Extrema direita ganha espaço com fascínio
de teorias da conspiração, diz pesquisador
As eleições nos
Estados Unidos trouxeram Donald Trump de volta à presidência. Em janeiro de
2025, o republicano toma posse de seu segundo mandato após vencer com folga a
democrata Kamala Harris, em um resultado que contrariou as previsões de uma
disputa acirrada. O retorno de Trump acendeu um alerta sobre o fortalecimento
da extrema direita e a estratégia desses movimentos para atrair o público.
Para falar sobre o
fenômeno, o Pauta Pública desta semana recebe Paolo Demuru, pesquisador e
doutor em semiótica pela Universidade de Bologna, Itália, e pela Universidade
de São Paulo (USP). Ele é autor do livro Políticas do encanto: extrema direita
e fantasias de conspiração, publicado pela editora Elefante.
Demuru analisa o
ressurgimento de líderes populistas de extrema direita como Trump e observa
que, além dos EUA, há uma tendência global desses movimentos, refletida em
figuras como Matteo Salvini (Itália), Marine Le Pen (França) e Pablo Marçal
(Brasil). Segundo ele, esse fenômeno é um reflexo do desencanto generalizado
com o sistema neoliberal, que aprofunda desigualdades e cria um ambiente
propício para o crescimento de discursos que desafiam o status quo.
“São figuras capazes
de influenciar muitas pessoas que não seriam ou não se consideraram elas mesmas
extremistas”, explica Demuru. Segundo ele, esses líderes conseguem unir
discursos muito diferentes entre si, como o religioso, espiritual e até mesmo
narrativas de bem-estar e cuidado. “As fantasias de conspiração são construídas
a partir de pequenos núcleos de verdade que tornam evidente essa dureza do
mundo capitalista e neoliberal em que vivemos, um mundo extremamente desigual,
onde o lucro de poucos é privilegiado em detrimento do bem-estar da maioria.”
Leia os principais
pontos da entrevista:
• Paolo, no seu livro, você diz que “o
populismo conspiratório de extrema direita seduz menos pelos seus argumentos e
mais pelo fascínio que provoca. Cativa por ser um discurso maravilhoso,
extasiante, extraordinário, uma verdadeira mágica política. Você pode falar um
pouco sobre isso? Por que as narrativas conspiracionistas, principalmente
propagadas por figuras de extrema direita, têm prosperado tanto nos últimos
anos?
O que eu quis destacar
nesse livro foi justamente a capacidade do discurso conspiratório de extrema
direita de provocar encantamento. Isso está relacionado ao momento político que
estamos vivendo, que é muito duro.
Como eu sempre digo,
as fantasias de conspiração são construídas a partir de pequenos núcleos de
verdade que tornam evidente essa dureza do mundo capitalista e neoliberal em
que vivemos, um mundo extremamente desigual, onde o lucro de poucos é
privilegiado em detrimento do bem-estar da maioria.
[Esses núcleos de
“verdade”] surgem, por exemplo, com o fato de que há uma elite econômica de
grandes bilionários que realmente detém poder. Isso é um núcleo de verdade. Uma
teoria, como a do globalismo ou da nova ordem mundial, dos Illuminati,
fundamenta-se nesse núcleo. Depois, a partir dele, cria-se toda uma narrativa
absurda, muitas vezes completamente irreal. Mas insistir nessa dicotomia, de
que existe um grupo de poderosos, é eficaz porque parte de algo muito concreto
e visível.
A partir daí, surgem
explicações fantasiosas que, além de fornecerem uma resposta simples para uma
questão complexa, oferecem algo que o próprio sistema capitalista neoliberal
frequentemente nos priva, especialmente aqueles em situações extremamente precárias
de pobreza: a maravilha. Nós também precisamos de contato, de encanto, de
sonho. Em uma vida tão dura, onde muitos são obrigados a viver em condições
quase de escravidão, essa narrativa se torna extremamente atraente.
