quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

A eficiência das fake news e os seus significados políticos e culturais

A informação sempre foi um elemento central na política, moldando decisões e ações ao longo da história. Durante a Reforma Protestante, a imprensa possibilitou a disseminação de ideias que abalaram a hegemonia da Igreja Católica; no nazismo, a comunicação foi utilizada como ferramenta de propaganda para consolidar o regime e disseminar ódio racial e político. Hoje, em um cenário mediado pelas redes digitais, a informação continua a influenciar as sociedades, mas sua centralidade também a torna vulnerável à manipulação. As fake news, longe de serem apenas uma consequência acidental das redes digitais, fazem parte de um sistema onde o fluxo de informações é condicionado por dinâmicas técnicas, sociais e políticas profundamente interconectadas. Para compreender esse fenômeno, é necessário adotar uma análise que vá além de explicações simplistas e que articule diferentes perspectivas sobre o universo informacional.

Para compreender o impacto e a complexidade das fake news, é necessário um olhar que vá além da superfície do fenômeno e examine suas múltiplas dimensões. Nesse sentido, a tríade compressão, compreensão e conformação oferece um arcabouço conceitual valioso. Esses três eixos permitem analisar, respectivamente, a eficiência técnica (compressão de dados), os significados sociais (compreensão de contexto) e a estruturação de poder (conformação do espaço e da esfera pública). Cada um desses aspectos, oriundos de tradições epistemológicas distintas, contribui para explicar como as fake news circulam, influenciam percepções e moldam disputas narrativas em diferentes camadas da vida social.

·        Compressão: a eficiência técnica das fake news

A ideia de compressão origina-se na teoria da informação, particularmente nos estudos de Claude Shannon na década de 1940, que buscavam compreender como transmitir dados de forma eficiente, minimizando perdas. No ambiente digital contemporâneo, a compressão está relacionada tanto à priorização de mensagens rápidas, claras e impactantes quanto à compressão de dados, que facilita a simplificação e a transmissão eficiente de informações para engajamento imediato.

Fake news são projetadas para atender à dinâmica dos algoritmos, que priorizam conteúdos com maior potencial de engajamento. Manchetes como “Descubra o segredo que os governos escondem” ou “Este alimento pode curar todas as doenças” exploram o desejo humano por respostas rápidas e definitivas. Essas mensagens, formatadas para chamar atenção, não exigem reflexão; elas apenas requerem cliques. Para as plataformas, o engajamento é o objetivo principal, e os algoritmos não diferenciam entre o verdadeiro e o falso – eles favorecem aquilo que gera maior circulação. Esse modelo técnico, baseado na compressão de conteúdos, acaba privilegiando narrativas simplistas, emocionais e mistificantes.

·        Compreensão: os significados culturais das fake news

A compreensão encontra suas bases nas ciências sociais, especialmente na sociologia e na antropologia, que estudam como os significados são construídos cultural e socialmente. Aqui, o foco está na compreensão de contexto, ou seja, na maneira como as mensagens dialogam com as crenças, valores e preconceitos já existentes.

Fake news não apenas desinformam; elas mobilizam emoções, reforçam visões de mundo e intensificam divisões sociais. Além disso, manipulam signos – palavras, imagens e símbolos – para criar significados que dialogam diretamente com emoções e crenças do público. Utilizando narrativas cuidadosamente construídas, elas ativam preconceitos, medos e ansiedades já presentes no imaginário coletivo, gerando uma sensação de “verdade” que ultrapassa os fatos objetivos. Essa dinâmica semiótica é central para entender seu poder de influência e revela que enfrentá-las exige mais do que corrigir informações: é necessário desconstruir as narrativas que sustentam esses significados e moldam a percepção social.

Esse eixo mostra como as fake news condensam emoções e visões de mundo que mobilizam comportamentos, reforçando divisões sociais e cristalizando ansiedades. É essa conexão com os valores e medos do público que torna as mensagens falsas tão poderosas.

