sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Com apoio de Rússia e China, teria chegado a hora e a vez do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

Itamaraty acredita estar mais perto do que nunca da cadeira permanente do Conselho de Segurança da ONU. Saiba por que o Brasil está investindo pesado na sua candidatura e se a meta de ascender ao principal órgão da ONU ao final do mandato de Lula é realista.

Neste domingo (1º), o Brasil assume a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em meio à intensa campanha para reformá-lo. Segundo fontes do Itamaraty, a conjuntura atual é a mais propícia para a concretização do objetivo brasileiro de se tornar membro permanente do principal órgão decisório da ONU.

Durante sua recente estadia em Nova York (EUA), para abrir os trabalhos da Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu chanceler, Mauro Vieira, priorizaram a reforma do Conselho de Segurança durante as reuniões em que o Brasil tomou parte.

"O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade", declarou o presidente Lula durante o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. "Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia."

A delegação brasileira em Nova York priorizou encontros com grupos e países envolvidos nas articulações pela reforma, como o G4, formado pelos principais candidatos à cadeira permanente – Brasil, Índia, Japão e Alemanha, e o L69, países em desenvolvimento que concordam com a necessidade de mudanças na principal estrutura da ONU. Os diplomatas brasileiros também priorizaram reuniões bilaterais com países-membros do conselho, como Rússia e EUA, para enfatizar seu interesse na reforma.

Em todas as reuniões, o Brasil extraiu de seus parceiros o compromisso de trabalho conjunto em prol da reforma, reportou a CNN Brasil.

O Brasil também conseguiu formalizar o apoio dos países do BRICS à reforma do órgão, ao incluir parágrafo sobre o tema no qual é citado nominalmente na mais recente declaração do grupo, emitida durante a Cúpula de Chefes de Estado de Joanesburgo, na África do Sul, no fim de agosto.

O objetivo do governo brasileiro é selar a entrada do Brasil no Conselho de Segurança até o fim do mandato do presidente Lula, em 2026.

•        A hora e a vez do Brasil?

O otimismo do Itamaraty em relação a uma reforma que muitos consideram irrealista se dá principalmente pela recente mudança da posição dos EUA em relação ao tema, acredita o doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ e pesquisador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE), Eduardo Morrot.

"Os EUA têm se mostrado mais favoráveis a uma mudança no sistema, tanto por reconhecer que a ordem internacional está defasada, quanto por precisar mostrar certa flexibilidade em relação ao tema", disse Morrot à Sputnik Brasil. "Eles querem evitar ser vistos como um país que não cede ao Sul Global, preso ao seu poder adquirido em 1945."

Já o doutor em Relações Internacionais pela Universidade Russa da Amizade dos Povos (RUDN, na sigla em russo), Johnatan Santos, não acredita que Washington esteja disposto a reformar o sistema.

"Os EUA estão satisfeitos com a ONU da maneira que ela é. Eles gozam de enorme poder como mantenedores da organização, controlam boa parte de sua pauta, e garantem um grande número de norte-americanos nos quadros administrativos e técnicos", disse Santos à Sputnik Brasil.

Desde os anos 2000, os Estados Unidos têm feito oposição à reforma do conselho, em contraste com a posição de China e Rússia, que se colocam favoráveis às mudanças.

O apoio russo ao Brasil, por exemplo, foi reafirmado recentemente pelo chanceler Sergei Lavrov em reunião bilateral com Mauro Vieira, no dia 21 de setembro, e em entrevista cedida pelo embaixador da Rússia no Brasil, Alexey Labetskiy, nesta segunda-feira (25).

"Rússia e China sempre se posicionaram de forma relativamente favorável à reforma do conselho, apesar de Pequim ter oposição a alguns candidatos em particular, como Índia e Japão", esclareceu Morrot.

Nesse sentido, o Brasil está em uma posição mais confortável do que seus colegas de G4, já que não teria sua candidatura bloqueada por nenhum membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

"A verdade é que o Brasil tem todas as credenciais diplomáticas e é um dos países mais cotados para assumir uma cadeira no conselho", disse Morrot. "Só não entramos no conselho ainda porque a reforma não saiu do papel."

