As terapias de 'conversão' de gays que
persistem na Itália
Rosario Lonegro tinha
só 20 anos quando ingressou em um seminário católico na Sicília, Itália, como
aspirante a padre, para ser ordenado. Mas, no seminário, ele se apaixonou por
outro homem e os seus superiores exigiram que ele se submetesse a uma terapia
de conversão destinada a apagar as suas preferências sexuais se quisesse
continuar no caminho do sacerdócio.
"Foi o período
mais sombrio da minha vida", disse ele à BBC, relembrando sua experiência
no seminário em 2017.
Assustado com culpa e
medo de cometer um pecado aos olhos da Igreja Católica, Rosário disse que
"se sentia preso, sem outra escolha senão suprimir o meu verdadeiro
eu".
"A pressão
psicológica para ser alguém que eu não era era intransponível. Eu não poderia
mudar, não importa o quanto tentasse."
Durante mais de um
ano, ele foi obrigado a participar de reuniões espirituais fora do seminário,
algumas durante vários dias, onde foi submetido a uma série de atividades
destinadas a privá-lo de sua orientação sexual.
Isso incluiu ser
trancado em um armário escuro, ser coagido a se despir na frente de outros
participantes e até ser obrigado a realizar seu próprio funeral.
Durante estes rituais,
ele foi incumbido de escrever as suas falhas, como
"homossexualidade", "abominação", "falsidade" — e
alguns termos ainda mais explícitos — que ele foi obrigado a enterrar sob uma
lápide simbólica.
• 'Eu achava que precisava ser curado'
A Organização Mundial
da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da sua lista de perturbações mentais
em 1990. Diversas pesquisas científicas concluíram que as tentativas de mudar a
orientação sexual de uma pessoa não são apenas ineficazes, mas também prejudiciais
à saúde.
Na França, Alemanha e
Espanha as terapias de conversão foram oficialmente proibidas. Há esforços para
proibí-las também na Inglaterra e no País de Gales. No Brasil, desde 1999 a
prática, conhecida como "cura gay", é vetada pelo Conselho Federal de
Psicologia. Uma liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2019 ratificou o
veto.
Hoje em dia, na
Itália, é difícil determinar com exatidão quantas pessoas ainda sofrem com
essas práticas, que são denunciadas na maioria por homens, mas também às vezes
por algumas mulheres. Não existe uma definição legal padronizada para essas
terapias.
Nos últimos meses, no
entanto, a BBC entrevistou vários jovens gays em todo o país que compartilharam
as suas experiências de serem submetidos a reuniões de grupo pseudocientíficas
ou sessões de terapia individual com o objetivo de os transformar em heterossexuais.
Um homem de 33 anos
que participou neste tipo de reuniões durante mais de dois anos disse: "Eu
queria me reconciliar comigo mesmo. Eu não queria ser homossexual. Eu achava
que precisava ser curado."
"Eu via isso como
meu único caminho para ser aceito", disse outro. Ele não estava tentando
se tornar padre, mas apenas buscando aceitação em sua vida cotidiana.
A chamada terapia de
conversão gay não se limita a uma região específica da Itália — reuniões de
grupo e sessões de terapia individuais acontecem em todo o país, algumas até
dirigidas por psicoterapeutas com licenças. Em alguns casos, estes encontros e
sessões de terapia não são oficiais, muitas vezes promovidos através de
conversas discretas e recomendações secretas.
Outros cursos são
anunciados publicamente. Há personalidades conhecidas nos círculos
conservadores da Itália que procuram ativamente seguidores em plataformas de
redes sociais para promover a sua capacidade de mudar orientações sexuais.
Na Sicília, Rosario
Lonegro foi submetido principalmente a reuniões organizadas pelo grupo espanhol
Verdad y Libertad (Verdade e Liberdade), sob a liderança de Miguel Ángel
Sánchez Cordón. Desde então, este grupo foi desfeito e foi rejeitado pela
Igreja Católica.
No entanto, o padre
italiano que originalmente indicou Lonegro para estas práticas recebeu uma
posição superior dentro da Igreja. E há outros que seguem se inspirando nos
métodos de Sánchez Cordón na Itália.
Muitas das pessoas com
quem a BBC conversou foram indicadas para se tratarem com Luca di Tolve, um
"treinador moral/espiritual" que ganhou reconhecimento através de seu
livro intitulado Eu já fui gay. Em Medjugorie eu me encontrei.
Em seu site, Di Tolve
e sua esposa se gabam de serem um "casal contente" que busca
"ajudar qualquer pessoa cuja identidade sexual esteja em crise,
ajudando-os a exercer genuinamente sua liberdade para determinar quem desejam
ser como pessoa". Contatado pela BBC, Di Tolve não respondeu.