Além disso, as fake news têm impactos diretos sobre grupos marginalizados e na saúde mental da população. Para minorias, notícias falsas frequentemente reforçam preconceitos, legitimam discursos de ódio e colocam essas comunidades em situações de vulnerabilidade social e política. Já no campo da saúde mental, a exposição constante a desinformações alarmistas ou manipuladoras, como as que envolvem pandemias ou teorias da conspiração, pode intensificar o medo, a ansiedade e o sentimento de desamparo, contribuindo para o agravamento de transtornos psicológicos.

·        Conformação: o poder das Big Techs e a estruturação do espaço e da esfera pública

A conformação, por sua vez, origina-se das análises críticas das ciências de dados e das teorias de comunicação, que examinam como o espaço público é estruturado por plataformas digitais e seus algoritmos. Aqui, o foco está na conformação do espaço e da esfera pública, ou seja, na maneira como as plataformas digitais moldam os fluxos de informação e organizam os debates e disputas de poder.

Empresas como Google, Meta e Twitter não apenas facilitam a circulação de conteúdos; elas são protagonistas em um processo maior de disputa por poder político e social. Plataformas digitais estruturam o fluxo de informações com base em lógicas algorítmicas que priorizam conteúdos polarizadores. Essa dinâmica não é neutra: ao amplificar mensagens emocionais e divisivas, elas reforçam clivagens sociais que beneficiam projetos políticos autoritários. A extrema-direita, por exemplo, encontra nessas plataformas um espaço privilegiado para disseminar desinformação, utilizando bots (robôs), contas automatizadas e algoritmos opacos para garantir que suas mensagens alcancem o maior número possível de pessoas.

A convergência entre a lógica comercial das plataformas e os interesses políticos de projetos autoritários não é uma coincidência. A prioridade pelo engajamento, mediada por ferramentas de inteligência artificial, alinha-se a estratégias que utilizam a desinformação como uma ferramenta para fragmentar a sociedade, enfraquecer instituições democráticas e consolidar formas autoritárias de controle. Nesse contexto, a conformação não é apenas técnica, mas também política, integrando a circulação de fake news a disputas globais de poder.

·        O que fazer: educação, regulação, redes alternativas, integração institucional e participação popular

Dado o impacto multidimensional das fake news, enfrentá-las requer ações estruturais que respondam às três dimensões da tríade. Não basta focar em soluções pontuais, como checagem de fatos ou campanhas educativas. É necessário transformar as condições que sustentam sua existência. Cinco frentes de ação são essenciais.

Educação crítica: formar cidadãos capazes de compreender como a informação é produzida, disseminada e utilizada é indispensável. Essa educação deve ir além de ferramentas técnicas, incorporando debates sobre poder, desigualdade e os interesses que influenciam o espaço e a esfera pública.

Regulação das plataformas digitais: as big techs precisam ser responsabilizadas em legislação específica pelo impacto social de seus modelos de negócio. Isso inclui maior transparência em seus algoritmos, restrições ao uso de ferramentas automatizadas para disseminação em massa e a criação de mecanismos de responsabilização por conteúdos que amplificam desinformação.

Fortalecimento de redes de informação alternativas: meios de comunicação independentes e comprometidos com o interesse público devem ser fortalecidos. Movimentos sociais, sindicatos e coletivos precisam fortalecer as existentes e investir na criação de redes que possam disputar narrativas e oferecer perspectivas críticas, desafiando o monopólio das grandes plataformas.

Integração institucional e governamental: o enfrentamento das fake news exige uma resposta integrada de diversos setores do governo, incluindo os ministérios da Educação, Cultura, Comunicação, Justiça e Economia. Políticas públicas devem ser elaboradas de forma coordenada, reconhecendo que a desinformação é um problema sistêmico que afeta desde a educação midiática da população até a segurança eleitoral e a regulação econômica das plataformas digitais. A criação de conselhos interministeriais ou iniciativas conjuntas pode ser uma alternativa para articular essas ações, ampliando o impacto das medidas.

