domingo, 28 de janeiro de 2024

Ataques a tropas dos EUA no Iraque e Síria mostram 'aura de invencibilidade' perdida, diz analista

Enquanto discursava no Fórum Econômico Mundial em Davos, o primeiro-ministro iraquiano, Mohammed Shia al-Sudani, reiterou o seu apelo para que as tropas dos EUA abandonassem o país. O "fim da missão da coalizão liderada pelos EUA é uma necessidade para a segurança e estabilidade do Iraque", disse ele.

Esse apelo foi apoiado pelo brigadeiro-general Yahya Rasool, porta-voz do Comando Conjunto de Operações do Iraque, no domingo (21), um dia depois de vários foguetes e mísseis terem sido disparados contra a base aérea de al-Assad, que abriga tropas norte-americanas, ferindo alguns de seus integrantes.

"O governo iraquiano está decidido a pôr fim ao envio de forças estrangeiras ao país", disse Rasool. O ataque foi um de uma série de ataques que continuaram a atormentar as forças dos EUA na Síria e no Iraque.

Seyed Mohammad Marandi, professor de literatura inglesa e orientalismo na Universidade de Teerã, disse à Sputnik que "o governo norte-americano fez o governo iraquiano refém", observando que as vendas de petróleo iraquiano passam por contas bancárias nos EUA e "quando [os EUA] querem alguma coisa, não dão o dinheiro", até conseguirem "o que querem do Iraque".

No entanto, os ataques contínuos às forças dos EUA e a sua incapacidade de os evitar mudaram a percepção da América do Norte em todo o mundo. E "que eles visam regularmente as posições norte-americanas, os americanos perderam essa aura [de invencibilidade]", afirmou o analista. "Se você puder lançar alguns foguetes ou disparar alguns mísseis todos os dias, isso mostra que eles [...] não são uma potência real. Eles são vulneráveis. Eles são fracos".

Mirandi argumentou que "os Estados Unidos pensam que estão ganhando dessa forma, mas estão apenas perdendo. [...] Não vai melhorar, vai piorar". O especialista explicou que as ações do governo dos EUA os tornam desprezados em todo o mundo, e disse que os EUA "são vistos como um bandido, um bandido com quem você tem que lidar [...]. Você sabe que tem que tratá-lo com respeito, mas você o odeia", reforçou. O professor comparou isso à China e à Rússia, que, segundo ele, não tratam os países da mesma maneira.

"Portanto, o seu poder brando, o seu poder econômico, o seu interesse econômico conseguem se expandir com muito mais facilidade", explicou. "Quando se trata dos norte-americanos, todos querem ter o valor mínimo que podem ter para mantê-los quietos, mas quando se trata de outros potenciais [...] parceiros, eles querem o máximo possível", explicou.

Marandi também falou sobre o desejo cada vez menor do governo dos EUA de criticar Israel em público e observou o quão interessante é que o Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países), aparentemente a razão pela qual os EUA tiveram de permanecer no Oriente Médio durante tanto tempo, não tenha como alvo as bases dos EUA e até atacou o Irã, sugerindo que "não se morde a mão que o alimenta".

 

Ø  Operação contra houthis pode selar o fim da presença dos EUA no Oriente Médio?

 

Os Estados Unidos, na quarta-feira (24/01), retomaram ataques contra forças houthis no Iêmen, destruindo mísseis antinavio que seriam destinados a ataques no mar Vermelho, declararam as Forças Armadas dos EUA em nota.

De acordo com o porta-voz militar do grupo iemenita, Yahya Saree, um navio militar dos EUA foi diretamente atingido durante o combate no golfo de Áden e no estreito de Bab al-Mandab. "Houve um confronto entre vários destroieres e navios de guerra norte-americanos no golfo de Áden e Bab al-Mandab, que tentavam proteger dois navios comerciais americanos", relatou Saree na plataforma X. "O resultado do confronto foi o seguinte: um ataque direto a um navio americano e forçar os dois navios comerciais americanos a se retirar." 

O confronto ocorre em meio à escalada das hostilidades, após os houthis realizarem ataques contra navios ligados a EUA e Israel, como retaliação à agressão sofrida pelos palestinos na Faixa de Gaza, declarou o grupo iemenita. 