Outra personalidade
famosa é Giorgio Ponte, um escritor bem conhecido nos círculos
ultraconservadores italianos. Ele diz que quer ajudar as pessoas a superarem a
sua homossexualidade e a serem libertadas, contando a sua própria história como
um homem com impulsos homossexuais que está no seu caminho "potencialmente
vitalício" para a liberdade.
"Na minha
experiência, a atração homossexual decorre de uma lesão na identidade de alguém
que esconde necessidades não relacionadas ao aspecto sexual-erótico, mas sim
ligadas a uma percepção distorcida de si mesmo, e que se reflete em todos os
aspectos da vida", disse ele à BBC.
"Eu acredito que
uma pessoa homossexual deve ter a liberdade de tentar [tornar-se
heterossexual], se quiser, sabendo, no entanto, que isso pode não ser possível
para todos."
• 'Quando eu a beijei, não senti que era
natural'
Nos últimos anos,
dezenas de jovens homens e mulheres buscaram orientação de pessoas como Di
Tolve, Ponte e Sánchez Cordón. Entre eles está Massimiliano Felicetti, de 36
anos, um homem gay que tentou mudança de orientação sexual durante mais de 15
anos.
"Comecei a me
sentir desconfortável comigo mesmo desde muito cedo, sentia que nunca seria
aceito pela minha família, pela sociedade, pelos círculos da Igreja. Achei que
estava errado, só queria ser amado e essas pessoas me ofereceram
esperança", disse ele.
Felicetti disse que
tentou soluções diferentes, consultando psicólogos e membros do clero que se
ofereceram para ajudá-lo a se tornar heterossexual. Porém, há cerca de dois
anos, ele decidiu parar de tentar. Um frade que sabia de sua luta o encorajou a
começar a namorar uma mulher, mas ele disse que não se sentia natural.
"Quando a beijei
pela primeira vez, não senti que era natural. Era hora de parar de
fingir", disse Felicetti.
Há alguns meses, ele
se declarou gay para sua família. "Demorou anos, mas pela primeira vez
estou feliz por ser quem sou."
Apesar das tentativas
de governos anteriores em promover uma lei contra as terapias de conversão,
nenhum progresso foi feito na Itália. O governo de direita liderado por Giorgia
Meloni adotou até agora uma postura hostil em relação aos direitos LGBT, com a
própria primeira-ministra prometendo combater o chamado "lobby LGBT"
e a "ideologia de gênero".
A falta de progresso
não surpreende Michele Di Bari, pesquisadora de direito público comparado na
Universidade de Pádua, que afirma que a Itália é estruturalmente muito mais
lenta na implementação de mudanças em comparação com outros países da Europa
Ocidental.
"Este é um
fenômeno muito difícil de identificar, visto que é uma prática proibida pela
própria ordem de psicólogos da Itália. No entanto, no sistema jurídico
italiano, não é considerado ilegal. Pessoas que praticam isso não podem ser
punidas."
Especialistas
acreditam que a Itália tem demorado em proibir estas práticas controversas em
parte devido à forte influência católica no país.
"Este pode ser um
dos elementos que, juntamente com uma cultura fortemente patriarcal e machista,
torna mais difícil a compreensão mais ampla da homossexualidade e dos direitos
LGBT", disse Valentina Gentile, socióloga da Universidade LUISS de Roma.
"No entanto,
também é justo dizer que nem todo o catolicismo é hostil à inclusão da
diversidade e a própria Igreja está em um período de forte transformação a este
respeito."
O papa Francisco disse
que a Igreja Católica está aberta a todos, incluindo a comunidade gay, e que a
instituição tem o dever de acompanhar todos em um caminho pessoal de
espiritualidade, mas dentro do âmbito das suas regras.
No entanto, o próprio
Papa teria usado um termo altamente depreciativo em relação à comunidade LGBT
quando disse, em uma reunião à portas fechadas com bispos italianos, que os
homossexuais não deveriam ser autorizados a se tornarem padres. O Vaticano emitiu
um pedido oficial de desculpas.
Rosario Lonegro deixou
a Sicília para trás e agora mora em Milão. Após um colapso nervoso em 2018, ele
deixou o seminário e o grupo de terapia de conversão.
Embora ainda acredite
em Deus, ele não quer mais ser padre. Ele divide apartamento com o namorado,
estuda filosofia e faz trabalhos ocasionais como freelancer para pagar a
universidade. Contudo, as feridas psicológicas infligidas pela experiência
ainda são profundas.
"Durante essas
reuniões, um mantra me assombrava e era repetido inúmeras vezes: 'Deus não me
fez assim. Deus não me tornou homossexual. É apenas uma mentira que conto a mim
mesmo'. Eu achava que eu era perverso", disse ele.
"Eu nunca
esquecerei aquilo."
Fonte: Por Davide
Ghiglione, da BBC News em Roma
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