Por outro lado, países aliados do Brasil na América Latina, como Argentina e México, participam de grupos de oposição à reforma do conselho e negam que estariam representados por uma eventual cadeira permanente brasileira. Além disso, nem todos os países da ONU acreditam que o Brasil tenha o peso geopolítico necessário para ser alçado ao principal órgão da organização.

"Muitas vezes nos esquecemos de que o Brasil é um país isolado geopoliticamente. Por isso é necessário convencer os membros da comunidade internacional da sua relevância e capacidade de influenciar a agenda de forma positiva", considerou Santos.

•        Membro de 2ª classe

Para driblar a oposição à reforma do Conselho de Segurança, o Brasil já declarou estar disposto a aderir sem o poder de veto. Os cinco membros originários do Conselho – Rússia, EUA, China, França e Reino Unido – podem vetar qualquer decisão do grupo de forma unilateral.

"Acho que, mesmo sem o poder de veto, vale a pena para o Brasil entrar no conselho", acredita Morrot. "O Brasil tem uma postura internacional avessa ao bloqueio de debates e dificilmente usaria o poder de veto em alguma questão consensual."

O acordo em debate incluiria a entrada de novos membros sem poder de veto, com uma garantia de que o tema fosse discutido em um futuro próximo.

"O objetivo seria, futuramente, debater a própria existência do veto, propondo a migração para um sistema mais eficiente, como o da aprovação de decisões por maioria qualificada", considerou Morrot.

Para Santos, o Brasil não deveria aceitar a entrada sem poder de veto com a promessa de receber concessões futuras, sob pena de cair em uma armadilha.

"Na formação da ONU, em 1945, também nos prometeram uma entrada no Conselho de Segurança no futuro. Agora nos oferecem uma cadeira sem poder de veto, prometendo uma discussão sobre o veto em um futuro próximo. Mas sabemos que esse futuro pode nunca chegar", acredita Santos.

•        Conselho esvaziado

Outra preocupação é de que o Brasil invista grande capital diplomático pra entrar no conselho de uma organização que já não tem relevância geopolítica, avalia Santos.

"A ONU já perdeu relevância, está com o processo decisório emperrado e conduziu missões de paz com grau de sucesso duvidosos, como a do Haiti", considerou o especialista. "A sua capacidade de ser um fórum para estabelecimento de metas conjuntas também está sendo questionada pelo insucesso da Agenda 2023, que já sabemos que não será cumprida. Durante a COVID-19 tampouco vimos a ONU criando mecanismos eficientes de combate à pandemia."

Segundo ele, a diplomacia brasileira teria mais a ganhar investindo na consolidação do BRICS estendido como uma alternativa à ONU.

"Claro que seria bom para o Brasil entrar no conselho, mas do jeito que a ONU tem trabalhado ultimamente, vemos que a participação no BRICS é mais efetiva", declarou Santos. "O BRICS poderá se estabelecer como uma estrutura paralela e substituir a ONU no trato de vários temas da agenda internacional."

Enquanto as Nações Unidas seguirem operando como órgão com maior número de adesões internacionais, o Brasil tem o dever de pressionar por um lugar no topo, acredita Morrot.

"Se formos realistas demais, nada sai do papel. Claro que é ousado, claro que é difícil, mas sem pressão a reforma da ONU nunca vai sair. Não podemos nos contentar. Temos todo o direito e dever de pressionar por uma reforma, nos articulando com países que concordam com a nossa posição", concluiu o especialista.

 

       Sul Global 'está cansado' da hegemonia do Ocidente nos mercados globais, diz especialista

 

O Ocidente obviamente está perdendo suas posições no mercado global, sua hegemonia está gradualmente chegando ao fim, enquanto 70% do crescimento da economia mundial já corresponde aos países do chamado Sul Global, disse à Sputnik Vitaly Mankevich, representante da União Russo-Asiática de Industriais e Empresários.

"O Ocidente está claramente perdendo suas posição no mercado mundial, recuando, sua hegemonia está gradualmente chegando ao fim", disse ele.

