Ramzy Baroud: ‘Os verdadeiros objetivos de
Israel em Gaza e por que eles fracassarão’
Nunca em sua história
de guerra e ocupação militar Israel foi tão incapaz de desenvolver um plano
coerente para o seu futuro e o futuro de suas vítimas.
Até mesmo uma rápida
olhada nas manchetes da mídia internacional revela a profundidade do dilema
israelense. Enquanto Tel Aviv continua a realizar uma guerra genocida contra o
povo palestino em Gaza, parece não ter ideia do que fazer além de simplesmente
destruir a Faixa e seu povo.
Até mesmo o ministro
da Defesa do país, Yoav Gallant, que em breve poderá ser procurado oficialmente
pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), indicou em várias ocasiões que Israel
não tem nenhum plano pós-guerra em Gaza.
“Desde outubro, tenho
levantado essa questão de forma consistente no Gabinete e não recebi nenhuma
resposta”, disse Gallant na linguagem mais clara possível em maio passado.
Outros sugerem que
Netanyahu e seu governo de extrema direita podem ter um plano, mas, na
linguagem do Washington Post, é um “plano inviável” ou, de acordo com a Vox,
“não é plano algum”.
O plano “inviável” de
Netanyahu, ou “nenhum plano”, é inconsistente com os desejos do governo dos
EUA.
É verdade que tanto
Israel quanto os EUA estão de pleno acordo com relação à guerra em si. Mesmo
depois que Washington finalmente começou a mudar sua posição de querer que a
guerra continuasse, para pedir a Netanyahu que concluísse sua tarefa sangrenta,
as armas americanas continuaram a fluir no mesmo ritmo.
Os norte-americanos,
no entanto, não estão convencidos de que destruir o Hamas, desmilitarizar
totalmente Gaza, assumir o controle da fronteira entre Gaza e o Egito, fechar a
agência de refugiados UNRWA e a “desradicalização” da população palestina
sitiada seja a abordagem correta.
Mas o próprio
Netanyahu já devia saber disso, se não no início da guerra, pelo menos quase um
ano depois do genocídio. Seu exército exausto continuou passando de uma fase
para outra, declarando “vitórias táticas”, sem atingir um único objetivo
estratégico em Gaza.
A estimativa mais
otimista do exército israelense é que sua guerra, que praticamente destruiu
toda a Faixa de Gaza, resultou em um impasse. Uma leitura mais sóbria da
guerra, de acordo com o ex-primeiro-ministro israelense, general Ehud Barak, é
que Israel deve encerrá-la antes de “afundar em seu abismo moral”.
No entanto, planos
mais delirantes, relativos tanto à Faixa de Gaza quanto à Cisjordânia,
continuam a vazar para a mídia.
O primeiro grande
vazamento foi uma gravação de um discurso do extremista e muito influente
ministro israelense do gabinete de Netanyahu, Bezalel Smotrich.
“Estou dizendo, é
mega-dramático. Essas mudanças alteram o DNA de um sistema”, disse Smotrich a
um grupo de colonos judeus israelenses em junho passado, de acordo com o New
York Times.
O “programa
cuidadosamente orquestrado” do ministro depende da transferência da autoridade
da Cisjordânia do exército de ocupação para um grupo de civis sob a liderança
do próprio Smotrich. O objetivo é tomar mais terras palestinas, expandir os
assentamentos ilegais e impedir qualquer continuidade possível de um Estado
palestino viável.
Na verdade, o plano já
está em andamento. Em 29 de maio, Israel nomeou Hillel Roth, um aliado próximo
de Smotrich, como delegado da Administração Civil da Cisjordânia.
O plano para Gaza é
outro episódio de crueldade, mas também de ilusão. Ele foi revelado em um
artigo do editor do jornal israelense Haaretz, em 9 de setembro.
