Carolina
Catini e Gustavo Mello: Escolas leiloadas na bolsa de valores. Que educação é
essa?
A
cena grotesca de um governador de extrema direita dando golpes de martelo no
ritual de leilão de escolas estatais na bolsa de valores é também a celebração
de quem avança mais alguns passos no projeto de colocar a educação do povo a
serviço do poder. Pagando tributo ao imaginário patriarcal, o gesto busca
expressar agressividade, virilidade, força, e implicitamente faz um elogio da
destruição — destruição de tudo aquilo que foge às garras do mercado, que não
serve exclusivamente para garantir o acúmulo de poder econômico e político.
Se
é verdade que é uma política comum à direita e à esquerda partidárias, essa de
promover o arremate de serviços sociais por empresas privadas, que os tomam sob
seu controle e os privatizam, inserindo-os nos mercados financeiros, é preciso
reconhecer que essa dinâmica de “destruição criadora” — e de criação destrutiva
— se radicaliza e assume novos contornos sob governos de extrema direita, como
é o caso do governo Tarcísio de Freitas. Se engana quem afirma que as ditas
parcerias público-privadas (PPPs) que estão sendo firmadas sejam mais do mesmo,
que sejam apenas mais uma onda de terceirização, sem impactos sobre as formas
dos direitos sociais e da reprodução social.
Assim,
ainda que nosso objeto aqui seja a educação, sua análise seria furada se não a
tomássemos no bojo de um amplo processo de transformação das políticas sociais
e da prestação de serviços básicos: o leilão das escolas se dá depois da
“desestatização” da Sabesp e em meio à “maratona de leilões” que, de acordo
secretário paulista de Parcerias e Investimentos, não é nada menos que a
criação de um novo “ambiente de negócios”, que tem como objetivo “consolidar
São Paulo como referência nacional na atração de investimentos”. A carteira
estimada em mais de R$ 495 bilhões de reais é um “grande impulso financeiro”
estatal ao setor social, com a promessa de atrair R$ 20 bilhões em
investimentos do setor privado a partir de um portifólio de projetos com
“modelagens modernas” e “alto grau de retorno para os investidores”, segundo
declarações oficiais.
Dentre
os projetos elaborados com essa “modelagem atrativa”, a secretaria de parcerias
em investimento oferece a consórcios entre empresas e fundos de investimentos
grandes projetos de infraestrutura, dentre os quais serviços de água e energia,
de mobilidade (trens e metrôs), e concessões de rodovias, além de projetos da
área social no qual se encontra a PPP das novas escolas que está em pauta, mas
também projetos de manutenção de escolas, de habitação popular, de loterias, de
parques urbanos, de parques tecnológicos e por aí vai. Até mesmo com a Fundação
Casa se pretende atrair investimentos privados.
Tais
medidas foram catapultadas, entre outros, pelo “Plano São Paulo na Direção
Certa”, instituído por decreto em maio de 2024, do qual se pode destacar as
propostas de promover a “alienação de ativos imobiliários”, de aprimorar e
expandir incentivos tributários às empresas, e a construção de um “plano de
securitização de recebíveis”. Este último serviria para alavancar a emissão de
títulos da dívida pública baseados em créditos estatais tributários e não
tributários, emitidos pela Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), uma
sociedade anônima formalmente controlada pelo governo do Estado de São Paulo.
Mas a privatização não é imposta como “direção certa” somente no Estado de São
Paulo. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República
também faz a “celebração de contratos de parceria e de outras medidas de
desestatização”. Aliás, no dia 2 de julho deste ano foi sancionada a Lei
Complementar Federal nº 208, que padroniza a securitização de ativos públicos
em todo o país, nos três níveis de governo.
Em
suma, estamos falando de portifólios de projetos de impacto social em oferta
para grandes grupos empresariais investirem e tirarem lucro por meio da posse
temporária de bens estatais e pelo controle da prestação de serviços essenciais
para a população. Esses novos mercados e modelos de negócios são atrativos às
empresas e aos investidores, que além de serem remunerados pelo Estado, vão
obter rendimentos nos mercados financeiros. Desse modo, uma casta composta pelo
empresariado, gestores de fundos e investidores é convidada a “investir no
Brasil”, participando gerencial e politicamente da gestão daquilo que
conhecemos como direitos sociais.
