sábado, 30 de março de 2024

César Fonseca:  militares fazem revisão ideológica do comunismo e se abrem ao diálogo com Lula por pacto cívico

No calor do tema sobre se deve ou não debater o golpe de 1964, declaração do presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Francisco Joseli Parente Camelo, à TV Bandeirante, de que a esquerda brasileira não é comunista, levanta a possibilidade de discussão que favorece o fortalecimento da democracia.

A partir desse entendimento da alta cúpula jurídico-militar, abre-se ou não espaço para negociar pacto político cívico-militar quanto à conclusão do ministro de que a esquerda quer, na verdade, é o bem do Brasil, a justiça social e não o confronto ideológico?

Se a esquerda é a encarnação do desejo nacional por uma sociedade justa e equitativa para promover desenvolvimento com distribuição da renda nacional, a reflexão do ministro do STM, ao contrário das acusações da direita e ultradireita bolsonarista, visa o entendimento e não o desentendimento entre esquerda e militares, que racham, histórica e institucionalmente, o país há quase 90 anos, desde a Intentona Comunista de 1935, na Era Vargas

Estaria ou não aberta oportunidade de criação de um Partido da Justiça Social (PJS), no Brasil, como instrumento da esquerda nacional, para negociar pacto político cívico-militar, capaz de produzir reformas necessárias à consolidação da democracia brasileira?

Que a esquerda brasileira não é comunista, que talvez nunca tenha sido, demonstram inúmeros testemunhos.

O substrato epistemológico que sustenta tal conclusão do ministro é o de que, essencialmente, a esquerda deseja que haja, tão somente, justiça social para que a sociedade brasileira seja feliz e próspera.

Desse modo, a sugestão do presidente do STM parece ser favorável que a esquerda se represente como um bloco político unido como Partido da Justiça Social (PJS), para materializar sua essência democrática.

Seria ou não conjugação de forças progressistas que defendem, historicamente, programa econômico promotor de distribuição de renda, da reforma agrária, da reforma administrativa, da reforma financeira etc., que levem ao capitalismo produtivo de viés social, como deseja o presidente Lula?

Os militares, se o ministro Joseli estiver falando por eles, representariam o oposto do que está em vigor no Brasil: o neoliberalismo, modelo fiscal e monetário ortodoxo, que aprofunda a miséria e a divisão social, capaz de produzir perigo constante de guerra civil no país, ou seja, o perigo do próprio comunismo.

Pintaria parceria política cívico-militar para romper com o neoliberalismo, condenado pelo sociólogo Emir Sader, como maior obstáculo ao desenvolvimento nacional?

Nesse sentido, o pensamento político militar do ministro Joseli conjuga com o de Lula, que busca construir o Brasil com tais pressupostos políticos, econômicos e sociais.

Trata-se da tarefa essencial de vencer o subdesenvolvimento e o subconsumismo, que não deixam o país prosperar, mediante justiça social para todos, no plano democrático, sem radicalismos ideológicos.

IDEOLOGIA ULTRAPASSADA

O titular do STM deixa claro que o comunismo é algo já ultrapassado e não está, nunca esteve, nas cogitações do presidente Lula, cuja base ideológica é o sindicalismo, instrumento que se desenvolve sob o capitalismo, implicando não em supressão, mas em preservação da propriedade privada.

Lula, portanto, no entender do ministro do STF, não tem nada a ver com as acusações que o ex-presidente Jair Bolsonaro faz contra ele, de ser comunista, contra propriedade privada, religião e família.

O próprio Partido Comunista Brasileiro, o histórico Partidão, cruelmente, perseguido pelos militares no pós-golpe de 1964, houve por bem renunciar ao comunismo, para buscar conciliação com eles, como explica, didaticamente, o jornalista e escritor, Eumano Silva, no livro “LONGA JORNADA ATÉ DEMOCRACIA – Os 100 anos do Partidão – 1922/2022”.

No famoso 6º Congresso de 1967, o PCB deu uma guinada ao centro político, buscando conciliar-se com as tropas, para reverter o quadro político adverso à esquerda, de modo a acelerar a volta à estabilidade democrática perdida no violento golpe da caserna, apoiada pelos Estados Unidos em 1964.

REAÇÃO TARDIA

O PCB entendeu, tardiamente, que a via ultrarradical da esquerda revolucionária aprofundaria a divisão-polarização-radicalização nacional.

Não possuíam os esquerdistas em seu conjunto a correlação de forças para levar adiante a proposição capitalista de Jango, derrubado em 1964, de promover as reformas de base, que anunciou no mais importante discurso político da história do Brasil em 13 de março de 1964.

O PC fez revisão de sua participação, naquele momento histórico, reconhecendo que a radicalização da esquerda – no auge da guerra fria EUA-União Soviética –, que influenciou o discurso de 13 de março, produziu o seu contra polo: a radicalização da direita fascista, apoiada por Washington.

Na prática, o Partido Comunista, no seu 6º Congresso, fez, também, revisão do seu erro de ter empunhado armas contra Getúlio Vargas, na Intentona Comunista de 1935, liderada por Luiz Carlos Prestes, orientado por Stalin/Moscou, dando tiro no pé, por brigar contra governo nacionalista.

Trotsky, perseguido por Stalin, orientador de Prestes, criticou, no México, como exilado do nacionalista Cardenas, o PCB por não entender que o inimigo do comunismo não era Getúlio, mas o imperialismo inglês.

Vargas, logo depois da revolução de 1930, havia feito reforma monetária e fiscal, seguida de moratória da dívida pública, e constatou a exploração financeira inglesa sobre a economia brasileira, ao longo de todo século 19.

