quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Pedro Telles: Pablo Marçal pode ser a morte do bolsonarismo

A ascensão da extrema direita no Brasil esteve umbilicalmente ligada a Jair Bolsonaro nos últimos anos. Apelidamos esse conceito de bolsonarismo.

Principal liderança de conservadores radicais, Bolsonaro conseguiu se eleger presidente do país, tornando sua trajetória política pessoal um elemento central da trajetória política brasileira.

Contudo, o conceito de bolsonarismo sempre teve duas grandes limitações. Primeiro, é um conceito maleável e de definição vaga, sendo usado no debate público para definir simultaneamente uma ideologia, um movimento e um projeto político particular – três coisas que são fundamentalmente distintas, por mais conectadas que estejam.

Segundo, é um conceito que reduz à figura de uma única pessoa (por ser construído em torno do seu nome) um fenômeno político de grande amplitude e complexidade, cujo início, o fim e o meio são compostos por muitos outros fatores relevantes.

Enquanto Bolsonaro mantinha inquestionável hegemonia no campo da extrema direita, essas limitações podiam ser mais facilmente relevadas, tendo em vista que a ideologia, o movimento e o projeto político particular moviam-se em sincronia sob a batuta de um único político que exercia domínio sobre as três frentes.

•        Pablo Marçal entra na jogada

Com a projeção nacional de Pablo Marçal a partir da sua candidatura à prefeitura de São Paulo, essa realidade mudou – e, por consequência, o bolsonarismo como o conhecemos até hoje morreu. As três frentes que o compunham agora seguem caminhos separados, levando a uma ressignificação de cada uma delas e do conceito de bolsonarismo em si.

Ao despontar como liderança política batendo de frente com Bolsonaro, mas defendendo em grande parte as mesmas ideias e valores do ex-presidente, Marçal torna impossível continuar chamando de bolsonarismo a ideologia que tomou o país de assalto.

É uma ideologia da qual Bolsonaro ainda pode ser o principal representante, mas que está acima dele e vai além dele, havendo nítido espaço para o crescimento de outras lideranças, capazes inclusive de derrubá-lo.

Mobilizando militantes e eleitores, até recentemente, fiéis a Bolsonaro, mas convencendo-os a apoiar um projeto político que vai contra os interesses do capitão, Marçal mostra que a base de apoio popular do ex-presidente é mais frágil do que parecia.

Há mesmo um movimento com liderança centralizada? Ou um movimento mais difuso, com coesão ideológica e um ecossistema de atores-chave dentre os quais algum pode até se destacar temporariamente, mas onde a liderança é fluida?

Ou talvez nem mesmo haja um movimento, apenas uma pulsão social habilmente explorada por diferentes extremistas, que podem ou não agir em concerto?

Deixando de ser sinônimo de uma ideologia, e tendo em xeque seu suposto movimento, Bolsonaro ainda conta com um projeto político – a única das três frentes que faz sentido continuar chamando de bolsonarismo.

Mas esse projeto nunca esteve sob tanto risco. Bolsonaro tem sido resiliente desde o fim do seu mandato, apesar de todas as adversidades, mas talvez tenha encontrado em Marçal seu arquirrival.

Se o apadrinhado Ricardo Nunes chegar ao segundo turno contra Guilherme Boulos, existe a possibilidade de Bolsonaro se manter firme como principal liderança da direita, apesar de ter que dividir esse espaço com Marçal daqui em diante. Mas se Nunes ficar atrás de Marçal, um cenário cada vez mais provável, o projeto fica desestruturado.

•        E o Bolsonaro?

A ascensão de Marçal não chega a ser uma surpresa para quem acompanha de perto sua trajetória e estratégia ao longo dos últimos anos. Mas isso não torna menos impressionante a forma como ele tirou do eixo o fenômeno até então conhecido como bolsonarismo.

Não é à toa que Bolsonaro e sua família estão reagindo de forma tão intensa: Marçal não é apenas mais uma ameaça ao bolsonarismo – ele é uma ameaça existencial.

