segunda-feira, 4 de março de 2024

Luiz Carlos Azedo: Novo coronelismo mostra abuso de poder econômico e impunidade

Um presidente da República não pode ser investigado nem processado pelo Supremo Tribunal Federal no exercício do mandato. Somente o Congresso pode fazê-lo, por um processo de impeachment, seja por causa da compra irregular de um Fiat Elba, seja uma "pedalada fiscal", como aconteceu com os ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, respectivamente. É um processo político, cujo desfecho depende da consistência de sua base parlamentar. Ministros do STF também têm prerrogativas excepcionais, mas podem ter seus mandatos cassados pelo Senado.

Senadores e deputados não têm essa prerrogativa. Podem ser investigados e processados, como qualquer cidadão, mas apenas pelo Supremo. Agora, porém, a oposição e o baixo clero da Câmara se articularam para votar uma mudança constitucional que lhes garanta impunidade no exercício do mandato, obstruindo investigações da Polícia Federal (PF), que só ocorrem a mando do STF, por terem foro privilegiado. Além disso, querem acabar com esse mesmo foro para serem processados em primeira instância e, ainda, proibir decisões monocráticas sobre a constitucionalidade de suas deliberações e restringir o mandato dos ministros do Supremo.

Antes de outras considerações, é importante destacar que, aqui, não se trata de jogar a criança fora com a água da bacia. O Congresso é a representação política do conjunto da sociedade, reflete seu nível cultural e de consciência social, um perfil que, historicamente, está associado à qualidade da formação educacional dos eleitores, à forma como a sociedade se estrutura e ao regime político. O conservadorismo, o negacionismo, a transgressão e outros comportamentos que se fazem representar no Congresso somente serão superados quando houver uma ruptura da modernização do país com o atraso, o que nunca ocorreu.

Esse mesmo Congresso é o pilar da democracia e protagonista das reformas necessárias à modernização do Estado brasileiro, embora, ao mesmo tempo, conviva com a exclusão e as iniquidades sociais. Não pode ser objeto de um olhar maniqueísta. Tanto que não embarcou na tentativa de golpe de 8 de janeiro — manteve-se fiel à Constituição e respeitou o resultado das urnas, embora a maioria de suas lideranças tenha apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro.

·        Partidocracia

Desde o tsunami eleitoral de 2018, o Congresso, liderado pela Câmara dos Deputados, opera um movimento de blindagem eleitoral que se caracteriza pelo abuso do poder econômico nas eleições, por meio de vultosas verbas do Orçamento da União e do controle sobre os fundos partidário e eleitoral. O continuado esforço da cúpula das legendas para controlar verticalmente os partidos, por meio de comissões provisórias, e assegurar a reprodução dos seus mandatos, com o financiamento público, restringe as possibilidades de renovação política, porque cria uma "disparidade de armas" nas campanhas eleitorais. Um claro abuso de poder econômico, inclusive dentro das próprias legendas.

Os mandatos se perpetuam ou se renovam no próprio âmbito familiar, por razões etárias ou legais. Esse fenômeno não é novo, mas recrudesceu com a emergência das redes sociais e a eleição de "influenciadores" com votações espetaculares, que rompeu as blindagens. Certas frentes parlamentares — evangélicos, agronegócio, bancada da bala, por exemplo, que se apoiam em estruturas poderosas economicamente — transpassam os partidos e, em alguns casos, têm mais influência do que as bancadas nas decisões da Câmara.

O jurista italiano Norberto Bobbio descreve a partidocracia como o domínio dos partidos sobre toda a esfera da vida política: "Em vez de subordinarem os interesses partidários e pessoais aos interesses gerais, grandes e pequenos partidos disputaram para ver quem consegue desfrutar, com maior astúcia, de todas as oportunidades para ampliar a própria esfera de poder. Em vez de assumirem as responsabilidades de seus comportamentos mais clamorosos e criticáveis, empregam toda a habilidade dialética para demonstrar que a responsabilidade é do adversário, a tal ponto que o país vai se arruinando e ninguém é responsável" (As ideologias e o poder em crise, Editora UnB, DF, 1999).

As principais ferramentas da partidocracia são o financiamento público das legendas e das campanhas, e a atribuição de cargos em vastos setores da sociedade e da economia, segundo critérios predominantemente políticos. Essa formulação nasceu na crise política italiana dos anos 1980, que levaria de roldão seus principais partidos - Democracia Cristã, Partido Comunista e Partido Socialista —, mas se aplica perfeitamente ao que estamos vendo no Brasil. Em algum momento, a sociedade reagirá como em junho de 2013.

Entretanto, temos uma agravante: a simbiose com o coronelismo recidivo, alavancado pelo poder do agronegócio. Clássico da ciência política brasileira, Coronelismo, enxada e voto, o município e o sistema representativo no Brasil (Companhia das Letras), de Victor Nunes Leal, publicado em 1948, descreveu o fenômeno como um sistema que articulava os poderes central e local, a partir dos interesses da elite rural.

