adicionaram complexidades novas, para entender e situar-se com humanidade, no âmbito das grandes lutas emancipatórias, culturais, ambientais e econômicas do século XXI.

Em momentos de mudanças, que ainda não apareceram nitidamente no cenário, a história mais parece um túnel — com fantasmas do passado e novos personagens indefinidos do presente — do que propriamente se parece com o horizonte de um amanhecer ou de um crepúsculo tardio. é que o “cedo” e o “tardio”, na história, não estão vinculados a nossa curta existência, mas ao período que a humanidade, como conjunto, faz-se para o universo.

Penso no sul do Cone Sul, neste momento onde um pequeno ponto luminoso antes da Antártida, o Uruguai — de costas para a sordidez de Javier Milei e de frente para o Rio Grande — brilha como contraponto ao fantasma alaranjado de Hitler na direção do norte do continente.

Num artigo publicado em 04 de novembro de 2024, o articulista do jornal Folha de S. Paulo Bruno Boghossian publicou uma síntese do programa que Donald Trump aplicaria, se fosse eleito, como o foi um dia depois, com uma vitória arrasadora que obteve sobre Kamala Harris: “guinada autoritária, desfiguração de leis, construção de um círculo de lealdade absoluta e asfixia de agentes capazes de resistir as suas ideias, distorcer leis antigas para perseguir imigrantes (…) e uso de força para punir seus rivais e, se vencer, provavelmente dirá que obteve o aval das urnas para governar como um autocrata.” E obteve, em uma enorme dimensão, que faz impossível dizer que os pobres, operários e miseráveis americanos, que votaram nele, “foram enganados”.

Faltou ali, todavia, a mais violenta promessa de Donald Trump, para a extrema direita local e mundial: as deportações em massa, que o presidente eleito reiterou logo depois da sua vitória, o que significa — somados estes pontos programáticos — uma destruição completa da democracia liberal americana e ainda a demonstração de uma nítida tendência política nazifascista da maioria do seu povo, demonstrada pelas urnas.

Para fazer deportações em massa — lembremo-nos da Alemanha de Hitler e da “democracia militarizada” em Israel com seu genocídio em Gaza — é necessário instalar em qualquer país, uma autoridade de fato, acima das leis internas e internacionais, seja com apoio nas urnas pervertidas pelo dinheiro, seja com apoio de aliados impiedosos no cenário internacional.

Com as eleições realizadas na Alemanha, quinze anos depois da derrota alemã na Primeira Guerra, foi feita a nomeação de Hitler como Chancelar do Reich, para formar o novo Governo (janeiro de 1933) com o Führer fortalecido por dois pleitos eleitorais. As urnas, em julho e novembro de 1932 — já embaladas pelo terror nazista — permitiram legitimar os ataques aos judeus e a toda oposição das forças de esquerda, de centro-esquerda e de centro, a partir de uma eleição em que a representação parlamentar do Partido Nazista subiu de 107 para 230 deputados, com o nacional-socialismo fazendo apenas 37% dos votos.

Tanto Hitler como Donald Trump disseram o que fariam antes das eleições. Não há nenhum engano, não há nenhuma dissimulação, não ocorreu nenhuma mistificação programática para conquistar a opinião dos eleitores, pois ambos os conquistaram brandindo contra os valores do velho humanismo democrático-burguês, em seu momento de estafa, dizendo que as suas promessas políticas de progresso em liberdade fracassaram rotundamente: as liberdades se tonaram cada vez mais formais, os desejos de igualdade cada vez mais ressequidos e a paz social sendo refutada pelas guerras. Matam, torturam, chacinam e assassinam sem dó nem piedade!

Na Alemanha, Hitler cresceu pela derrota da Revolução Alemã, mas nos Estados Unidos Donald Trump cresceu porque o “sonho americano” foi reformado pela utopia de direita, de buscar “um lugar à sombra”, um lugar ilusório — para cada um — ao lado dos brancos, ricos e perversos, junto às garras da águia americana, mas distantes dos campos de golfe onde a elite celebra o poder, a vida e a glória dos seus negócios.

