Paulo Kliass: ‘O PIB e a austeridade’
Desde que o IBGE
divulgou as informações a respeito do desempenho do Produto Interno Bruto (PIB)
da economia brasileira relativamente ao primeiro semestre deste ano, o debate a
respeito da orientação estratégica da política econômica do governo Lula voltou
a ganhar cores novas. Afinal, o resultado final obtido para 2023 ficou bastante
acima das expectativas criadas pela nata do financismo. Essa elite do povo da
Faria Lima apostava que o terceiro mandato iria fracassar e cravava um
crescimento do PIB de apenas 0,8%. No entanto, as contas nacionais apuradas
pelo órgão responsável concluíram por uma elevação de 2,9% em relação a 2022.
Na verdade, tratava-se
de mais uma dentre as inúmeras falhas que podem ser observadas nas projeções
apontadas pela pesquisa semanal Focus. Esta é uma consulta super seletiva
efetuada a cada 7 dias pelo Banco Central (BC) junto a pouco mais de 160
pessoas da alta direção do sistema financeiro. Por meio de tal enquete, por
exemplo, o órgão estabelece as bases para definição do patamar da taxa
referencial de juros. Ocorre que os resultados apresentados são muito mais
definidos pela vontade política e pela aposta especulativa do que propriamente
por meio da busca de respostas para a complexidade da realidade social e
econômica do país.
O fato é que a
dinâmica da economia no ano passado superou – e muito – os desejos da banca e
de seus admiradores nos espaços de formação da opinião pública. Como esse
pessoal não está muito habituado a reconhecer os seus próprios equívocos, ao
longo do correr dos meses foi sendo montada uma operação para justificar os
números que deveriam surpreendê-los. O novo argumento vinha na esteira de que o
crescimento maior do que o imaginado se deveu, na verdade, à política de
austeridade da política fiscal levada a cabo por Haddad no Ministério da
Fazenda e pela política monetária arrochada implementada pelo Copom, sob o
comando do indicado por Paulo Guedes e Bolsonaro no BC.
·
Austeridade não ajuda
Assim, para esse
pessoal nada significou o volume extra de recursos acrescentados ao Orçamento
da União graças à aprovação da PEC da Transição, em um período político
complexo entre os resultados conhecidos das eleições no final de outubro de
2022 e a posse de Lula em 1º de janeiro de 2023. O fato é que por meio de tal
negociação foi possível ao novo governo assegurar rubricas mínimas na peça
orçamentária para políticas públicas relevantes, como saúde, previdência
social, educação, assistência social e outras. Com isso, foi possível também
levar em frente a promessa de valorização efetivado no salário mínimo, com
ganhos reais acima da mera reposição inflacionária. Esse conjunto de fatores
assegurou o crescimento da chamada “demanda agregada” e permitiu o aumento do
conjunto das atividades econômicas acima do projetado pelos encastelados do
oligopólio privado.
Isso significa dizer
que a surpresa positiva do PIB de 2023 deu-se justamente apesar da
austeridade fiscal e não por conta dela. O Novo Arcabouço Fiscal só foi
aprovado no segundo semestre e não teve influência direta no crescimento do
Produto ano passado. A insistência quase obsessiva de Haddad com o tema da
austeridade, porém, fez com que fossem mantidos critérios absurdos, como a meta
de zerar o déficit primário naquele exercício. Em razão disso, o crescimento
ficou bem abaixo do potencial que existia, uma vez que as despesas públicas e
os investimentos estatais foram explicitamente reduzidos pelo novo governo.
Pelo lado da política
monetária, a manutenção da Selic nas alturas e a falta de ação do BC no
controle dos “spreads” praticados pelos bancos e pelas demais instituições
financeiras também contribuíram para segurar bastante o ritmo de crescimento
das atividades econômicas de forma geral. Com a manutenção do incentivo ao
processo de financeirização da economia, não houve estímulo maior expressivo à
retomada do volume tão necessário na esfera do setor real da economia. A
elevada rentabilidade na dimensão financeira compromete sobremaneira o gasto
não primário por conta da remuneração do estoque de endividamento público e
inviabiliza a retomada de projetos de ampliação da capacidade produtiva
instalada.
·
Potencial de
crescimento é muito maior
Pois agora debate
semelhante ganha corpo no que se refere às estimativas para o PIB de 2024.
