quarta-feira, 31 de julho de 2024

Bepe Damasco: Defender a revolução bolivariana não tem nada a ver com apoiar os erros e trapalhadas de Maduro

Quem teve a oportunidade de assistir pela televisão a entrevista dos líderes da oposição venezuelana Maria Corina Machado e Edmundo González (candidato a presidente) pôde testemunhar o quão desqualificados política e eticamente são eles, mal disfarçando suas intenções golpistas. Seus métodos nada ficam a dever ao bolsonarismo mais tosco. 

Passaram toda a coletiva manipulando informações e mentindo. Diziam ter em mãos as atas de votação, mas não as apresentaram em nenhum momento. Insistiram que esses mapas eleitorais lhes asseguravam a vitória com 73%, percentual que não convence ninguém com mais de dois neurônios dada a polarização da eleição.

Por sua vez, o Conselho Nacional Eleitoral, em vez de pôr fim à crise divulgando as tais atas, consagra a vitória de Maduro, que aproveita a ocasião para improvisar uma cerimônia de posse sobre pau e pedra.

Não se deve ter ilusões sobre os principais pilares do projeto da oposição: pôr fim aos avanços sociais e às conquistas populares da revolução bolivariana e oferecer aos EUA, de mão beijada, o abundante petróleo venezuelano. 

Contudo, a defesa da soberania nacional e popular do país vizinho não pode esconder os graves erros de Nicolas Maduro. Aliás, Maduro está longe de ter a estatura de Chávez, que faleceu precocemente aos 58 anos.

De frente para trás:

Maduro, para delírio da extrema-direita do Brasil, atacou as nossas urnas eletrônicas, criticando sua falta de auditagem, verdadeiro mantra bolsonarista.

Maduro, em vez de se comprometer, em nome da normalidade democrática, em passar a faixa presidencial caso perdesse a eleição, jogou lenha na fogueira falando em "banho de sangue."

Maduro, com nítidos objetivos eleitorais, sacou da algibeira a anexação do território de Essequibo, região rica em petróleo e controlado pela Guiana desde o fim do século 19.

Sem falar que faltaram explicações jurídicas detalhadas sobre aos vetos de candidatos de oposição que tentaram se inscrever para o pleito. Claro que não devem ser flor que se cheire e devem ter culpa no cartório em relação aos crimes dos quais são acusados. Mas o mundo ficou sem saber se o devido processo legal foi cumprido.

Também não me parece adequado o tratamento que Maduro dispensa a Lula, que tem sido um aliado fiel. O presidente brasileiro não tem poupado esforços para reintegrar a Venezuela ao Mercosul e foi um dos fiadores do Acordo de Barbados, através do qual a Venezuela assumiu o compromisso de realizar eleições limpas, transparentes e democráticas.

Até o momento em que escrevia este texto, o ex-chanceler Amorim, enviado do governo Lula a Caracas, seguia com a posição correta de aguardar a divulgação das atas para o governo Lula reconhecer o resultado da eleição.

 

¨      Analistas veem oposição 'sem força' após eleições e desvalorizam falas de Boric e Milei

Analistas que acompanharam as eleições na Venezuela no domingo (28), na qual o atual presidente Nicolás Maduro foi declarado vencedor, destacam que o país está calmo e em paz.

Nesta segunda-feira (29), o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela proclamou Maduro como presidente reeleito da Venezuela para o período 2025-2031.

Maduro concorreu pela coalizão governista Gran Polo Patriótico (esquerda) e obteve 5.150.902 de votos, cerca de 51,20%, enquanto o principal candidato da oposição, Edmundo González, da Plataforma Unitária Democrática (PUD, centro), obteve 4.445.978 votos, o equivalente a 44,2% das intenções.

Especialistas compartilharam sua avaliação com o programa Telescópio após o longo dia eleitoral vivido na Venezuela.

<><> Sistema eleitoral confiável

Confrontada com acusações da oposição alegando fraude, Giordana García Sojo, ex-ministra da Cultura da Venezuela de 2013 a 2017, destacou a blindagem do sistema eleitoral nacional.