Oferecer essas
histórias dá respostas e, ao mesmo tempo, encanta – e encanta por várias
razões. Posso explicar isso brevemente: é emancipador, de certo ponto de vista,
tanto para o indivíduo quanto para o coletivo. Digo isso porque o encantamento
ocorre quando a pessoa descobre um “grande segredo” por trás da realidade
concreta do cotidiano. Há essa grande seita de poderosos favorecendo as elites
globais, permitindo a migração através de fronteiras, ameaçando minha nação e
identidade nacional. Esse tipo de construção de inimigos tem especificidades em
cada país. Além do deslumbre individual, compartilhar esse segredo com outros
cria pertencimento.
A narrativa
conspiracionista funciona, como digo no livro, como uma grande caça ao tesouro.
• Você acha que essas narrativas e como
elas estão sendo contadas, sobretudo nas redes sociais, reformulam a forma de
fazer política e a própria democracia? Pensando nas últimas eleições
municipais, com o Pablo Marçal, mas agora com o Trump, também com o Bolsonaro.
Como é que você vê isso?
A gente viu, nos
últimos anos, uma mistura entre a linguagem das redes sociais e o discurso
político como um todo. É como se, de certa forma, a linguagem das redes sociais
tivesse moldado o discurso político. Então, práticas discursivas, narrativas,
que eram próprias das redes, como, por exemplo, a indireta, o grito,
tornaram-se marcas do discurso político como um todo, até porque a grande
plataforma onde o discurso político se dá, acontece, são as redes. Isso também
aparece em comícios, como o “cercadinho” ao vivo do Bolsonaro.
Nos debates
televisivos de Marçal, que foram feitos, claramente, para produzir cortes, são
feitos na base dessas estratagemas. Ou, por exemplo, a vagueza mesmo semântica
[isto é, de sentido], implícita na indireta que você faz quando você joga um
comentário ou um post nas redes sem indicar exatamente a quem se refere e
gerando, portanto, essa ambiguidade. Isso são estratégias discursivas que
moldaram o campo político como um todo.
Muito se fala sobre a
estrutura algorítmica. A gente está quase cansado de saber quão grave que é a
questão, digamos, da arquitetura das redes. Mas, do meu ponto de vista, é
necessário refletir sobre essas práticas discursivas que muitas vezes têm sido
um pouco negligenciadas, principalmente na grande mídia.
• Qual é o papel de pessoas como Steve
Bannon nessa “mágica política”? Lembrando que Bannon veio do cinema, assim como
Goebbels na época de Hitler, que também usou o cinema como uma nova mídia, tal
como Bannon faz hoje com as redes sociais. Qual é o papel dessas pessoas e do
campo estético em manipular a narrativa, a imagem, distorcer a realidade,
insuflar raiva e revolta na política de hoje?
Bannon teve um papel
fundamental em construir o que ele mesmo definiu como uma internacional
populista de extrema direita, apesar de não usar exatamente esse termo. Esse
movimento envolvia líderes como Bolsonaro, Trump, Matteo Salvini, na Itália, Le
Pen [França], Orbán [Hungria], entre outros. Como você mencionou, ele veio do
cinema e da propaganda. Bannon desenvolveu uma espécie de cartilha que
influenciou também figuras como Olavo de Carvalho e a família Bolsonaro.
Ele construiu um
edifício discursivo, amplificado pela própria estrutura algorítmica das
plataformas, especialmente no X (Twitter), que Elon Musk levou a outro patamar.
Ele promoveu narrativas eficazes para criar um pertencimento à direita,
construindo paixões como ódio e raiva direcionadas a grupos específicos, como
imigrantes na Europa, afro-americanos, LGBTQIA+, entre outros.
Um livro que ilustra
bem a lógica e as táticas de Bannon é Os engenheiros do caos, de Giuliano da
Empoli, que descreve os fundamentos organizacionais desse projeto. Outro
exemplo relevante é o livro Doppelgänger, de Naomi Klein, que detalha como
Bannon se tornou uma figura influente para muitas pessoas que não se
considerariam extremistas.
