sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Gaza: relato de um sobrevivente

O escritor Atef Abu Saif e sua família fazem parte dos mais de um milhão de palestinos deslocados de suas casas em apenas um ano. Ministro da Cultura da Autoridade Palestina entre 2019 e março de 2024, Atef estava em Gaza quando os bombardeios começaram, experiência que relata no livro recém-lançado Quero estar acordado quando morrer (Elefante, 2024). 

“Eu me descobri no meio de uma guerra, e descobri que eu poderia morrer a qualquer momento, em um minuto. Por isso, comecei a escrever, em árabe e inglês ao mesmo tempo, pequenos pedaços sobre a vida. Queria que as pessoas soubessem sobre a minha vida se eu morresse, e sobre a vida das pessoas ao meu redor: meu filho, meu pai, meus irmãos e irmãs”, disse ao Brasil de Fato. 

Atef nasceu no campo de refugiados de Jabalia, ao norte da Faixa de Gaza, mas mora com a esposa e filhos na Cisjordânia. No início dos ataques, o escritor estava visitando a região para participar de um evento e visitar sua família, e levou o filho Yasser para acompanhá-lo. 

No diário, ele relata os 85 primeiros dias dos bombardeios de Israel sobre a população da Faixa de Gaza, que começaram em sete de outubro de 2023. Mesmo sob ataques incessantes do exército de Israel, escreveu diariamente sobre os acontecimentos da sua vida, familiares e amigos até a autorização de saída do seu filho da Faixa de Gaza, em 30 de dezembro de 2023. 

“A escrita mantém a memória da vida. Nós sabemos sobre civilizações antigas a partir dos registros escritos deles. Gaza foi destruída e muitas pessoas morreram. O que restou deles? O que foi escrito sobre eles. A próxima geração vai ler sobre Gaza como era antes da guerra. Escrever é documentar”, conta Atef. “As vítimas gostam de ser mencionadas, gostam que falem sobre elas”, ressalta.

A sensação de que poderia morrer a qualquer momento, impulsionou a escrita: “Queria deixar esses registros, e tê-los na minha caligrafia, escritos à mão. Assim, pelo menos, eu não teria morrido em vão. As pessoas saberiam que existiu alguém chamado Atef que viveu neste período da história, em Gaza.”

·        “A guerra nos desumaniza”

A frase que dá nome à edição brasileira de seu diário, Quero estar acordado quando morrer, teve origem nos pensamentos que povoaram sua mente quando se viu em meio à guerra. “O que eu estava pensando é que eu mereço uma morte honrosa. Meu corpo merece ser sepultado quando eu morrer. Eu gostaria de estar acordado no momento da minha morte para eu saber para onde meu corpo vai. Para que eu diga para me colocarem em uma sepultura.”

Em um trecho do diário, Atef relata a perda do grande amigo e jornalista Bilal Jadali. Ao se referir a sobrevivência durante a guerra, diz que sente saudades. “Sinto falta do Atef, de ser eu mesmo”, escreveu.

“Na guerra, você não é você mesmo”, disse ao Brasil de Fato sobre essa passagem do diário. Nesse contexto, ele enfatiza que é preciso sempre “relembrar de si”, “olhar no espelho e nas fotos do celular, e tentar agir normalmente”, uma vez que “tudo ao redor não é normal”.

“A guerra nos desumaniza, torna a vida uma coisa anormal. Eu senti muitas vezes que não era o Atef. Eu era o Atef durante o genocídio, e isso vive com você após a guerra. Mesmo que eu tenha saído de Gaza, eu ainda sinto que estou lá. Meu espírito, meu corpo, minhas memórias. Você não é mais você”.

·        A escrita como resistência

Atef também destaca como o diário que escreveu e os registros dos moradores de Gaza servem para levar a narrativa palestina para o mundo.

“O que nós escritores fazemos é documentar a vida como ela é. E esse foi o motivo central do diário. Eu me distanciava sobre o que estava acontecendo, tentando observar sobre o que acontecia, e escrevia. A verdade e a realidade são mais poderosas do que imaginação e ficção.” 