As hostilidades na costa do Iêmen aumentam o risco de conflito regional generalizado e desestabiliza rotas comerciais relevantes. A região é parte de uma das principais conexões marítimas entre a Ásia e a Europa, respondendo por cerca de 15% do tráfego marítimo global.

No entanto, a realização de ataques dos EUA contra o território iemenita está longe de ser um fato inédito, lembra a pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Universidade Estadual Paulista (GEDES-UNESP) e professora na Universidade São Judas Tadeu, Clarissa Nascimento Forner.

"É importante destacar que os EUA têm perpetrado ataques contra os houthis desde 2014, na gestão Obama. "Este envolvimento tem crescido nas últimas administrações, seja democrata ou republicana, sob a rubrica das operações de combate ao terrorismo", declarou Forner à Sputnik Brasil

A administração Biden chegou ao poder com a promessa de modificar a abordagem dos EUA no Oriente Médio e reduzir seu comprometimento militar na guerra no Iêmen. "Durante o início do governo Biden, houve sinalizações de aparente mudança da política para a região, com a retirada dos houthis da lista de organizações terroristas do Departamento de Estado estadunidense", lembrou Forner. 

"Mas a designação foi retomada, diante dos recentes ataques no mar Vermelho", explicou. De fato, três anos depois de reverter ordem de seu antecessor, Donald Trump, e retirar a designação houthi como "organização terrorista", Biden classificou o grupo sob uma nova rubrica, chamada Grupo Terrorista Global Especialmente Designado (SDGT, na sigla em inglês). 

Além da proteção de seu aliado regional, Israel, durante sua operação em Gaza, os ataques dos EUA têm como objetivo atender a interesses de seus parceiros, como a Arábia Saudita e conter as ações de seu rival Irã, considerou Forner. 

"Por fim, há ainda os interesses comerciais de empresas ocidentais, que têm sofrido mais diretamente os ataques, e que utilizam as rotas comerciais do mar Vermelho. Portanto, é possível pensar que a resposta militar, como em outras situações, não atende estritamente a interesses nacionais, mas também a interesses de grupos específicos que compõem o cenário político e econômico de Washington", disse a especialista. 

Estudo recentemente publicado pelo Instituto Kiel de Economia Global aponta um colapso no volume de mercadorias trafegando pelo mar Vermelho, com uma queda de quase 70% no tráfego de contêineres no mês de dezembro.

Empresas do setor de logística têm optado por rotas mais longas, realizando o périplo africano, o que aumenta o preço do frete e, consequentemente, dos produtos comercializados. 

Porém, o impacto econômico da desestabilização do mar Vermelho não parece ser o suficiente para que os EUA angariem apoio internacional à sua campanha contra os houthis. 

Apesar de Washington ter convidado os 39 membros das Forças Marítimas Combinadas – uma coalisão de segurança marítima liderada pelos EUA no Oriente Médio – para participar da Operação Guardião da Prosperidade contra os houthis, somente 10 países aderiram oficialmente. Dentre eles, o único representante árabe é o Bahrein. 

A ausência de potências regionais do Oriente Médio na operação coloca em dúvida a efetividade do uso da força militar em um caso tão complexo, que tem como origem fundamental o conflito na Faixa de Gaza. 

"A opção militar dificilmente é a única opção, em quaisquer circunstâncias. No entanto, é possível afirmar que a escolha preferencial pelo veículo militar tem sido uma tendência quase estrutural da política externa estadunidense", disse Forner. 

Segundo ela, os aparatos militares dos EUA, como o Pentágono, têm sido muito melhor financiados do que os instrumentos civis da política externa do país, como o Departamento de Estado. Por outro lado, o constante recurso à força militar tem se mostrado ineficiente no Oriente Médio, com "resultados desastrosos". 

"A resposta militar também tem suas dificuldades", disse o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, Filipe Mendonça, à Sputnik Brasil. "Os combatentes houthis são hábeis em guerra irregular, constantemente em movimento com lançadores de mísseis móveis e utilizando táticas que dificultam o direcionamento eficaz por forças convencionais." 

