Philipp Lichterbeck: ‘Elon Musk - de
visionário a rei da desinformação’
Ao difundir mentiras
pró-Trump, o dono do X desfez a ideia de neutralidade das redes sociais.
Governos ao redor do mundo precisam regulamentá-las com mais rigor – e o Brasil
já mostrou o caminho.
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Os Estados Unidos
foram às urnas, e, além de Trump, outro grande vencedor emergiu: Elon Musk.
Isso não é um bom presságio, nem para os EUA, nem para o Brasil, nem para o
mundo. Antes aclamado por seus avanços pioneiros na mobilidade elétrica
(Tesla), no acesso à internet (Starlink) e nas viagens espaciais (SpaceX), Musk
agora se tornou um teórico da conspiração, que espalha sem filtro mentiras no X
em favor de Donald Trump e de grupos de extrema direita.
O Brasil deveria
interpretar isso como um alerta: Musk também está influenciando a política
brasileira por meio do X. Quando ele se recusou a bloquear contas que, segundo
o ministro do STF Alexandre de Moraes, desestabilizam a democracia, o X foi
bloqueado por seis semanas. Em resposta, Musk chamou o juiz de
"criminoso" e "ditatorial" – mas é ele, o homem mais rico
do mundo, que está manipulando eleições.
A questão nem são os
118 milhões de dólares que Musk doou a Trump através do America PAC – doações
de empresários também vão para os democratas. Isso apenas revela o quanto o
sistema é falho: só ganha quem investe milhões de dólares, o que contradiz a essência
da democracia. Cada grande doador tem, evidentemente, seus próprios interesses
econômicos, que raramente coincidem com os da maioria.
A campanha eleitoral
deste ano nos EUA foi mais que nunca um espetáculo, com drama, reviravoltas,
muita emoção, música e celebridades. Quem se beneficia são as emissoras de TV e
rádio, além das gigantes de internet como Google, Meta, ByteDance (TikTok) e o
X, de Musk. Quanto mais o X entra em polêmica, mais Musk lucra, e ele
contribuiu muito para isso.
Musk, que possui
Síndrome de Asperger, destaca-se por ideias geniais e por vezes megalomaníacas
(como a colonização de Marte), mas também está cada vez mais desconectado da
realidade. Musk afirma que comprou o X por 44 bilhões de dólares para salvar a
liberdade de expressão. Para ele, no entanto, essa liberdade significa espalhar
desinformação irresponsável. Ele difundiu, por exemplo, a teoria do
"Grande Substituição", segundo a qual haveria um plano governamental
para substituir a população branca dos EUA por pessoas da América Latina,
África e Ásia.
• Conteúdo extremista em alta
Desde que Musk assumiu
o controle da rede social, o algoritmo do X começou a despejar cada vez mais
conteúdo desse tipo nas timelines dos usuários: bizarros, absurdos, repletos de
ressentimento e ódio. O feed pessoal de Musk se transformou num megafone pró-Trump,
onde ele constantemente reproduziu slogans do movimento Maga (Make America
Great Again) para seus 203 milhões de seguidores.
Para ampliar seu
alcance, Musk contratou, em julho, cerca de 80 engenheiros. Como resultado, o
engajamento na conta de Musk no X aumentou drasticamente. As visualizações de
suas postagens cresceram 138%, os retuítes, 238%, e as curtidas, 186%.
Segundo uma pesquisa
da ONG Center for Countering Digital Hate (CCDH), as postagens políticas de
Musk foram exibidas mais de 17 bilhões de vezes nas timelines dos usuários. Se
fossem anúncios, valeriam cerca de 24 milhões de dólares. Ainda conforme o CCDH,
87 das postagens de Musk sobre as eleições nos EUA eram falsas ou enganosas,
incluindo a alegação de que os democratas trariam milhões de imigrantes sem
documentos para obter seus votos. Essa mentira foi reproduzida 3 bilhões de
vezes.
Curiosamente, nenhuma
dessas 87 postagens foi sinalizada com as chamadas Community Notes. Essas notas
existem para permitir que os usuários "adicionem contexto a postagens
potencialmente enganosas".
Musk e seus fãs gostam
de afirmar que o X é neutro, mas estudos mostram que o conteúdo pró-Maga se
tornou viral muito mais frequentemente e alcançou mais pessoas do que outros
conteúdos. Provavelmente o mesmo acontecerá em futuras eleições no Brasil.
• As origens da mudança de rumo
O mergulho de Musk no
universo Maga e no bolsonarismo tem raízes pessoais. Seu filho, nascido em 2004
como Xavier Alexander Musk, anunciou sua mudança de gênero e nome há dois anos.
Desde então, Musk tem se desentendido com Vivian Jenna Wilson. "Perdi meu
filho ", disse Musk, acrescentando que ele estaria "morto".
Segundo o próprio
Musk, foi essa experiência que o levou a prometer destruir o "vírus do
woke". Desde então, ele dissemina teses questionáveis sobre pessoas trans
e aboliu as regras de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) na Tesla –
chamando-as, numa inversão dos fatos, de "racistas" e
"sexistas".