No
site do governo federal, ficamos sabendo, por exemplo, que “o PPI funciona como
um HUB”, isto é, como espaço que permite a aceleração dos projetos de impacto
social na medida em que reúne e estabelece conexões entre as diferentes partes
interessadas, conhecidas no mercado financeiro como “stakeholders”. Segundo o
Sebrae, “os hubs de inovação integram e estimulam a interação entre diversos
atores de um ecossistema de inovação como startups, empresas, instituições de
ensino e pesquisa, além de investidores. Todos em um ambiente que favorece o
networking e as conexões para gerar negócios inovadores”. Assim como uma HUB do
Estado, uma HUB do setor privado como o Cubo Itaú se apresenta como uma
organização sem fins lucrativos que promove “transformação na vida das pessoas
por meio de soluções incríveis que, de forma direta ou indireta, impactam toda
sociedade”. Enfim, estamos diante de um mesmo discurso e de uma mesma forma
organizacional que tenta se impor nas diferentes esferas da vida social,
indistintamente.
Pensando
por esse lado, valeria a pena nos perguntarmos se realmente se trata de
desestatização ou se esta é, antes de tudo, uma palavra-chave ideológica e
propagandística para atrair ultraliberais e outros ideólogos do mundo sem
Estado. E se ao invés de desestatização não estamos observando o
empresariamento do Estado, convertido em um Hub e um “stakeholder
privilegiado”, uma vez que é instituição financiadora, gerencial e social quase
total, que integra todos os serviços sociais gratuitos ou subsidiados?
Afinal,
vários desses serviços e estruturas sociais, com seus orçamentos estatais
bilionários, figuram como verdadeiras minas de ouro, de baixíssimo risco, a
serem exploradas pelas grandes corporações empresariais. Em termos do discurso,
esse empresariamento do Estado aparece como uma estratégia de atração de
investimentos privados, que visa desonerar o Estado, reduzir custos, garantir
maior eficiência de gastos, garantir a austeridade fiscal etc., mas na prática
salta à vista que esse caminho passa por uma rapinagem histórica das gangues
empresariais aos cofres estatais, com a transferência de recursos cada vez mais
vultosos diretamente para as contas daquelas corporações. Ao mesmo tempo que
subordinam os orçamentos estatais ao lucro privado, inserem os serviços sociais
básicos nos fluxos financeiros dos mercados de capitais, fixando-os na posição
de patrimônios ou ativos que devem garantir rentabilidade e atrair
investimentos. Tanto faz se tratar de uma rodovia ou de uma escola: a ordem é
maximizar os pagamentos feitos pelo Estado, minimizar os custos, precarizando
ao máximo os serviços prestados e aviltando os salários dos funcionários, e
converter os “ativos” estatais em colaterais e chamarizes para alavancar as
empresas e valorizar suas ações.
Mas
enfim, se é preciso observar que a transformação da escola em um campo da
acumulação de capital e mesmo em um ativo financeiro ocorre no bojo de um
processo de transformação dos direitos sociais em negócios de impacto que, por
sua vez, indicam uma reconfiguração do próprio Estado, é necessário agora
colocar a lente no que é específico desse processo na área da educação.
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Quando a escola se torna um ativo financeiro, que educação se coloca em
prática?
Na
página da secretaria estadual de parcerias e investimentos pode-se encontrar
tanto o leilão das “novas escolas”, quanto o da “manutenção e adequação de
escolas”, ambos sob a rubrica de investimento social. E em ambos os casos as
escolas são designadas como ativos: greenfield, no primeiro caso, e brownfield,
no segundo, conforme a linguagem dos mercados financeiros, que distinguem os
investimentos que se destinam à criação de novos ativos daqueles feitos em
ativos já existentes.
O
leilão das novas escolas foi dividido em dois lotes: o primeiro prevê a
construção de 17 novas escolas estaduais, e o segundo de 16, ambos em um prazo
de 18 meses. Além disso, as empresas licitantes ganham o direito de oferecer os
serviços de manutenção, limpeza, vigilância e alimentação nas escolas por um
período de 23 anos e meio (totalizando 25 anos).
