sexta-feira, 8 de novembro de 2024

3 fatores que explicam derrota de Kamala Harris

Há quase um mês, Kamala Harris apareceu no programa The View, da rede americana ABC, no que se esperava ser uma entrevista amistosa com o objetivo de se apresentar aos americanos que queriam saber mais sobre ela.

Mas a conversa foi rapidamente ofuscada por sua resposta a uma pergunta sobre o que ela teria feito de diferente do presidente em exercício, Joe Biden: "Não me vem nada à mente".

A resposta de Kamala — que virou munição para ataques republicanos em loop — ressaltou os ventos políticos desfavoráveis que sua campanha inicial não conseguiu contornar em sua derrota decisiva para Donald Trump na terça-feira (5/11).

Publicamente, ela admitiu a derrota na tarde de quarta-feira (6/11), dizendo aos seus apoiadores: "Não se desesperem".

Mas a reflexão sobre onde ela errou e o que mais poderia ter feito provavelmente vai levar mais tempo, à medida que os democratas começarem a apontar o dedo e a levantar questões sobre o futuro do partido.

Os chefes de campanha de Kamala permaneceram em silêncio nas primeiras horas de quarta-feira, enquanto alguns assessores manifestavam choque e lamentação pelo que esperavam ser uma disputa muito mais acirrada.

"Perder é extremamente doloroso. É difícil", disse a coordenadora de campanha de Kamala, Jen O'Malley Dillon, em um e-mail enviado à equipe na quarta-feira. "Isso vai levar muito tempo para ser processado."

Como vice-presidente em exercício, Kamala Harris não conseguiu se desvincular de um presidente impopular e convencer os eleitores de que poderia oferecer a mudança que eles buscavam em meio a uma ansiedade econômica generalizada.

<><> A bagagem de Biden

Depois que Biden desistiu da disputa após um desempenho desastroso em um debate, Kamala foi alçada ao topo da chapa, evitando o escrutínio de uma primária sem que um único voto fosse necessário.

Ela começou sua campanha de 100 dias prometendo uma "nova geração de liderança", mobilizando as mulheres em torno do direito ao aborto e prometendo reconquistar os eleitores da classe trabalhadora, concentrando-se em questões econômicas, incluindo o aumento do custo de vida e o acesso à moradia.

Faltando apenas três meses para o dia da eleição, ela gerou um ímpeto inicial, que incluiu uma enxurrada de memes nas redes sociais, uma lista de endosso repleta de celebridades, como Taylor Swift, e recorde de doações. Mas Kamala não conseguiu se livrar do sentimento de aversão a Biden que permeava grande parte do eleitorado.

O índice de aprovação do presidente tem oscilado consistentemente na casa dos 40% ao longo de seus quatro anos no cargo, enquanto cerca de dois terços dos eleitores dizem acreditar que os EUA estão no caminho errado.

Alguns aliados questionaram de forma privada se Kamala permaneceu leal demais a Biden em sua tentativa de substituí-lo. Mas Jamal Simmons, ex-diretor de comunicação da vice-presidente, classificou este pensamento como uma "armadilha", argumentando que qualquer distanciamento apenas daria aos republicanos outra linha de ataque por deslealdade.

"Você não consegue fugir do presidente que te escolheu", diz ele.

Kamala tentou seguir a linha tênue de abordar o histórico do governo sem lançar sombra sobre seu chefe, demonstrando relutância em romper com qualquer uma das políticas de Biden e, ao mesmo tempo, não as promovendo ostensivamente ao longo da campanha.

Mas ela não conseguiu apresentar um argumento convincente sobre por que deveria liderar o país — e como lidaria com as frustrações econômicas e com as preocupações generalizadas sobre a imigração.

Cerca de 3 em cada 10 eleitores disseram que a situação financeira de suas famílias estava piorando, um aumento em relação aos 2 em cada 10 de quatro anos atrás, de acordo com dados da AP VoteCast, uma pesquisa com mais de 120 mil eleitores dos EUA realizada pelo centro de pesquisa NORC da Universidade de Chicago.

Nove em cada 10 eleitores estavam muito ou um pouco preocupados com o preço dos mantimentos.