Participação popular: garantir espaços efetivos para que a sociedade civil participe da formulação e avaliação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento das fake news é fundamental. Conselhos, fóruns e plataformas de escuta podem permitir que cidadãos expressem suas preocupações, apresentem soluções e contribuam para uma abordagem mais democrática no combate à desinformação. Além disso, promover iniciativas comunitárias para a checagem de informações e disseminação de conteúdos confiáveis fortalece a autonomia popular e o senso de responsabilidade coletiva no espaço informacional.

Um adendo: como visto, não é apenas um problema de comunicação desse ou daquele governo, como frequentemente vem sendo vocalizado. Trata-se de uma questão estrutural e multidimensional, que perpassa áreas como cultura, economia, políticas digitais e informação. Comunicação é apenas um dos aspectos.

·        Conclusão

A tríade compressão, compreensão e conformação sintetiza a complexidade das fake news ao abordar suas dimensões técnicas, sociais e estruturais. Por meio da compressão, vemos como as fake news se adaptam à lógica algorítmica das plataformas, priorizando, através da compressão de dados, rapidez e alcance.

Pela compreensão, entendemos como elas se conectam a crenças, valores e ansiedades já presentes na sociedade. E, na conformação, identificamos o papel ativo das plataformas digitais na estruturação do espaço e da esfera pública, integrando a circulação de fake news a disputas políticas globais.

Esse problema, portanto, não pode ser resolvido com lamentos e soluções pontuais. Ele exige uma transformação estrutural que articule educação crítica, reconhecimento dos aspectos culturais, regulação das big techs, fortalecimento de redes alternativas, maior integração institucional e participação popular. Enfrentar as fake news é mais do que combater desinformação; é uma oportunidade de repensar e reconstruir o espaço público com base em valores democráticos, solidários e emancipatórios.

 

¨      O mundo e o Brasil na era da Inteligência Artificial. Por Luís Nassif

No início do século 21 o Brasil tornou-se uma potência em software livre – desenvolvido por comunidades de desenvolvedores em código aberto. Houve grande impulso no início do governo Lula, em torno do sistema operacional Linux e de vários aplicativos, inclusive substituindo o campeão Office, da Microsoft. Tudo isso ancorado na adoção de sistemas abertos pelo setor público.

Ainda hoje, corporações como o Ministério Público Federal utilizam programas de código aberto em seus notebooks funcionais. O Banco do Brasil utilizava em suas agências, mas passou a substituir por sistemas fechados.

O lobby das empresas de tecnologia sempre foi muito forte e acabou reduzindo o espaço para o software livre. 

Agora, com o DeepSeek, o movimento ganha um novo fôlego. A empresa chinesa desenvolveu uma tecnologia barata e abriu o código para quem quiser. A Inteligência Artificial (IA) sai do controle das grandes corporações e se democratiza, justo no momento em que o Brasil preparou seu plano de IA, apresentado na 5a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

O plano se baseia em duas âncoras.

A primeira, a regulamentação do FNDCT (Fundo Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), proibindo o contingenciamento de seus recursos, conforme lei aprovada pelo Congresso Nacional. A segunda, a viabilização da captação de crédito para a Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisas) e para o BNDES, por meio do Mais Inovação, a taxas de juros favorecidas.

>>> O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028 trabalha com cinco eixos principais:

Infraestrutura e Desenvolvimento de IA – Investimentos em supercomputadores, redes de alta velocidade, energias renováveis e software nacional para IA.

Difusão, Formação e Capacitação em IA – Educação e treinamento de profissionais para suprir a demanda do mercado de IA.

IA para Melhoria dos Serviços Públicos – Aplicação de IA para melhorar serviços de saúde, educação e segurança pública.

IA para Inovação Empresarial – Incentivo ao desenvolvimento de IA para aumentar a competitividade da indústria e do comércio.

Apoio ao Processo Regulatório e de Governança da IA – Criação de diretrizes para garantir o uso ético e seguro da IA no Brasil.

>>> Eixos 1 – A infraestrutura

O PBIA prevê a aquisição de supercomputadores de alto desempenho e a ampliação da capacidade de processamento através da descentralização dos recursos tecnológicos pelo país. Ponto importante será a sustentabilidade energética, já que o processamento consome grande quantidade de energia.