Àqueles dedicados a enfrentar a extrema direita no país, o problema está mudando de forma e de cara, mas suas três dimensões continuam aí.

Daqui em diante será preciso, mais do que nunca, olhar para cada uma dessas dimensões em separado: como combater a ideologia de extrema direita no país; como enfrentar (e impedir a formação) de movimentos pautados por essa ideologia; e como derrotar projetos políticos particulares das lideranças que despontam.

Cada uma dessas frentes exige suas próprias estratégias, que precisam estar minimamente integradas por serem partes da resolução de um problema maior.

 

•        Noblat: ‘A sinuca de bico que paralisa a família Bolsonaro’

O candidato sensação a prefeito de São Paulo aproveitou a entrevista de mais de uma hora à Globo News, ontem à noite, para acenar com bandeira branca à família Bolsonaro. Não a toda ela: deixou de fora o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), o Zero Três, queridinho do pai, a quem voltou a chamar de “retardado mental”.

Pablo Marçal disse que Bolsonaro é o “maior líder” da direita e que terá seu apoio caso seja candidato a presidente em 2026. Bolsonaro, por enquanto, está inelegível. E só poderá disputar qualquer cargo público a partir de 2030. Marçal não admite, mas pensa em candidatar-se a presidente daqui a dois anos.

Os Bolsonaro não sabem o que fazer com Marçal. A ele, numa conversa recente, Bolsonaro disse que foi muito longe no seu apoio à candidatura de Ricardo Nunes (MDB) à reeleição, e que não pode mais recuar. Nas redes sociais, Bolsonaro e os filhos criticaram Marçal e foram criticados pelos bolsonaristas que votarão nele.

Daí, a sinuca de bico em que se meteram, e o silêncio que guardam desde o fim da semana passada. Daí também o espanto que paralisa a primeira família presidencial da história do Brasil. Se ela insistir em se opor à candidatura de Marçal, arrisca-se a contrariar uma fatia importante de sua base e – quem sabe? – a perdê-la.

E se Marçal, ao fim e ao cabo, se eleger prefeito? Como ficará a família? Com a merecida fama de ter sido derrotada por uma de suas criaturas? O admirador de hoje, no caso de Marçal, pode ser o inimigo de amanhã. Bolsonaro sabe disso porque já fez muitos inimigos entre seus admiradores – quase todos traídos por ele.

O jeito é dar tempo ao tempo e torcer para que Marçal não passe de uma chuva de verão. O bolsonarismo está em adiantado processo de liquidação – e não somente em São Paulo.

 

•        O processo de naturalização de Pablo Marçal. Por Luís Nassif

É inacreditável a incapacidade brasileira de aprender com a tragédia. O país testemunhou o que foi a leniência da Justiça com os abusos do então deputado Jair Bolsonaro. Está testemunhando o que acontece agora com Pablo Marçal.

Não assisti sua entrevista à Globonews, mas a enquete que o Globo fez com colunistas do jornal é uma demonstração cabal da ignorância coletiva nacional. Nem se diga do artigo de Joel Pinheiro da Fonseca, na Folha, o grande sem-noção da atualidade, que defende até o comércio de órgãos humanos. Mas o tratamento dele, como “empresário”, é a maior demonstração da falta de senso de mídia.

E os comentários do Globo são de arrepiar.

Pablo Ortelado, um sociólogo da USP, tratou Marçal como um “Dória goiano Tik Toker”. Ortellado foi o principal defensor dos “black blockers” nas manifestações de 2013, o fator que provocou a reação que jogou as manifestações nas mãos da direita. Logo depois, foi contratado pela revista Veja para um trabalho visando equiparar blogs de esquerda aos blogs de ultradireita geradores de fake news.

Agora, trata como “empresário” um coach que vende livros de auto-ajuda disfarçando-se de convicto evangélico, atropela todos os procedimentos legais, tem vinculações claras com pessoas ligadas ao PCC e defende uma radicalização mais ampla que a de Bolsonaro.

