Brasil
está abandonando suas promessas climáticas?
Governo
Lula manda sinais contraditórios ao ser anfitrião da conferência do clima da
ONU em novembro e defender ampliação da produção de petróleo, inclusive em
áreas ambientalmente sensíveis, como a foz do rio Amazonas.
Quando
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao cargo
em 2023, os ambientalistas, em geral, respiraram aliviados. Após quatro anos
de desmonte ambiental promovido
por Jair Bolsonaro, o novo líder
chegara com a promessa de proteger o clima.
Mas o
alívio se converteu em decepção. A poucos meses de o
Brasil sediar a 30ª conferência do clima da ONU (COP30), Lula
está em campanha pela exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, e seu governo
aprovou uma cooperação com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
"O
mundo deu ao Brasil um mandato para liderar o debate sobre o clima em
2025", afirma Claudio Angelo, coordenador de política internacional do
Observatório do Clima, rede que reúne mais de cem organizações voltadas para a
agenda climática. "Dobrar a expansão do petróleo é uma traição a esse
mandato", conclui.
- Dobrando a
aposta?
O
Brasil tem vastas reservas de petróleo e figura como o oitavo maior exportador
global – atrás de países como Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos. Mas o governo quer
aumentar a participação do país nesse mercado e chegar ao quarto lugar.
"Não
devemos nos envergonhar de sermos produtores de petróleo", disse o
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao anunciar os planos do país
de ingressar na Opep+. "O Brasil precisa crescer, se desenvolver e criar
renda e empregos."
A Opep
é um cartel que reúne os principais países produtores de petróleo, incluindo
Irã, Iraque, Nigéria e Arábia Saudita, para coordenar a produção de petróleo e
manter o mercado estável. Outros grandes produtores não são membros plenos, mas
concordam em cooperar com essas nações ao fazer parte da Opep+, como é o caso
da Rússia, um dos maiores
produtores globais.
Numa recente entrevista à imprensa, o embaixador André
Correa do Lago, presidente da COP30, disse que aderir à Opep+ daria ao país a
chance de se envolver em conversações sobre a transição para além dos
combustíveis fósseis.
Embora
o Brasil não seja um membro pleno da Opep, os ambientalistas criticaram a
aproximação, argumentando que ela consolida as ambições petrolíferas do país.
Lula
alegou que as receitas do petróleo são necessárias para ajudar a financiar uma
transição para as energias verdes.
Correa
do Lago usou o mesmo argumento, complementando que é mais fácil e mais barato
tomar dinheiro emprestado para investir em projetos de petróleo do que em
outros projetos mais sustentáveis. "O dinheiro que você perde ou ganha com
a exploração de petróleo pode ser usado internamente para projetos que sejam
bons para a transição [para energia limpa]", disse.
- O Brasil abraçou
as fontes renováves?
Ilan
Zugman, diretor administrativo para a América Latina da ONG 350.org, refuta o
argumento do governo. Ele diz que não há nenhuma política nacional para uma
mudança mais efetiva para as energias renováveis e que, mesmo
que houvesse, o dinheiro para essa transição poderia vir de outras fontes.
"Todos
os anos, o Brasil dá bilhões e bilhões de dólares para subsidiar o setor de
combustíveis fósseis. Gostaríamos de ver o Brasil transferindo alguns desses
subsídios dos combustíveis fósseis para os renováveis", disse à DW.
De
acordo com um relatório da instituição científica e tecnológica sem fins
lucrativos INESC P&D Brasil, os subsídios federais para a produção e o
consumo de petróleo, gás e carvão atingiram cerca de 14,6 bilhões de dólares
(R$ 112,4 bilhões) em 2022. Esse valor é cinco vezes maior do que o investido
em energias renováveis.
"O
dinheiro existe, mas não está sendo colocado nos lugares certos", afirma
Zugman. "E, é claro, ainda nos falta a vontade política, a coragem de
tomar algumas decisões ousadas e começar a transferir esses recursos para uma
energia que possa melhorar nossa situação de emissões de carbono no
mundo."
- Lula é um líder
climático?
O
Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, sendo que
o desmatamento e a mudança no uso da
terra na
região amazônica são responsáveis pela maior parte das emissões do país.
A Amazônia é a maior
floresta tropical do mundo e um importante sumidouro de carbono.
Após
sua vitória eleitoral em 2022, Lula prometeu controlar a extração ilegal de
madeira, a mineração e o
desmatamento de áreas para atividades como fazendas de gado e de soja, que se
tornaram comuns durante o governo de seu antecessor.
Nos
primeiros seis meses do mandato de Lula, o desmatamento na Amazônia brasileira caiu em cerca de
um terço e continuou a diminuir. O presidente se comprometeu a acabar com a
derrubada de árvores na floresta até o fim da década.
A
candidatura do país para sediar a COP30 em Belém foi vista como mais uma prova
do compromisso do governo com o clima, assim como a apresentação das últimas
metas climáticas – exigência dos signatários do acordo climático de Paris, que visa limitar o
aumento da temperatura global a 1,5 grau.
O
Brasil apresentou a meta de, até 2035, cortar entre 59% e 67% as emissões em
relação aos níveis de 2005. "Francamente, isso não é tão ambicioso",
disse Angelo, do Observatório do Clima. "Não é nem de longe compatível com
1,5 [grau]."
Os
objetivos também não incluem metas para as exportações de petróleo, cuja queima
não é contabilizada nas emissões do Brasil, mas que provoca um impacto global.
Pesquisadores
do SEEG, uma das principais plataformas de monitoramento de gases de efeito
estufa na América Latina, afirmam que, se o Brasil explorasse as reservas
projetadas, as emissões resultantes da queima anulariam os ganhos obtidos com a
redução do desmatamento da Amazônia.
- Impactos das
mudanças climáticas
O
Brasil tem enfrentado algumas das consequências mais devastadoras da emergência
climática. No ano passado, o país passou pela pior seca já registrada.
Os incêndios florestais devastaram
cerca de 30,8 milhões de hectares em 2024, uma área maior do que a Itália.
O World
Weather Attribution, um coletivo de cientistas que investiga a conexão entre
eventos climáticos extremos e mudanças climáticas, detectou que os incêndios
florestais que queimaram as áreas úmidas do Pantanal em junho de
2024 se tornaram pelo menos quatro vezes mais prováveis e 40% mais intensos
como resultado das mudanças climáticas causadas pelo homem.
"As
pessoas [no Brasil] estão literalmente sentindo o calor", disse Angelo.
"Isso não passa despercebido na Presidência. Eles sabem o que está em
jogo. Mas, no momento, a mistura de questões domésticas e geopolíticas está
tornando a agenda muito incerta."
Fonte:
DW Brasil
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