Elon Musk pode obter uma enorme isenção de
impostos nos EUA, com Trump
Graças a uma
disposição inserida no código tributário, Elon Musk pode obter uma das maiores
isenções fiscais personalizadas da história americana se o ex-presidente Donald
Trump vencer a eleição de 2024 e cumprir sua promessa de nomear Musk para um
alto cargo no governo, de acordo com a revisão de estatutos de longa data feita
por especialistas em impostos e ética.
Esse benefício fiscal
especial — que está disponível apenas para autoridades federais — seria um
acréscimo às enormes isenções fiscais que Musk poderia obter se o novo governo
Trump cortasse ainda mais os impostos de renda e outras taxas para bilionários.
Musk investiu milhões
de dólares em um super PAC impulsionador da campanha de Trump. Suas empresas,
Tesla e SpaceX, atualmente têm bilhões de dólares em contratos governamentais
que podem ser regulamentados ou expandidos por uma nova comissão governamental
ou departamento do nível de gabinete que Trump está prometendo que será
chefiado por Musk. Trump disse que Musk será seu novo “secretário de corte de
custos” e Musk disse que “mal pode esperar” para trabalhar na Casa Branca de
Trump.
O Escritório de Ética
Governamental dos Estados Unidos, uma agência federal de fiscalização, observa
que “o estatuto básico de conflito de interesses criminais proíbe
funcionários do governo de participar pessoal e substancialmente de assuntos
oficiais nos quais tenham interesse financeiro” — e essa agência pode exigir
que altos funcionários abandonem participações corporativas que criem conflito
de interesses em um cargo governamental.
Uma disposição
inserida no código tributário há trinta e cinco anos permite que autoridades
governamentais adiem indefinidamente todos os impostos sobre ganhos de capital
em tal desinvestimento — um benefício fiscal que pode valer dezenas de bilhões
de dólares para Musk se ele for nomeado por Trump para um alto cargo no
governo.
O benefício fiscal já
foi usado por funcionários do governo
George W. Bush, incluindo o ex-secretário do Tesouro Henry Paulson, cujo
desinvestimento de suas participações no Goldman Sachs teria valido quase meio
bilhão de dólares.
O Senado dos EUA ainda
precisa confirmar o indicado do presidente Joe Biden para um mandato de cinco
anos para chefiar a agência federal que decidiria sobre os potenciais conflitos
de interesse de Musk — e os benefícios fiscais subsequentes. Se a vaga for
transferida para a eleição, uma nova administração Trump poderia nomear o
substituto. Em 2017, os democratas do Senado propuseram uma legislação para
limitar o diferimento de impostos, mas a legislação não avançou.
“A ideia de Musk vir
para comandar algum tipo de comissão de eficiência em uma segunda administração
Trump apresenta conflitos de interesse catastróficos”, disse Walter Shaub,
ex-diretor do Escritório de Ética Governamental dos EUA, que lutou contra a administração
Trump por conflitos de interesse antes de sua saída da agência em 2017. “Acho
muito provável que em uma segunda administração Trump, seria alguém nomeado por
ele tomando a decisão sobre se Elon Musk poderia ter uma grande redução de
impostos.”
Musk — atualmente a
pessoa mais rica do mundo, com um patrimônio líquido de US$ 250 bilhões — tem
feito campanha por Trump incansavelmente, inclusive gastando milhões em um
esquema que os críticos disseram ser uma operação elaborada e potencialmente
ilegal de compra de votos. Ele e suas empresas podem se beneficiar de uma
vitória de Trump — e sua riqueza já aumentou graças aos cortes de impostos do
primeiro governo Trump e ao apoio turbinado do governo à SpaceX.
“Enredado com o
governo”
Alei federal exige que
os funcionários se desfaçam de negócios pessoais que possam entrar em conflito
com seu trabalho. No poder executivo, as regras sobre divulgação e afastamento
de conflitos de interesses são direcionadas e aplicadas pelo independente
Office of Government Ethics [Escritório de Ética Governamental].
A recusa a se afastar
de conflitos de interesse pode infringir o Código 208 dos EUA, que sujeita
funcionários a penalidades criminais por usarem seus cargos para promover
interesses financeiros pessoais.
Caso Musk se junte ao
governo Trump — seja como membro pleno do gabinete ou como presidente de uma
comissão — ele poderá estar sujeito a essa lei de ética como funcionário
federal, exigindo que ele potencialmente venda seus bilhões de dólares em
ativos antes de assumir o cargo.