"Tem mais de 17 auditorias ao longo do processo, cada auditoria é assinada por todos os setores. É um sistema que foi reconhecido pelo Carter Center e por muitos outros observadores como um dos mais claros, transparentes e confiáveis ​​do mundo. É eletrônico, mas também tem cédula", comentou.

A oposição garantiu, antes de anunciar os resultados pela CNE, que González tinha pelo menos 30 pontos percentuais à frente de Maduro. Esta afirmação foi divulgada pela mídia e até por entidades governamentais estrangeiras, como a da Argentina.

A ministra argentina das Relações Exteriores, Diana Mondino, garantiu nas suas redes sociais, momentos antes da CNE anunciar os resultados oficiais, que Maduro tinha perdido nas urnas: "Perderam em todos os estados por mais de 35%".

Já Sergio Rodríguez Gelfenstein, doutor em estudos políticos e mestre em Relações Internacionais e Globais, além de ex-diretor de relações internacionais da Venezuela, desmentiu quaisquer irregularidades: "Aqui já houve, com as de ontem, 31 eleições. O chavismo ganhou 29, a oposição ganhou duas e 29 eleições foram chamadas de 'fraude' e estão iniciando uma campanha internacional contra a Venezuela, basicamente desde 2015, sob sanções, sob fortes sanções", disse.

Gelfenstein também criticou as acusações de governos estrangeiros que questionam os resultados eleitorais. Mencionou, por exemplo, o caso do governo de Dina Boluarte, que afirmou exercer uma presidência ilegítima.

"A Venezuela construiu a sua própria democracia com base na sua herança histórica, na sua cultura, nas suas tradições. É um modelo que não é melhor que o de ninguém, mas também não é pior; é nosso e foi aprovado em um referendo constitucional em 1999 pela grande maioria da população, então o que [Gabriel] Boric diz ou o que [Javier] Milei diz nos escapa", disse ele.

Já a escritora e pesquisadora María Fernanda Barreto destacou que, semanas antes das eleições na Venezuela, a narrativa de que se estava fabricando uma "fraude" começou a surgir por parte dos grandes conglomerados de comunicação. Ela também mencionou que supostas pesquisas de opinião eram utilizadas como ferramenta de propaganda.

"Esses números ridículos [das sondagens] foram precisamente apresentados para semear na opinião pública mundial a ideia de que a vitória da oposição era iminente e que qualquer vitória de Nicolás Maduro só seria possível através de fraude", argumentou a analista.

<><> Oposição desarticulada

Por outro lado, os analistas concordaram que, depois das eleições, a oposição ficou desarticulada. Por exemplo, a ex-ministra García Sojo considerou que as correntes contra o atual governo são muito menos fortes atualmente do que em 2019, quando o opositor Juan Guaidó se declarou presidente legítimo da Venezuela.

"O melhor momento deles [da oposição] foi, creio eu, depois da morte do presidente [Hugo] Chávez em 2013, tiveram até uma diferença muito pequena nas eleições com Nicolás Maduro, uma participação grande, Henrique Capriles chegou a 7,2 milhões e Maduro nos 7,5 milhões, a diferença foi curta. Nestas eleições não chegam aos 6 milhões", considerou.

A especialista destacou também que não há apenas uma deterioração em termos de força de voto, mas também no que diz respeito ao apelo a "chamados abertamente violentos para atacar o chavismo".

Por sua vez, Gulfenstein alertou que "as ações terroristas e de sabotagem" continuarão no futuro: "Eles não têm programa, não têm programas, não têm propostas, não têm ideia do país, do futuro e eles não têm liderança."

Os desafios de Maduro

O novo mandato do presidente Maduro começará em janeiro do próximo ano. Diante disso, os analistas preveem quais serão os desafios para seu próximo governo.

Fernanda Barreto disse que além de continuar com a resistência, no próximo mandato haverá o desafio de continuar a construir a Revolução Bolivariana e aprofundar o poder popular.

Já Gelenstein disse que o próximo governo deve procurar uma administração mais eficiente, melhorar a produção e distribuição de combustíveis e procurar reforçar o salário mínimo, cujo último aumento foi registado em 2022.

"Embora [essas questões] tenham um impacto muito forte na ação externa, existem grandes possibilidades de serem resolvidas através da inventividade nacional e do esforço nacional", explicou.

