As COPs sob o jugo do petróleo
O Azerbaijão é um
pequeno petro-Estado. Foi escolhido para sediar a Conferência das Partes da ONU
(COP29), que começa hoje (11 de novembro) em Baku, por dois motivos: pelo veto
da Rússia a qualquer país da União Europeia, em função da guerra da Ucrânia, e
por ter negociado com o outro candidato, a Armênia, o privilégio de sediar a
conferência.
Para tanto libertou 32
militares armênios da prisão. Em troca a Armênia libertou dois soldados
do Azerbaijão e retirou imediatamente sua candidatura. Assim Baku, por processo
de eliminação que ocorreu em contexto no mínimo insólito, alheio aos interesses
dos demais países progressistas, veio a sediar a COP por processo de
eliminação.
Uma situação como esta
já prenunciava desastre. Uma gravação de câmera escondida mostrou o diretor executivo da COP29 do
Azerbaijão, Elnur Soltanov, discutindo “oportunidades
de investimento” na empresa estatal de petróleo e gás com um potencial
investidor. “Temos muitos campos de gás que devem ser explorados”, disse.
Além de ser o diretor
executivo da COP29, Soltanov também é vice-ministro de Energia do Azerbaijão e
está no board da estatal de petróleo do país, a Socar.
A COP28, realizada em
2023 em Dubai, Emirados Árabes, também demonstrou planos de bastidores para
discutir acordos de ampliação para extração de petróleo.
Estamos revivendo, nas
COPs do petróleo, a velha fábula da raposa no galinheiro. As raposas do
petróleo na COP28 pretendiam ampliar sua articulação com pelo menos 28 países,
visando estimular a matriz do petróleo, enquanto sediavam uma conferência
climática cujo objetivo era discutir prioritariamente a eliminação dos
combustíveis fósseis.
A
teatralidade das seguidas COPs nos reinos e ditaduras do petróleo, Egito,
Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão, está se tornando evidente, abrigando
enormes conflitos de interesse. Na abertura da COP29 do Azerbaijão os
combustíveis fósseis sequer foram citados.
No ano passado a
COP28, realizada nos Emirados Árabes Unidos, foi palco de um desfile de
riquezas e interesses dos Estados petrolíferos. A conferência incluiu milhares
de lobistas de petróleo e gás; seu presidente era um executivo da empresa
nacional de petróleo dos Emirados Árabes Unidos, a ADNOC. O presidente da COP
de Baku, ministro da Ecologia e Recursos Naturais do Azerbaijão, também é ex-executivo de sua empresa petrolífera, a
Socar.
Os delegados do mundo
estão reunidos em Baku, no Azerbaijão, para a reunião anual mais importante
sobre mudança climática, com vista para um lago poluído pelos campos de
petróleo. Quase metade do PIB do Azerbaijão e mais de 90% de sua receita de exportação vêm de petróleo
e gás. É, em termos inequívocos, um petro-Estado.
Para Steve Pye,
professor de sistemas de energia da University College London, ter
um petro-Estado sediando uma reunião climática apresenta um conflito de
interesses inequívoco. O país deixou claro que está procurando aumentar as
exportações de gás e não deu “nenhuma indicação” de que deseja se afastar da
dependência de combustíveis fósseis. Essa é uma postura estranha para a
entidade encarregada de facilitar a delicada diplomacia climática.
A COP também dá ao
Azerbaijão a chance de lavar sua imagem. Depois que a Armênia retirou sua
candidatura, o Azerbaijão classificou isso como uma “COP de paz”, propondo um
cessar-fogo mundial para os dias antes, durante e depois da reunião. Um
exército de bots foi implantado na rede social X para elogiar
o Azerbaijão pouco antes das negociações, informou o The Washington Post.
Ronald Grigor Suny,
professor emérito de história da Universidade de Michigan que escreveu
extensivamente sobre o Azerbaijão, disse que vê o exercício de hospedagem do
país como uma elaborada campanha de propaganda para higienizar a imagem de uma
nação fundamentalmente autoritária e comprometida com o petróleo – um lugar que
no ano passado conduziu o que muitos estudiosos jurídicos e de direitos humanos consideraram uma limpeza étnica em um de seus
enclaves armênios.
“Esta é uma encenação
de um evento para impressionar as pessoas pela normalidade, aceitabilidade,
modernidade deste pequeno Estado”, disse ele. Mas a esperança de qualquer
iniciativa relacionada à paz, incluindo um acordo de paz com a Armênia, já está diminuindo.
Especialistas em clima
e geopolítica chamaram a coisa toda de um golpe cínico de relações públicas, e a Anistia Internacional relata
que os defensores dos direitos humanos do Azerbaijão estimam manter centenas de
acadêmicos e ativistas na prisão. Foram detidos mais de cem críticos desde que
a presidência da COP foi anunciada.
Como anfitrião este
ano, o trabalho do Azerbaijão será intermediar um acordo que garanta bilhões –
possivelmente trilhões – de dólares de países ricos para ajudar na transição
verde nos países mais pobres. As nações em desenvolvimento precisam desses fundos
para estabelecer metas climáticas ambiciosas, cuja próxima rodada deve ser
concluída em fevereiro de 2025. Um fracasso trará duras consequências e uma
reação em cadeia que levará anos para ser reparada.
