quarta-feira, 13 de novembro de 2024

José Manuel de Sacadura Rocha: ‘Ativos reais e tempo disponível’

O movimento maior do capital é em direção à acumulação, isto o move. O regime do capital é apreensível por seu desenvolvimento no todo, mas sua compreensão científica exige que se reconstituía as conexões internas entre o que se aproxima do concreto e as categorias que só em sua forma abstrata podem articulá-las. Assim, as formas elementares do concreto articuladas com as categorias abstratas revelam como e por que o modo de produção capitalista é o que é e não pode deixar de o ser e de o fazer.

A radicalidade do movimento do regime do capital exige aprofundar os estudos e as perspectivas em relação a essa radicalidade do presente histórico, afinal já em muito antecipado no pensamento dos fundadores da dialética materialista histórica. Não se trata obviamente de alijar o espectro das ações humanas motivadas contra a desumanidade e negação da vida, mas as reforçar, por seus agentes, diante e além das necessidades e possibilidades concretas de sua dinâmica na base desse regime. Perseguimos um exemplo para isso.

A acumulação é um processo de expansão do valor que só se dá de acordo com a “diferença” entre capitais: paradoxalmente, se ampliam-se parte dos estoques de ativos reais, outra parte decresce – na produção e nos serviços de forma geral, não cresce a massa de força de trabalho com o incremento de máquinas e equipamentos, ao contrário, decresce: o que aumenta é o subemprego, a precarização e o desemprego. Ao mesmo tempo em que o progresso tecnológico “desvaloriza” continuadamente a força de trabalho e o estoque de capital produtivo existente, a economia real esfarela-se e sobem os ativos financeiros fictícios e especulativos.

Daqui depreende-se que os ativos reais e financeiros não sobem infinitamente ao mesmo tempo e no mesmo grau: a “diferença” entre capital fixo (máquinas e equipamentos) e capital variável (mão de obra) dita a variação na composição orgânica desse capital sempre em detrimento da força de trabalho, e, sendo assim, em detrimento dos salários e das taxas de lucro, porque o investimento em tecnologias é sempre crescente enquanto o mais-valor proporcionado pela mão de obra assalariada decresce.

Se os ativos financeiros crescem com os salários, crescem também em decorrência da pauperização da classe trabalhadora que não pode consumir (daí o crédito), do desinteresse na economia real com o risco da diminuição das taxas de lucro, que a negociação de papeis especulativos favorece. No entanto, sem salários não há como honrar de forma consistente o crédito negociado nesses papeis, o que gera as bolhas de “falsa expectativa de liquidez”.

A economia burguesa tende a não considerar a força de trabalho como ativo real, quer dizer, aquele que está em condições de produzir riqueza material. Ela não pode fazê-lo porque teria que considerar o trabalho do trabalhador como gerador de riqueza. Assim, diferentemente do que se considera, o lucro é gerado pelo sobretrabalho não pago ao trabalhador, apropriado pelo capitalista como mais-valor, independente das variações extemporâneas dos preços de mercado.

Daí, que se formos pensar em taxa de lucro, deve-se dividir o mais-valor total pelo total do capital envolvido na produção do estabelecimento. Como a economia burguesa não trabalha com a categoria do mais-valor, não pensa desta forma sua taxa de lucro, e não percebe, mas sabe, que ela tendencialmente está sujeita a uma queda constante.

Cada vez que o capitalista inverte parte do mais-valor em máquinas e equipamentos, aumenta a parte do capital fixo; devido à concorrência os capitalistas procuram de todas as formas diminuir os custos de mão de obra, o capital variável, e o conseguem investindo em ativos reais tecnológicos e infraestrutura. Mas, com isso, dispensam a força de trabalho que gera lucro real (mais-valor); então, enquanto o valor do capital fixo aumenta continuamente, a massa de mais-valor diminui constantemente: por isso dizemos que apenas uma parte dos ativos reais aumentam, enquanto a outra parte diminui.

Assim, a taxa de lucro, o mais-valor em relação ao capital total, tende continuamente a diminuir: esta contradição, observada facilmente ao longo de todo o processo de desenvolvimento do capitalismo, faz parte das categorias elementares do capital, ou leis gerais, que, entretanto, Marx definiu como tendencial.

Este movimento realiza a dinâmica contraditória (dialética) do movimento geral do mercantilismo capitalista, e confirma a natureza do regime do capital que subordina as formas elementares do trabalho. Os movimentos sociais e as lutas dos trabalhadores se dão dentro desta realidade e, ao mesmo tempo em que escancaram, aprofundam as fissuras no capitalismo.

Mas, então:

(a) o espectro da esquerda deve falar das categorias que perfazem o pensamento teórico do materialismo histórico e da dialética materialista;

(b) não pode descuidar dos aparelhos ou aparatos de dominação do poder e da hegemonia simbólica;

(c) considerar nas “lutas históricas” o momento do desenvolvimento global do capital em cada caso;

(d) fundamentalmente, deve reconhecer, a partir de diagnóstico cuidadoso, as frações de classe trabalhadora e demais assalariados ou ex-assalariados e excluídos, a quem quer dirigir seu discurso.