Algo crucial que
Bannon fez foi unir universos discursivos diferentes, construindo convergências
entre o discurso extremista, o religioso e o espiritual (não necessariamente
cristão, mas com práticas da New Age), e o campo do bem-estar e cura do corpo.
Durante a pandemia, ele chegou a vender vitaminas e suplementos, promovendo
teorias conspiratórias absurdas.
Essa conexão é muito
perigosa, pois constrói uma ponte entre campos que oferecem respostas
individualistas, onde nunca se pensa no coletivo. “Eu cuido de mim”, ou seja, o
bem-estar como a cura do próprio indivíduo. Essa junção entre cura do corpo,
espiritualidade em sentido amplo e política baseada no ódio é poderosa.
Precisamos ter cuidado com isso.
• "O PT é um partido de esquerda, tem
história, tem princípios", diz Gleisi Hoffmann
A presidenta nacional
do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), afirmou em entrevista ao Fórum Onze e Meia
nesta segunda-feira (11) que, apesar de o partido já ter caminhado para o
centro, em relação às articulações políticas, ele se mantém de esquerda.
"Desde 2016,
quando saímos de um isolamento muito grande - inclusive com partidos de
esquerda e centro-esquerda - que a gente tem feito um movimento de articulação
com esses partidos e também com o centro da política", afirmou ao ser
indagada por Cynara Menezes.
"Nós recompusemos
o campo da esquerda, fizemos oposição a [Jair] Bolsonaro. Juntamos PSD, PSB,
PSOL, PV, PCdoB, Rede. E depois conversamos com setores do MDB. A própria
eleição do presidente Lula em 2022 teve essa organização de conversa com o
Centro da política", afirmou lembrando a Frente Ampla na disputa
presidencial.
A deputada ressalta,
no entanto, que não há problemas em se fazer essas alianças, até mesmo porque o
governo é de coalizão, inclusive com partidos de centro e centro-direita - e
que isso se estendeu às eleições municipais neste ano.
"Isso não tem
nada a ver com o partido mudar seu posicionamento histórico. O PT é um partido
de esquerda, tem história, tem princípios e isso é importante que se tenha
clareza", afirmou.
<><> Pra
2026 o nome é de Lula de novo pra presidente, garante Gleisi Hoffmann
A deputada federal
pelo estado do Paraná afirmou que o nome do partido para o pleito presidencial
de 2026 é o de Lula. Questionada pelo jornalista Renato Rovai sobre os quadros
para a sucessão do atual presidente, a executiva do partido foi clara.
"'[Muitos dizem]
'O PT não tem quadros, o PT não tem condições de fazer uma sucessão do Lula lá
na frente', Muito pelo contrário, nós temos bons nomes: o Camilo é um deles, o
nome do Haddad também está colocado, enfim, eu acho que o PT nesse tempo e
nessa história recente também tem quadros importantes", elogiou Hoffmann.
Contudo, a sucessão do
presidente é inquestionável para Gleisi, que enxerga que Lula é o nome mais
adequado para a disputa contra a extrema direita daqui a dois anos.
"Para a questão
de 2026, o nome é o presidente Lula, eu não tenho dúvidas disso. Nós fizemos em
2022 uma frente democrática que foi muito importante para ganhar as eleições,
mas se não fosse Lula disputar, a gente dificilmente ganharia aquela eleição. E
para 2026, é o presidente Lula de novo, que tem esse potencial de fazer disputa
política", continuou Hoffmann.
"Eu sei que ele
tem se colocado à disposição, também tem falado das condições que vai ter em
2026, mas eu acredito que é com o Lula e defendo que com isso nós temos que
disputar 2026", completou.
Fonte: Por Andrea DiP,
Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo, da Agencia
Pública/Fórum
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