terça-feira, 4 de junho de 2024

João Filho: Encurralado pela bancada golpista, Lula mudará articulação política

NÃO É NOVIDADE O FATO de que a direita e a extrema direita dão as cartas no Congresso. Estamos falando daquele que talvez seja o congresso mais reacionário de todos os tempos, formado em boa parte por gente que tentou impedir a posse de Lula, fomentando um golpe de estado.

Não se trata de uma oposição convencional, comprometida com valores democráticos. O bolsonarismo é uma corrente essencialmente golpista que, infelizmente, foi naturalizada dentro do jogo político-partidário.  A governabilidade, portanto, é um problema com o qual o governo Lula sabia que teria que lidar desde o primeiro dia do mandato.  

As sucessivas derrotas do governo em votações na Câmara e no Senado, nesta última semana, reforçam a constatação de que o bolsonarismo é a principal força política no Legislativo.

Graças à sua força eleitoral, ele atrai com facilidade a turma do centrão. Apesar de ser conhecido por topar qualquer negócio, independente da ideologia, o centrão tende a acompanhar o bolsonarismo nas pautas relacionadas aos costumes.

Votar junto do governo em questões caras ao progressismo é praticamente impossível para um deputado do centrão, cuja base eleitoral é majoritariamente conservadora. Em ano de eleições municipais, não há dúvida de que os sanguessugas do centrão vão fechar com o bolsonarismo em questões como saidinha de presos e criminalização de fake news.

Soma-se a isso o trabalho da pujante indústria de mentiras da extrema direita, que cria um ambiente de pânico moral que já demonstrou ser muito eficiente para conquistar votos. É um nó que parece impossível de ser desatado.

Já na área econômica, o governo conseguiu avançar aprovando projetos importantes. A Reforma Tributária e o arcabouço fiscal, por exemplo, foram aprovados com apoio maciço do centrão.

Lembremos que este não é um governo puro de esquerda. Ele foi formado por uma frente ampla criada para barrar a continuação de um governo de extrema direita fascistoide. É natural que pautas mais alinhadas ao mercado e do interesse de setores da direita avancem com mais facilidade enquanto pautas progressistas são barradas.

Goste-se ou não, este é um dado da realidade. 

Ocorre que o governo tem concedido importantes nacos do poder para a turma do centrão, mas está recebendo muito pouco em troca. Sabendo que a esquerda seria minoritária no Congresso, Lula iniciou o governo distribuindo ministérios para União Brasil, PSD e MDB.

No ano passado, uma reforma ministerial abriu ainda mais espaço para o centrão, acomodando também o PP e o Republicanos em ministérios. Na teoria, essa composição serviria para dar uma maioria folgada ao governo, mas não é o que acontece.

Os parlamentares dos partidos que têm ministérios deram mais votos contrários ao governo do que a favor na maioria das votações desta semana. 

No início deste ano, Lula reuniu Arthur Lira, ministros e líderes partidários e presidentes de partidos para tentar aproximá-los do governo. Depois da reunião, Lula abriu os cofres e autorizou a liberação de R$ 20,5 bilhões em emendas de bancadas, individuais e de comissão.

O centrão foi o mais beneficiado, tendo os parlamentares de PP, União Brasil, PSD e MDB recebido os maiores valores. Na teoria, essas emendas deveriam render um apoio maior do parlamento nas votações de interesse do governo, mas, na prática, está servindo apenas para fortalecer a turma do centrão para as eleições municipais.

Além disso, fortalece também o bolsonarismo, já que boa parte desses partidos disputará eleições em aliança com ele. 

Há de se perguntar qual é o sentido de dividir o poder com a direita se, em troca, o que Lula recebe é apenas apoio em votações em pautas alinhadas aos interesses da… direita. Está claro que algo precisa mudar na articulação política do governo. Lula sabe disso e pretende montar uma nova estratégia da articulação política.

Por enquanto não há sinalização do que mudará exatamente, mas o presidente passará a se reunir semanalmente com o líder do governo na Câmara, o líder do Senado e o líder do governo no Congresso, além do ministro da Secretaria de Relações Institucionais.

Antes, Lula tratava da articulação política em reuniões semanais apenas com o ministro Alexandre Padilha, que é um desafeto de Arthur Lira e cujo trabalho tem sido criticado tanto por parlamentares da base do governo quanto da oposição. 

É simbólico que, na votação que manteve o veto de Bolsonaro contra a criminalização das fake news, os bolsonaristas tenham comemorado a vitória acachapante (317 votos a 139) gritando “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”.

A fraqueza do governo no Congresso é um problema que, no limite, pode resultar em impeachment de Lula.