O
primeiro leilão, ocorrido no dia 29/10/2024, foi arrebatado pelo consórcio
Novas Escolas Oeste São Paulo, capitaneado pela Engeform Engenharia Ltda., em
parceria com a Kinea, e assessorada pela KLA Law, que prestou assessoria por
meio de seus especialistas em direito público e de mercado de capitais. A
Engeform se anuncia como uma empresa de “engenharia”, “desenvolvimento
imobiliário”, “energia”, “concessões e investimento” e “gestão de recursos”. A
Kinea, por sua vez, anuncia em sua página da internet que foi fundada por
ex-executivos do Bank Boston no ano de 2007, em sociedade com o Itaú, e que em
2008 lançou um fundo imobiliário. Em 2009 passou a realizar atividades de
private equity (investimentos em empresas visando abrir seus capitais em bolsas
de valores); em 2010 criou seu primeiro fundo listado em bolsa; em 2011, em uma
operação de private equity, adquiriu a empresa Unidas, uma das maiores
locadoras de veículos do país, e o Grupo Multi, uma holding de escolas em que
se destaca a Wizard e o Yázigi. De lá para cá, a empresa lançou fundos
imobiliários de recebíveis, multimercados, de previdência, de renda fixa, de
infraestrutura, de crédito privado, de ações, de crédito agropecuário, e se
tornou uma grande gestora de ativos, com mais de R$ 130 bilhões sob sua gestão.
Ao
todo, o governo estadual inicialmente prevê um repasse de R$ 3,38 bilhões ao
consórcio, ao longo da vigência do contrato. Parece ter razão o CEO da
Engeform, Marcelo Castro, ao afirmar em discurso que “a oportunidade dessa
parceria para a construção de escolas é a Copa do Mundo do nosso setor. Por
isso, estamos muito felizes com o resultado”. A fala foi feita logo após a
divulgação do resultado da licitação, ou melhor, do pregão da bolsa de valores.
Diga-se de passagem, o difícil é não associar essa imagem da Copa do Mundo aos
megaeventos esportivos sediados no país na década passada, com seus elefantes
brancos, com o superfaturamento das obras, as denúncias das condições
degradantes de trabalho dos operários, a corrupção desenfreada, os despejos
forçados, o colapso administrativo da cidade do Rio de Janeiro, e por aí vai…
Muita
gente já chamou a atenção para o irônico (e agourento) fato de que a Engeform é
conhecida por ter vencido a licitação para gerir sete cemitérios da cidade de
São Paulo. Essa noção de que o tipo de objeto gerido é indiferente aos gestores
e gestoras de plantão já é antiga, e tem ampla tradição nos processos de
terceirização dos serviços de alimentação, segurança, manutenção etc. em
escolas e creches. O negócio é a própria gestão, como se houvesse uma forma
única, universal, baseada em preceitos tecnocráticos, que pode ser
indistintamente aplicada a qualquer área e qualquer instituição, e independente
de suas qualidades e finalidades intrínsecas. Se essa indiferença se radicaliza
com a percepção de que tanto faz se se trata de educação, vida, morte, formação,
ela também aprofunda a reificação das relações educativas com a
financeirização.
Já
o segundo lote, leiloado em 04/11/2024 foi arrematado pelo consórcio SP +
Escolas, composto por 5 organizações privadas, que deverão receber do governo
estadual o montante previsto de R$ 3,25 bilhões. A empresa líder, a Agrimat
Engenharia e Empreendimentos Ltda, é uma construtora de rodovias, mas no
consórcio se destaca a Astra Educacional, que tem como CEO José Alípio, o
ex-proprietário da Escola Mais, uma rede de escolas de baixo custo instaladas
em diversos bairros da cidade de SP. O dito empresário se gabou do privilégio
de ter expertise na área para ganhar a concorrência, mas faltou especificar que
se trata de uma vasta experiência em inovar na arte da precarização da
educação, e de gerir escolas como se fossem fábricas de salsichas.
Antecipando
a plataformização da educação e a digitalização dos conteúdos, a empresa Escola
Mais, antes mesmo da pandemia, já contratava um punhadinho de especialistas
para produzir material escrito e audiovisual, e muitos profissionais da
educação para atuarem como replicantes dos materiais, destituídos de qualquer
autonomia pedagógica, possibilidade de criação e manejo de conhecimentos de
acordo com o contexto e as relações existentes. Com poucos professores e
professoras ganhando o piso salarial, e muitas pessoas contratadas como
monitores(as) e estagiários(as) sub-remunerados, os gastos com força de
trabalho são evidentemente reduzidos. Mas todo o pacote é apresentado como uma
modernização pedagógica, que num passe de mágica e de marketing vende o consumo
passivo de conteúdos pelos estudantes como “metodologias ativas” de “aulas
invertidas”. Foi assim que o método da Escola Mais, muito antes de chegar a
leilões na bolsa de valores, conquistou mercados e foi comprado por redes de
educação estatais na “janela de oportunidades” que a desgraça do período de
distanciamento social abriu ao empresariado.