“Eles nos querem atrás das cortinas”, diz o escritor sobre as tentativas israelenses de manter jornalistas fora de Gaza. Em um determinado momento, ele recorda que, após sucessivos assassinatos, – “um jornalista morto pelas forças de Israel em Gaza a cada um dia e meio” – não havia mais profissionais da imprensa na região: “Foram todos expulsos, suas casas e escritórios destruídos”.

Como escritor, ele considera que a decisão de reportar para o mundo por meio de um diário foi uma forma de “jornalismo alternativo”. 

“Isso provia informação sobre a situação em Gaza. Não é o puro jornalismo, é um jornalismo narrativo, no qual você conta sobre a vida. Não é ficção, não é romance, não é história também. Mas uma mistura de tudo isso: jornalismo, narrativa e suspense também, de certa forma, uma história contada em primeira pessoa” 

·        Uma guerra contra a memória palestina

Durante o diário, Atef relembra constantemente a importância da memória para a existência e cultura de um povo, principalmente para os palestinos. Em relato do dia 6 de dezembro de 2023, conta que a dança dabke (dança palestina) foi incluída na lista oficial da Unesco como “patrimônio imaterial cultural”, que o mesmo já havia sido feito com o bordado palestino tatreez e que ele também pediria a entrada do sabonete tradicional nabulsi

“Coisas como essa podem parecer frívolas num primeiro momento, mas são parte da identidade de um povo e daquilo que é ameaçado, e potencialmente perdido, quando ocupações ou guerra expulsam repetidamente as pessoas de sua terra”, explica ao Brasil de Fato. 

Enquanto comandava o Ministério da Cultura – cargo que manteve até março deste ano – Atef dizia a seus interlocutores que a pasta se equiparava ao Ministério da Defesa, tal a importância da preservação da memória palestina para sua existência. 

“A guerra lançada contra a Palestina é uma guerra contra a nossa memória, nossa cultura, nossa narrativa dos fatos e acontecimentos. O papel do ministro da Cultura é preservar essa memória e manter tais narrativas. A cultura é a linha de frente principal para defender a causa nacional, no nosso caso.”

Quero estar acordado quando morrer teve seu lançamento em São Paulo durante a inauguração do Centro de Centro de Estudos Palestinos (CEPal) na Universidade de São Paulo (USP) na quinta-feira (16), onde o escritor ressaltou a importância da memória e da preservação da cultura e estudos sobre a Palestina.

Durante o seu discurso, Atef relembrou como o povo palestino sempre foi propositalmente retratado como sem cultura ou estudos, usando como exemplo o significado da palavra em inglês “philistine”, que significa “alguém que é hostil ou indiferente à cultura e às artes”, que faz menção direta aos filisteus, povo do qual os palestinos descendem. 

“A escrita preserva a memória. O que escritores escrevem se torna parte da memória de um povo. É responsabilidade dos autores serem leais a sua nação, pois a memória é a identidade de todas as culturas. O que identifica uma nação são as tradições contadas através dos seus membros do passado. Todas as pessoas querem ser parte de uma grande e longa história.”

Atef lembra que as pessoas não podem esquecer o genocídio que acontece na Palestina. “Nós não podemos parar de falar sobre isso”, completa o escritor. “Estudar, ler e registrar sobre a cultura palestina e acontecimentos passados e atuais também são parte importante da preservação da memória palestina.” 

“Pertencemos a um lugar, a uma civilização porque, assim, nós podemos explicar nossa existência; como falamos, como nos vestimos. E isso é muito importante. Nós não podemos mudar o curso da História, mas ao menos [o registro] será em nosso nome”, finaliza.

 

¨      Israel e Líbano estão próximos de fechar acordo de cessar-fogo, diz premiê

Israel e Líbano estão próximos de chegar a um acordo para cessar-fogo, de acordo com o primeiro-ministro libanês Najib Mikati. A emissora pública de Israel "Kan" também publicou um rascunho que seria da proposta para o término do conflito.