Outros colunistas elogiaram a postura “mais amena” de Marçal, como se não fosse uma encenação. Se vissem Hitler tocando violino, o tratariam como um sujeito de bons sentimentos.

Poucos se ativeram ao essencial para um candidato a prefeito: as propostas para São Paulo. Ou as implicações de sua candidatura para viabilizar uma ultradireita mais rancorosa e irracional.

São incapazes de entender os efeitos da montagem de redes sobre a política, mesmo após a ascensão de Bolsonaro. São incapazes de entender que quem afronta as regras do jogo, não pode permanecer no jogo. São incapazes de questionar sequer os negócios de Marçal. Ou as acusações absurdas de que Boulos é usuário de drogas.

Nada disso contou para esses analistas do momento presente.

Recentemente, o próprio Marçal admitiu que está sendo investigado pelo COAF. Tem negócios nebulosos com Angola, não registrados no Banco Central. Em 2023, uma investigação da Polícia Federal constatou que as inúmeras empresas que declararam são meros CNPJs, sem demonstrações contábeis adequadas.

 

•        Marçal é “uma coisa abjeta, um criminoso, um marginal”, diz Boulos

Ninguém é obrigado a estar preparado para enfrentar em debate público quem acha que eleição é uma luta de vale tudo. Para Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB), Tabata Amaral (PSB) e Luiz Datena (PSDB), não vale tudo para se eleger prefeito de São Paulo. Para Pablo Marçal (PRTB), vale. Ele mesmo admite:

“Eu queria ser um menino bonzinho que não peida, mas não sou assim”.

No primeiro turno da eleição de 2022, Lula e Bolsonaro estiveram cara a cara quatro vezes, juntamente com os demais candidatos a presidente mais bem situados nas pesquisas de intenção de voto. E, no segundo turno, duas vezes. Os temas mais candentes foram debatidos e eles trocaram pesadas acusações.

Mas em momento algum apelaram para golpes baixos. Havia uma espécie de linha vermelha traçada no chão que nenhum deles atravessou. No horário de propaganda da eleição presidencial de 1989, a primeira depois do fim da ditadura militar, Fernando Collor ignorou a linha de uma maneira que o país jamais veria.

Collor levou ao ar depoimento da enfermeira Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, filha de Lula. No vídeo, Miriam dizia que Lula ofereceu dinheiro para que ela abortasse. Lurian saiu em defesa do pai no horário de propaganda dele. Descobriu-se que Collor pagou a Miriam para que ela dissesse o que disse.

Marçal não está a serviço de ninguém, a não ser de sua ambição de governar a capital paulista, quando diz e repete que Boulos cheira cocaína. E promete apresentar provas disso no último debate entre os candidatos que será promovido pela TV Globo em 3 de outubro. No Roda Viva, ontem, Boulos voltou a negar que cheire.

Bolos emocionou-se ao lembrar do sofrimento de sua filha, sujeita na escola a perguntas de colegas sobre o suposto vício do pai. E disse com a voz embargada:

“Minha filha chega, chora, como que fica. Olha o nível que chega, olha o esgoto que chega. Quando mexe com sua família, com quem você mais ama na vida, com criança, aí te faz perder o prumo. […] Marçal é uma coisa abjeta, um criminoso, um marginal. Ele próprio já foi condenado por fraude bancária”.

Perder o prumo… É tudo que Marçal espera que aconteça com Boulos e com Nunes, empatados com ele nas pesquisas de intenção de voto. Nunes subiu o tom e afirmou que Marçal está envolvido “até o nariz” com o crime organizado de venda de drogas. Dos candidatos, Tabata é quem melhor enfrenta Marçal até aqui.

Marçal está convencido de que com a ajuda da extrema-direita que começa a abandonar Nunes, irá para o segundo turno contra Boulos, candidato de Lula. Caso isso ocorra, contará com o apoio de Bolsonaro e de quem mais queira derrotar a esquerda. A eleição em São Paulo é sobre Lula, para enfraquecê-lo antes de 2026.