Tal exploração se apresentou mais intensamente na República Velha, cujas consequências foram o nascimento do próprio Partido Comunista, em 1922, e a Revolução de 1930, liderada por Getúlio/Tenentes.

Saneadas as finanças nacionais, o varguismo promoveu crescimento econômico social sustentável que fez PIB avançar média de 7% ao ano até 1945. 

O imperialismo americano, que, no pós-guerra, derrubou o imperialismo inglês, viu no getulismo uma ameaça, mas o trabalhista anticomunista Getúlio negociou com Roosevelt a industrialização brasileira em troca da permissão das tropas militares americanas no território nacional, aliando-se, portanto, não à Alemanha nazista, mas aos Estados Unidos democrata. 

PCB JOGOU CONTRA TRABALHISMO

O fato é que os erros históricos do PCB trabalharam contra a esquerda nos pós-1964, mesmo com os comunistas fazendo revisão histórica dos seus equívocos, o que não os livrou, durante a ditadura 1964-1984, de cruel perseguição.

Em outra circunstância histórica, comparada ao período getulista, de 1930 a 1945, o trabalhista histórico, Jango Goulart, aliado de Getúlio, acabaria sofrendo as consequências políticas de sua aproximação demasiada com o PCB, em 1964.

O PCB incendiou o antiamericanismo quando Washington radicalizava contra a União Soviética que havia apoiado a revolução cubana e o líder Fidel Castro, cuja influência em toda a América Latina era, naquele momento, irresistível.

As reformas janguistas, por isso, foram taxadas de comunistas, quando, na verdade, eram capitalistas.

Todo capitalismo desenvolvido, historicamente, realizou reforma agrária como pressuposto estratégico do desenvolvimento capitalista, da formação do mercado interno, capaz de consumir mercadorias produzidas no modelo de desenvolvimento burguês.

Jango, nacionalista, consciente da sua origem agrária, latifundiária, era, politicamente, avançado, na linha de Getúlio e Brizola, e jamais empreendeu o comunismo do PCB, mas o nacionalismo trabalhista desenvolvimentista varguista.

Em vez de destruir a propriedade privada, reajustou em 100% o valor do salário-mínimo, para os trabalhadores possuírem suficiente poder de compra para consumir mercadorias capitalistas, enriquecendo os empresários.

As reformas de base de Jango eram complemento necessário do desenvolvimento nacionalista social-democrata getulista, seguido, depois, pelo capitalismo juscelinista, empenhado em fazer no Brasil o que na China Deng Siao Ping faria, posteriormente, atraindo empresas internacionais para tocar desenvolvimento nacional.

 DIVISÃO DOS MILITARES PÓS-64

Mesmo os militares, que se dividiam entre nacionalistas e americanistas, seguiram a linha de Getúlio, como fez Geisel, alavancando, durante ditadura, empresas estatais, iniciada no tempo de Vargas, como Petrobrás e Eletrobrás, para alcançar o desenvolvimento econômico soberanamente sustentável.

Geisel não tinha nada de esquerda, mas foi “derrubado” pelos americanos porque ousou realizar acordo militar e nuclear com os alemães, contrariando, frontalmente, Washington.

A história, portanto, demonstra que a herança de Getúlio calou fundo nos militares nacionalistas geiselistas que confrontaram Washington, assim como fizera Jango, antes do golpe, construído para derrubar o nacionalismo getulista que ele, politicamente, encarnava.

O que agora conclui o presidente do Superior Tribunal Militar, ministro Francisco Joseli, na entrevista à TV Bandeirante, nessa terça feira, é o óbvio ululante: a esquerda brasileira não é comunista, pois o próprio Partido Comunista se afastaria do comunismo depois de 1964, para buscar uma conciliação com os quarteis, tentando fugir do fantasma da Intentona de 1935. 

CONCILIAÇÃO LULISTA COM MILITARES

Talvez as palavras do presidente do STM expliquem por que o presidente Lula, nesse momento, busca conciliação com os militares, enquanto racha a esquerda, na véspera de mais um aniversário do golpe de 1964, deixando irritadas famílias que perderam seus entes queridos nas profundezas da crueldade militar fascista.

Lula, com seu gesto, corre de confronto com os fardados, já que, nesse momento, sofre as duras consequências do golpe de 8 de janeiro de 2023, comandado pelo ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, apoiado por parte das forças armadas, que insiste no fracassado mote comunista para detonar a esquerda.

A síntese do presidente do STM de que a esquerda brasileira não é comunista abre, portanto, uma janela de oportunidade para debate.

A esquerda e os militares, frente à fala do ministro Joseli, têm ou não campo aberto para conciliação, não explicitamente defendida por Lula, mas por ele induzida, com cautela política?

A cabeça política lulista, dessa forma, renunciando à polêmica, que, no seu entender, levantaria debate sobre 1964, encabeçado pelo governo, tenta detonar status quo político que produziu o fascismo bolsonarista.

O titular do Planalto contorna, politicamente, a polarização política que racha o país ao meio, em meio ao neoliberalismo que não deixa o país crescer, graças ao fantasma do comunismo, alimentado pelos fanáticos, que não existe mais, só na cabeça de doido, como o ex-presidente Messias Bolsonaro.

Chegou ou não a hora da esquerda fugir da sua divisão política intrínseca para uma composição extrínseca, em torno do sonho que ela alimenta, conforme racionalização do ministro Joseli, do STF, de construir a justiça social no Brasil?

Um Partido da Justiça Social(PJS) seria ou não decisivo para alcançar esse objetivo?

 

Fonte: Brasil 247

 

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