Aluf Benn escreveu que
o plano de Netanyahu também consiste na contratação de um “governador de Gaza”
israelense, o general de brigada Elad Goren, que se tornou o “chefe do esforço
humanitário-civil” na Faixa em 28 de agosto
Usando uma combinação
de táticas, incluindo fome, pressão militar e outras semelhantes, Netanyahu
quer levar a população do norte de Gaza para o sul, em preparação para anexar
formalmente a região e trazer de volta os colonos judeus.
Esses não são os
únicos planos que vazaram ou, às vezes, foram comunicados abertamente por
autoridades israelenses.
No início da guerra,
ideias como a limpeza étnica da população de Gaza no Sinai foram defendidas
abertamente por autoridades israelenses e também foram o principal tópico de
discussão nos noticiários noturnos israelenses.
Algumas autoridades
israelenses falaram em ocupar totalmente Gaza, enquanto outras, como o Ministro
do Patrimônio de Israel, Amichai Eliyahu, cogitaram a ideia de lançar uma bomba
nuclear.
O plano de evacuar
totalmente Gaza não funcionou simplesmente porque os palestinos não quiseram
sair, e o Egito rejeitou a própria insinuação de que a limpeza étnica dos
habitantes de Gaza era uma opção. Além disso, o despovoamento total do norte de
Gaza também não funcionou, em parte porque Israel estava massacrando civis
tanto no norte quanto no sul em taxas comparáveis.
Os novos planos de
Israel não conseguirão alcançar o que os planos originais não conseguiram,
simplesmente porque Israel continua a enfrentar o mesmo obstáculo: a firmeza do
povo palestino.
Entretanto, muito
ainda pode ser aprendido com a natureza dos esquemas israelenses, antigos e
novos, principalmente o fato de que Israel considera o povo palestino como
inimigo.
Essa conclusão não é
obtida apenas por meio de declarações de altos funcionários israelenses,
incluindo o próprio presidente Isaac Herzog, quando ele disse que “uma nação
inteira lá fora (…) é responsável”.
Quase todos os
esquemas israelenses parecem envolver a morte de palestinos em grande número, a
fome ou o deslocamento em massa.
Isso significa que a
guerra israelense sempre foi uma guerra contra o povo palestino. Os próprios
palestinos sabem disso. Será que o resto do mundo já não deveria saber disso?
• ONU ordena saída de tropas israelenses
de Gaza e Cisjordânia
A Assembleia Geral das
Nações Unidas aprovou nesta quarta-feira (18/09) uma resolução para exigir o
fim da ocupação de Israel nos territórios palestinos(Cisjordânia, incluindo
Jerusalém Oriental, e a Faixa de Gaza) , com uma maioria de 124 votos a favor,
14 contra e 43 abstenções.
Foi necessária uma
maioria de dois terços para apoiar a resolução, que não é vinculativa, como
todas as resoluções da Assembleia, mas que é de certa forma histórica, pois foi
apresentada pela primeira vez pelos palestinos, que, apesar de não terem um Estado
pleno, ganharam algumas competências nos últimos meses.
O texto da resolução
segue o parecer histórico emitido em julho pela Corte Internacional de Justiça
(CIJ), mais alto tribunal da ONU, que a pedido da Assembleia Geral analisou a
ocupação dos territórios palestinos desde 1967 e considerou que "a continuação
da presença" israelense nesses territórios "é ilegal" e que
Israel tem "obrigação de pôr fim a isso [...] o mais rápido
possível".
Enquanto os países
muçulmanos e africanos votaram quase em bloco a favor da resolução, a União
Europeia mostrou novamente sua desunião com votos a favor (entre eles Espanha e
França), contrários (Hungria e República Tcheca) e várias abstenções (Alemanha,
Itália, Holanda, Suécia e Polônia).
Israel e Estados
Unidos mais uma vez mostraram sua sólida aliança em votações consideradas
críticas para o governo israelense, tendo ao seu lado Argentina, Paraguai e
vários países das ilhas do Pacífico, que sempre votam com os americanos.
