Infraestrutura pública foi mais um dos
legados da vitoriosa esquerda mexicana
Em Huicalco, um bairro
de classe trabalhadora na cidade de Tizayuca, no centro do México, as paredes
de concreto aparente de um novo centro comunitário se destacam entre lojas
familiares e casas despretensiosas. Esta instalação, Complejo Colibrí,
é um dos 1.267 projetos públicos construídos durante o mandato do ex-presidente Andrés Manuel
Lopez Obrador (AMLO), servindo como evidência material da “Quarta Transformação” do
México — o esforço do partido no poder para tornar o país mais equitativo.
“Acredito que este é
um sonho que se tornou realidade para muitos de nós”, diz a muralista Carmina
Orta sobre o novo centro comunitário. “É um espaço lindo no meio da paisagem
árida de Tizayuca.”
Situado em um terreno
de 17.000m², o edifício brutalista — projetado pelos escritórios de arquitetura
G3 Arquitectos e Anonimous — abriga salas de aula, escritórios e quadras
esportivas cobertas. Do lado de fora, um amplo calçadão salpicado de vegetação e
áreas de convivência desperta a curiosidade dos transeuntes e convida as
pessoas a pararem.
Revitalizando o espaço
público
Natural de Pachuca,
capital do estado de Hidalgo, Orta chegou a Tizayuca em fevereiro do ano
passado para ministrar três oficinas de arte no Complejo Colibrí, que foi
aberto ao público em abril, mas inaugurado oficialmente em agosto.
“Eu dei aulas de
desenho, pintura e caligrafia”, diz Orta, observando que, como as aulas no
centro comunitário são gratuitas, pessoas de todas as origens podem participar.
“Eu tinha alunos de todas as idades, mas o que eu mais gostava era de trabalhar
com idosos.”
Não muito tempo atrás,
o local do Complejo Colibrí era outro dos muitos terrenos baldios espalhados
por Tizayuca. Apesar de sua proximidade com a Cidade do México e Pachuca, o
status de Tizayuca como uma cidade menor no estado de Hidalgo resultou em escasso investimento em
infraestrutura pública, com recursos fluindo para outros lugares.
Mesmo com a região
experimentando rápido crescimento populacional,
impulsionado pela expansão industrial, os
níveis mais altos dos governos deram pouca atenção às necessidades recreativas
e culturais das crianças e jovens locais. Hoje, Tizayuca enfrenta altos níveis de
crime e violência.
“Revitalizar o espaço
público contribui para recompor o tecido social”, diz Orta, observando que o
novo centro comunitário está ajudando a fazer exatamente isso. “Todas as
tardes, as quadras de vôlei e basquete estão cheias de crianças e jovens —
Tizayuca realmente precisava de um espaço onde pudessem se sentir seguros.”
Embora existam vinte e
três centros comunitários em
Tizayuca, muitos deles estão em mau estado, enquanto outros não estão
adequadamente equipados para atender às necessidades de uma população cada vez
mais diversa. Ao fornecer um espaço flexível onde esportes, educação e cultura
podem convergir, o Complejo Colibrí está lentamente
preenchendo as lacunas deixadas por administrações anteriores.
“Este centro
comunitário tem sido muito útil para desmantelar algumas das estruturas que
mantinham os moradores de Tizayuca segregados geograficamente”, explica Javier
Alazañes, ministro de bem-estar social do município, apontando como a prevalência da fragmentação
socioespacial, ou a separação de pessoas por renda e classe na cidade, minou o
senso de comunidade de Tizayuca.
“O Complexo
Colibrí criou novas oportunidades de lazer não apenas para os
moradores de Huicalco”, diz ele, “mas para os moradores de todo o município”.
Nos últimos seis
meses, centenas de pessoas se inscreveram para aprender desenho, violão ou
fazer artesanato indígena; muitas outras compareceram a um festival
gastronômico ou simplesmente apareceram para jogar uma cascarita (jogo
casual de basquete) com amigos depois do trabalho. O município planeja
eventualmente manter o centro comunitário aberto 24 horas por dia, 7 dias por semana, e prevê até vinte mil visitantes anualmente.