A mesma pesquisa descobriu que 4 em cada 10 eleitores disseram que os imigrantes que vivem ilegalmente nos EUA deveriam ser deportados para seu país de origem, contra cerca de 3 em 10 que disseram isso em 2020.

E, embora Kamala tenha tentado passar a reta final da campanha enfatizando que seu governo não seria uma continuação do de Biden, ela não conseguiu delinear claramente suas próprias políticas, muitas vezes contornando as questões, em vez de abordar de frente as falhas percebidas.

<><> Dificuldade de aproveitar rede de apoio de Biden

A campanha de Kamala esperava reunir a base eleitoral que impulsionou a vitória de Biden em 2020, conquistando os principais círculos eleitorais democratas de negros, latinos e jovens, além de obter ganhos adicionais com eleitores dos subúrbios com formação universitária.

Mas ela teve um desempenho inferior dentro destes grupos chave de eleitores. Ela perdeu 13 pontos percentuais entre os eleitores latinos, dois pontos entre os eleitores negros e seis pontos entre os eleitores com menos de 30 anos, de acordo com as pesquisas de boca de urna, que são consideradas representativas das tendências.

O senador independente Bernie Sanders, de Vermont, que perdeu as primárias presidenciais democratas de 2016 para Hillary Clinton, e as primárias de 2020 para Biden, afirmou em comunicado que "não foi uma grande surpresa" que os eleitores da classe trabalhadora tenham abandonado o partido.

"Primeiro, foi a classe trabalhadora branca, e agora são os trabalhadores latinos e negros também. Embora a liderança democrata defenda o status quo, o povo americano está irritado e quer mudanças", ele disse. "E eles estão certos."

Embora as mulheres tenham, em grande parte, apoiado Kamala em detrimento de Trump, a liderança da vice-presidente não ultrapassou as margens que sua campanha esperava que sua candidatura histórica alcançasse. E ela não foi capaz de concretizar suas ambições de conquistar as mulheres republicanas dos subúrbios, perdendo 53% das mulheres brancas.

Na primeira eleição presidencial desde que a Suprema Corte derrubou o direito constitucional ao aborto, os democratas esperavam que seu foco na luta pelos direitos reprodutivos proporcionasse uma vitória decisiva.

Embora cerca de 54% das eleitoras mulheres tenham votado em Kamala, este percentual ficou abaixo dos 57% que apoiaram Biden em 2020, de acordo com dados das pesquisas de boca de urna.

<><> Foco em Trump saiu pela culatra

Mesmo antes de ser catapultada para o topo da chapa, Kamala procurou enquadrar a disputa como um referendo sobre Trump, e não sobre Biden.

A ex-promotora da Califórnia se valeu do seu histórico de aplicação da lei para argumentar contra o ex-presidente.

Mas sua campanha incipiente optou por abandonar o argumento central de Biden de que Trump representava uma ameaça existencial à democracia, priorizando uma mensagem otimista sobre a proteção das liberdades pessoais e a preservação da classe média.

Na reta final, no entanto, Kamala tomou a decisão tática de destacar novamente os riscos de uma segunda presidência de Trump, chamando o ex-presidente de "fascista" e fazendo campanha com republicanos descontentes e fartos de sua retórica.

Depois que o ex-chefe de gabinete de Trump na Casa Branca, John Kelly, disse ao jornal americano New York Times que Trump falou com aprovação sobre Adolf Hitler, Kamala fez comentários fora de sua residência oficial descrevendo o presidente como "desequilibrado e instável".

"Kamala Harris perdeu essa eleição quando passou a se concentrar quase exclusivamente em atacar Donald Trump", afirmou Frank Luntz, pesquisador de opinião republicano veterano, na noite de terça-feira.

"Os eleitores já sabem tudo o que há sobre Trump, mas ainda queriam saber mais sobre os planos de Kamala para a primeira hora, o primeiro dia, o primeiro mês e o primeiro ano do seu governo."

"Foi um fracasso colossal para a campanha dela chamar mais atenção para Trump do que para as próprias ideias de Kamala Harris", acrescentou.