Nos EUA, parece que a luta de classes dos pobres contra os ricos foi cooptada pela extrema direita, para transformá-la numa luta de classes dos pobres contra os mais pobres (ou mais excluídos) da sociedade de classes tradicional. Só isso já deve mudar muito das nossas análises do período contemporâneo.

A situação da esquerda pensante, que está em busca de novos caminhos para reencontrar sua base social perdida, por múltiplos fatores que não cabem analisar aqui, é muito semelhante ao que ocorre com um personagem num conto definitivo do uruguaio Mario Benedetti. No seu livro Insomnios e Duermevelas (Seix Barral), num conto denominado “Tunel e duermevela”, um túnel ferroviário — misterioso e alucinante na minúscula cidade de São Jorge — está fechado nas suas duas bocas, o que há muitos anos impedia “o acesso de curiosos e de eventuais fantasmas”.

Nele estão depositados personagens que são recordados por um menino que ousa penetrar no seu interior, que parece o bravo Uruguai, onde a extrema direita é irrelevante. País dos túneis e das torturas, da resistência armada e agora da fé na democracia mais exemplar na América do Sul.

Marquitos — filho de don Marcos — e Lucas Junior filho de don Lucas, conversavam seguidamente sobre o enigma daquele vazio imenso e misterioso de onde saía — assim dizia a lenda — um cavalo branco sem ginete e, com a ajuda de “algun empujón de viento, uma sábana pálida y sin arrugas que planeaba um rato como um techo imóvel y se desmoronaba luego sobre los pastizales”.

Ambos, Marquitos e Lucas Junior, estavam vinculados à mística do Túnel, fazendo especulações de toda a ordem, quando numa dessas conversas Lucas Junior disse: “viste que agora ele está aberto, mas ninguém se atreve a entrar nesse grande oco”. Foi quando Marquitos anunciou: “vou atrever-me!” E ficou escravo seu próprio anúncio, no “gesto mais heroico que projetara na sua vida.”

E os encontros no escuro do Túnel então se sucedem, primeiro com um homem chamado Servando que se apresenta como um delinquente acusado de ter batido numa velha, mas que na verdade, sustenta o homem, foi espancado por ela; depois, com Marisa, que informa que estava ali porque seu marido, melhor dito, “meu macho”, se foi com uma amante e seus dois filhos, para que ela se suicidasse; logo encontra um cachorro que passa ao seu lado, sem ladrar ou mover o rabo, seguido pelo seu tutor que lhe diz que “não tenha medo, pois esta escuridão acovarda o cão”, embora ele já tenha mordido até uma criança de três anos. E segue Marquito que agora já tropeça numa menina, que tem medo de dormir, mas que não retrocede porque não quer se dar “por vencida” e lhe diz, ainda, que não se preocupe com ela, pois aos solitários vocacionais, como ambos, nunca ocorre nada.

No momento em que se prepara para sair do outro lado do Túnel passa-lhe um rosto familiar de um já velho amigo de seu pai, Fernandez, pilotando uma moto, que lhe pergunta: “Don Marcos, que fazes aí tão solitário?” Marquitos responde, então meio perplexo e muito confuso, “não sou Don Marcos, sou Marquitos!” A resposta não é aceita pelo amigo do seu pai, Fernandez, que simplesmente lhe diz “Esse túnel faz loucos a todos. Deveriam fechá-lo para sempre!

Nos momentos da história em que os ciclos se encerram, sempre há um lugar especial onde uma faísca da consciência humana, formatada por décadas e séculos pode adiantar uma nova era, seja como experimentos desafiantes, seja como novas resistências contra a exploração e a infâmia. Benedetti e muitos homens e mulheres de todas as classes atravessaram juntos este Túnel e vislumbraram, mais além das singularidades de cada encontro no escuro dos subterrâneos da ditadura, motivos fortes para lutar e vencer.

 

¨      O gigantesco escândalo sexual que abala a sucessão presidencial de um país da África Central

Nas últimas duas semanas, dezenas de vídeos – as estimativas variam de 150 a mais de 400 – foram vazados, mostrando um alto funcionário público da Guiné Equatorial fazendo sexo em seu escritório e em outros lugares com diferentes mulheres.