“A cultura é um
direito”, diz Alazañes. “Espaços como o Complejo Colibrí ajudam
a mantê-la.”
Assim como Tizayuca,
muitas comunidades em todo o país foram negligenciadas sob administrações
neoliberais. Espaços públicos foram deixados subfinanciados e abandonados,
enquanto outros foram privatizados após décadas de
abandono. Em resposta, AMLO encarregou a Secretaria Federal de Terras e
Desenvolvimento Urbano (SEDATU) de não apenas identificar projetos que pudessem
melhorar espaços públicos e infraestrutura em comunidades pobres, mas também
construí-los.
“O que nossa
administração buscou foi reduzir as desigualdades sociais entre as pessoas que
vivem em grandes centros urbanos, como Cidade do México, Guadalajara e
Monterrey, e aquelas que vivem nas periferias”, diz Román Meyer-Falcón, que
comandou a SEDATU durante a administração de AMLO. “Nessas áreas, a ausência do
Estado é palpável, então, por meio de nosso programa de melhoria urbana,
construímos espaços públicos onde as pessoas pudessem se sentir seguras na
comunidade.”
Durante os seis anos
da presidência de AMLO, mais de 190 comunidades em todo o país se beneficiaram
do programa de melhoria urbana da SEDATU, que orquestrou a revitalização de
parques e praças, bem como a construção de mercados públicos, bibliotecas, museus
e centros comunitários. Os resultados deste programa sinalizam um afastamento
gritante das administrações anteriores. A infraestrutura pública não é mais uma
ideia tardia construída de forma barata nem um fardo para o que era um Estado
cada vez mais obsoleto.
Liderada por
Meyer-Falcón, a SEDATU colaborou com arquitetos e acadêmicos de renome
internacional, incluindo Fernanda Canales e Mauricio Rocha, para revigorar o
papel da arquitetura na Quarta Transformação do México. Até agora, 223 projetos
receberam reconhecimento global,
incluindo o Complejo Colibrí de Tizayuca.
“No programa de
melhoria urbana, a arquitetura funciona como um mecanismo que fomenta um senso
de dignidade e enraizamento para as comunidades locais”, diz Meyer-Falcón,
enfatizando que “a vantagem da arquitetura socialmente orientada é que ela
garante a permanência e a durabilidade de um investimento”.
Construindo para o
povo
Ainfraestrutura
pública construída desde 2018 pode ser considerada o legado mais tangível de
AMLO, já que as políticas introduzidas durante seu mandato continuam a
transformar o cenário do México — tanto literal quanto figurativamente.
“Construir arquitetura
pública de alta qualidade nas regiões mais pobres do país é a marca deixada
pela Quarta Transformação na arquitetura do México”, diz León Staines-Díaz,
professor de arquitetura e planejamento urbano no Instituto de Tecnologia e Educação
Superior de Monterrey. Ele acrescenta que a mudança política do país exigiu uma
expressão arquitetônica única porque sinaliza um afastamento de quase quatro
décadas de governo neoliberal.
“A quarta
transformação visa dar continuidade ao trabalho iniciado no período
revolucionário”, explica.
Após a Revolução
Mexicana, o movimento modernista deu ao México uma base arquitetônica sólida.
Arquitetos como José Villagrán e Juan O’Gorman abraçaram as linhas limpas e os
designs eficientes do modernismo, facilitando a produção em massa de escolas e
hospitais por todo o país, muitos dos quais continuam a operar hoje.
Da mesma forma, os
projetos construídos nos últimos seis anos mostram os benefícios sociais de
envolver arquitetos na infraestrutura pública, trazendo eficiência,
flexibilidade e sustentabilidade aprimoradas. Como o Complejo Colibrí em
Hidalgo, edifícios icônicos como o Museo Meteorito, um museu de geologia em Yucatán, e o Mercado
Matamoros, um mercado público em
Tamaulipas, combinam materiais e métodos de construção locais com a geometria
monumental da arquitetura contemporânea, trazendo a arquitetura pública do
México de volta à vanguarda — e às pessoas.
No entanto, muitos
desafios estão por vir.
Como esses projetos
estão localizados em comunidades menos ricas, os governos locais muitas vezes
não têm os recursos e a experiência para administrar os novos espaços de forma
eficaz, o que leva a fechamentos inesperados e degradação.