Novamente os dados oficiais apurados para o primeiro semestre e as projeções
para o conjunto do exercício superam as expectativas da turma do financismo. O
IBGE aponta um crescimento para o período de janeiro a junho da ordem de 2,9%
em relação ao mesmo período do ano anterior. Tal informação permite considerar
a possibilidade de que o Produto alcance mesmo algo próximo a 3% novamente.
Aliás, a própria pesquisa Focus se viu obrigar a reconhecer tal fato e já
elevou rapidamente sua projeção para 2,68% em boletim mais recente.
A novidade para a
conjuntura atual é a tentativa da própria equipe econômica em tecer auto
elogios à rigidez da política fiscal para justificar outro crescimento do PIB.
Alguns apelam para a “boa sorte” que o presidente Lula costuma carregar em suas
jornadas à frente da Presidência da República, outros saúdam a suposta
seriedade (sic) de Roberto Campos Neto na manutenção da segunda maior taxa real
de juros do planeta. Tudo se passa como se a receita da ortodoxia neoliberal
estivesse na base de tal sucesso. No entanto, mais uma vez, ocorre exatamente o
oposto. Estamos em 2024 diante de um cenário positivo de crescimento do
PIB apesar da rigidez da política fiscal e da política monetária.
Os setores do grande
capital percebem o espaço existente para a expansão de suas atividades e
reconhecem a importância de medidas que estimulam o crescimento da demanda e,
por conseguinte, uma elevação do consumo por parte da maioria da população. As
grandes multinacionais da indústria automobilística, por exemplo, não estão se
dirigindo para cá com investimentos bilionários apenas por conta do compromisso
quase dogmático de Haddad com o arcabouço fiscal ou por conta do patamar
elevado em que as taxas de juros estão fixadas. O aumento da oferta de postos
no mercado de trabalho e a redução dos níveis oficiais de desemprego tampouco
se devem à rigidez da agenda conservadora da equipe econômica. Aliás, muito
pelo contrário, o que o Brasil poderia estar vivendo é uma etapa de níveis de
crescimento das atividades muito mais expressivos, caso não fosse a sanha da
tesoura nos gastos públicos e os obstáculos impostos pelo extraordinariamente
elevado custo financeiro de novos empreendimentos de forma geral.
Lula afirmou durante
sua campanha eleitoral de 2022 que só havia aceito a incumbência de disputar um
terceiro mandato pois gostaria de fazer mais e melhor do que havia realizado ao
longo de seus dois primeiros, entre 2003 e 2020. Ocorre que justamente ao longo
deste período a média de crescimento registrou 3,9% para os oito anos. Ou seja,
para se igualar a Lula 1.0 e 2.0, seria necessário que o Brasil crescesse 5% em
2025 e 2026. Mas conseguir tal feito o país deveria se livrar das amarras do
arcabouço fiscal e desta política monetária que nada mais faz senão atender aos
interesses dos banqueiros.
·
Projeto de
desenvolvimento requer fim do arcabouço fiscal
Por outro lado, caso
queiramos estabelecer alguma comparação com o que ocorreu com o resto mundo no
último triênio, o gráfico a seguir é bastante elucidador do potencial
desperdiçado. Seja quando cotejado com o média de crescimento mundial, seja com
a média dos países em desenvolvimento ou mesmo com as nações da América Latina,
o desempenho brasileiro sempre esteve abaixo.
É importante registrar
que o surgimento de informações positivas para o governo na esfera da economia
apresenta um sério risco de acomodação, no sentido de que sejam louvadas as
iniciativas da austeridade e da ortodoxia neoliberal que ainda imperam nas áreas
da política econômica da Esplanada. É até compreensível que Lula se sinta mais
confortável quanto à sua popularidade conjuntural com os dados mais recentes a
respeito do aumento do PIB e da queda no desemprego. No entanto, é fundamental
que ele também seja alertado quanto aos rumos estratégicos de seu governo e do
Brasil. Até o presente momento, estamos muito distantes do rumo da retomada de
um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, com seus aspectos de
redução das desigualdades e preocupação coma sustentabilidade.