Para a ex-ministra García Sojo, há também a necessidade de uma repolitização e reestruturação do chavismo.

 

¨      EUA e oposição vão atuar pela instabilidade da Venezuela após urnas darem vitória a Maduro

Em meio a um dos pleitos que mais despertou a atenção do mundo neste ano, o presidente Nicolás Maduro foi reeleito na Venezuela para um mandato de seis anos, até 2031. Especialistas analisam à Sputnik Brasil os impactos do resultado e como ficam as relações venezuelanas no cenário internacional.

Com mais de 51% dos votos no último domingo (28), Maduro venceu a terceira eleição seguida na Venezuela diante de um dos processos eleitorais com maior número de candidatos dos últimos anos.

Já o principal nome da oposição, o ex-diplomata Edmundo González, ficou em segundo lugar, com pouco mais de 44%, e já declarou que não vai aceitar o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Maduro chegou a denunciar uma tentativa de golpe de Estado no país pelo grupo político, que chegou a afirmar ter conquistado mais de 70% dos votos, sem apresentar provas.

O cientista político, pesquisador e assessor venezuelano Luis Javier Ruiz avaliou à Sputnik Brasil que a situação deve gerar "muita tensão política" nos próximos dias, apesar do clima tranquilo registrado durante a votação.

"O não reconhecimento dos resultados pela principal força de oposição abriu uma brecha para um cenário imprevisível, somado às reações adversas que todos os presidentes de direita na América Latina demonstraram. Internacionalmente, há uma agenda importante e de tensão que este novo período de governo deve gerir, evitando o maior dano possível, especialmente do ponto de vista econômico e da legitimidade do processo eleitoral. Isso não significa que a Venezuela deva perder sua soberania e autonomia eleitoral, mas, no contexto de manter a paz, deve existir um ciclo de diálogo e verificação eleitoral", explica.

Enquanto países como Rússia, China e Bolívia reconheceram a vitória de Maduro, outros já aventaram que o resultado do pleito venezuelano foi fraudulento: Estados Unidos, Argentina e Chile, por exemplo. Já o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, destacou o "caráter pacífico da jornada eleitoral na Venezuela" e pontuou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "acompanha com atenção o processo de apuração". O assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, segue em Caracas para conversar com as lideranças das duas principais candidaturas no país.

Na última semana, após Lula chegar a demonstrar preocupação com as falas de Maduro durante a campanha, o presidente venezuelano chegou a dizer que o sistema eleitoral do Brasil não é "auditável", o que gerou insatisfações no Palácio do Planalto. Apesar disso, o especialista avalia que o maior dano gerado pela situação está ligado à amistosidade das relações entre os dois líderes, mas "nada que não possa ser resolvido".

"Uma das características que o Brasil tem buscado consolidar na região é a de um país influente sobre seus vizinhos; em alguns casos com sucesso e, em outros, não. A relação com Lula vai além do político, há coincidências ideológicas e amistosas, mas também devemos estar com os pés no chão e compreender que do presidente brasileiro também tem pressões políticas internas, de seus aliados, que o obrigam a fixar posições como as conhecidas nas últimas semanas. Acredito que Lula só busca se erguer como um mediador que quer estar bem com todos", diz.

·        Quem é o presidente da Venezuela?

Maduro venceu a primeira eleição em 2013, em um momento de turbulência no país por conta da morte de Hugo Chávez. Esse foi o pleito mais apertado que o presidente já disputou, quando venceu por uma margem estreita o então candidato da oposição Henrique Capriles: 50,61% a 49,12%.

O cientista político Luis Javier Ruiz acrescentou que o pleito de 2024 foi um dos que registrou mais pressão na mídia internacional, com "tentativas de supostos observadores" entrarem no país para acompanhar o processo.