Segundo ele, os recentes ataques da Operação Guardião da Prosperidade não conseguiram diminuir o poder de fogo do grupo iemenita. O próprio presidente Biden reconheceu a ineficiência da operação, dizendo a repórteres que "a operação está parando os houthis? Não. Mas ela vai continuar? Sim", reportou o The Intercept

"Para o governo Biden, a equação é difícil: se a resposta for dura demais, os EUA podem acabar por legitimar os houthis no Iêmen e na região", considerou Mendonça. "Se a resposta dos EUA for branda demais, poderá aumentar a percepção de enfraquecimento da presença dos EUA na região, já bastante estremecida principalmente depois de Gaza, e dar um sinal ruim para um dos seus principais aliados, a Arábia Saudita." 

Forner também acredita que a operação dos EUA pode aumentar a popularidade das forças houthis no Oriente Médio, que se coloca como a única que teria reagido às hostilidades israelenses em Gaza. "É provável que contribua, da mesma forma que pode contribuir – como já tem ocorrido – para o aumento do rechaço à presença dos EUA na região", acredita ela. 

"E, diante disso, não apenas a reputação regional do país é danificada, mas também internamente aos EUA, é possível que esses acontecimentos amplifiquem as críticas ao governo Biden". 

O presidente dos EUA é alvo de duras críticas, inclusive pelos seus correligionários, por não ter solicitado autorização do Congresso para utilizar a força contra os houthis. Em ano de embate eleitoral, o tema pode diminuir ainda mais a popularidade de Biden, considerou Forner. 

"Na minha opinião, diante das instabilidades no Oriente Médio e das incertezas da política doméstica dos EUA, a melhor saída para Biden nesta conjuntura crítica seria acabar com o estopim da crise, isto é, acabar com a guerra em Gaza", concluiu o professor de Relações Internacionais da UFU, Filipe Mendonça. 

Na última semana, uma série de confrontos entre forças navais dos EUA e do Reino Unido contra o grupo houthi foram reportados. No domingo (21/01), as forças houthis anunciaram ter atacado com sucesso o navio de bandeira norte-americana Ocean Jazz. As Forças Armadas dos EUA, no entanto, negaram a informação.

 

Ø  Houthis ordenam a funcionários dos EUA e do Reino Unido que deixem o Iêmen em 30 dias

 

A decisão segue-se aos ataques dos Estados Unidos e do Reino Unido, com o apoio de outras nações, contra alvos militares houthis nas últimas semanas. O grupo também ordenou que organizações estrangeiras não contratem cidadãos estadunidenses e britânicos para operações no Iêmen.

Os houthis do Iêmen ordenaram que funcionários norte-americanos e britânicos das Nações Unidas e de organizações humanitárias sediadas em Sanaa deixassem o país dentro de um mês, disseram um documento e uma autoridade houthi na quarta-feira (24), segundo o jornal The Times of Israel.

"O ministério [...] gostaria de enfatizar que você deve informar autoridades e trabalhadores com cidadania norte-americana e britânica para se prepararem para deixar o país dentro de 30 dias", disse uma carta enviada pelo Ministério das Relações Exteriores houthi ao coordenador humanitário interino da ONU no Iêmen, Peter Hawkins.

O principal negociador houthi, Mohammed Abdulsalam, confirmou a autenticidade da carta à agência Reuters. Na semana passada, o governo dos EUA também recolocou o grupo em uma lista de grupos terroristas.

A embaixada dos EUA disse em comunicado que estava ciente dos relatos sobre a carta, mas "não pode falar em nome da ONU ou de organizações humanitárias no Iêmen sobre o que podem ter recebido das 'autoridades houthis'".

Já a embaixada do Reino Unido afirmou que o pessoal ainda não foi instruído para deixar a missão, estando ela em contato estreito com a ONU sobre o assunto.

"A ONU presta assistência vital ao povo iemenita [...] através das mesmas rotas marítimas que os houthis estão a pôr em perigo. Nada deve ser feito que prejudique a sua capacidade de entrega", afirmou a missão britânica no Iêmen em comunicado.

Aviões de guerra, navios e submarinos dos norte-americanos e britânicos lançaram dezenas de ataques aéreos em todo o Iêmen em retaliação aos ataques do grupo iemenita a navios comerciais que foram forçados a desviar sua rota do mar Vermelho.

As forças dos EUA e do Reino Unido atacaram na terça-feira (23) um local de armazenamento subterrâneo houthi, bem como capacidades de mísseis e vigilância, disse o Pentágono.

Os houthis disseram que os seus ataques na região acontecem em solidariedade aos palestinos enquanto Israel bombardeia a Faixa de Gaza.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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