<><> Prazo
de 12 meses para fim da ocupação
A resolução "pede
a Israel que ponha fim, sem demora, à sua presença ilegal nos Territórios
Palestinos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental (...) e a fazê-lo no prazo
máximo de 12 meses após a adoção da resolução".
O texto também exige
que Israel devolva as terras confiscadas dos palestinos, permita o retorno das
pessoas deslocadas pelos assentamentos e faça reparações aos afetados, além de
pedir que a comunidade internacional não reconheça as consequências territoriais,
legais e demográficas da ocupação das terras palestinas.
Também pede que os
Estados-membros tomem medidas para impedir as importações procedentes dos
assentamentos e o fornecimento de armas a Israel se houver motivos
"razoáveis" para acreditar que elas poderiam ser usadas nos
territórios palestinos. Também propõe sanções contra os envolvidos na
"manutenção da presença ilegal de Israel" nos territórios palestinos.
<><>
Linguagem dura
No entanto, a
linguagem da resolução, desta vez muito dura com Israel, não convenceu vários
países, como Canadá, Austrália, Índia, Suíça e muitos europeus, que optaram por
se abster.
Como resultado, a
deliberação adotada teve menos consenso do que a que foi votada em maio na
mesma Assembleia em favor da adesão plena de um Estado palestino à ONU: 143
países a apoiaram e apenas nove votaram contra.
Nesta terça-feira, ao
apresentar a nova resolução, o embaixador palestino na ONU, Riad Mansour, disse
que "nenhuma potência ocupante deve infringir os direitos
inalienáveis" dos palestinos.
"A justiça é o
único caminho para a paz. Respeitem o direito internacional e não o sacrifiquem
por cálculos políticos frios", acrescentou.
Logo em seguida, o
embaixador israelense na ONU, Danny Danon, tomou a palavra, referindo-se a esse
momento histórico como "um circo onde o terror é aplaudido".
"Qualquer um que
vote a favor está colaborando com a violência e insultando o próprio
funcionamento desta instituição (...) Eles estão tentando isolar e destruir
Israel, essa resolução atrasa a esperança de paz na região", disse Danon.
A embaixadora
americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que rejeitava
"resoluções unilaterais" sobre o conflito israelense-palestino porque
são "irrealistas" e considerou que "a paz só virá por meio de
negociações entre os dois lados" rumo a uma solução de dois Estados.
Esse é o caminho que
os EUA vêm tentando implementar há meses, sem sucesso, por meio de um
cessar-fogo prévio na guerra entre Israel e o grupo islâmico Hamas na Faixa de
Gaza.
¨ Explosões de aparelhos de comunicação no Líbano acendem barril
de pólvora na região, avalia analista
As explosões de
aparelhos de comunicação no Líbano, orquestradas por Israel, que mataram
dezenas de pessoas e deixaram milhares de feridos, de acordo com as autoridades
libanesas, aumentaram a tensão na região do Oriente Médio.
Israel não assumiu a
autoria dos ataques, mas, de acordo com matéria do jornal The New York Times
divulgada nesta quinta-feira (19), o país do Oriente Médio criou uma empresa de
fachada para produzir pagers explosivos que foram fornecidos ao Líbano. O movimento
libanês Hezbollah já anunciou vingança.
O programa Mundioka,
da Sputnik Brasil, entrevistou a especialista em ciências militares e
pesquisadora do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC) da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército (ECEME), Amanda Marini, para abordar o atual panorama
do conflito. A ofensiva israelense foi um golpe, sobretudo, na moral do
Hezbollah, comentou ela.
"Isso gerou um
baque psicológico, tecnológico e de moral, mesmo do Hezbollah, que até mesmo os
líderes estão falando. Pelo que está saindo na mídia, vinculado ao Hezbollah, é
a primeira grande ação que feriu a moral de combate desde o dia 7 de outubro,
quando começou o novo episódio do conflito israelo-palestino", disse a
especialista.