Ao mesmo tempo, disse, "o crescimento da economia mundial, uma grande cota-parte, 70%, já é produzido não no Ocidente, mas no chamado Sul Global, que inclui países da Ásia, África e América Latina.

"Esses países ao longo das décadas têm se cansado dos gritos constantes de Washington e Bruxelas e estão agindo de forma cada vez mais independente", disse Mankevich.

Ele também observou que a maioria dos países do Sul Global é amigável em relação à Rússia, esclarecendo que só 40 países decretaram sanções contra a Rússia.

"A maioria da comunidade mundial - dois terços da população mundial - ainda mantém boas relações com Moscou. Eles representam todos os continentes. São a China, Índia, Brasil, Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos", concluiu o especialista.

•        FMI declara apoio à expansão do BRICS

Porta-voz afirmou que é bem-vindo e estimulado pela organização o desejo de mais países aderirem ao grupo, atualmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) apoia e encoraja a entrada de novos países ao BRICS, declarou nesta quinta-feira (28) a porta-voz do fundo, Julie Kozack, em coletiva de imprensa.

"O desenvolvimento e a expansão da cooperação internacional, o aprofundamento dos vínculos comerciais e de investimento entre grupos de países, como, por exemplo, o BRICS, é algo que celebramos e encorajamos, contanto que o objetivo seja o de reduzir a fragmentação do mercado, fortalecer os negócios e transações e diminuir os custos com investimentos", disse Kozack.

Em agosto, os líderes do BRICS convidaram seis novos países a aderirem formalmente ao grupo em 1º de janeiro de 2024: Argentina, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Etiópia. O anúncio foi feito durante a XV cúpula do grupo, realizada em Joanesburgo, na África do Sul.

<><> Pagamentos em moedas nacionais entre Rússia e Índia cresce 5 vezes em 2023

As transações em moedas nacionais entre a Rússia e a Índia quintuplicaram em 2023 em comparação ao ano anterior, afirmou Anatoly Popov, vice-presidente do conselho executivo do banco russo Sberbank, durante a conferência SberVED 2023.

O dado de Popov acompanha a tendência mundial de desdolarização das transações internacionais, que vê pagamentos sendo realizados em fortes moedas nacionais, como é o caso do yuan chinês.

"O Sberbank é um parceiro bancário importante para clientes corporativos que trabalham em moedas nacionais com a Índia. Neste ano, os volumes de liquidações com a Índia cresceram cinco vezes em termos monetários em comparação com o mesmo período do ano passado", disse Popov, destacando a importância do banco para clientes interessados em realizar negócios na Índia. Ao mesmo tempo, o total médio de transações no primeiro semestre do ano aumentou em 83%, segundo o banco.

Os esforços mundiais pela desdolarização vêm, em grande parte, de países-membros do BRICS, que veem no padrão do dólar uma possível "arma" por parte dos Estados Unidos na hora de exercer sanções econômicas. Em abril, durante uma visita à China, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, questionou:

"Quem decidiu que o dólar era a moeda depois que desapareceu o ouro como padrão?"

Para a ex-presidente do Brasil e atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, a expansão dos mecanismos de pagamento em moedas locais e outros instrumentos financeiros, como uma possível moeda comum do grupo, podem "construir um novo sistema financeiro mais multilateral e inclusivo".

 

Ø  Veto europeu ao acordo Mercosul-UE vem de pressão dos setores agrícolas francês e alemão

 

Na próxima semana, uma nova reunião presencial entre representantes do Mercosul e da União Europeia (UE) acontecerá em Brasília. Dela espera-se um andamento no tema do acordo de livre comércio entre os dois blocos econômicos. Ponto de entrave principal, a questão ambiental deverá ser tema decisivo na reunião.

Em uma carta paralela, a UE acrescentou demandas ambientais que extrapolam acordos internacionais em vigor atualmente, gerando preocupações quanto ao fechamento do tratado, que já está em negociações há 20 anos.

No entanto, com as novas declarações de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, de que o país está aumentando sua meta de redução de emissões de CO2, o Brasil já está além das expectativas mundiais.