“Acredito que é muito
importante que as cidades vejam os espaços públicos como um meio de promover o
bem-estar das pessoas”, diz Staines-Díaz. “Mas nem todo o suporte para essa
infraestrutura precisa vir do governo federal; governos estaduais e municipais
também podem se envolver.”Embora a SEDATU pareça estar mudando o foco de
projetos de revitalização urbana para moradias muito necessárias, Staines-Díaz
sugere que os governos locais devem olhar para a iniciativa Utopías da Cidade do México em Iztapalapa. “Se você
envolver a comunidade [e] considerar os recursos locais, incluindo o tempo e a
capacidade das pessoas, elas farão um projeto seu.” Essa estratégia de base para criar
espaços públicos garante que a comunidade se aproprie dos projetos e que o
legado do governo de AMLO continue vivo.
¨ Crime organizado transnacional: como a crise política na Bolívia
afeta o combate ao PCC no país?
Considerada pela ONU o
terceiro maior produtor de cocaína no mundo, atrás apenas de Colômbia e Peru, a
Bolívia se tornou há décadas reduto do crime organizado transnacional, como o
PCC. Em meio a mais uma crise institucional, por conta dos bloqueios promovidos
pelo ex-presidente Evo Morales, o país corre o risco de se tornar mais
vulnerável.
Ponto de partida das
rotas do tráfico de drogas controladas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC),
a Bolívia se tornou um dos territórios de forte atuação da facção criminosa que
nasceu em São Paulo. Os entorpecentes costumam chegar ao Brasil através da
fronteira com o Mato Grosso do Sul, tanto pelo lado boliviano quanto pelo
paraguaio. Inclusive, há fortes indícios de que lideranças importantes do crime
organizado tenham fugido para o país, como é o caso de André do Rap. O
narcotraficante está foragido desde 2020, quando foi liberado da prisão após
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A mesma corte suspendeu a medida,
porém o criminoso nunca mais foi localizado.
Diante da forte
presença do PCC na região, a Polícia Militar de São Paulo tenta estabelecer
laços com os oficiais bolivianos para facilitar as investigações contra a
facção. Porém, nas últimas semanas, o país vive uma nova crise política por
conta de disputas entre o ex-presidente Evo Morales e o atual chefe do
Executivo, Luis Arce, que disputam a indicação do Movimento ao Socialismo (MAS)
para a eleição do próximo ano. Diante disso, Morales passou a liderar bloqueios
em diversas rodovias pelo país, processo que chegou a ser paralisado por 72
horas desde a última quarta-feira (6).
José Ricardo Bandeira,
especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e
Ciências Policiais da América Latina (Inscrim), enfatizou à Sputnik Brasil que
a instabilidade pode deixar o país ainda mais vulnerável ao domínio de facções
transnacionais como o PCC.
"Em um país em
que temos estabilidade política, logicamente isso também se reflete na atuação
policial. E, em alguns momentos, a fronteira entre Brasil e Bolívia e as
estradas que unem os dois países podem estar menos ou mais reforçadas em
relação ao controle policial, o que vai interferir diretamente na atuação das
facções criminosas dos dois países. Há um risco muito grande de o PCC
aproveitar essa vulnerabilidade e aumentar sua atuação no território. Isso é
fundamental para eles para encurtar a distância entre o mercado produtor e o
mercado consumidor de drogas com a questão logística e, também, aumentar seu
lucro", resume.
Já Danilo Bragança,
coordenador adjunto do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa
Brasileira da Universidade Federal Fluminense (LEPEB/UFF), pontuou à Sputnik
Brasil que os bloqueios no país podem ainda causar alguma interferência nas
rotas de escoamento de drogas no país, apesar de estarem consolidadas há mais
de 30 anos.
"As operações [do
PCC] podem sofrer algum tipo de entrave por conta da agitação geral do próprio
país, mergulhado também em protestos contra a [possível] prisão de Evo Morales.