Em última análise, a coalizão vencedora que Kamala precisava para derrotar Trump nunca se concretizou, e a rejeição retumbante dos eleitores aos democratas mostrou que o partido tem um problema mais grave do que simplesmente um presidente impopular.

¨      Fraqueza dos democratas foi causa parcial da vitória de Trump nas eleições, diz especialista

A vitória de Donald Trump nas eleições é em parte resultado do governo ineficaz do país pelos democratas que atualmente ocupam a Casa Branca, disse à Sputnik o editor-chefe da revista Covert Action, Jeremy Kuzmarov.

O Partido Democrata "não conseguiu abordar os problemas econômicos concretos enfrentados pelos EUA [...] a situação global onde o poder americano está diminuindo, onde você tem a ascensão do BRICS, onde a política da Ucrânia tem sido um desastre, onde o Oriente Médio está em chamas, e grandes guerras subsidiadas pelos Estados Unidos estão acontecendo", disse Kuzmarov.

Tanto o Partido Democrata quanto o Partido Republicano foram corrompidos por grandes empresas de defesa dos EUA que lucram com as guerras, enfatizou o especialista.

"Por exemplo, a guerra na Ucrânia. Eles fizeram uma fortuna com a venda de armas. E também fazem uma fortuna vendendo armas para Israel. Quero dizer, os EUA são o maior fornecedor de armas do mundo. E eles pagam aos políticos em ambos os partidos. Investem igualmente nos partidos Democrata e Republicano. Assim, isso garante que você não tenha nenhum crítico nesses partidos que desafie o establishment da política externa e controle o chamado complexo industrial militar", disse ele.

Entretanto, a política externa se tornou o assunto menos importante para os eleitores americanos em 2024, afirmou, com o resultado dependendo das questões domésticas.

"As pessoas não têm confiança agora na economia americana. [...] O custo de vida subiu muito. Muitas pessoas estão tendo dificuldades, e eles veem que o governo de Biden não [está] realmente abordando o problema da inflação", observou ele.

Por fim, Kuzmarov enfatizou que a Kamala Harris era uma candidata "fraca", associada às decisões políticas fracassadas de Joe Biden.

<><> Harris inicialmente foi candidata fracassada para os democratas, diz especialista

Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata nas eleições presidenciais dos EUA, não foi a candidata mais bem-sucedida desde o início, e isso a impediu de concorrer, disse Vladimir Bruter, especialista do Instituto Internacional de Estudos Políticos e Humanitários, à Sputnik.

Recentemente, o ex-presidente e candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA Donald Trump, apesar das expectativas de uma luta longa e intensa, foi declarado vencedor da eleição presidencial dos EUA por volta das 02h00, horário de Washington (04h00, horário de Brasília).

De acordo com a mídia, ele venceu em todos os principais estados.

Depois disso, Trump discursou para seus apoiadores na Flórida e declarou sua vitória.

"Harris foi uma candidata malsucedida desde o início, ela não tem nada, e isso acabou prejudicando-a", disse Bruter.

Em sua opinião, em comparação com Harris, Trump parece um norte-americano comum que acredita que, se colocar todos os problemas nos outros, vai ficar melhor, enquanto os setores político-militar e financeiro norte-americanos o vão apoiar.

"Ele estava dizendo que se [a presidente mexicana Claudia] Sheinbaum não quisesse impedir a entrada de imigrantes ilegais nos EUA, ele imporia taxas de 25% sobre todas as importações mexicanas. Ele disse que daria um ultimato à Rússia e colocaria a China de joelhos. Os americanos gostam disso. Harris se concentrou em suas declarações no fato de Trump ser ruim", explicou Bruter.

Contudo, o especialista ressaltou que pesquisadores não conseguiram prever a liderança do candidato presidencial republicano Donald Trump em sete estados decisivos.

Agora, o Partido Republicano dos EUA poderá obter o controle de ambas as câmaras do Congresso, a baixa, Câmara dos Representantes, e a alta, o Senado.

