quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O que foi a Noite dos Cristais, que marcou o início da escalada de violências dos nazistas contra os judeus

Revoltado por seus pais — um casal de judeus poloneses, terem sido expulsos da Alemanha, onde viviam desde 1911 — o jovem estudante Herschel Grynszpan, de 17 anos, resolveu se vingar.

No dia 7 de novembro de 1938 (algumas fontes dizem que foi dia 8), ele foi até a embaixada alemã em Paris — cidade em que havia se refugiado e vivia ilegalmente — com a intenção de matar o embaixador do país de Adolf Hitler.

Não conseguiu encontrá-lo, por isso matou o diplomata Ernst vom Rath, encarregado de recebê-lo. Rath morreu no dia 9.

Foi o estopim do que viria a ficar conhecida na história como a Kristallnacht ou a Noite dos Cristais, numa tradução literal, ocorrida há exatos 85 anos.

 “Foi uma noite de violências diversas direcionadas contra os judeus, entre 9 e 10 de novembro de 1938, incentivada pelos nazistas”, explica o historiador Vinícius Liebel, professor de História Contemporânea, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo ele, naquela noite houve uma onda de depredação, saques e espancamentos de motivação antissemita, que seguiu uma certa tradição de violências e expurgos contra judeus, conhecidos como pogroms.

“A origem do nome pelo qual ficou conhecida é o aspecto das ruas das grandes e médias cidades da Alemanha no amanhecer do dia 10, totalmente salpicadas de vidro quebrado das janelas e vitrines destruídas”, conta.

 “A impressão que muitos tiveram era de que as ruas estavam cheias de cristais.”

De acordo com um artigo do site do United States Holocaust Memorial Museum, os ataques ocorreram em toda a Alemanha, a qual já incluía a Áustria, anexada por Hitler naquele ano de 1938, e a região dos Sudetos, na antiga Tchecoeslováquia.

“Centenas de sinagogas em todo o Reich alemão foram atacadas, vandalizadas, saqueadas e destruídas”, diz o texto. “Muitas foram incendiadas.”

Ainda de acordo com o artigo, os bombeiros receberam instruções para que deixassem as sinagogas serem destruídas, mas que evitassem que as chamas se espalhassem para as construções nas proximidades delas.

“Os vidros das vitrines de milhares de lojas de propriedade de judeus foram destruídas e suas mercadorias saqueadas. Os cemitérios judeus foram profanados. Muitos foram atacados por membros das Tropas de Assalto (SA). Pelo menos 91 pessoas foram brutalmente assassinadas naquele massacre.”

Por coincidência, no dia da Noite dos Cristais estavam sendo comemorados 15 anos do “Putsch da Cervejaria”, uma tentativa de golpe realizada pelos nazistas na Baviera, em 1923, uma data importante para eles. Segundo o texto do United States Holocaust Memorial Museum, a liderança do Partido Nazista, reunida em Munique para a comemoração do evento, decidiu usar a ocasião como pretexto para iniciar uma noite de ataques contra os judeus.

Segundo o artigo, o ministro da propaganda alemão Joseph Goebbels foi o principal instigador dos massacres da Noite dos Cristais”, “sugerindo aos nazistas veteranos ali reunidos que o ‘judaísmo mundial’ havia conspirado para que o assassinato de Vom Rath fosse efetuado.

Ele anunciou que "o Fuhrer decidiu que as manifestações não deveriam ser preparadas ou organizadas pelo Partido, mas na medida em que elas irrompessem espontaneamente, não deveriam ser impedidas’.

As palavras de Goebbels parecem ter sido compreendidas como uma ordem para desencadear a violência.

“O massacre foi organizado para dar uma aparência de espontaneidade”, reforça Liebel. “Explico: as altas instâncias do regime deram um sinal para os órgãos repressores, polícia e partido, para que eventuais mobilizações e manifestações antissemita não fossem coibidas. Com isso, deram carta branca para a violência. Naturalmente, a notícia se espalhou e as ruas foram tomadas pelos nazistas.”

O também historiador Carlos Zacarias de Sena Júnior, do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), diz igualmente que a violência da Noite dos Cristais foi incentivada por dirigentes do Partido Nazista, mas faz ressalvas.

“Não se pode dizer que ela foi ‘organizada’ no sentido que tomamos por organização”, explica. “Uma característica da violência fascista é sua aparente espontaneidade, haja vista que estamos falando de um partido de massas com tropas de choque, que funcionavam por dentro do Estado ou a sua revelia.”

Para Sena Júnior, que é coordenador do Politiza - Grupo de Pesquisa História Política, dos Partidos e Movimentos Contemporâneos de Esquerda e Direita, da UFBA, levando em conta que não se pode controlar massas que são permanentemente mobilizadas em torno de uma causa, ainda mais quando são acionados dispositivos de afetos políticos, como o ódio que moviam os partidários de Hitler, “é difícil definir o quanto de espontaneidade houve nos acontecimentos e o quanto de organização”.

O certo é que, seja como for, os estragos foram grandes. O historiador britânico Richard John Evans, relata alguns números das violência da Noite dos Cristais em seu livro Terceiro Reich no Poder.