Para Gustavo Nikolaus, professor de planejamento energético na Universidade Federal de Ouro Preto, a ampliação da meta é uma boa notícia, "uma vez que posiciona o Brasil como um dos líderes na questão ambiental da agenda política internacional", mas destaca que, para que o objetivo seja alcançado, o governo deverá ser mais incisivo no combate ao desmatamento dos biomas brasileiros.

Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), compartilha da opinião, ressaltando que há um atraso na visão europeia em relação aos esforços brasileiros.

"A imagem que se tem no público e mesmo em alguns políticos europeus é muito negativa, muito em função do legado dos anos Bolsonaro e da falta de conhecimento", aponta. "Por exemplo: o Brasil gera sua energia de modo muito mais limpo e, portanto, com menos emissões per capita do que uma Alemanha. Ainda mais no contexto da questão da Ucrânia, que tem uma grande matriz suja, regredindo muito nesse contexto."

O especialista também vê nas exigências um claro lobby do setor agrícola francês e alemão. "A UE est[a exatamente inflexível porque no fundo essa pauta ambiental foi capturada por lobbies protecionistas que temem a competição da agricultura brasileira e argentina", afirmou.

Demandas ambientas europeias preveem o embargo a produtos agrícolas

Um dos pontos mais contenciosos das demandas da União Europeia para o tratado de livre comércio é a previsão de embargo a produtos advindos de regiões de desmatamento.

Vista com estranhamento por parte de agricultores, políticos e pela população, a cláusula tem origens mistas, segundo Larissa Farnetti, cofundadora da CooperaClima. "Não há dúvida que o consumidor médio do ocidente europeu apresenta cuidados e preocupações maiores com os impactos ambientais de seu consumo", afirmou.

"Porém, é nítida a pressão de agricultores europeus, em especial franceses, para que os produtos oriundos de fora da Europa tenham taxas ou penalidades para compensar o fato de que sua produção não sofre a mesma fiscalização por critérios ambientais que a agropecuária europeia."

·         Responsabilidades diferentes para países diferentes

Em seu discurso na Cúpula da Ambição Climática da ONU, Marina Silva afirmou que a responsabilidade histórica do Brasil é menor do que a dos países ricos e repetiu a temática de Lula sobre o combate a pobreza. "Nenhum país deve ter que escolher entre lutar contra o aquecimento global ou combater a fome ou a pobreza."

Segundo Nikolaus, a frase da ministra tem um sentido claro de pontuar, historicamente, a crise climática atual.

"A concentração de carbono na atmosfera aumentou de 280 ppm (partes por milhão) da era pré-industrial para próximo de 400 ppm atualmente devido principalmente às emissões de carbono dos países de industrialização antiga, que usaram o carvão mineral e o petróleo como base de suas matrizes energéticas", afirmou.

Marta Camila Carneiro, professora de ESG e mudanças climáticas da FGV, destaca a institucionalidade da afirmação da ministra.

"O Acordo de Paris de 2015 enfatiza uma responsabilidade compartilhada, porém diferenciada. Isso significa que todos os países têm a responsabilidade de tomar medidas para combater as mudanças climáticas, mas os países desenvolvidos devem liderar e apoiar os países em desenvolvimento na mitigação e adaptação."

Apesar disso, ainda parece haver lacunas nos esforços europeus para combater as mudanças climáticas de maneira 100% efetiva.

Nikolaus destaca o valor de US$ 100 bilhões (R$ 504 bilhões) prometidos pelos países mais ricos na COP 2009, em Copenhague, como forma de auxiliar nas medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos países mais pobres. Até hoje o valor não foi atingido.

Outra lacuna nos esforços europeus está na falta de transferência de tecnologia verde.

Para Rodrigues Vieira, deveria haver obrigações claras de transferência de tecnologias de baixa emissão no acordo comercial a ser firmado entre UE e Mercosul.

"Se eles querem, de fato, promover a expansão do uso de tecnologias de baixo carbono via acordo Mercosul-UE, o ideal seria difundir essas tecnologias para os países parceiros."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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