Uma coisa é o empregado, sindicalizado, associado – esta camada da classe trabalhadora está integrada ao trabalho e sofre da incerteza de seu emprego a cada instante; outra, bem diferente, são os desempregados, os precarizados, os que foram expulsos do trabalho pelo incremento dos ativos fixos para o funcionamento do capital. Grandes contingentes de trabalhadores e trabalhadoras estão em empregos supérfluos, tediosos e desumanizantes, outros estão desempregados, precarizados e pauperizados. Existem aqueles que engrossam as massas dos que jamais foram captados pelo trabalho na produção capitalista.

Existem, portanto, tantos que devido ao não trabalho e ao tempo de trabalho disponível, podem se dedicar às atividades para a coletividade, lúdicas e culturais: todos eles são os que inventam sua existência cotidiana em relação à negação do capital e reinventam aos poucos o capitalismo. O campo progressista de esquerda necessita se comunicar adequadamente com todos eles, com mais ou menos categorias teóricas, visar o aprofundamento das contradições do capitalismo e superá-lo.

 

•                                    Preparando uma nova geração de jovens para o mercado de trabalho. Por Alini Dal’Magro, Michelle Claro e André Mancha

Historicamente, a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos é mais elevada do que a média no Brasil. Dados da última PNAD-IBGE mostram que 14,3% dos jovens estão desempregados, mais do que o dobro da taxa nacional, que é de 6,9%. Este fenômeno, em boa parte, está associado ao tempo que os jovens investem para se qualificar e adquirir experiência profissional. Em especial, avaliações de impacto demonstraram que os programas de qualificação de maior êxito são aqueles que combinam formação técnica e parcerias com empresas para estágios práticos e intermediação de vagas de trabalho, como uma experiência bem-sucedida em Bangladesh, que obteve um aumento de 25% na empregabilidade dos alunos e foi destaque na publicação da JOI Brasil sobre Qualificação Profissional.

Entretanto, há um grande debate na literatura sobre o papel das habilidades socioemocionais na formação dos jovens e como adaptar os programas de qualificação profissional tradicionais com esses componentes. Posto de outra forma, num cenário de profundas transformações tecnológicas e surgimento de novas opções de carreira, como adaptar as políticas públicas e os programas de inclusão produtiva destinados aos jovens brasileiros?

Em primeiro lugar, é importante destacar o cenário de grande desigualdade socioeconômica do país, em que a maior parte dos beneficiários de programas de qualificação profissional convive com um cotidiano de grande vulnerabilidade. Sabemos que, no Brasil, jovens de regiões periféricas enfrentam barreiras estruturais que limitam suas perspectivas profissionais e dificultam sua inserção no mercado formal. Fatores como precariedade educacional, ausência de referências familiares no mercado de trabalho e a falta de oportunidades concretas criam diversas inseguranças sobre o futuro profissional.

Nesse contexto, é importante discutir a necessidade de um agente facilitador, que ofereça suporte técnico e emocional para apoiar esses jovens a se posicionarem no competitivo mercado de trabalho. Pensar numa abordagem integrada, que vá além da capacitação técnica e foque também no desenvolvimento de habilidades socioemocionais e práticas, preparando-os não só para entrar no mercado, mas para construir trajetórias profissionais mais sólidas. Essas intervenções são urgentes, especialmente diante das desigualdades estruturais e das transformações tecnológicas que estão redefinindo o mundo do trabalho.

A Geração Z, hiperconectada e dinâmica, busca carreiras que combinam propósito e flexibilidade, segundo o Relatório de Tendência de Gestão de Pessoas 2024. Exatamente devido a essa característica, 68% dos entrevistados acreditam que a GenZ é a que proporciona maiores desafios para a área de gestão de pessoas das empresas. Para os jovens das classes C, D e E, porém, os desafios são agravados pela falta de redes de contato e a insegurança sobre suas capacidades. Esses fatores os afastam do mercado formal, demandando soluções adaptadas à sua realidade.

Existem diversas estratégias para lidar com esses desafios, como simulações de entrevistas, mentorias e visitas a empresas, que são capazes de proporcionar não só a preparação técnica, mas também a confiança necessária para uma inserção bem-sucedida. Além disso, rodas de conversa e networking permitem conectar os jovens a profissionais e ampliar sua visão sobre o ambiente corporativo.

Desde 2021, mais de 55 mil jovens passaram pela Plataforma PROA. Desde então, o programa cresceu, passando de dois para 11 estados em 2024, atingindo quase metade dos municípios brasileiros. Com uma taxa de empregabilidade de até 80% entre os capacitados em tecnologia, o PROA tem desempenhado um papel crucial no fortalecimento da empregabilidade no Brasil, preparando e empoderando os jovens para o mercado de trabalho, principalmente aqueles de baixa renda, grupo formado por 70% de mulheres e 65% autodeclarados negros.

Em síntese, é urgente compreender que a inclusão produtiva dos jovens no Brasil requer mais do que formação técnica. É fundamental o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como resiliência e adaptabilidade, para que eles prosperem em um mercado de trabalho em constante transformação. Ademais, a inclusão produtiva do jovem é um dos pilares da agenda de pesquisa da JOI Brasil, com destaque para avaliações de cursos de programação, do novo ensino médio e de componentes socioemocionais no ensino técnico. Acreditamos que o uso de evidências é fundamental para o aperfeiçoamento das políticas públicas e para a construção de um mercado de trabalho com mais oportunidades e equidade.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Le Monde

 

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