Mas o que o resto do mundo vê como apenas um escândalo de vídeos vazados pode, na verdade, ser o episódio mais recente de um verdadeiro drama da vida real sobre quem se tornará o próximo presidente do país da África Central.

Os vídeos inundaram as redes sociais, chocando e excitando as pessoas no pequeno país africano e além.

Muitas das mulheres filmadas são esposas e parentes de pessoas próximas ao centro do poder.

Aparentemente, algumas sabiam que estavam sendo filmadas fazendo sexo com Baltasar Ebang Engonga, que também é conhecido como "Bello" por conta de sua aparência.

Tudo isso é difícil de verificar, pois a Guiné Equatorial é uma sociedade altamente restrita, onde não existe imprensa livre.

Mas uma teoria é que os vazamentos são uma forma de desacreditar o homem no centro do escândalo.

Engonga é sobrinho do presidente Teodoro Obiang Nguema e um dos que supostamente esperam substituí-lo.

Obiang é o presidente mais antigo do mundo, estando no poder desde 1979.

Hoje com 82 anos, ele governou o país durante um período de forte crescimento econômico, que se transformou em colapso como resultado de reservas de petróleo agora em declínio.

Há uma elite pequena e extremamente rica no país, mas muitos de seus 1,7 milhão de habitantes vivem na pobreza.

A administração de Obiang é duramente criticada por seu histórico de violações de direitos humanos, incluindo assassinatos arbitrários e tortura, de acordo com um relatório do governo dos Estados Unidos.

A gestão também teve sua cota de escândalos – incluindo as revelações sobre o estilo de vida luxuoso de um dos filhos do presidente, agora vice-presidente, que já teve uma luva incrustada de cristais de US$ 275 mil (R$ 1,6 milhão) usada por Michael Jackson.

Apesar das eleições regulares, não há oposição real na Guiné Equatorial, pois ativistas foram presos e exilados e aqueles com planos de ocupar cargos eletivos são monitorados de perto.

  • Intrigas palacianas

A política no país é rica em intrigas palacianas e é aí que o escândalo envolvendo Engonga se encaixa.

Ele era o chefe da Agência Nacional de Investigação Financeira e trabalhou no combate a crimes como lavagem de dinheiro. Mas descobriu-se que ele próprio estava sob investigação.

Ele foi preso em 25 de outubro acusado de desviar uma grande quantia de dinheiro dos cofres públicos e depositá-la em contas secretas nas Ilhas Cayman. Ele não comentou a acusação.

Engonga foi então levado para a infame prisão de Black Beach na capital, Malabo, onde há denúncias de que os oponentes do governo seriam submetidos a tratamento brutal.

Seus telefones e computadores foram apreendidos e alguns dias depois os vídeos íntimos começaram a aparecer online.

A primeira referência que a BBC encontrou sobre eles no Facebook é de 28 de outubro na página do Diario Rombe, um site de notícias administrado por um jornalista exilado na Espanha, que disse que "as redes sociais explodiram com o vazamento de imagens e vídeos explícitos".

Uma postagem no X (antigo Twitter) no dia seguinte se referiu a um "escândalo monumental que abalou o regime", enquanto "vídeos pornográficos inundavam as redes sociais".

Mas acredita-se que eles tenham aparecido originalmente alguns dias antes no Telegram, em um dos canais da plataforma conhecidos por publicar imagens pornográficas.

Eles foram então baixados para os telefones das pessoas e compartilhados entre grupos do WhatsApp na Guiné Equatorial, onde causaram uma tormenta.

Engonga foi rapidamente identificado junto com algumas das mulheres nos vídeos, incluindo parentes do presidente e esposas de ministros e altos oficiais militares.

O governo não conseguiu ignorar o que estava acontecendo e, em 30 de outubro, o vice-presidente Teodoro Obiang Mangue deu às empresas de telecomunicações 24 horas para encontrar maneiras de impedir a disseminação dos vídeos.

"Não podemos continuar a assistir famílias se desintegrarem sem tomar nenhuma atitude", ele escreveu no X.

