Mpox: lições foram aprendidas com a
pandemia?
Antes que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) e os Centros de Controle e Prevenção de
Doenças da África (África CDC) declarassem o surto de mpox que acontecia em um
número cada vez maior de países africanos como uma emergência de saúde pública,
em meados de agosto, havia temores de que as lições da pandemia de covid-19
fossem ignoradas nessa nova crise. Mas a comunidade internacional começa a se
organizar, e algumas lições estão sendo aplicadas. Há vacinas disponíveis e
mais delas podem ser produzidas. Além disso, foi criado um fundo para
comprá-las e distribuí-las. Porém, em outros aspectos, nem tudo está como
deveria, na luta para controlar a mpox e proteger a vida (e o sustento) de
milhões de pessoas na África.
Em primeiro lugar, os
países africanos carecem de recursos para rastrear a doença – o que resulta em
uma grande discrepância entre o número de casos suspeitos e aqueles confirmados
por testes laboratoriais. Segundo: as vacinas precisam chegar rapidamente aos
territórios que mais precisam, o que requer acesso a financiamento e uma melhor
coordenação da comunidade internacional de doadores com as nações africanas.
Terceiro: a mpox é um lembrete de que a África necessita urgentemente de sua
própria infraestrutura de fabricação e regulamentação de vacinas. Em
particular, a Agência Africana de Medicamentos, um projeto planejado há muito
tempo para criar um único regulador de medicamentos para os países africanos,
precisa se tornar realidade rapidamente.
A mpox é causada por
variantes do vírus da varíola dos macacos, identificado pela primeira vez em
humanos na República Democrática do Congo (RDC) em 1970. Ela se espalha por
contato próximo com alguém infectado ou por contato com materiais contaminados
pelo vírus. Os sintomas da mpox incluem lesões características, febre alta, dor
de garganta, tosse e gânglios linfáticos inchados.
Um grande surto de
mpox foi declarado em 2022, quando houve novos casos principalmente nas
Américas e na Europa, mas esse surto já está sob controle. A nova emergência é
causada principalmente por um vírus da linhagem clade Ib. Até 1º de setembro,
haviam sido registrados cerca de 20 mil casos de mpox confirmados em
laboratório ou suspeitos no ano. A grande maioria ocorreu na RDC, embora o
vizinho Burundi esteja agora passando por um aumento. A maioria das pessoas se
recupera em até quatro semanas, mas essa é uma doença potencialmente fatal – e
quatro em cada cinco mortes por mpox neste ano ocorreram em crianças.
Um grande problema é
que os países afetados carecem de instalações suficientes para identificar
indivíduos infectados, testá-los e depois rastrear seus contatos. Não é
necessário ressaltar que os doadores internacionais devem priorizar
absolutamente a vigilância de doenças.
• Lições da pandemia
Quais são as lições
relevantes da covid-19 – aquelas que estão sendo aplicadas e aquelas que não
estão?
Um resultado
importante dessa pandemia é que há dinheiro disponível para os países mais
pobres enfrentarem emergências de saúde, segundo a Gavi, a aliança de vacinas.
Esses países agora têm acesso a um fundo de US$ 500 milhões para vacinas,
medicamentos, testes e rastreamento de contatos quando uma emergência de saúde
pública de interesse internacional é declarada, além de crédito extra de até
US$ 2 bilhões de bancos da União Europeia e dos Estados Unidos, se necessário.
Esse “fundo de financiamento do dia zero” foi criado após a pandemia de
covid-19, para evitar os efeitos da evidente desigualdade. À medida que o
coronavírus se espalhava, a OMS e seus parceiros foram forçados a gastar um
tempo valioso arrecadando dinheiro para pagar vacinas para os países de menor
renda, enquanto os países de alta renda simplesmente faziam acordos com as
empresas farmacêuticas.
As vacinas existentes
contra a varíola foram adaptadas para a mpox, e duas devem receber uma licença
de uso emergencial da OMS até meados de setembro. Uma das vacinas, administrada
em duas doses, é chamada Jynneos e é fabricada pela Bavarian Nordic, com sede
em Hellerup, na Dinamarca. A segunda vacina, LC16m8, é produzida pela KM
Biologics, com sede em Kumamoto, no Japão.
Na semana passada, o
CDC da África, a Gavi, a OMS e o Unicef declararam que estavam prontos para
comprar e distribuir vacinas. Os problemas, como na covid-19, são o
fornecimento, o preço e, potencialmente, a falta de coordenação entre os
doadores. A Bavarian Nordic afirmou que tem dois milhões de doses prontas para
distribuição neste ano e que pode fabricar mais dez milhões até o final do
próximo ano. Porém, o preço de mercado (de US$ 70 a US$ 100 por dose) esgotará
os recursos rapidamente. Os negociadores da Gavi precisarão de grande
habilidade e experiência para tornar o preço mais acessível.
O CDC da África afirma
que serão necessárias dez milhões de doses até o próximo ano. Até agora, o
Japão prometeu até 3,6 milhões, de acordo com o site Think Global Health, que
acompanha as promessas. A União Europeia prometeu cerca de meio milhão; os Estados
Unidos, apenas 60 mil. Não parece haver muita coordenação.
• Infraestrutura africana
A mpox também é um
lembrete de que os países africanos precisam colocar em funcionamento seu órgão
regulador de medicamentos de “balcão único”. A União Africana (UA) tem um plano
para estabelecer a Agência Africana de Medicamentos (AMA), modelada com base na
Agência Europeia de Medicamentos. Uma vez estabelecida, a AMA, com sede em
Kigali, Ruanda, apoiará os países durante surtos e emergências, garantindo que
os produtos medicinais não precisem passar por licenciamento em cada
estado-membro da UA. Até agora, 38 estados-membros da UA ratificaram o tratado
da AMA. No entanto, o projeto tem enfrentado atrasos na finalização de seu
conselho governamental e na contratação de sua liderança.
Os países africanos
devem poder acessar vacinas sem precisar estar em uma emergência de saúde
pública – assim como ocorre em outras partes do mundo. Até agora, o continente
importa 99% de suas vacinas. Durante a pandemia de covid-19, falou-se muito
sobre trazer a fabricação de vacinas para o continente, mas o progresso foi
limitado. Na verdade, as coisas estão retrocedendo. Em abril, a empresa
farmacêutica Moderna, com sede em Cambridge, Massachusetts, “suspendeu” um
plano para criar uma instalação de fabricação de vacinas de mRNA no Quênia,
alegando ter sofrido perdas de US$ 1 bilhão e baixas contábeis, agora que a
covid-19 não é mais prioridade. Em resposta, o CDC da África declarou que
“culpar a África e o CDC da África pela falta de demanda por vacinas contra a
covid-19’ e, assim, colocar em espera os planos de fabricar vacinas na África
“apenas perpetua a desigualdade que caracterizou a resposta” à pandemia.Algumas
medidas tomadas como resultado da pandemia de covid-19 significam que o mundo
está melhor posicionado para enfrentar a mpox. Mas, em outros aspectos, parece
ser business as usual [“negócios como de costume”]. Precisa haver um
compromisso de ferro por parte dos líderes mundiais da saúde para não repetir
alguns dos erros da pandemia, se a ideia é controlar a mpox na África.
Fonte: Nature -
Tradução: Gabriela Leite, em Outra Saúde
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