José
Manuel de Sacadura Rocha: ‘Ativos reais e tempo disponível’
O
movimento maior do capital é em direção à acumulação, isto o move. O regime do
capital é apreensível por seu desenvolvimento no todo, mas sua compreensão
científica exige que se reconstituía as conexões internas entre o que se
aproxima do concreto e as categorias que só em sua forma abstrata podem
articulá-las. Assim, as formas elementares do concreto articuladas com as
categorias abstratas revelam como e por que o modo de produção capitalista é o
que é e não pode deixar de o ser e de o fazer.
A
radicalidade do movimento do regime do capital exige aprofundar os estudos e as
perspectivas em relação a essa radicalidade do presente histórico, afinal já em
muito antecipado no pensamento dos fundadores da dialética materialista
histórica. Não se trata obviamente de alijar o espectro das ações humanas
motivadas contra a desumanidade e negação da vida, mas as reforçar, por seus
agentes, diante e além das necessidades e possibilidades concretas de sua
dinâmica na base desse regime. Perseguimos um exemplo para isso.
A
acumulação é um processo de expansão do valor que só se dá de acordo com a
“diferença” entre capitais: paradoxalmente, se ampliam-se parte dos estoques de
ativos reais, outra parte decresce – na produção e nos serviços de forma geral,
não cresce a massa de força de trabalho com o incremento de máquinas e
equipamentos, ao contrário, decresce: o que aumenta é o subemprego, a
precarização e o desemprego. Ao mesmo tempo em que o progresso tecnológico
“desvaloriza” continuadamente a força de trabalho e o estoque de capital
produtivo existente, a economia real esfarela-se e sobem os ativos financeiros
fictícios e especulativos.
Daqui
depreende-se que os ativos reais e financeiros não sobem infinitamente ao mesmo
tempo e no mesmo grau: a “diferença” entre capital fixo (máquinas e
equipamentos) e capital variável (mão de obra) dita a variação na composição
orgânica desse capital sempre em detrimento da força de trabalho, e, sendo
assim, em detrimento dos salários e das taxas de lucro, porque o investimento
em tecnologias é sempre crescente enquanto o mais-valor proporcionado pela mão
de obra assalariada decresce.
Se
os ativos financeiros crescem com os salários, crescem também em decorrência da
pauperização da classe trabalhadora que não pode consumir (daí o crédito), do
desinteresse na economia real com o risco da diminuição das taxas de lucro, que
a negociação de papeis especulativos favorece. No entanto, sem salários não há
como honrar de forma consistente o crédito negociado nesses papeis, o que gera
as bolhas de “falsa expectativa de liquidez”.
A
economia burguesa tende a não considerar a força de trabalho como ativo real,
quer dizer, aquele que está em condições de produzir riqueza material. Ela não
pode fazê-lo porque teria que considerar o trabalho do trabalhador como gerador
de riqueza. Assim, diferentemente do que se considera, o lucro é gerado pelo
sobretrabalho não pago ao trabalhador, apropriado pelo capitalista como
mais-valor, independente das variações extemporâneas dos preços de mercado.
Daí,
que se formos pensar em taxa de lucro, deve-se dividir o mais-valor total pelo
total do capital envolvido na produção do estabelecimento. Como a economia
burguesa não trabalha com a categoria do mais-valor, não pensa desta forma sua
taxa de lucro, e não percebe, mas sabe, que ela tendencialmente está sujeita a
uma queda constante.
Cada
vez que o capitalista inverte parte do mais-valor em máquinas e equipamentos,
aumenta a parte do capital fixo; devido à concorrência os capitalistas procuram
de todas as formas diminuir os custos de mão de obra, o capital variável, e o
conseguem investindo em ativos reais tecnológicos e infraestrutura. Mas, com
isso, dispensam a força de trabalho que gera lucro real (mais-valor); então,
enquanto o valor do capital fixo aumenta continuamente, a massa de mais-valor
diminui constantemente: por isso dizemos que apenas uma parte dos ativos reais
aumentam, enquanto a outra parte diminui.
Assim,
a taxa de lucro, o mais-valor em relação ao capital total, tende continuamente
a diminuir: esta contradição, observada facilmente ao longo de todo o processo
de desenvolvimento do capitalismo, faz parte das categorias elementares do
capital, ou leis gerais, que, entretanto, Marx definiu como tendencial.
Este
movimento realiza a dinâmica contraditória (dialética) do movimento geral do
mercantilismo capitalista, e confirma a natureza do regime do capital que
subordina as formas elementares do trabalho. Os movimentos sociais e as lutas
dos trabalhadores se dão dentro desta realidade e, ao mesmo tempo em que
escancaram, aprofundam as fissuras no capitalismo.
Mas,
então:
(a)
o espectro da esquerda deve falar das categorias que perfazem o pensamento
teórico do materialismo histórico e da dialética materialista;
(b)
não pode descuidar dos aparelhos ou aparatos de dominação do poder e da
hegemonia simbólica;
(c)
considerar nas “lutas históricas” o momento do desenvolvimento global do
capital em cada caso;
(d)
fundamentalmente, deve reconhecer, a partir de diagnóstico cuidadoso, as
frações de classe trabalhadora e demais assalariados ou ex-assalariados e
excluídos, a quem quer dirigir seu discurso.