Por mais que essa hoje seja uma possibilidade remota, já que a configuração do poder está amplamente favorável ao bloco majoritário formado por centrão e bolsonarismo, é uma carta que sempre estará sobre a mesa de um congresso lotado de golpistas.

Poder para isso eles têm. Mas, por enquanto, ainda é mais interessante manter o governo amarrado, fazê-lo sangrar até o fim do mandato e, assim, preparar o terreno para a eleição de um candidato como o bolsonarista Tarcísio, que agradaria a extrema direita, o centrão e contaria com o apoio de boa parte da imprensa corporativa.

Mas os ventos da política podem mudar e o ímpeto golpista do bolsonarismo estará sempre à espreita.

 

¨      Cármen Lúcia na presidência do TSE é virada de chave no modus operandi do órgão, apontam analistas

Em uma transição significativa, a partir desta segunda-feira (3), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passa a ser presidido pela ministra Cármen Lúcia, substituindo Alexandre de Moraes. Seu mandato terá duração até 2026.

De volta ao TSE, a chegada da ministra Carmén Lúcia tende a mudar significativamente o modus operandi do órgão, segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Cármen Lúcia, que já presidiu o TSE anteriormente, é descrita pelo coordenador do curso de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor da mesma instituição Ernani Carvalho como uma figura mais reservada e fiel aos preceitos tradicionais da magistratura.

Segundo o analista, a ministra segue a tendência de evitar os holofotes e as grandes discussões políticas, "preferindo se manifestar exclusivamente através dos autos dos processos. Essa postura mais discreta contrasta fortemente com a de seu antecessor".

A ascensão de Cármen Lúcia à presidência do TSE é um marco significativo, destacando a importância da participação feminina nas instâncias de poder. Contudo, conforme aponta a advogada e ex-desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) Fernanda Caldas Menezes, o espaço político e jurídico ainda se mostra hostil para as mulheres. Esse cenário reforça a necessidade de continuar a debater a igualdade de gênero nas esferas de poder.

"Para além da importância do assento da 'mulher' Cármen Lúcia em instância decisória tão importante, a ministra, com seu estilo discreto e pouco midiático, juntamente com o ministro Nunes Marques na vice-presidência da casa, enfrentarão, além de eleições municipais, assuntos polêmicos, cuja linha decisória do seu antecessor, ministro Alexandre de Moraes, já foi traçada e, ao que tudo indica, será seguida pela presidente, apesar de ser esta a primeira vez em que quadros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ocupam a maioria das cadeiras destinadas a ministros do Supremo na Corte Eleitoral", sublinha Menezes à Sputnik Brasil.

Cármen Lúcia, conhecida por seu estilo discreto e avesso aos holofotes, terá como vice-presidente o ministro Nunes Marques. Juntos, de acordo com a ex-desembargadora eleitoral, eles enfrentarão uma série de desafios significativos, incluindo a condução das eleições municipais e a gestão de questões polêmicas deixadas por Alexandre de Moraes.

Segundo a advogada, que é sócia do escritório Menezes Rabelo Napravnik e Martorelli Família e Sucessões, a inelegibilidade de Jair Bolsonaro será revisitada pela nova ministra, além de "a cassação do mandato de Deltan Dallagnol, o enfrentamento de notícias falsas e o uso da inteligência artificial no pleito".

Esses "serão alguns dos desafios a serem conduzidos pela única mulher a ter assumido esse posto no Brasil".

·        Mandato de Moraes

Alexandre de Moraes deixa o comando do TSE após um biênio que, segundo Carvalho, foi percebido como extremamente longo e turbulento por muitos juristas. Durante sua gestão, Moraes ocupou dois postos-chave: além de presidir o TSE, ele também comandou a ação penal contra as fake news, que atingiu diretamente os poderes da República, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça brasileira.

"Alexandre de Moraes termina um biênio que provavelmente durou uma eternidade para muitos juristas que analisavam sua posição frente ao TSE, e ele ocupou dois pontos, postos-chave. Um foi de juiz da ação penal contra as fake news, que atingiu de maneira direta os poderes da República: mais propriamente o Supremo Tribunal Federal e a Justiça brasileira", pontua Ernani à Sputnik Brasil.

Ele continua: "Uma ação penal que foi determinada para o seu comando por Dias Toffoli, sem utilização do mecanismo de distribuição. Então foi uma coisa já passando por um processo atípico, para muitos irregular, e que fere o procedimento adequado de distribuição das ações na Corte."

 

Fonte: The Intercept/Sputnik Brasil

 

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