É surpreendente que
alguém como Musk, cujos produtos exigem precisão científica, adere a teorias da
conspiração. Torna-se mais compreensível quando se entende que as empresas de
Musk mantêm contratos grandes e lucrativos com o governo americano. Ao mesmo
tempo, enfrentam investigações em pelo menos 20 casos, incluindo a segurança
dos veículos da Tesla e os impactos ambientais dos foguetes da SpaceX.
Trump prometeu ao seu
novo aliado nomeá-lo chefe de uma nova "comissão de eficiência
governamental". Caso Musk conquiste o cargo prometido por Trump, ele terá
o poder de regulamentar justamente as agências que fiscalizam suas empresas por
violações legais. Um conflito de interesses absurdo – mas não é surpreendente:
o capitalista apoia os políticos que o ajudam a atingir seus objetivos.
Nestas eleições, o
próprio Musk destruiu a ideia de que redes sociais como o X são neutras. Por
muito tempo, essas plataformas gozaram de uma imunidade para disseminar
mentiras que corroem o debate público saudável. Está na hora de os governos
regulamentarem com mais rigor o poder oligopolista que um punhado de
bilionários da tecnologia, como Musk, exerce sobre nossa informação diária. O
Brasil e Alexandre de Moraes já mostraram como isso pode ser feito.
• O que Musk pode ganhar com Trump na
presidência?
O retorno de Donald
Trump à Casa Branca também pode ser uma vitória para um de seus apoiadores mais
vocais: Elon Musk.
O homem mais rico do
mundo passou a noite da eleição no resort de luxo de Trump, na Flórida, onde
outros apoiadores também acompanhavam a apuração dos votos.
De lá, o deputado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou vídeos e fotos nas redes sociais.
"O povo da
América deu a @realDonaldTrump um mandato cristalino para a mudança esta
noite", escreveu Musk na sua rede social, o X (antigo Twitter), quando a
vitória de Trump começou a parecer quase certa.
E em seu discurso de
vitória no Palm Beach Convention Center, Trump passou vários minutos elogiando
Musk e contando o pouso bem-sucedido de um foguete fabricado por uma das
empresas de Musk, a SpaceX.
Musk deu seu apoio ao
republicano quase imediatamente após a tentativa de assassinato de Trump em
Butler, Pensilvânia, em julho.
Como um dos apoiadores
mais importantes do presidente eleito, o bilionário da tecnologia doou mais de
US$ 119 milhões (R$ 20,6 milhões) para financiar um Super PAC (um comitê de
ação política) com o objetivo de reeleger Trump.
Ele também passou as
últimas semanas antes do dia da eleição realizando um esforço para fazer as
pessoas votarem nos Estados indecisos, que incluía uma doação diária de US$ 1
milhão aos eleitores.
A doação se tornou
objeto de uma contestação legal, mas um juiz decidiu que era procedente.
Após colocar seu nome,
dinheiro e plataforma atrás de Trump, Musk tem muito a ganhar com a reeleição
do republicano.
O presidente eleito
disse que em um segundo mandato, ele convidaria Musk para sua administração
para eliminar o desperdício de recursos públicos.
Musk se referiu ao
esforço potencial como o "Departamento de Eficiência Governamental",
ou DOGE, o nome de um meme e criptomoeda que ele popularizou.
O empresário também
pode se beneficiar da presidência de Trump por meio de sua propriedade da
SpaceX, que já domina o negócio de enviar satélites governamentais para o
espaço.
Com um aliado próximo
na Casa Branca, Musk pode tentar capitalizar ainda mais esses laços
governamentais.
O empresário
bilionário criticou rivais, incluindo a Boeing, pela estrutura de seus
contratos governamentais, que ele diz desincentivar a conclusão de projetos
dentro do orçamento e do prazo.
A SpaceX também
começou a construir satélites espiões no momento em que o Pentágono e as
agências de espionagem americanas parecem prontas para investir bilhões de
dólares neles.
A fabricante de
veículos elétricos de Musk, a Tesla, pode, enquanto isso, colher ganhos de uma
administração que Trump disse que seria definida pela "menor carga
regulatória".
No mês passado, a
agência dos EUA encarregada de regulamentar a segurança nas estradas revelou
que estava investigando os sistemas de software de direção autônoma da Tesla.
Musk também foi
criticado por supostamente tentar impedir que os trabalhadores da Tesla se
sindicalizassem.
O sindicato United
Auto Workers entrou com acusações de práticas trabalhistas injustas contra
Trump e Musk depois que os dois falaram sobre Musk ter supostamente demitido
trabalhadores em greve durante uma conversa no X.
Trump também prometeu
reduzir os impostos sobre as corporações e os ricos.
Essa é outra promessa
que Musk provavelmente espera ver cumprida.
No Brasil, a
plataforma X passou mais de um mês bloqueada em meio a uma queda de braço entre
Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciada no ano passado.
As tensões tiveram
início quando o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake
news, determinou a suspensão de contas de redes sociais de diversas pessoas
ligadas aos protestos golpistas de janeiro de 2023 em Brasília.
Outras empresas
cumpriram a ordem, mas o X não. Musk não suspendeu as contas e ainda acusou o
Supremo de censura, publicando provocações e ironias em sua rede social
destinadas a Alexandre de Moraes.
No fim, Musk deixou de
publicar suas provocações e sua empresa voltou atrás na decisão de descumprir
ordens judiciais dadas pela Justiça brasileira.
Fonte: DW Brasil/BBC
News
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