Ela lembrou que a
guerra de Gaza está preste a completar um ano e, nesses 12 meses, Israel
intensificou as hostilidades na fronteira com o Líbano e os houthis do Iêmen no
mar Vermelho.
Segundo Marini, o
principal motivo do atual premiê israelense, Benjamin Netanyahu, com a escalada
das tensões é manter uma sobrevida de seu governo que está por um fio,
"porque, em guerra, não tem como você trocar o corpo político".
O fato de os atentados
contra o Hezbollah com pagers terem atingido crianças e filhos de políticos
libaneses torna ainda mais crítica a situação.
"Eles [Hezbollah]
são um partido político, têm cadeiras no Parlamento, algumas pastas nos
ministérios […] Tem questões de serviços sociais, promoção de políticas
públicas, de saúde, educação, agricultura. Os vídeos, as imagens são muito
fortes, porque como explodiu um aparelho que a gente geralmente fica na mão,
acabou atingindo muitos olhos. Muitas pessoas acabaram ficando cegas em razão
disso."
Para agravar a
situação, ressaltou ela, o embaixador do Irã no Líbano, Mojibat Amani, está
entre os feridos.
De acordo com a
pesquisadora, o Hezbollah tem mais força de atuação, inclusive bélica que o
próprio Estado libanês, devido há décadas de crises econômicas, políticas e
sociais, que mais da metade da população se encontra na linha de pobreza,
segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
"E o Hezbollah
faz parte da lógica do eixo de resistência, que é uma aliança informal,
militar, ideológica, política, comandada pelo Irã, com grupos paramilitares na
região do Oriente Médio. É um teatro de operações, é um xadrez geopolítico que
não se encerra por si mesmo."
Ao resgatar o
histórico de conflitos entre o Hezbollah e Israel, que surge a partir da
invasão de Israel ao sul do Líbano nos anos de 1980, a especialista comentou
que a ultima investida israelense levou a guerra para outro patamar, além
incitar sentimentos de vingança e revolta de civis que antes eram contra a
ofensiva bélica e agregando novos protagonistas ao conflito.
"Isso tudo mostra
que como as nossas telecomunicações, como a internet, a cibernética, tornam-se
cruciais quando se fala de segurança e defesa [...] não é mais apenas
militares, questão de armamento, como objetos civis estão sendo usados para
levar a mortes e com fins de objetivos políticos na guerra. Foi até uma das
críticas que o secretário-geral da ONU, António Guterres, fez hoje, condenando
esse uso de objetos civis como armas de guerra."
A resposta do
Hezbollah pode acarretar a destruição ainda maior das estruturas e do Estado
libanês, alertou a entrevistada, sobretudo porque as ações de Israel sempre têm
o "aval" dos EUA e o Hezbollah tem o respaldo do Irã, que também está
armando os houthis no Iêmen.
"A gente está
vendo um barril de pólvora sendo criado em nossa frente na região do Levante,
Síria, Líbano, Israel, Palestina [...] Está tudo emaranhado: Hezbollah tem
relação com o Irã, o Irã tem relação com os houthis, o Hamas tem relação com o
Hezbollah, está todo mundo muito junto e na hora que essa corda mesmo assim for
puxada vai tudo explodir. Infelizmente, é o cenário que vejo: efeito dominó,
você bate na primeira [peça] e vai tudo caindo", lamentou ela.
As crescentes tensões
tem encorajado e fortalecido, inclusive, grupos extremistas que haviam perdido
força, segundo ela, como Estado Islâmico, na Síria.
"Na Síria,
principalmente no Nordeste do território sírio, o Estado Islâmico está
voltando. A Síria até hoje vive em conflito armado até hoje está muito frágil e
muitos deslocados ainda vão para o Líbano. Vejo o fator Estado Islâmico
entrando para trazer mais caos", lamentou ela.
Fonte: A Nova
Democracia/DW Brasil/Sputnik Brasil
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