Segundo seus dados, algo entre 7.500 e 9.000 lojas de judeus e 520 sinagogas foram destruídas – neste último caso, o número pode ter chegado a 1.000, no entanto.

Entre perdas humanas, Evans escreveu que oficialmente, 91 pessoas morreram, mas que esse número poderia checar mil. Outras 30 mil pessoas foram presas e encaminhadas para os campos de concentração de Dachau, Buchenwald, Sachsenhausen e alguns outros.

Foi a primeira vez em que o regime nazista prendeu judeus em grandes números apenas por serem judeus, sem nenhuma acusação criminal. A Noite dos Cristais marcou, assim, o início da escalada da violência do Estado nazista contra os judeus, seu encarceramento em campos de concentração e o consequente extermínio de milhões deles.

Tanto para Liebel como para Sena Júnior o assassinato de Ernst vom Rath foi apenas o estopim — a desculpa para trazer à tona algo mais profundo.

“Não há como desvincular a Noite dos Cristais de um processo mais longo e estruturado, que vinha sendo implementado desde a ascensão dos nazistas ao poder, em 1933, e mais particularmente desde 1935, com a promulgação das Leis de Nuremberg”, diz o primeiro.

“Esse processo visava isolar os judeus da sociedade, retirar seus direitos e sua cidadania no Estado alemão, torná-los suscetíveis a violências diversas e, por fim, eliminá-los do espaço territorial da Alemanha.”

Sena Júnior acrescenta que as razões mais profundas da Noite dos Cristais podem ser remetidas ao ódio crescente mobilizado pelas lideranças nazistas, que apontavam os judeus como causadores dos seus sofrimentos.

“Há também questões que devem ser remetidas aos efeitos da Primeira Guerra, como aqueles que impuseram um pesado ônus territorial e financeiro à Alemanha, além da vergonha pela derrota”, explica. “Mas atribuir as motivações do antissemitismo a outros que não sejam os apoiadores das ideologias extremistas representadas pelo nazismo passa por ser uma justificativa inconsistente.”

Liebel lembra ainda que o discurso antissemita e a promoção do ódio racial já eram elementos presentes em parte da sociedade europeia, mas os nazistas promoveram não só a sua instrumentalização para fins eleitorais e políticos, mas também lograram a sua normalização.

“Eles alçaram o racismo a uma política de Estado, condicionaram os direitos e a cidadania à raça e conduziram um processo de progressiva escalada da violência contra aqueles que julgavam não pertencer à sua ‘comunidade do povo’”, explica.

Sena Júnior, por sua vez, chama a atenção para o fato de que a ascensão da ideologia nazifascistas em diversas partes do mundo não levaram a consensos consistentes entre os historiadores.

“Eles têm se dedicado a entender as razões pelas quais um país e seu povo se levantam em ódio contra o ‘outro’”, diz.

“Dessa forma, o que podemos dizer é que a ascensão do nazifascismo responde a uma crise da democracia representativa e à incapacidade das organizações socialistas, que fomentaram a revolução, de oferecer alternativas imediatas a uma massa de desocupados, deserdados e desmobilizados no período entre guerras."

 

¨      Levante do Gueto de Varsóvia: como foi a maior revolta de judeus contra nazistas

"A maioria foi a favor da rebelião. As pessoas achavam melhor morrer com uma arma na mão do que sem ela. Pode-se chamar este tipo de resistência de rebelião? Era uma luta para não sermos transportados para o matadouro, uma luta contra a morte".

Foi assim que um sobrevivente descreveu o levante do Gueto de Varsóvia, que completou 80 anos em 2023 - o maior e, simbolicamente, mais importante levante judaico. Foi a primeira revolta armada desencadeada por civis no interior da Europa ocupada pelos nazistas.

A resistência judaica começou em 19 de abril de 1943, quando judeus entrincheirados dentro de prédios e abrigos enfrentaram os nazistas e terminou quase um mês depois, em 16 de maio, com a explosão da Grande Sinagoga de Varsóvia. Os prisioneiros que sobreviveram foram deportados para campos de concentração ou extermínio. Poucos conseguiram fugir.

Revolta armada

A revolta armada ocorreu no gueto de Varsóvia, uma área de quatro quilômetros quadrados num bairro na capital polonesa onde viviam encurraladas mais de 400 mil pessoas. Mas o que levou até ela?

No verão de 1942, entre julho e setembro, os nazistas deportaram 300 mil judeus que estavam aprisionados no gueto.

Quando as informações sobre os assassinatos em massa nos centros de extermínio vazaram, organizações judaicas clandestinas criaram uma unidade armada de autodefesa, conhecida como Organização Judaica de Combate (ou ZOB, por sua sigla em polonês) e liderada por um jovem na casa dos 20 anos, Mordecai Anielewicz. Para isso, contrabandearam armas e desenvolveram um sistema de esconderijos.

Numa visita ao gueto em janeiro de 1943, Heinrich Himmler, o comandante da SS, a tropa de elite nazista, ordenou novas deportações e isso foi o estopim para a resistência, que passou a enfrentar as tropas de Hitler esporadicamente.