A
intensificação e o aumento das jornadas de trabalho, assim como o rebaixamento
salarial, a desqualificação e o controle sobre o trabalho docente não são
novidades na realidade da educação nacional e muito menos nos estados onde esse
modelo de privatização está em curso. Não por acaso, alguns dos estados que
estão na vanguarda da atual onda privatista têm a desonra de ter empossado
Renato Feder como secretário de educação. O Paraná, por exemplo, destaca-se
pelo fato de os contratos de gestão entre Estado e consócios permitirem uso de
força de trabalho concursada pelo Estado, mas também parte de contratação
docente pela empresa, com a qual, obviamente, as empresas maximizam os lucros
pelos salários reduzidos e contratos precários. Apesar de também usarem o
discurso da cisão entre a dimensão pedagógica e a gestão empresarial, o
contrato direto de profissionais e o estabelecimento de metas por meio de
acordos impostos de cima para baixo eliminam por completo a possibilidade de
evitar a ingerência da empresa no ensino.
Ainda
no caso do Paraná, parte da remuneração estatal da empresa gestora está
condicionada ao cumprimento de metas, por exemplo, ligadas à quantidade de
estudantes aprovados por ano, o que nega qualquer grau de autonomia docente.
Não demoraram a surgir denúncias de docentes que foram coagidos pela gestão a
manipular dados e fraudar a produção dos índices usados nas avaliações. Também
circularam denúncias de demissões injustificadas de funcionários às vésperas de
cumprirem um ano de contrato, para diminuir os encargos trabalhistas, bem como
de substituição de docentes concursados por docentes de contrato temporário, o
que também elevaria a remuneração das empresas gestoras, e assim por diante.
Aliás, a reportagem citada destaca que o repasse de recursos estatais aparece
como uma verdadeira caixa-preta, o que torna difícil estabelecer os efetivos
custos dessas estruturas de gestão.
Mas
o fato é que a escola estatal há tempos tem sido gerida como se fosse uma
empresa, com finalidades definidas pelo empresariado que formula as políticas
educacionais e desenha as reformas educativas,
com a terceirização de funções que aumentam a alienação e precarização
do trabalho educativo, com o máximo de contratos precários de docentes, com a
imposição de metas estabelecidas de modo completamente alheio a quem trabalha
ou estuda, com sua gestão por resultados, seus métodos de avaliação 360 ou
método de melhoria de resultados e, mais recentemente, com a plataformização.
Não por acaso, novamente, os estados de São Paulo e do Paraná compartilham do
mesmo “uber da educação”, que tem o curioso nome de Business Inteligence — o
BI, cuja estrangeirice se manifesta pela pronúncia em inglês (“bi ai”)
mencionada pelos corredores destruídos de escolas públicas gradeadas e
sucateadas. Algumas escolas ostentam painéis na entrada que denunciam o
engajamento de docentes e estudantes em cada plataforma em tempo real (plataformas
de matemática, português, redação, de cada disciplina). Enfim, uma
plataformização com a qual se faz a gestão com controle absoluto do trabalho
docente, do tempo de engajamento e do desempenho de estudantes, bem como do
cumprimento de metas tão objetivas e mensuráveis como na produção de
mercadorias.