Joanna Depledge,
pesquisadora da Universidade de Cambridge e especialista em negociações
climáticas internacionais, acompanhou todos os 29 anos da COP até agora e
afirma que o Azerbaijão “está praticamente fora do radar desde o início”. O
país quase nunca falou durante as negociações anteriores e não faz parte de
nenhuma das principais coalizões políticas da COP, disse ela.
O Acordo de Paris
exige que, a cada cinco anos, cada país estabeleça como reduzirá as emissões em
um plano de Contribuição Nacionalmente Determinada. O Azerbaijão é “um dos
poucos países cuja segunda NDC foi mais fraca do que a primeira”, disse
Depledge.
Como
pudemos chegar a esse ponto? O mundo está apostando que um país que mostrou um
mínimo de compromisso com todo esse processo poderia liderar o caminho para
evitar um aquecimento catastrófico?
Mesmo que esta COP29
termine com sucesso, Steve Pye, que trabalhou no Relatório sobre a Lacuna de
Produção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, observa que, sem
acompanhamento, o que acontece na conferência é apenas da boca para fora. Uma vez
que os holofotes da COP foram desligados, os Emirados Árabes Unidos, por
exemplo, voltaram mais ou menos aos negócios como de costume e neste ano a
estatal petrolífera aumentou sua
capacidade de produção.
É evidente que a
atuação ambientalmente equivocada norte-americana, com a vitória de Donald
Trump, deverá ofuscar questões mais estruturais referentes às conferências
climáticas. Mas é preciso repensar os critérios para escolha dos países sede,
com base em uma avaliação sobre os impactos em liderança com conflitos de
interesse explícitos. Sem alimentar restrições a qualquer nação e sua
soberania, trata-se de fazer valer regramentos basilares e universais para a
isonomia da administração pública estatal, consolidados internamente pela
maciça maioria dos países membros da ONU.
¨ COP29 alerta riscos climáticos e afirma: ‘nenhum país está
seguro’
Instituições do setor
privado devem investir financeiramente na economia de baixo carbono, caso
contrário, possivelmente poderão enfrentar consequências de um colapso
climático, de acordo com Mukhtar Babayev, presidente da COP29 e ministro do
Meio Ambiente do Azerbaijão.
“O ônus
não pode recair inteiramente sobre os cofres do governo. Liberar o
financiamento privado para a transição dos países em desenvolvimento tem sido
uma ambição das negociações climáticas há muito tempo (…) Sem o setor privado,
não há solução climática. O mundo precisa de mais fundos e precisa deles mais
rápido. A história mostra que podemos mobilizar os recursos necessários; agora
é uma questão de vontade política”,
enfatizou o presidente durante a abertura da cúpula climática da ONU em Baku.
A COP29 atualmente
conta com um conjunto de quase 200 países que buscam um novo acordo para
fornecer financiamento para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e
se adaptar aos impactos de eventos climáticos extremos.
Os países em
desenvolvimento pedem que o financiamento climático aumente dos atuais US$100
bilhões anuais para pelo menos US$1 trilhão por ano até 2035.
A reunião teve sua
atenção perdida após a confirmação da reeleição de Donald Trump, que
anteriormente prometeu remover os EUA do acordo climático de Paris e descartar
compromissos de corte de emissões de carbono.
Não tendo o apoio dos
Estados Unidos, os países desenvolvidos se encontrarão em uma situação mais
complicada para conseguir atingir as metas de financiamento climático, buscando
assim, outras maneiras de atingir a marca.
O debate sobre o
financiamento para combater as mudanças climáticas está dividido entre o apoio
público e a participação privada, com muitos especialistas destacando os
desafios de uma transição sustentável para os países em desenvolvimento.
Babayev apontou a falta de recursos globais suficientes para financiar a
transição para energia limpa nesses países, apenas com subsídios governamentais
ou financiamento concessional.
Mariana Paoli, chefe
global de advocacia da Christian Aid, defende que o financiamento público é
essencial, pois os governos fornecem subsídios que atendem melhor às
necessidades dos países em desenvolvimento, sem agravar a crise da dívida.
“O
financiamento governamental é muito melhor do que o financiamento privado
quando se trata de lidar com as mudanças climáticas. Os governos são os únicos
capazes de fornecer financiamento na forma de subsídios, que são a única
maneira de atender às crescentes necessidades dos países em desenvolvimento
para lidar com a crise climática. O financiamento privado é guiado por lucros e
quase sempre são empréstimos, piorando assim a crise da dívida que muitos
países em desenvolvimento estão enfrentando”, disse
Mariana.
Simon Stiell, chefe do
clima da ONU, alertou sobre os riscos econômicos de depender de combustíveis
fósseis e da falta de ação climática, frisando que todos os países devem
contribuir, não por caridade, mas por interesse próprio. Ele enfatizou a
necessidade de uma meta de financiamento climático ambiciosa para o benefício
de todas as nações.
Fonte: Por Carlos
Bocuhy, em O
Eco/The Guardian
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