O acordo prevê o fim das trocas de ataques entre Israel e o grupo extremista libanês Hezbollah. O governo do Líbano será o responsável por garantir que o Hezbollah seja desarmado e deixe de ser uma ameaça ao território israelense.

O primeiro-ministro libanês afirmou que espera que os dois países cheguem a um acordo nas próximas horas ou dias. O governo de Israel não havia se pronunciado até a última atualização desta reportagem.

O rascunho do acordo de cessar-fogo publicado pela emissora israelense é datado do dia 26 de outubro. Segundo o documento, entre as cláusulas estão:

  • O Hezbollah e outros grupos não poderão atacar Israel. Em troca, Israel não fará operações militares com alvos no Líbano.
  • O Exército libanês e os pacificadores da ONU (Unifil) serão as únicas forças armadas na área da Linha Azul — nas proximidades da fronteira entre Líbano e Israel.
  • Qualquer venda de armas que tiver como destino o Líbano deverá ser supervisionada pelo governo libanês, com o objetivo de evitar que os artefatos cheguem a grupos como o Hezbollah.
  • Israel retirará suas forças do Líbano em 7 dias, que serão substituídas por tropas do Exército do Líbano. A operação terá a supervisão dos Estados Unidos e outro país.
  • Em 60 dias, o Líbano terá de desarmar qualquer grupo militar não oficial no sul do Líbano, como o Hezbollah.
  • Israel terá o direito de se defender contra ameaças, caso o Líbano não consiga impedir a produção, armazenamento ou transporte de armas pesadas por grupos não oficiais.

De acordo com a imprensa israelense, a implementação do acordo será supervisionada pelos Estados Unidos e outros países, que ainda não foram definidos.

Caso Israel ou o Líbano não cumpram com as cláusulas do acordo, ambos estarão sujeitos a enfrentar sanções econômicas.

Apesar da perspectiva otimista do governo libanês, na terça-feira (29) o chefe do Hezbollah, Naim Qassem, afirmou que o grupo continuará no caminho da guerra.

O governo dos Estados Unidos admitiu que alguns rascunhos de um acordo de cessar-fogo estão circulando. No entanto, a Casa Branca afirmou que os documentos podem não refletir o atual estado das negociações.

O Hezbollah é um grupo muçulmano xiita que surgiu na década de 1980 no contexto da Guerra Civil Libanesa. A palavra "Hezbollah" significa "Partido de Alá" ou "Partido de Deus".

Quando foi fundado, o Hezbollah passou a se opor fortemente à ocupação israelense no sul do Líbano, que teve início no final da década de 1970. Desde então, o grupo mantém o apoio do Irã.

Embora o grupo não tenha uma presença significativa nas áreas sunitas, cristãs e drusas, ele atua como um "Estado paralelo" nas regiões xiitas e tem atuação política.

Desde outubro de 2023, o Hezbollah tem bombardeado o norte de Israel em solidariedade aos terroristas do Hamas e às vítimas da guerra na Faixa de Gaza.

A partir de junho desde ano, as tensões envolvendo Israel e Hezbollah aumentaram. Um comandante do grupo foi morto em um ataque israelense no Líbano, em julho. No mês seguinte, o grupo preparou uma resposta em larga escala contra Israel, que acabou sendo repelida.

Em setembro, líderes israelenses emitiram uma série de avisos sobre o aumento de operações contra o Hezbollah. O gatilho para uma virada no conflito veio após os seguintes pontos:

  1. Nos dias 17 e 18 de setembro, centenas de pagers e walkie-talkies usados pelo Hezbollah explodiram em uma ação militar coordenada.
  2. A imprensa norte-americana afirmou que os Estados Unidos foram avisados por Israel de que uma operação do tipo seria realizada. Entretanto, o governo israelense não assumiu a autoria.
  3. Após as explosões, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que estava começando "uma nova fase na guerra".
  4. Enquanto isso, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu que levará de volta para casa os moradores do norte do país, na região de fronteira, que precisaram deixar a área por causa dos bombardeios do Hezbollah.
  5. Segundo o governo, esse retorno de moradores ao norte do país só seria possível por meio de uma ação militar.
  6. Em 23 de setembro, Israel bombardeou diversas áreas do Líbano. Cerca de 500 pessoas morreram e centenas ficaram feridas. O dia foi o mais sangrento desde a guerra de 2006.
  7. O líder do Hezbollah foi assassinado durante um bombardeio de Israel em Beirutre, no dia 27 de setembro.
  8. No dia 30 de setembro, Israel começou uma operação por terra contra alvos do Hezbollah no Líbano.