Trump parece ter
oscilado sobre um possível papel de Musk em sua administração, dizendo em
agosto que “[Musk] está comandando grandes negócios e tudo mais” e, portanto,
ele não “sabia como poderia fazer isso com todas as coisas que tem em
andamento”. Musk continuou a pressionar a questão, embora não esteja totalmente
claro que tipo de papel ele está imaginando.
Quando assumiu o cargo
pela primeira vez em 2017, Trump se recusou a colocar as centenas de empresas
que possuía em um blind trust ou vender seus ativos; em vez disso, ele deu o
controle das operações diárias de suas empresas para seus filhos e um parceiro
de negócios. A atitude foi condenada por Shaub, então diretor do Escritório de
Ética Governamental, por quebrar décadas de padrões éticos.
Os membros do gabinete
de Trump seguiram o exemplo. Pelo menos quatro nomeados mantiveram seus laços
com grupos empresariais que eles podem ter regulado.
Don Fox,
ex-funcionário do Escritório de Ética Governamental durante os governos Bush e
Barack Obama, disse à APM Reports na época: “Se o chefe não se importa, por que
você deveria, então?”
“Esse homem está tão
envolvido com o governo federal que faz com que os conflitos de interesse de
Trump pareçam pequenos em comparação.”
Mas os ativos do
próprio Trump são insignificantes em comparação aos grandes empreendimentos de
Musk.
“Esse homem está tão
envolvido com o governo federal… que faz com que os conflitos de interesse de
Trump pareçam pequenos em comparação”, disse Shaub.
No ano passado, a
SpaceX, empresa de tecnologia aeroespacial e digital de Musk, tinha contratos
com dezesseis agências diferentes, desde a NASA e o Departamento de Defesa até
o Departamento do Interior. A Tesla, o empreendimento de veículos elétricos de Musk,
contratou os Departamentos de Energia, Estado e Defesa. Ao todo, as empresas de
Musk receberam US$ 3 bilhões em quase cem contratos diferentes no ano passado —
e respondem por pelo menos US$ 15,4 bilhões do financiamento governamental na
última década.
Musk “tem um
envolvimento massivo com o governo em termos de contratação, há muitas maneiras
pelas quais ele pode acabar afetando seus próprios interesses financeiros”,
disse Shaub, explicando que Musk quase certamente encontraria esses conflitos
se fosse nomeado para uma posição no gabinete. Além de seu enorme portfólio de
investimentos, suas empresas, SpaceX e Tesla, são frequentemente financiadas
por, e entram em conflito com, várias agências federais.
Enquanto isso,
agências federais têm ido atrás das empresas de Musk por uma série de
incidentes de má conduta, violações trabalhistas e problemas de proteção ao
consumidor, levando a pelo menos vinte investigações ou revisões recentes.
Se Musk assumisse uma
posição no gabinete, ele poderia desencorajar diretamente investigações ou
conceder contratos governamentais preferenciais para suas empresas em uma ampla
gama de questões.
“Obviamente, se você
se envolve em qualquer coisa que tenha a ver com mudanças climáticas, a
indústria automotiva, veículos elétricos, obviamente a Tesla é um problema”,
disse Richard Painter, professor de direito da Universidade de Minnesota e
vice-presidente da organização sem fins lucrativos focada em ética Citizens for
Responsibility and Ethics em Washington. E esse conflito surge com sua outra
grande empresa de tecnologia, a SpaceX, em torno do “programa da NASA, o
programa espacial, qualquer coisa disso”.
“E então tem X”,
Painter continuou, discutindo a aquisição do site de mídia social anteriormente
chamado Twitter por Musk. “Se ele vai manter o X, a mídia social — decisões
sobre a Comissão Federal de Comunicações e tudo isso, ele vai ter que ficar
longe.”
• Trabalhando sob as regras
Musk poderia se juntar
ao gabinete de Trump sem se desfazer de seus bilhões em participações? Isso já
foi feito antes.
Líderes da indústria
frequentemente são convidados a se juntar a conselhos governamentais pela
expertise específica da indústria que podem trazer para a formulação de
políticas. Esses especialistas frequentemente ocupam posições consultivas e
fazem recomendações para políticas — enquanto continuam a operar dentro de sua
indústria. Eles também estão sujeitos a regras mínimas de conflito de
interesses.