Inaugurado pelo governo Campos Sales (1898-1902), com sua política dos governadores, na base do "é dando que se recebe", era uma cadeia de favores que se estendia do presidente da República aos fazendeiros e trabalhadores rurais, por meio do chamado voto de cabresto, imposto pela força dos coronéis da antiga Guarda Nacional. O título era adquirido por representantes da elite rural e que lhe dava o direito de formar suas próprias milícias. Não estamos nesse estágio, mas chegamos perto no governo Bolsonaro.

 

Ø  Zema diz temer 'parcialidade' da Justiça em relação a Bolsonaro

 

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo-MG),  em entrevista ao Estadão, em Porto Alegre (RS), enfatizou que "teme a parcialidade" do judiciário brasileiro diante da apuração da Polícia Federal em relação a tentativa de golpe de Estado supostamente orquestrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. O inquérito está nas mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

“Eu sempre falo que quem não deve, não teme. Eu só temo que possa haver alguma parcialidade. Aí é que está a questão. A Justiça no Brasil, no meu entender, tem demonstrado que, muitas vezes, tem julgado de acordo com interesses políticos e não de acordo com a lei. E isso me parece que ficou bastante acentuado nesses últimos 14 meses”, afirmou Zema.

Os 14 meses destacados pelo governador coincide com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os atos golpistas do 8 de Janeiro.

Na entrevista, Zema criticou o governo de Lula que, para ele, gasta mais do que arrecada, e defendeu a gestão de Bolsonaro, citando o acordo para a expansão do metrô de Belo Horizonte, queda na criminalidade e medidas que proporcionam, na visão do governador, o atual crescimento econômico do Brasil e ainda lembrou que Bolsonaro "teve dificuldades" por causa da pandemia.

Sobre a sua participação no ato da Avenida Paulista, convocado por Bolsonaro para que pudesse se defender, Zema declarou que "tinha diversos outros compromissos em São Paulo e julguei que seria altamente positivo estar junto com o presidente que levou grandes melhorias para Minas Gerais”.

Romeu Zema também criticou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT). Em Belo Horizonte, na última na quinta-feira (29/02), o ministro elogiou a atuação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na renegociação da dívida de Minas Gerais, mas criticou Zema sem citá-lo nominalmente. “Tem muita gente que fala, mas não resolve, não apresenta soluções”, declarou Padilha. Pacheco tem se aproximado de Lula e é cotado para se candidatar a governador em 2026 com o apoio do presidente e do PT.

O governador relembrou a gestão de Fernando Pimentel (PT), seu antecessor, para rebater o ministro. O governo do petista foi marcado por atrasos salariais e nos repasses constitucionais da arrecadação com impostos para os municípios. "Eu acho que ele (Padilha) não deve ir a Minas já há 10 anos ou mais”, alfinetou Zema.

 

Ø  Governadores do Sul e Sudeste se unem contra crime organizado e pedem leis mais duras

 

Estados do Sul e do Sudeste firmaram um Pacto Regional de Segurança Pública neste sábado, 2, para enfrentar o crime organizado. Um gabinete integrado de inteligência será criado para compartilhar informações e os policiais farão cursos de forma conjunta para aumentar a integração entre as forças de segurança e padronizar procedimentos e técnicas.

O pacto propõe ainda uma série de mudanças para endurecer a legislação brasileira no enfrentamento ao crime organizado, além de compras compartilhadas de equipamentos, como já havia sido anunciado. A iniciativa foi apresentada no encerramento da 10ª edição do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) neste sábado.

Os projetos de lei serão entregues aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Os governadores planejam realizar reuniões em Brasília com as respectivas bancadas para pedir apoio às propostas. O Cosud é formado por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), disse que o foco das medidas é aumentar o "custo do crime". "Que a gente possa revisar, por exemplo, a liberdade provisória nas audiências de custódia, sempre olhando o membro da organização criminosa, focado em quem produziu o crime violento. Vamos sempre olhar para aquele que é reincidente. Isso vai trazer paz para o nosso cidadão", disse ele.

Uma das propostas é ampliar as justificativas possíveis para a realização de abordagens policiais. Segundo Eduardo Leite (PSDB-RS), a lei atual possibilita que mesmo prisões em flagrantes sejam revertidas caso a abordagem não seja baseada em uma razão objetiva ou dados de inteligência.

"O que estamos pleiteando é que se coloque o respaldo na legislação à abordagem policial que encontre sustentação de forma justificada, mas por questão de comportamento, de local e de outros temas", disse o governador gaúcho, acrescentando que continuariam proibidas abordagens com base em preconceitos de raça, culto e orientação sexual.