Segundo o Ministério da Saúde do Líbano, desde outubro de 2023, ataques israelenses provocaram a morte de 2.822 pessoas no território libanês. Quase 13 mil ficaram feridas.

¨      Hezbollah diz não ter intenção de pedir cessar-fogo, 'não importa quanto tempo dure a guerra'

O movimento Hezbollah do Líbano não pretende pedir nenhum cessar-fogo e está pronto para continuar resistindo a Israel pelo tempo que for necessário, disse o novo secretário-geral do movimento, Naim Qassem, em primeiro discurso após a nomeação.

"Se Israel pedir um cessar-fogo, nós vamos concordar, mas somente em nossos termos. Não vamos pedir um cessar-fogo, não importa quanto tempo dure a guerra", disse Qassem.

O líder da resistência sugeriu que o comando israelense retirasse suas forças do território libanês para salvar a vida dos soldados israelenses.

Caso contrário, disse ele, o número de mortos e feridos entre os soldados israelenses continuará a aumentar.

Qassem garantiu que o movimento libanês tem um número suficiente de comandantes experientes e treinados, prontos para assumir posições de liderança.

Além disso, há um número suficiente de combatentes na linha de frente para continuar lutando contra as tropas israelense e para atacar o território de Israel, desafiando o domínio total dos céus pela Força Aérea de Israel.

Ele acrecentou que o movimento seguirá apoiando Gaza, enfrentando assim "a ameaça israelense a toda a região".

"A guerra atual é um projeto significativo na região, ela não se limita ao Líbano ou à Faixa de Gaza, mas é uma guerra mais ampla que visa à eliminação completa da resistência."

O Exército israelense vem conduzindo uma operação terrestre contra as forças do movimento Hezbollah no sul do Líbano desde 1º de outubro e continua o bombardeio aéreo do país.

Milhares de pessoas, incluindo líderes do movimento, já foram mortas e mais de um milhão se tornaram refugiadas.

Apesar das perdas, inclusive de comandantes, o Hezbollah está lutando em terra e segue disparando foguetes contra o território israelense.

<><> Israel diz que resta ao Hezbollah cerca de 20% da capacidade de lançamento de mísseis e foguetes

O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, estimou nesta terça-feira (29) que as capacidades remanescentes de mísseis do movimento libanês Hezbollah são de cerca de 20% após quase um mês da ofensiva no país. Mais de 2,5 mil pessoas já morreram na região por conta dos bombardeios.

"As conquistas das Forças de Defesa de Israel [FDI] no Líbano são extremamente impressionantes. Eliminamos a cadeia de comando e controle do Hezbollah, e estimo que a capacidade de mísseis e foguetes que eles têm agora está em 20%", disse Gallant.

Em 1º de outubro, Israel iniciou uma operação terrestre contra o Hezbollah no sul do Líbano, enquanto continua com ataques aéreos e de foguetes desde a escalada do conflito armado na Faixa de Gaza. O número de mortos no Líbano devido aos ataques israelenses ultrapassou 2.500 pessoas.

Chamas se formam após ataque aéreo israelense nos subúrbios ao sul de Beirute.

Em meio ao conflito, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que as forças de paz que atuam no Líbano foram alvo de diversos ataques israelenses durante a operação no país.

Já Israel afirma que seu principal objetivo é criar condições para o retorno de 60 mil residentes que fugiram da insegurança no norte do país, próximo à fronteira.

 

Fonte: Brasil de Fato/g1/Sputnik Brasil

 

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