Outro ponto relevante é a criação de um ecossistema de dados e software, facilitando a montagem de consórcios de pesquisa entre os diversos institutos.

Os recursos ainda são pequenos para o desafio: R$ 3,0 bilhões para a infraestrutura e R$ 500 milhões para sustentabilidade e energias renováveis para IA.

Os sistemas de software livre terão uma injeção de recursos de R$ 1,4 bilhão, com a criação de curadoria e disponibilização de conjuntos de dados nacionais para treinamento da IA em português.

Prevê também a criação de um modelo de IA fundacional em português.

Finalmente, o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento prevê R$ 873 milhões para a criação de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia voltados para IA, e cooperação internacional com América Latina, Caribe e África.

>>> Eixo 2 – a capacitação

Serão R$100 milhões para campanha nacional de conscientização sobre IA para a sociedade. Inclui a criação da Olimpíadas Brasileira de IA.

Haverá R$ 548,5 milhões para a criação de cursos de graduação e disciplinas em IA em universidades e faculdades, a expansão do ensino técnico-profissionalizante, bolsas de estudo para graduação, mestrado e doutorado em IA, incluindo bolsas no exterior. E Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores (LIFE).

A meta é criar 5 mil vagas em cursos de graduação de IA em 3 anos, oferecer 100% das vagas em IA e ciência de dados no FIES, criar e ampliar 47 laboratórios LIFE e 1.200 bolsas para pesquisadores focados no desenvolvimento de soluções de IA.

Serão investidos também R$ 500 milhões em uma plataforma nacional de cursos online gratuitos de IA e parcerias com empresas e Sistema S para formação técnica em IA. 

A meta é capacitar 20 mil profissionais no primeiro ano, 30 mil no segundo e 50 mil no terceiro. E fornecer 250 mil vagas para formação técnica em IA até 2028.

>>> Eixo 3 – serviços públicos

A previsão é de investimentos de R$1,76 bilhão para a modernização e digitalização dos serviços públicos através de IA.

R$ 59 milhões serão aplicados em um núcleo de IA do governo federal, que criará uma plataforma de IA para desenvolvimento e implementação de modelos nos serviços públicos, além de testar soluções, antes da implementação em larga escala.

As metas são de capacitação de 115 mil servidores, estruturação de 25 projetos estratégicos de IA (devidamente identificados) e 25 projetos-pilotos de experimentação com IA até 2026,

Ponto relevante é o investimento de R$ 1,4 bilhão na criação de uma Nuvem Soberana – para armazenar dados governamentais -, o estabelecimento de uma política de governança de dados públicos, e de sistemas de privacidade e segurança da informação.

A meta é catalogar 2 mil conjuntos de dados do governos federal até 2027 e economizar R$ 6 bilhões com a eliminação de exigências burocráticas.

Mais R$ 259 bilhões serão aplicados no Programa de Soluções de IA para Serviços Públicos, implementando soluções de IA em pelo menos 10 órgãos por ano.

>>> Eixo 4 – inovação empresarial

São previstos R$ 13,79 bilhões em investimentos, R$ 4,49 bilhões dos quais para a criação de datacenters nacionais, apoio à cadeia produtiva, incentivo a startups, fomento à adoção de IA por micro e pequenas empresas e inserção de mestres e doutores em IA em empresas privadas.

R$ 2,3 bilhões irão para datacenters sustentáveis no Norte e Nordeste. Haverá a expansão da Rede Embrapii (uma parceria Ministério de Ciência e Tecnologia e Confederação Nacional da Indústria) para 35 unidades até 2026. R$ 400 milhões irão para apoio a startups de IA. E R$ 9,39 bilhões para desenvolvimento de soluções aplicadas à indústria, em alinhamento com a NIB (Nova Indústria Brasil).

<><> O mapa da mina

É provável que nem todos os investimentos sejam realizados, nem todas as metas cumpridas. Mas a relevância do PBIA está no mapeamento de todo o setor, na definição clara das linhas de ação, na visão sistêmica para a implantação da política.

 

Fonte: Por Ricardo Queiroz Pinheiro, para Opera Mundi/Jornal GGN

 

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