¨ Em números, o mapa da gastança financeira do país. Por Luís
Nassif
A repórter da
Globonews repete pela undécima vez na semana a mesma pergunta: “O PIB
surpreendeu, mas o crescimento é sustentável?”. E o velho mestre, da FGV,
expele pela milésima vez a explicação que repete há décadas e décadas, desde
que a Constituição consagrou direitos sociais inéditos, e décadas e décadas sem
ser questionado:
- Não, porque as despesas vinculadas são muito pesadas e não
abrem espaço para as despesas discricionárias do governo. Com isso,
aumenta a relação dívida/PIB obrigando o governo a aumentar os juros. Além
disso, o mercado de trabalho está aquecido, mas não temos mão de obra
capacitada devido ao nosso sistema educacional.
Como melhorar a
mão-de-obra? Investindo em educação. Mas o gasto com a educação é vinculado.
Quando se propõe a desvinculação, obviamente, é para reduzir o gasto. Então
como melhorar a educação reduzindo gastos com ela?
Vamos desdobrar esses
bordões, para entender a lógica. E vamos aos grandes números para entender a
tragédia brasileira, uma situação estratificada que só será resolvida no âmbito
de uma grande crise futura, sabe-se lá quando.
As despesas vinculadas
são as seguintes:
- Educação: 18% da receita líquida. Mais a vinculação do
FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos
Profissionais da Educação).
- Saúde: 15% da receita líquida.
No ano passado, o
governo gastou
- R$ 835 bilhões com Previdência Social;
- R$ 200 bilhões com Seguridade Social, para financiar o
Sistema Único de Saúde.
- R$ 115 bilhões para Benefícios de Prestação Continuada,
incluindo o Auxílio Brasil.
Com Educação o governo
federal gastou
- R$ 55 bilhões com educação básica e
- R$ 70 bilhões para a educação superior,
- outros R$ 10 bilhões para expansão e manutenção da rede
federal de educação técnica e R$ 15 bilhões para o Prouni (Universidade
para Todos).
No mesmo período,
2023, o governo gastou R$ 654 bilhões com juros da dívida pública interna, ou
6,5% do Produto Interno Bruto.
Em 2023, a dívida
pública sofreu um aumento de R$ 300 bilhões, passando de 58% para 60% do PIB.
Se o governo gastou R$
654 bilhões com juros da dívida interna, e a dívida aumentou R$ 300 bilhões,
saíram recursos de outros canais.
Com Concessões e
Privatizações o governo arrecadou R$45 bilhões. Com as estatais (que o mercado
quer ver privatizadas) recebeu R$65 bilhões de dividendos da Petrobras, R$ 20
bilhões do Banco do Brasil e R$24 bilhões de outras estatais. Outros R$34
bilhões foram provenientes de leilões do pré-sal e de direitos de mineração.
·
Os spreads bancários
Não fica por aí a
maneira como a financeirização se apropria dos recursos nacionais.
No mesmo 2023, o valor
médio do spread bancário foi de 15 a 20%, dependendo do crédito e do perfil do
investidor. Em 2023 o volume total de crédito bancário foi de R$4,6 trilhões.
Desse total, R$1,6 trilhão foi para pessoa física, ou R$320 bilhões em spread.
Na França, o spread
médio para pessoa física é entre 2% e 4%. A diferença entre um spread de 4% e
20% é de R$256 bilhões. Ou seja, se os consumidores fossem franceses, haveria
R$ 256 bilhões a mais de recursos nas mãos deles ou no mercado de consumo.
Já o crédito para
Pessoa Jurídica foi de R$2,4 trilhões. O spread bancário foi de 15% a 18%.
Fiquemos com 15%. Na França, o spread é entre 1% e 2%. Fiquemos com 2%, A
diferença entre 15% e 2% de spread equivale à subtração de R$736 bilhões da atividade
produtiva.
Na outra ponta, o
investimento privado no Brasil foi de R$370 bilhões em 2023. Desse total, R$80
bilhões foram de multinacionais. R$110 bilhões foram financiados pelo BNDES,
portanto fora do circuito financeiro. Outros R$80 bilhões foram pela Caixa
Econômica Federal.
Já os IPOs, glória da
Faria Lima, não passaram de R$11 bilhões.
O volume de
reaplicação de lucros, das empresas listadas na B3, foi de R$45 bilhões. Já
seus custos financeiros foram de R$120 bilhões.
Fonte: Outras Palavras/Jornal
GGN
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