"A impressão até agora é que o Partido Republicano vai manter o controle da Câmara dos Representantes, mas tudo depende dos resultados na Califórnia, onde talvez os democratas ganhem alguma coisa. Acho que os republicanos vão manter sua vantagem tanto no Senado quanto na Câmara", disse Bruter.

<><> Nicarágua está 'comprometida com a unidade e a harmonia' após as eleições presidenciais nos EUA

O governo da Nicarágua se manifestou, nesta quarta-feira (6), a favor da unidade, da paz e da harmonia após a definição das eleições nos Estados Unidos, que consagraram o republicano Donald Trump presidente mais uma vez.

"Unidos continuamos a fortalecer os nossos valores e a cumprir os nossos propósitos de segurança humana, de vida e de caminhos de encontro, na harmonia que nos pertence. As nossas orações pela tranquilidade e harmonia para o povo dos Estados Unidos", declarou o presidente nicaraguense, Daniel Ortega.

Da mesma forma, a administração chefiada por Ortega indicou que o resultado eleitoral é uma amostra das aspirações e necessidades dos americanos, tanto a nível nacional como internacional.

"Nos unimos a famílias e pessoas em todas as partes do nosso planeta. Continuamos a trabalhar com esperança, fortalecendo os nossos direitos soberanos e apelando por um mundo de justiça, respeito e consideração”, disse ele.

¨      Biden orienta a administração para garantir uma transição pacífica nos EUA

No primeiro discurso à nação após a vitória do republicano Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, o presidente Joe Biden afirmou que garantiu uma transição de governo pacífica no país. O democrata segue no cargo até o dia 20 de janeiro, quando Trump assume novamente a Casa Branca após quatro anos.

"Conversei com o presidente eleito Trump para parabenizá-lo pela sua vitória, e assegurei-lhe que direcionaria toda a minha administração para trabalhar com a sua equipe a fim de garantir uma transição pacífica e ordeira. Isso é o que o povo americano merece", disse nesta quinta-feira (7).

Durante o pronunciamento, o presidente democrata afirmou ainda que não tem dúvidas sobre a honestidade e transparência do sistema eleitoral dos Estados Unidos.

"Eu também espero que possamos finalmente encerrar a questão da integridade do sistema eleitoral americano. Ele é honesto, justo e transparente, e podemos confiar nele, independentemente do resultado. Além disso, se conseguirmos restaurar o respeito por todos os nossos trabalhadores das comissões eleitorais, que arriscaram suas vidas desde o início, devemos agradecer a eles. Agradecer por terem trabalhado nas seções eleitorais, contado os votos, defendido a própria integridade das eleições", afirmou.

Biden também declarou que aceita a escolha feita pela população norte-americana nas urnas. "Sei que para algumas pessoas é um momento de vitória, para declarar o óbvio. Para outros, é um momento de perda. As campanhas são disputas de visões concorrentes. O país escolhe uma ou outra, e nós aceitamos a escolha que o país fez", enfatizou.

Biden também observou que muitos desses trabalhadores que atuaram nas eleições eram voluntários e participaram do processo "por amor ao seu país". O democrata ressaltou ainda que tem a intenção de cumprir seu dever como presidente e honrar seu juramento.

"No dia 20 de janeiro, teremos uma transferência pacífica de poder", acrescentou ele, dirigindo-se aos seus apoiadores e agradecendo-lhes pelo apoio.

Biden diz que fez da economia dos EUA a mais forte do mundo

O presidente Joe Biden ainda defendeu o legado da atua gestão e declarou que fez da economia norte-americana a mais forte do mundo, enquanto se prepara para transferir o poder para a administração Trump em janeiro.

"Estamos deixando para trás a economia mais forte do mundo. Sei que as pessoas ainda estão sofrendo, mas as coisas estão mudando rapidamente", acrescentou.

Por fim, Biden pontuou que considera "imperdoável" se render após a derrota eleitoral sofrida pelos democratas. "Os reveses são inevitáveis, mas render-se é imperdoável. Lembrem-se, uma derrota não significa que estamos derrotados. Perdemos esta batalha. A América dos seus sonhos os está chamando para se levantarem novamente", pontuou.

 

Fonte: BBC News Mundo/DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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