"Enquanto isso, a origem dessas publicações está sendo investigada para encontrar o autor ou autores e fazê-los responder por suas ações."

Como o equipamento de informática estava nas mãos das forças de segurança, a suspeita recaiu sobre alguém de lá, que, talvez, tenha tentado destruir a reputação de Engonga antes de um julgamento.

A polícia pediu que as mulheres se apresentem para abrir um novo processo contra Engonga pelo compartilhamento não consensual de imagens íntimas. Uma delas já anunciou que está processando ele.

O que não está claro é por que Engonga fez as gravações.

Mas ativistas apresentaram o que poderiam ser outros motivos por trás do vazamento explosivo.

Além de ser parente do presidente, Engonga é filho de Baltasar Engonga Edjo'o, chefe da Comunidade Econômica e Monetária da África Central (Cemac), e muito influente no país.

"O que estamos vendo é o fim de uma era, o fim do atual presidente, e há uma [questão] de sucessão e esta é a luta interna que estamos vendo", disse o ativista equato-guineense Nsang Christia Esimi Cruz, atualmente morando em Londres.

Falando ao podcast BBC Focus on Africa, ele alegou que o vice-presidente Obiang estava tentando eliminar politicamente "qualquer um que pudesse desafiar sua sucessão".

  • Disputa pelo poder

O vice-presidente, junto com sua mãe, são suspeitos de estar afastando qualquer um que ameace seu caminho para a presidência, incluindo Gabriel Obiang Lima (outro filho do presidente Obiang de uma esposa diferente), que foi ministro do petróleo por dez anos e depois passou para um papel secundário no governo.

Acredita-se que aqueles na elite saibam coisas uns sobre os outros que prefeririam que não fossem tornadas públicas, e vídeos foram usados no passado para humilhar e desacreditar oponentes políticos.

Há também acusações frequentes de conspiração de golpe, o que alimenta ainda mais a paranoia.

Mas Cruz também alega que as autoridades querem usar o escândalo como uma desculpa para reprimir as redes sociais, que é como muitas informações sobre o que realmente está acontecendo no país vazam.

Em julho, as autoridades suspenderam temporariamente a internet após protestos na ilha de Annobón.

Para ele, o fato de um alto funcionário estar fazendo sexo fora do casamento não é surpreendente, pois faz parte do estilo de vida decadente da elite do país.

O vice-presidente, que foi condenado por corrupção na França e teve bens luxuosos apreendidos em vários países, quer ser visto como o homem que reprime a corrupção e os malfeitos em casa.

No ano passado, por exemplo, ele ordenou a prisão de seu meio-irmão por alegações de que ele vendeu um avião de propriedade da companhia aérea estatal.

Mas neste caso, apesar dos esforços do vice-presidente para impedir a disseminação dos vídeos, eles continuam a ser vistos.

Esta semana, ele tentou parecer mais resoluto pedindo a instalação de câmeras de segurança em escritórios do governo "para combater atos indecentes e ilícitos", informou a agência de notícias oficial.

Dizendo que o escândalo havia "prejudicado a imagem do país", ele ordenou que qualquer funcionário encontrado envolvido em atos sexuais no trabalho fosse suspenso, pois isso seria uma "violação flagrante do código de conduta".

Ele não estava errado ao dizer que a história atraiu muito interesse externo.

Pelos dados do Google, pesquisas com o nome do país dispararam desde o início desta semana.

Na segunda-feira (4/11), no X, "Guiné Equatorial" foi um dos principais termos de tendência no Quênia, Nigéria e África do Sul – superando às vezes o interesse na eleição dos EUA.

Isso deixou alguns ativistas que tentavam contar ao mundo o que realmente está acontecendo no país frustrados.

"A Guiné Equatorial tem problemas muito maiores do que esse escândalo sexual", disse Cruz, que trabalha para uma organização de direitos humanos chamada GE Nuestra.

"Este escândalo sexual para nós é apenas um sintoma da doença, não é a doença em si. Apenas mostra o quão corrupto o sistema é."

 

Fonte: A Terra é Redonda/BBC News

 

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