"Mas a percepção do agente policial do comportamento de alguém em determinado local e circunstância, que tenha elementos subjetivos, precisa sim ser entendida como motivador que fundamenta a abordagem policial", acrescentou Leite.

Os governadores também propõem que o crime de homicídio, quando praticado a mando de uma facção criminosa, passe a ser considerado homicídio qualificado, que tem regras mais rígidas para progressão de regime. No homicídio simples, o preso pode progredir para o semiaberto a partir do cumprimento de um sexto da pena. Com a mudança proposta, o critério seria de dois terços da pena.

"Alguém portando um fuzil, alguém de tráfico ou milícia não pode ser considerado um criminoso comum", disse Cláudio Castro (PL-RJ). Segundo o governador fluminense, 61% da população carcerária do Rio de Janeiro integra facções criminosas. "Hoje não há um temor pela lei. Vale a pena estar na fila do crime. Se você em dois anos está na rua, depois de tomar uma condenação de oito anos, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, o crime passa a compensar".

Outra mudança defendida é inserir o conceito de "habitualidade criminosa" para permitir a decretação de prisão preventiva, em vez de liberdade provisória, durante as audiências de custódia nos casos em que houver provas de que a prática de crimes é recorrente, mesmo que não haja condenação transitada em julgado.

Por fim, os governadores demonstraram apoio ao fim das saídas temporárias, projeto aprovado pelo Senado em fevereiro e que retornou à Câmara dos Deputados. Eles também querem a regulamentação do acesso às informações sobre monitoramento eletrônico.

O gabinete integrado de inteligência será formado por servidores vinculados às forças de segurança pública que tenham capacitação na área. O objetivo é compartilhar conhecimento envolvendo o crime organizado. O órgão será itinerante e ficará seis meses em cada Estado do Cosud.

A reunião de Porto Alegre também chegou a um consenso sobre o estatuto que regerá o consórcio. No próximo encontro, no Espírito Santo, será elaborado o contrato de rateio que estabelecerá quanto cada Estado gastará para manter a estrutura do Cosud.

·        Governadores amenizam tom sobre renegociação da dívida com o governo federal

Os governadores também atenuaram o tom na coletiva à imprensa em relação às queixas que foram feitas em uma reunião fechada na sexta-feira, 1º, sobre a atuação do Ministério da Fazenda na negociação para alterar o indexador das dívidas dos Estados com a União.

Leite, por exemplo, afirmou que a tônica do debate não foi de reclamação sobre o ministério de Fernando Haddad (PT), que, segundo ele, tem demonstrado "compreensão e sensibilidade". O governador disse ainda que o diálogo tem sido "consistente e constante". "Algum tipo de discussão sobre uma dificuldade pontual de evolução não significa que a tônica da reunião tenha sido uma reclamação sobre o governo federal", afirmou o gaúcho.

Como mostrou o Estadão, os governadores debateram a possibilidade de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), mobilizar as bancadas federais para aprovar as mudanças pleiteadas no Congresso Nacional e até mesmo suspender coletivamente o pagamento da dívida como forma de pressionar o governo federal.

A principal crítica é que as discussões se arrastam e as mudanças não são implementadas. Leite citou que o tema é importante mesmo para Estados como São Paulo, que conseguem arcar as parcelas da dívida. Ele relatou que em uma conversa com Tarcísio, o governador paulista lhe disse que paga R$ 21 bilhões de dívida por ano, o que corresponde à construção de uma linha do metrô paulista.

O argumento dos governadores é que o regime atual, em que as dívidas são corrigidas de acordo com o IPCA mais taxa de 4% ao ano - limitada à taxa Selic, atualmente em 11,25% -, estrangula os orçamentos estaduais e impede o investimento em infraestrutura e na melhoria dos serviços públicos. A proposta é que o indexador passe a ser uma taxa de juros fixa de 3% sem a atualização monetária.

A expectativa dos governadores é que a mudança seja efetivada ainda em 2024. Castro classificou o tema como "urgente" pois significaria a sobrevivência dos Estados com a situação financeira mais delicada, como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e a capacidade de investimento público dos demais.

"O que foi levantado pelos técnicos ontem é que nós já avançamos demais nas propostas. E que nós chegamos na fase de que, ou temos medidas efetivas, ou mês a mês continuamos sangrando com as parcelas", disse o mandatário fluminense.

Ele disse que a discussão de sexta-feira, 1º, era se os Estados continuariam agindo somente junto ao governo federal ou se, como estratégia, iriam para outras "arenas", como o Congresso Nacional e o STF. "Não tem nada de reclamação aqui sobre o Ministério da Fazenda. O que tem é uma questão de estratégia para que possamos ter o nosso pleito atendido. Ninguém entra no jogo para perder", afirmou Cláudio Castro.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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