No entanto, em 19 de abril de 1943, véspera da Páscoa judaica (Pessach), quando forças alemãs deram início à destruição final do gueto e à deportação dos judeus remanescentes, a revolta de fato eclodiu.

Os nazistas foram surpreendidos por cerca de 700 combatentes jovens judeus, armados com pistolas, granadas, a maioria caseiras, e algumas poucas armas automáticas e rifles.

Embora o primeiro dia de confrontos tenha terminado com as forças alemãs se retirando para fora dos muros do gueto, a repressão que se seguiu foi brutal.

Em maior número e com maior potencial bélico, os nazistas começaram a reduzir o gueto a escombros. Anieliwicz foi assassinado.

Ainda assim, a resistência judaica permaneceu por semanas.

Após quase um mês de combates, as forças de Hitler explodiram a Grande Sinagoga de Varsóvia no dia 16 de maio de 1943, marcando o fim do levante e a destruição do gueto.

Segundo o Museu do Holocausto dos Estados Unidos, pelo menos 7 mil judeus morreram lutando ou se escondendo no gueto. Outros 7 mil foram capturados pelas SS e pela polícia no fim dos combates e deportados para o centro de extermínio de Treblinka, também na Polônia. Ali, acabaram assassinados.

Os demais, cerca de 42 mil, foram enviados para campos de trabalhos forçados e para o campo de concentração de Lublin/Majdanek.

A maioria foi assassinada a tiros em novembro de 1943, durante a chamada Operação Harvest Festival (Erntefest), que durou dois dias.

Poucos conseguiram escapar através do sistema de esgoto de Varsóvia para florestas fora da cidade.

Um deles foi Simcha Rotem, o último combatente sobrevivente da revolta, que morreu em dezembro de 2018, aos 94 anos.

"Eu me senti totalmente impotente (diante do poder de fogo dos nazistas)", disse ele, em depoimento ao Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.

Mas esse sentimento foi seguido, segundo ele, por "uma sensação extraordinária de elevação espiritual… esse era o momento que esperávamos… para enfrentar esse alemão todo-poderoso".

No entanto, Rotem observou que os rebeldes não tinham ilusões sobre suas chances. "Matávamos o maior número possível, [mas] sabíamos que nosso destino estava completamente claro."

O levante inspirou insurreições em outros guetos e centros de extermínio durante o Holocausto, como ficou conhecido o assassinato em massa de milhões de judeus, bem como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová e outras minorias, durante a 2ª Guerra Mundial, a partir de um programa de extermínio sistemático patrocinado pelo partido nazista de Adolf Hitler.

Uma série de fotos inéditas do gueto de Varsóvia, registradas clandestinamente por um bombeiro polonês e encontradas em um celeiro, foram exibidas pela primeira vez na semana passada na capital polonesa. Elas ilustram esta reportagem da BBC News Brasil.

As imagens serão apresentadas ao público a partir de abril. Segundo uma das curadoras da exposição "Ao nosso redor, um mar de fogo", do Museu POLIN de história judaica de Varsóvia, Zuzanna Schnepf-Kolacz, "são as únicas fotos que não foram tiradas por alemães (no gueto durante a insurreição) e que não foram tiradas para fins de propaganda".

Até então, o registro fotográfico mais conhecido do levante compreendia cerca de 50 fotografias tiradas para o chamado Relatório Stroop, preparado pelo general Jürgen Stroop para o comandante da SS, Heinrich Himmler.

<><> 'Preservar a memória'

Lideranças judaicas ouvidas pela BBC News Brasil reafirmaram a importância de preservar a memória do Holocausto, em meio a um momento de aumento de casos de antissemitismo pelo mundo.

"É uma oportunidade para reforçar nossa batalha contra o discurso de ódio, fortalecer nosso compromisso com a democracia e nossa luta pela inclusão e pela equidade", diz Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib).

Para Marcos Knobel, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), "é de fundamental importância preservarmos a memória do holocausto, principalmente para os mais jovens, passando a mensagem de que sempre vamos lembrar o que nossos antepassados viveram, para que nossas futuras gerações nunca mais passem por algo assim".

As entidades promovem eventos para celebrar nesta sexta-feira (27/1) o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, por ocasião da libertação do campo de concentração de Auschwitz pelo Exército vermelho.

No Rio de Janeiro, uma cerimônia, organizada pela Conib, com apoio da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), da Associação Cultural Memorial do Holocausto/RJ e do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), vai ocorre às 10h nesta sexta-feira (27/1) no recém-inaugurado Memorial às Vítimas do Holocausto Deputado Gerson Bergher, no Mirante do Pasmado, em Botafogo. Também será transmitida simultaneamente no YouTube.

Já Fisesp e a Congregação Israelita Paulista (CIP) realizam no domingo (29/1), às 18h, na Sinagoga Etz Chaim da CIP, um ato em memória às vítimas do Holocausto, que estará posteriormente disponível no site da CIP e no canal do no canal do YouTube da Fisesp.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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