Com
isso, centenas de milhares de estudantes e docentes se mobilizam cotidianamente
para exercer uma atividade completamente heterônoma, expropriados de qualquer
possibilidade de decisão sobre seu trabalho e formação. Com o controle
empresarial, a juventude trabalhadora tende a ser submetida, em tempo integral,
a uma educação destituída de pensamento crítico, de conhecimentos e de cultura,
mas preenchida de atividades plataformizadas, gameficadas, de simulação de
trabalho e empreendedorismo. À juventude mais pobre, que precisa trabalhar, são
oferecidos auxílios financeiros para impedir a evasão escolar, mantê-la ocupada
e, em alguns casos, fazê-la trabalhar durante o período letivo escolar, em
condições geralmente precárias, para consagrar a modelo empresarial de
“aprendizagem baseada em trabalho”. Cinicamente, a essa juventude mais
vulnerável também são oferecidas possibilidades de “inclusão financeira” por
meio da compra de títulos do tesouro nacional (educa +), com a qual seria
possível fazer mais dinheiro com os parcos recursos recebidos pelas bolsas do
governo
É
essa educação desmoralizada e sucateada, com profissionais e estudantes
coisificados, vigiados e combalidos, que está sujeita a ser convertida em ativo
financeiro. Sob a estratégia estatal de precarizar para privatizar, os mercados
financeiros aparecem como verdadeiros salvadores da pátria, ao invés de serem
vistos como parte importante do problema e como vetores do agravamento de uma
educação cujo sentido está no lucro, não na formação. Essa é uma educação
indefensável.
Uma
educação a serviço do poder econômico é uma educação falsificada, que se torna
um obstáculo ao processo de formação. Do ponto de vista político imediato, ela
só pode fortalecer a extrema direita anti-intelectual, individualista e
“empreendedora”. Do ponto de vista da autonomia, ao contrário, ela clama pelo
enfrentamento e pela criação de alternativas. Porque é evidente que a
financeirização da educação e dos direitos sociais aprofunda as clivagens
sociais: fortalece os que dispõem de capital para surfar nas ondas da
espoliação e da especulação, de um lado; compra a subordinação e o
silenciamento dos que se colocam como fantoches das elites, de outro; e
intensifica a exploração, a opressão e o descarte do grosso da população, que
nesse contexto tende a internalizar a lógica concorrencial em detrimento da
solidariedade e do coletivismo.
Em
2016, depois de uma dura repressão à manifestação contra a reforma do ensino
médio no México, reuniram-se alguns grupos musicais de distintas tradições e
estilos para homenagear militantes assassinados pelo Estado e fortalecer a luta
pela educação. Já se posicionavam contra a “reforma que se diz educativa”
porque sabiam que a dita reforma se dava no bojo do conjunto de transformações
demandadas pelo capital para reproduzir seu domínio, o que demanda a
aniquilação das autonomias, das culturas rebeldes e de todo pensamento e
prática que escapa à dominação e nega seus preceitos. Diante desse processo,
esses artistas e militantes se colocavam “en pie de lucha”, como no título da
canção, para denunciar o plano que vemos se desenrolar diante de nossos olhos. Numa
certa altura da música podemos escutar (em uma tradução livre) que:
“Eles
pretendem inserir a educação diretamente como títulos, na bolsa de valores
Delegando
a responsabilidade do Estado ao mercado, que são seus superiores
É o
mesmo que acontece há muito tempo, afetando a todos os setores
E
para conseguir seus objetivos tem que aniquilar seus opositores
Privatizar
a educação é o que falta
Cumprir
com as metas do mercado é o que manda
Não
importa se a milhares vão matando a esperança
O
dinheiro é o que lhes dá confiança”
—
Mexikan Sound System em “En Pie de Lutcha” (V&D por Gran OM: Videoclip)
Por
meio de sua forma, de seu conteúdo e do contexto que ela expressa, essa canção
nos joga à cara que existe vida fora da lógica das conciliações e das
concessões aos mandatários; lógica que há tanto tempo nos esmaga e nos faz
desaprender o inconformismo e a capacidade de vislumbrar outros caminhos. Em
meio aos escombros, a esquerda debate pela enésima vez os equívocos de sua
estratégia eleitoral ou se tem ou não o que dizer, enquanto o empresariado
avança a passos largos sobre a educação estatal, amplia seu poder político e
econômico, e domina de modo cada vez mais pleno parte importante do processo de
formação da população trabalhadora, impondo a ela suas práticas e suas
ideologias, e aumentando, assim, nossa subjugação. É preciso dar a esse
processo em curso sua devida importância… Quem sabe assim se possa ouvir ecoar
por aqui o refrão dos compas mexicanos, diante da mesma encruzilhada em que
agora nos encontramos: “Educação a serviço do poder ou educação para o povo que
a venha a defender. Nascemos sem nada, não temos o que perder. Não à
privatização, não ao abuso da lei”.
Fonte:
Blog da Boitempo
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