Uma
coisa é o empregado, sindicalizado, associado – esta camada da classe
trabalhadora está integrada ao trabalho e sofre da incerteza de seu emprego a
cada instante; outra, bem diferente, são os desempregados, os precarizados, os
que foram expulsos do trabalho pelo incremento dos ativos fixos para o
funcionamento do capital. Grandes contingentes de trabalhadores e trabalhadoras
estão em empregos supérfluos, tediosos e desumanizantes, outros estão
desempregados, precarizados e pauperizados. Existem aqueles que engrossam as
massas dos que jamais foram captados pelo trabalho na produção capitalista.
Existem,
portanto, tantos que devido ao não trabalho e ao tempo de trabalho disponível,
podem se dedicar às atividades para a coletividade, lúdicas e culturais: todos
eles são os que inventam sua existência cotidiana em relação à negação do
capital e reinventam aos poucos o capitalismo. O campo progressista de esquerda
necessita se comunicar adequadamente com todos eles, com mais ou menos
categorias teóricas, visar o aprofundamento das contradições do capitalismo e
superá-lo.
• Preparando
uma nova geração de jovens para o mercado de trabalho. Por Alini Dal’Magro,
Michelle Claro e André Mancha
Historicamente,
a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos é mais elevada do que a média
no Brasil. Dados da última PNAD-IBGE mostram que 14,3% dos jovens estão
desempregados, mais do que o dobro da taxa nacional, que é de 6,9%. Este
fenômeno, em boa parte, está associado ao tempo que os jovens investem para se
qualificar e adquirir experiência profissional. Em especial, avaliações de
impacto demonstraram que os programas de qualificação de maior êxito são
aqueles que combinam formação técnica e parcerias com empresas para estágios
práticos e intermediação de vagas de trabalho, como uma experiência
bem-sucedida em Bangladesh, que obteve um aumento de 25% na empregabilidade dos
alunos e foi destaque na publicação da JOI Brasil sobre Qualificação
Profissional.
Entretanto,
há um grande debate na literatura sobre o papel das habilidades socioemocionais
na formação dos jovens e como adaptar os programas de qualificação profissional
tradicionais com esses componentes. Posto de outra forma, num cenário de
profundas transformações tecnológicas e surgimento de novas opções de carreira,
como adaptar as políticas públicas e os programas de inclusão produtiva
destinados aos jovens brasileiros?
Em
primeiro lugar, é importante destacar o cenário de grande desigualdade
socioeconômica do país, em que a maior parte dos beneficiários de programas de
qualificação profissional convive com um cotidiano de grande vulnerabilidade.
Sabemos que, no Brasil, jovens de regiões periféricas enfrentam barreiras
estruturais que limitam suas perspectivas profissionais e dificultam sua
inserção no mercado formal. Fatores como precariedade educacional, ausência de
referências familiares no mercado de trabalho e a falta de oportunidades
concretas criam diversas inseguranças sobre o futuro profissional.
Nesse
contexto, é importante discutir a necessidade de um agente facilitador, que
ofereça suporte técnico e emocional para apoiar esses jovens a se posicionarem
no competitivo mercado de trabalho. Pensar numa abordagem integrada, que vá
além da capacitação técnica e foque também no desenvolvimento de habilidades
socioemocionais e práticas, preparando-os não só para entrar no mercado, mas
para construir trajetórias profissionais mais sólidas. Essas intervenções são
urgentes, especialmente diante das desigualdades estruturais e das
transformações tecnológicas que estão redefinindo o mundo do trabalho.
A
Geração Z, hiperconectada e dinâmica, busca carreiras que combinam propósito e
flexibilidade, segundo o Relatório de Tendência de Gestão de Pessoas 2024.
Exatamente devido a essa característica, 68% dos entrevistados acreditam que a
GenZ é a que proporciona maiores desafios para a área de gestão de pessoas das
empresas. Para os jovens das classes C, D e E, porém, os desafios são agravados
pela falta de redes de contato e a insegurança sobre suas capacidades. Esses
fatores os afastam do mercado formal, demandando soluções adaptadas à sua
realidade.
Existem
diversas estratégias para lidar com esses desafios, como simulações de
entrevistas, mentorias e visitas a empresas, que são capazes de proporcionar
não só a preparação técnica, mas também a confiança necessária para uma
inserção bem-sucedida. Além disso, rodas de conversa e networking permitem
conectar os jovens a profissionais e ampliar sua visão sobre o ambiente
corporativo.
Desde
2021, mais de 55 mil jovens passaram pela Plataforma PROA. Desde então, o
programa cresceu, passando de dois para 11 estados em 2024, atingindo quase
metade dos municípios brasileiros. Com uma taxa de empregabilidade de até 80%
entre os capacitados em tecnologia, o PROA tem desempenhado um papel crucial no
fortalecimento da empregabilidade no Brasil, preparando e empoderando os jovens
para o mercado de trabalho, principalmente aqueles de baixa renda, grupo
formado por 70% de mulheres e 65% autodeclarados negros.
Em
síntese, é urgente compreender que a inclusão produtiva dos jovens no Brasil
requer mais do que formação técnica. É fundamental o desenvolvimento de
habilidades socioemocionais, como resiliência e adaptabilidade, para que eles
prosperem em um mercado de trabalho em constante transformação. Ademais, a
inclusão produtiva do jovem é um dos pilares da agenda de pesquisa da JOI
Brasil, com destaque para avaliações de cursos de programação, do novo ensino
médio e de componentes socioemocionais no ensino técnico. Acreditamos que o uso
de evidências é fundamental para o aperfeiçoamento das políticas públicas e
para a construção de um mercado de trabalho com mais oportunidades e equidade.
Fonte:
A Terra é Redonda/Le Monde
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