Isso pode até causar algum tipo de interferência nas rotas do tráfico, mas o
problema é que o crime organizado está estabelecido no país há décadas. E
também existe uma relativa institucionalidade, incluindo a conivência e a
participação direta das autoridades policiais bolivianas e de outros agentes
públicos. Só que existe a agitação política, que não é nova na Bolívia, mas já
pode ser considerada uma crise", explica.
<><> Como
é a segurança na Bolívia?
Ao longo de quase 3,5
mil quilômetros de fronteiras terrestres compartilhadas entre Brasil e Bolívia,
há cidades, rios, canais, lagoas, fazendas e muita vegetação. Toda essa
magnitude, que inclui ainda quatro estados brasileiros — Acre, Rondônia, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul — dificulta ainda mais o controle da região, fato
explorado muito bem por facções como o PCC. Mesmo com a instabilidade política
do país vizinho, Bragança lembra que "não há qualquer notícia" de
redução da oferta de drogas em qualquer parte do Brasil.
"As rotas e os
acordos não são novos; já existem há muito tempo. E também envolvem a polícia.
Caso tenha algum entrave, são resolvidos pela própria dinâmica do tráfico, que
é o suborno, a mudança provisória de rota e alguma reorganização geográfica para
que continue funcionando", diz. Além disso, o especialista lembra que há
forte presença de membros de facções criminosas, inclusive em altos postos do
governo, seja federal, estadual ou municipal.
"A participação
de membros de alto escalão das facções criminosas em governos foi um problema
do México até o Chile, de forma geral, tanto no âmbito federal quanto no
estadual quanto no município. Esse é um problema crônico da América Latina e é
possível que a situação política instável da Bolívia deixe que novos arranjos
políticos apareçam e que dê acesso a esses grupos armados a terem cargos
públicos de chefia e de comando."
<><> Como
funciona a cooperação internacional?
De acordo com o
especialista, é justamente a cooperação internacional entre as polícias —
parceria cujas autoridades de São Paulo tem tentado estabelecer — uma das
principais formas de combater o tráfico de drogas transnacional.
"Isso deve
ocorrer entre polícias federal e estaduais, órgãos de inteligência, ministérios
de Justiça, entre outras instituições de Estado que cooperem para lidar com
esse problema. Faz com que estreite laços e compartilhe informações que podem
ser muito importantes para as investigações", justifica.
O presidente do
Inscrim tem a mesma opinião e lembra do tamanho do poderio do PCC, cujo
faturamento é estimado em, no mínimo, US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) por ano, a
maior parte oriunda do tráfico internacional de drogas.
"Mesmo que a
Bolívia não esteja passando pelo seu melhor momento, esse apoio que a polícia
de São Paulo está buscando ocorre em excelente hora, já que pode suprir
possíveis vulnerabilidades que existam dentro da atuação da corporação
boliviana."
¨ Venezuela está empenhada em quebrar 'hegemonia do dólar' com
apoio da Rússia
A vice-presidente da
Venezuela, Delcy Rodríguez, destacou a importância dos laços comerciais com a
Rússia e a possibilidade de essas alianças serem concretizadas em moedas locais
como estratégia para "quebrar" o que considerou "a hegemonia do
dólar".
"Temos também
cooperação financeira, uma área essencial nas relações comerciais, entre os
nossos países, que [prevê que] as transações podem ser realizadas nas nossas
moedas nacionais. No caso venezuelano, também tem sido uma instrução muito
clara do presidente Nicolás Maduro, sobre como quebrar a hegemonia do dólar,
que não é uma hegemonia, é uma ditadura criminosa sobre os povos do
mundo", disse a representante em uma transmissão do canal estatal
Venezolana de Televisión.
Da mesma forma,
Rodríguez indicou que a 18ª reunião da Comissão Intergovernamental de Alto
Nível (CIAN) entre a Venezuela e a Rússia, realizada em Moscou, poderá fomentar
um novo modelo de desenvolvimento e crescimento econômico entre os países.
"Então falamos
sobre esta 18ª edição da CIAN permitir um novo modelo, um novo modelo para nos
tornar mais independentes, para nos tornar mais soberanos, para olhar para o
crescimento econômico, para o desenvolvimento partilhado", acrescentou.
Fonte: Por Ximena
González – tradução de Pedro Silva, em Jacobin Brasil/Sputnik Brasil
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