quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Papa e igrejas cristãs: “Não podem pagar todos pelos crimes de alguns”

O Papa Francisco e o secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas acabam de manifestar grandes preocupações com a aprovação de uma lei no Parlamento da Ucrânia, que pode vir a implicar o banimento da maior Igreja cristã do país, a Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IOU), devido às relações históricas que a ligam à homóloga russa, apoiante da invasão e da guerra no país.

A lei vinha a ser preparada desde há um ano e foi aprovada, em votação final, na última terça-feira. Um sinal de que havia pressa na sua entrada em vigor é que, em escassos três dias, percorreu as etapas administrativas para ser assinada pelo Presidente da República. Este recebeu-a no sábado, 24, e assinou-a de imediato.

O Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que representa cerca de 340 igrejas cristãs de todo o mundo, divulgou na última semana um comunicado em que se afirma “profundamente alarmado com o potencial de punição coletiva injustificada de toda uma comunidade religiosa e com a violação dos princípios da liberdade de religião ou crença”, que pode advir da aprovação da lei n.º 8371 na Ucrânia.

Na sequência de preocupações sobre a matéria já anteriormente apresentadas, o CMI apela ao Governo ucraniano para que “tenha cautela em relação a medidas que correm o risco de violar o direito fundamental à liberdade de religião ou crença e de minar a coesão social neste momento de emergência nacional”. Pede ainda que “haja uma abordagem justa e imparcial” em qualquer processo de decisão, na aplicação da lei, respeitando os princípios do direito internacional.

“Nem os crimes de alguns indivíduos, nem as filiações históricas de uma determinada entidade religiosa podem constituir base suficiente para medidas equivalentes à punição coletiva de uma comunidade religiosa de culto ativo, na Ucrânia”, acrescenta a posição, subscrita pelo secretário geral, Jerry Pillay, e pelo moderador, o bispo Heinrich Bedford-Strohm.

<><> Papa e dirigente católico ucraniano “desafinados”

Na oração do Angelus deste domingo, o Papa Francisco dedicou um curto parágrafo ao assunto, mas foi claro na sua posição. Além de ter aludido pela primeira vez ao facto de a guerra estar a decorrer na Ucrânia “e na Federação Russa”, o Papa foi contundente a propósito da lei aprovada: “Por favor, que nenhuma Igreja Cristã seja abolida direta ou indiretamente. Nas Igrejas não se toca!”

Francisco disse temer pela liberdade de quem reza, porque “quem reza verdadeiramente reza sempre por todos. Não se comete o mal porque se ora”, observou.

O pontífice estabeleceu uma distinção: “Se alguém cometer o mal contra o seu povo, será culpado por isso”, mas não por ter orado. “Deixem rezar aqueles que querem rezar naquela que consideram a sua Igreja”, enfatizou.

Com esta posição, fica, por outro lado, em evidência uma não-sintonia entre o Papa e o responsável da Igreja Católica na Ucrânia, visto que, como o 7MARGENS informou, o arcebispo Svyatoslav Shevchuk defendeu a nova lei, com o argumento de que ela visa “proteger o ambiente religioso da Ucrânia da instrumentalização e militarização da religião, que se tornou característica das atividades da Igreja Ortodoxa Russa no contexto da guerra”.

<><> Que se vai passar a seguir?

Conforme dispõe o diploma aprovado no parlamento, que entra em vigor 30 dias depois de publicado, há um conjunto de passos que devem ser respeitados para a submissão de um processo relativo a alguma organização religiosa que opere em território do estado ucraniano. A iniciativa pode caber a qualquer pessoa ou ao Serviço Estatal Ucraniano para Etnopolítica e Liberdade de Consciência (SEUELC), sendo este Serviço que realiza a investigação sobre se a organização em causa apresenta ligações a organizações da Federação Russa.

Se forem encontrados indícios de ligação (ao Patriarcado de Moscovo, por exemplo), o SEUELC emite uma ordem de eliminação dessas ligações, que terá de ser cumprida e comprovada num prazo de 30 dias, prorrogáveis por outros tantos dias, ou para contestar as conclusões da investigação, após o que o SEUELC tomará a decisão de propor ou não a extinção. A medida não é de aplicação automática, uma vez que cabe a um tribunal apreciar o processo, só ele podendo decidir a extinção de uma organização religiosa.

A Lei n.º 8371 prevê ainda que o SEUELC só poderá apresentar algum caso em tribunal depois de passados nove meses da publicação do diploma, o que não significa que não possa avançar com os passos anteriores.

Estes tempos, pensados ou não com esse fim, permitem desenvolver iniciativas que poderão alterar o posicionamento nomeadamente da IOU, especialmente visada em todo este processo. De facto, presentemente, decorrem já diligências para iniciar um período de diálogo entre as partes envolvidas e, em especial, a IOU, que esteve ligada ao Patriarcado de Moscovo, e a que foi, entretanto, reconhecida pelo Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, considerada próxima das autoridades ucranianas. Nestes dias, tem estado em Kiev uma delegação de alto nível deste Patriarcado, desenvolvendo contactos com todas as partes.

•        Patriarcas e líderes das Igrejas de Jerusalém apelam ao cessar-fogo imediato

“Milhões de refugiados continuam deslocados, as suas casas inacessíveis, destruídas ou irreparáveis”, enquanto “centenas de inocentes são semanalmente mortos, ou gravemente feridos por ataques indiscriminados”, escrevem os Patriarcas e os líderes das Igrejas de Jerusalém numa declaração conjunta divulgada nesta segunda-feira 26 de agosto, na qual apelam a um cessar-fogo imediato.

Recordando que o 12º mês de guerra devastadora está a aproximar-se rapidamente, os patriarcas acusam: “Durante todo este tempo, as negociações para um cessar-fogo arrastaram-se interminavelmente, com os líderes das partes beligerantes aparentemente mais preocupados com considerações políticas do que em pôr fim à busca da morte e da destruição. Estes repetidos atrasos, juntamente com outros atos de provocação, só servem para aumentar as tensões ao ponto de nos encontrarmos no precipício de uma guerra regional total”.

Na sua declaração conjunta, os responsáveis máximos das igrejas cristãs de Jerusalém pedem “a libertação de todos os prisioneiros, o regresso dos deslocados, o tratamento dos doentes e feridos, o alívio dos que têm fome e sede e a reconstrução de todas as estruturas civis públicas e privadas que foram destruídas” e o “início, sem demora, de conversações diplomáticas que abordem as queixas de longa data” existentes entre os povos do território, “conduzindo a medidas concretas que promovam uma paz justa e duradoura na nossa região através da adoção de uma solução internacionalmente legítima de dois Estados”.

Entretanto, as operações de ajuda das Nações Unidas em Gaza foram interrompidas nesta segunda-feira 26 de agosto, depois de uma ordem israelita ter obrigado à saída forçada dos palestinianos de Deir al-Balah, no centro de Gaza, onde se encontra o centro de operações da ONU, noticia o Middle East Eye. A ordem foi dada quando a ONU se preparava para iniciar uma campanha de vacinação contra a poliomielite de cerca de 640 000 crianças com menos de 10 anos, dias depois de um bebé de 10 meses ter ficado paralisado devido ao poliovírus de tipo 2.

Apesar da interrupção, a ONU não suspendeu formalmente as operações de ajuda.

 

Fonte: 7Margens

 

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