Mas Shaub disse que a
posição que Musk parecia estar buscando era provavelmente, no mínimo, a de
presidente de tal comitê consultivo — que, segundo ele, é geralmente
classificado como um “funcionário especial do governo”. Esses funcionários
estão sujeitos às mesmas penalidades por conflito de interesses que os
funcionários públicos de pleno direito.
“A lei de conflito de
interesses se aplica com força total a um funcionário especial do governo”,
disse Shaub.
Outros líderes da
indústria tentaram similarmente evitar desinvestir de seus ativos ao se
juntarem a administrações anteriores, apesar do evidente conflito. O investidor
bilionário Stephen Schwarzman, cofundador e CEO do Blackstone Group, presidiu o
conselho consultivo empresarial de Trump como um de seus conselheiros externos
próximos durante o mandato — tudo isso enquanto sua empresa de private equity
tinha interesse em políticas de administração. Mas o conselho consultivo não
estava sujeito às regras de ética federais aplicáveis a funcionários do
governo.
Também existe a
possibilidade de Trump conceder a Musk uma isenção da regra de ética,
permitindo que ele mantenha seus negócios mesmo enquanto trabalha para o
governo.
Tecnicamente, tais
isenções só podem ser emitidas quando conflitos de interesse são determinados
como improváveis de “afetar a integridade” do cargo. Mas, falando de forma
prática, a Casa Branca de Trump teria autoridade unilateral para emitir uma
isenção a Musk, disse Shaub.
“Talvez o maior
benefício para Musk possa vir se ele seguir os padrões de ética e escolher se
desfazer de suas empresas. Ao fazer isso, ele pode ganhar uma redução de
impostos sem precedentes.”
“Uma vez que a isenção
é emitida, mesmo que seja emitida de forma inapropriada, ela conta”, explicou
Shaub. E a administração Trump teria autoridade para fazê-lo porque ele disse
que “não há ninguém para impedi-los de fazer isso”.
Um projeto de lei do
Senado de 2018 tentou reforçar os requisitos para alienar “ativos conflitantes”
de todos, desde membros do Congresso e altos funcionários do governo até o
presidente e o vice. O projeto de lei exigiria que os funcionários vendessem seus
“ativos conflitantes” e os reinvestissem em Contas de Investimento de
Funcionários Federais, que são administradas pelo Tesouro. Esse projeto de lei
não avançou.
Mas talvez o maior
benefício para Musk possa vir se ele seguir os padrões de ética e escolher se
desfazer de suas empresas. Ao fazer isso, ele poderia ganhar uma redução de
impostos sem precedentes.
• “Permite que você ganhe mais com as
alienações necessárias”
A redução de impostos
que Musk poderia ganhar se ele finalmente se desfizesse de seus negócios como
funcionário do governo foi criada em 1989 como uma forma de “minimizar o fardo”
para servidores públicos que eram forçados a vender propriedades ou investimentos
que representavam um conflito de interesses com seu trabalho. (Musk só poderia
se qualificar para a redução de impostos se recebesse uma posição de
funcionário público pleno, como secretário de gabinete — em oposição a uma
posição de consultoria “especial”).
O Escritório de Ética
Governamental pode, para qualquer funcionário do poder executivo, emitir um
“certificado de alienação” quando ele se desfaz de interesses comerciais
conflitantes. Isso permite que o funcionário utilize a Seção 1043 do código tributário e adie os
impostos sobre ganhos de capital nos investimentos que vendem — desde que
invistam o dinheiro em um fundo de investimento diversificado, como um fundo
mútuo. Tecnicamente, o imposto é simplesmente adiado até que os novos ativos
sejam vendidos. Mas se eles nunca forem vendidos, “o adiamento é permanente”,
de acordo com o advogado tributário Bob Rizzi, da empresa Holland & Knight,
sediada em Washington, DC.
“Uma das principais
disposições do código é a Seção 1043, que permite que você ganhe ainda mais com
as alienações necessárias”, explicou Rizzi durante uma apresentação recente
sobre nomeações do poder executivo antes da eleição de 2024. “O planejamento da
Seção 1043 é uma parte importante do planejamento para algumas dessas
nomeações, e pode ser uma oportunidade muito bem-vinda para alguém que está
comprometido em entrar no governo e alienar e mitigar alguns dos custos de
fazer isso.”