"Acho que é inédito na história da América Latina: um grupo de políticos influentes se agrupou para tentar sabotar ou interferir na vida política interna de algum país. Nem quando havia ditaduras militares em toda a região houve tal coisa. Estamos diante de uma estratégia internacional de direita, que vai além de reconhecer ou não a legitimidade do processo eleitoral. Estão destinados, por todas as vias, a incluir a Venezuela nos governos influenciados pelos EUA. As ações desses governos e figuras são irrelevantes em termos legais e internos para a Venezuela, mas não podemos menosprezar o dano internacional que causam, sobretudo do ponto de vista midiático, comunicacional e institucional. Mesmo assim, o governo do presidente Maduro enfrentou no passado situações similares ou piores", resume.

·        Em que a Venezuela se destaca?

O principal motor da economia venezuelana é a extração de petróleo e gás, que nos últimos anos sofreu severas sanções encabeçadas pelos Estados Unidos. Entre as consequências da medida intervencionista norte-americana estava o processo de hiperinflação iniciado em 2017, quando índices mensais eram superiores a 50% e levaram à redução do poder aquisitivo da população. Após cinco anos, no fim de 2022, os números voltaram a cair em meio ao Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade do governo Maduro.

O presidente venezuelano prometeu seguir no próximo mandato com foco na retomada econômica do país e em reconstituir a estabilidade social. Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou à Sputnik Brasil que o governo Maduro também deve aprofundar os "laços de integração regional" com outros países da América Latina. "O governo venezuelano hoje se encontra numa posição muito estratégica, no sentido de favorecer o diálogo e a cooperação entre os países do Sul Global", afirma.

Entre os principais objetivos do país para os próximos anos no cenário internacional, segundo o especialista, está a tentativa de retorno do país ao Mercosul, suspenso do bloco desde 2016 e, também, a conquista de espaço no BRICS, que este ano ganhou um número recorde de novos membros.

"A Venezuela, por exemplo, expandiu em alguma medida muito a sua presença dentro da América Central, no Caribe. Isso para eles acabou sendo muito importante, embora hoje tenham uma relação muito difícil porque esperavam uma integração com o Mercosul, e isso acabou não acontecendo […]. Caracas já indicou sua disponibilidade, inclusive para poder participar do BRICS. E se depender dos demais grandes países do grupo, como África do Sul, Índia, China e Rússia, é um país com grandes chances de se tornar membro. Porém, eu vejo ainda uma posição brasileira muito lenta com relação a esse processo", argumenta.

Além disso, o professor lembra que no Brasil há diversas pressões internas que defendem um afastamento do país com Caracas, o que acaba refletindo nas relações entre os dois governos. "Mas, em alguma medida, as relações entre o Brasil e a Venezuela estão em um nível muito melhor do que estavam, por exemplo, após 2016, quando os anteriores presidentes brasileiros, o Michel Temer e o Jair Bolsonaro, trabalharam ativamente com a diplomacia e com a política externa dos Estados Unidos, no sentido não só de sabotar, mas também de derrubar o governo Maduro. O governo brasileiro atua para fortalecer a estabilidade da Venezuela", enfatiza.

·        Qual é a relação da Venezuela com os Estados Unidos?

Desde o governo de Barack Obama ainda em 2016, os EUA passaram a sancionar a Venezuela diante de divergências com o governo Maduro e, apesar da tentativa de reaproximação no ano passado — inclusive com a suspensão das medidas por um curto período de tempo —, Washington voltou a realizar ataques públicos contra o país. No último, pediu a recontagem dos votos do último pleito e até ameaçou intensificar as restrições que afetam principalmente o setor de petróleo e gás do país.

O professor Eden Pereira enfatiza que as tensões cresceram ainda mais durante a gestão de Donald Trump, que chegou a reconhecer o governo do autoproclamado presidente Juan Guaidó. Além disso, as tentativas de intervenção norte-americanas contra Caracas são históricas e, ainda no início do século XX, o país sofreu um bloqueio econômico.

"A Venezuela conseguiu caminhar muito na direção do estabelecimento de sua soberania desde o início do processo da Revolução Bolivariana. Porém, esse processo evidentemente vai se dar em choques, não só internacionais, mas também choques internos, com alguns dos setores que se beneficiavam desse sistema no qual as potências estrangeiras estabeleciam os rumos internos. O país ainda consegue mobilizar a sua própria população no sentido de resguardar e de defender a sua soberania", finaliza.

 

Fonte: Brasil 247/Sputnik Brasil

 

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