O que apavora Marçal é a possibilidade do seu sonho ser obstruído pela Justiça. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, destravou uma ação que pode provocar um “efeito dominó” no PRTB e implodir a candidatura de Marçal. A ação estava parada havia 20 dias no gabinete da ministra.

 

•        Marçal tem chilique e anuncia processo contra Natuza Nery, que o desestabilizou na Globonews

O feitiço foi usado contra o feiticeiro e Pablo Marçal (PRTB) deu chilique e anunciou um novo processo contra a jornalista Natuza Nery ao final da entrevista na Globonews na noite desta segunda-feira (26).

Com uma postura firme, sem cair nas provocações do ex-coach, Natuza primeiramente desestabilizou Marçal emocionalmente ao indagar sobre o elo de lideranças do PRTB com o Primeiro Comando da Capital, o PCC, e o tráfico de cocaína.

Visivelmente irritado, Marçal partiu para cima da jornalista, indagando "qual a sugestão você me dá sendo candidato de um partido desse?". E tomou uma invertida de bate-pronto.

"Meu papel não é lhe dar sugestões", respondeu a jornalista, provocando um chilique no candidato que tenta, a todo custo, interromper as perguntas sobre o assunto.

"Então, está respondido. Porque o [Gerson] Camarotti, a Dani [Daniela Lima], você. Eu não tenho nada o que fazer com isso. Tem que ser processado...", afirmou, visivelmente nervoso.

Em seguida, a jornalista da Globo explica: "mas eu queria deixar claro que é crime organizado, é PCC".

Marçal, então, apela para tentar por fim ao assunto. "Que pegue todo mundo que está lá, vocês não estão entendo, estou pedindo socorro: limpe o PRTB pelo amor de Deus, eu não tenho poder de fazer isso", diz o ex-coach, respirando aliviado quando Monica Waldvogel intervém. Marçal ainda usou, em sua defesa, um bordão de Jair Bolsonaro (PL), dizendo que "meu partido é o Brasil".

Ao final da entrevista, Marçal se vitimiza dizendo que foi "maltratado" e diz, mais uma vez, que vai processar Natuza Nery.

"Eu fui muito maltratado aqui nessa televisão. Foi por você, Natuza", disse o ex-coach perturbado com a intervenção e as perguntas da jornalista.

"Você acabou falando uma mentira a meu respeito. Eu te pedi na outra entrevista para a gente resolver isso, você acabou ignorando meu pedido. E vai seguir um processo contra a Rede Globo e a sua pessoa", anunciou.

Em maio deste ano, Marçal chegou a entrar com processo contra a jornalista, mas desistiu da ação. No processo, ele pedia a censura e direito de resposta, além de indenização por danos morais, após reportagem que o acusou de fake news sobre as enchentes no Rio Grande do Sul.

À época, o ex-coach, juntamente com Eduardo Bolsonaro, esteve no topo da lista entre os maiores propagadores de fake News sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul.

Após anunciar o processo, Marçal volta se vitimizar para tentar minimizar os crimes que cometeu e foi condenado.

"Eu querida, de verdade, ser uma pessoa que nunca foi processado, que é tudo bonitinho, queria ser um menino que nem peida", regurgitou o ex-coach.

Visivelmente transtornado, ele tentou se vitimizar atacando Lula com fake news, antes de tomar a última invertida da jornalista.

"Mas, não foi assim. Infelizmente fui injustiçado, muitas coisas da minha vida foi bobeira minha mesmo, de coisas que eu fiz. Todo muno erra. A gente tem um presidente que fez a maior quadrilha, desviou mais de um trilhão e vocês estão pegando em coisas que eu peguei R$ 350 para ajudar na minha casa?", indagou.

"Só uma coisa: o senhor chegou a ser preso nesse caso?", indagou Natuza, arrancando mais uma confissão do ex-coach: "fiquei 3 ou 4 dias na superintendência da Polícia Federal".

 

Fonte: The Intercept/Metrópoles/Jornal GGN/Fórum

 

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