E não há limite para o
valor da redução de impostos, o que significa que ela pode ser usada para
evitar o pagamento de impostos sobre milhões, ou até bilhões, de dólares em
ativos, desde que o dinheiro seja rapidamente transferido para um fundo mútuo
ou outra conta qualificada.
O Escritório de Ética
Governamental afirma, em um folheto informativo, que o diferimento de impostos
do programa de alienação “não é um benefício para os funcionários” e tem como
objetivo apenas “reduzir o fardo financeiro de cumprir as leis de ética”. Mas
especialistas dizem que muitas autoridades veem a redução de impostos como uma
vantagem.
“É absolutamente um
bom benefício do serviço governamental”, disse Painter. “Algumas pessoas,
pensamos, queriam entrar no serviço governamental para que o advogado de ética
pudesse obter um certificado de alienação para elas.”
Em dezembro de 2016,
semanas antes de Trump assumir o cargo, um grupo de senadores democratas mirou
na “brecha fiscal pouco conhecida” que permite que os indicados do gabinete
adiem sua taxação indefinidamente. O projeto de lei, que era direcionado a Trump
e seus indicados, teria limitado a quantia de imposto sobre ganhos de capital
que eles poderiam evitar a US$ 1 milhão. O projeto de lei foi abandonado em
2018.
Devido aos grandes
benefícios financeiros envolvidos, a lei tributária permite apenas que
funcionários do governo adiem impostos sobre desinvestimentos empresariais que
resolvam especificamente conflitos de interesse.
“Tenho dificuldade em
imaginar como o homem mais rico do mundo poderia desinvestir o suficiente para
eliminar conflitos de interesse”, disse Shaub sobre Musk. Então, como
resultado, ele disse: “Em um mundo normal, eu veria como improvável que ele
obtivesse um certificado de desinvestimento”.
“Musk enriqueceu em
parte porque evitou grandes cifras de impostos no passado. Graças à exploração
de brechas fiscais.”
Mas sob um segundo
governo Trump, Shaub disse: “Acho que é possível que eles façam isso”.
Musk enriqueceu em
parte porque evitou grandes cifras de impostos no passado. Graças à exploração
de brechas fiscais, em 2018, Musk não pagou imposto de renda federal — e em
anos anteriores, ele pagou menos de US$ 100.000 em renda declarada que variou
até US$ 1 bilhão. Sua carga tributária também não reflete os bilhões que ele
possui em ações de suas empresas, um arranjo financeiro que permite que os
ultra-ricos evitem ainda mais impostos de renda.
As muitas
participações de Musk significam que sua potencial redução de impostos de
desinvestimento pode ser imensa. As ações majoritárias de Musk na SpaceX valem
dezenas de bilhões; ele também tem US$ 73 bilhões em ações da Tesla. E embora a
X tenha caído vertiginosamente em valor desde a aquisição de Musk, sua
participação na empresa ainda vale bilhões.
“Não acho que ninguém
deva emitir um certificado de alienação de bilhões de dólares”, disse Shaub,
que enfatizou que apoiava o programa de alienação em outros casos menos
extremos. “Isso parece um abuso do programa.”
Mas o Escritório de
Ética Governamental distribuiu grandes isenções fiscais para outros nomeados no
passado. Em maio de 2006, o ex-presidente George W. Bush nomeou Paulson, então
CEO da empresa de investimentos Goldman Sachs, como secretário do Tesouro.
Paulson vendeu US$ 484
milhões em ações do Goldman ao assumir o cargo para evitar manter milhões de
ações em um banco de investimento multinacional enquanto também comandava o
Departamento do Tesouro. E ele recebeu um certificado do Escritório de Ética Governamental
para fazer isso sem impostos, evitando pagar prováveis dezenas de milhões em
taxas sobre ganhos de capital.
Se Paulson tivesse
mantido as ações, seu valor provavelmente teria despencado dois anos depois,
durante a crise financeira de 2008.
“Teria havido pelo
menos um imposto de US$ 60 milhões sobre isso [desinvestimento], mas consegui
para ele um certificado de desinvestimento no Escritório de Ética
Governamental”, disse Painter, que era o advogado-chefe de ética da Casa Branca
na época. “Ele vendeu as ações, comprou ativos livres de conflitos e não sei se
já pagou o imposto. Não tenho ideia.”
Fonte: Por Katya
Schwenk e Lucy Dean Stockton, com tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário