sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Lula vive relação de morde e assopra com militares

Há muito a esclarecer sobre o que se passou nos bastidores do governo e da caserna nos dias anteriores à eleição de 2022 e logo depois da vitória de Lula. Embora não haja dúvida de que o Palácio do Planalto foi cenário para a armação de um golpe, nem da leniência das Forças Armadas com os acampamentos que deram guarida a hordas de golpistas, sabe-se ainda pouco sobre as circunstâncias em que tudo aconteceu e sobre o papel de cada oficial na trama.

Mas a história dos fatos que levaram ao 8 de Janeiro não é a única coisa nebulosa em Brasília. À medida que as investigações da Polícia Federal e da CPI para investigar os atos golpistas avançam, fica mais evidente a falta de um norte do governo em relação aos militares.

A ala determinada a sufocar o bolsonarismo e a enquadrar os militares foi turbinada pela delação de Mauro Cid, que botou fogo no ambiente político e colocou a Polícia Federal no encalço dos comandantes militares de Jair Bolsonaro, com o aval de Alexandre de Moraes.

No Congresso, a base lulista pressiona pela convocação de generais e comandantes para depor na CPI do 8 de janeiro, enquanto deputados do PT propõem mudar a redação do famigerado artigo 142 da Constituição e deixar claro que não, as Forças Armadas não constituem um poder moderador na República, como gostaria o bolsonarismo.

Na Esplanada dos Ministérios, as pastas dos Direitos Humanos e da Casa Civil trabalham para recriar a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e planejam uma cerimônia oficial no próximo 25 de outubro, quando se completam 48 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog numa prisão da ditadura.

Em frente oposta, o ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, Tomás Paiva, costuraram um acordo para reduzir ao máximo o número de oficiais estrelados na CPI e, por ora, mesmo depois da delação de Mauro Cid, estão garantindo que nenhum ex-comandante — nem mesmo o da Marinha, acusado de ter dado apoio à tese do golpe — seja obrigado a encarar os holofotes.

Oficialmente, Múcio diz que “não é contra” a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, mas nos bastidores se confessa incomodado e torce para que a iniciativa fique para as calendas. Líderes lulistas no Congresso vêm convencendo seus pares a deixar o artigo 142 de lado e a aprovar só o texto que obriga todo militar que disputa eleição a ir para a reserva — com que os comandantes concordam.

Além disso, o governo deu às Forças Armadas assento VIP na fila dos investimentos. Nenhum outro setor isolado receberá tantos recursos do novo Plano de Aceleração Econômica (PAC) quanto a Defesa, para a qual estão previstos R$ 53 bilhões ao longo de quatro anos.

Na última terça-feira, ao mesmo tempo que a CPI ouvia o general Augusto Heleno em Brasília, no Rio, o BNDES de Aloizio Mercadante fazia um seminário para discutir como aplicar essa montanha de dinheiro e desenvolver a indústria de Defesa, tratada como grande promessa para o desenvolvimento nacional.

Aparentemente, Lula usa para a questão militar seu clássico método de colocar todos os atores para disputar espaço na arena e só depois definir o rumo das coisas.

Ele não fará nada para frear a investigação da PF que pode, no limite, levar à prisão de Jair Bolsonaro, nem se desgastará para conter os petistas neste momento de catarse contra os golpistas — desde, é claro, que Múcio sempre esteja lá para “pacificar” tudo. Também não se esfalfará para fardados pela ideologia — mas coloca a máquina pública para atraí-los com dinheiro e equipamentos.

No fundo, o plano é parecido com o que ele já executou em seus primeiros mandatos, conquistando os militares com rapapés e muito investimento. Naquela época, funcionou, mas os tempos são outros. Desde então já houve uma Dilma Rousseff e um Bolsonaro, e o cenário político mudou completamente.

Muitos militares não se esquecem de iniciativas como a Comissão da Verdade, até hoje vista como instrumento de revanchismo e perseguição, e encaram os movimentos dos petistas como um revival daquela “caça às bruxas”. Múcio, em seu esforço de pacificação, tem procurado afagá-los, chamando as Forças Armadas de parceiras e dizendo que “são parte do governo” — e não tropas a serviço de um comando civil.

Por ora, tudo o que o modus operandi de Lula produziu foi um frágil equilíbrio baseado em opções conhecidas, mas não necessariamente adequadas aos novos tempos. Em algum momento, o presidente terá de sair da encruzilhada e escolher um caminho. Só então se saberá se o trajeto foi bem pavimentado — ou se ficou cheio de minas terrestres que a confusão do momento não permitiu desarmar.

 

       O novo absurdo de Múcio

 

Não é de hoje que o atual ministro da Defesa, José Múcio, tenta tirar a responsabilidade, conivência e a omissão das Forças Armadas com os atos terroristas do 8 de janeiro, em Brasília, que foram feitos por extremistas insuflados por figuras da extrema-direita como o general Augusto Heleno, segundo demonstrou a CPMI do Golpe, e o próprio Jair Bolsonaro.

Nas últimas horas, o nome de Múcio voltou a ser motivo de críticas legítimas sobre o seu papel contraditório no governo Lula. Isso porque durante entrevista a CNN Brasil, o ministro voltou a defender a isenção das Forças Armadas na destruição causada pelos extremistas na capital federal.

Desta vez, Múcio teve a impostura de dizer que militares tiveram uma postura responsável diante da invasão em Brasília e os terroristas mais lembravam uma excursão de turismo. “Eles tiveram um papel, assim, de absoluta responsabilidade. Em todos os golpes que você vê na história, vão as Forças Armadas na frente e o povo vem apoiando atrás”, disparou.

“O que aconteceu no 8 de janeiro? Uma absoluta baderna, patrocinada por alguns irresponsáveis. Não havia uma liderança, não havia uma palavra de ordem. Era como se agências de turismo tivessem convocados desavisados para irem a Brasília para fazer aquele quebra-quebra”, continua.

“Eu assisti a alguns deles naquela noite. Eram pessoas sem nenhuma expressão. Lá havia senhoras, pessoas jovens. As senhoras que queriam visitar o Planalto foram lá fazer quebra-quebra como se pudesse mudar o resultado das eleições”, completa. Por fim, Múcio se limitou a dizer que os militares que participaram da balbúrdia extremista não representavam as Forças Armadas.

 

       Braga Netto tenta sair “a francesa” do enredo golpista

 

O ex-ministro e ex-candidato à vice-presidência, General Walter Braga Netto, negou categoricamente sua presença na reunião entre Jair Bolsonaro (PL) e os comandantes militares, na qual o tenente-coronel Mauro Cid alegou que o então presidente teria apresentado uma proposta golpista aos oficiais.

“Eu não estava lá. Evitei comparecer a essas reuniões para evitar qualquer constrangimento, pois eu já estava na reserva”, afirmou Braga Netto em uma entrevista a Bela Megale, no O Globo.

Braga Netto alegou que suas visitas frequentes ao Palácio da Alvorada após a derrota nas eleições foram devido a uma infecção na perna que Bolsonaro havia contraído.

Apesar de tentar se distanciar das alegações golpistas, o general fez uma declaração enigmática que se tornou viral após a derrota de Bolsonaro, gerando intensos debates entre os extremistas. Em novembro, após uma visita ao Palácio da Alvorada, Braga Netto interagiu com apoiadores presentes no local e disse: “não percam a fé, é tudo o que posso dizer a vocês agora”.

•        Braga Netto fala sobre as reuniões golpistas

O ex-ministro do governo Bolsonaro e candidato a vice em sua chapa, o general da reserva Walter Braga Netto, disse ao Globo que não esteve presente na reunião detalhada por Mauro Cid na delação premiada.

“Não estava (presente). Evitava comparecer a essas reuniões para não causar constrangimentos. Eu já estava na reserva”, disse Netto ao Globo.

No entanto, ele também não nega a existência dessas reuniões. Netto foi questionado sobre seu envolvimento na reunião em que Jair Bolsonaro discutiu uma minuta considerada golpista com os comandantes das Forças Armadas. Esse encontro foi relatado pelo tenente-coronel Mauro Cid em seu acordo de colaboração premiada, o qual foi firmado com a Polícia Federal e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com Braga Netto, suas visitas frequentes e duvidosas ao Palácio da Alvorada após a derrota de Bolsonaro nas urnas foram motivadas pela infecção na perna que o ex-presidente estava enfrentando.

O general também proferiu uma frase enigmática que se tornou viral após a derrota de Bolsonaro, inflamando os ânimos dos golpistas. Em novembro, após visitar o então presidente no Palácio da Alvorada, Braga Netto conversou com apoiadores presentes no local e declarou: “Não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”.

A declaração foi registrada e amplamente compartilhada pela base de apoiadores do ex-presidente, muitos dos quais faziam apelos com conotação golpista na tentativa de impedir a posse de Lula.

 

       Pressão do Itamaraty derruba almirante ligado a Bolsonaro

 

A pressão do Ministério das Relações Exteriores derrubou um dos integrantes do Almirantado, a cúpula da Marinha, mais associados ao governo de Jair Bolsonaro (PL).

O almirante-de-esquadra Flávio Rocha não será mais secretário de Segurança Nuclear e Qualidade da Força, e deverá ficar sem cargo executivo até ir para a reserva, em março do ano que vem.

A crise foi tratada discretamente no governo Lula, para evitar mais marola numa relação que começou complexa com a Marinha, ainda mais em tempos de investigação sobre intentonas golpistas e afins.

O último chefe da Força sob Bolsonaro, Almir Garnier, se recusou a conversar com o então ministro da Defesa indicado, José Mucio, e não compareceu à passagem de comando para Marcos Sampaio Olsen, ato inédito na história da instituição desde a redemocratização de 1985.

Garnier também foi citado na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, como o único chefe de Força que abraçou a ideia de um golpe contra o resultado das eleições vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no ano passado.

Rocha foi muito próximo do ex-presidente. Logo após receber a quarta estrela que identifica o topo da hierarquia, em 2020, ele foi convidado por Bolsonaro para ser seu secretário de Assuntos Estratégicos, com assento no Palácio do Planalto.

Considerado muito preparado e fluente em seis línguas, passou gradativamente a ocupar o espaço de um Itamaraty então destroçado pela gestão de Ernesto Araújo, aquele que dizia ser uma honra a qualificação de pária internacional então dada ao Brasil.

Quando Bolsonaro conversou com Xi Jinping para tentar amainar uma crise criada por seu filho Eduardo, que entrou em choque com a diplomacia chinesa, ele estava na teleconferência. Logo, missões sensíveis ao exterior lhe foram confiadas, como viagens para negociar armas em países árabes e a discussão para a adoção de combustível russo para o submarino nuclear brasileiro.

Todo esse protagonismo incomodou a diplomacia, a exemplo do que ocorrera durante os 13 anos em que o já falecido Marco Aurélio Garcia foi assessor de Assuntos Internacionais das Presidências de Lula e Dilma Rousseff (PT) e, em menor escala, agora com o ex-chanceler Celso Amorim no mesmo cargo no Planalto.

Com a virada do governo e o mal-estar generalizado na Marinha, sobrou para Mucio, que conhecia Rocha desde os tempos em que o almirante era assessor parlamentar da Marinha, acomodar a situação.

No papel, o militar foi nomeado em 10 de março como assessor do gabinete do comandante Olsen. Na prática, ele assumiu as funções de secretário naval de Segurança Nuclear e Qualidade, na Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Força.

Era uma saída lógica, na visão da Marinha, dado o envolvimento de Rocha em assuntos nucleares enquanto era secretário. A Força lidera os esforços brasileiros no setor desde 1979, e o governo Lula determinou uma retomada de iniciativas na área —a primeira, a transferência da diretoria do setor para São Paulo, no campus da USP, para enfatizar o caráter de benefícios civis do programa.

Sem publicidade, em 20 de maio Rocha embarcou para uma viagem à Europa, na qual participou primeiro de uma reunião do comitê que discute o desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear brasileiro no âmbito do acordo militar Brasil-França de 2009, em curso.

Depois, desembarcou em Viena para uma reunião ordinária do conselho de governantes da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), no dia 5 de junho. A sua presença causou rebuliço na missão brasileira junto ao órgão de 35 nações, no qual o país ocupa uma das duas vice-presidências.

Diplomatas com conhecimento do assunto afirmam que o problema era o caráter militar em um evento civil, ainda mais no momento em que a AIEA questiona os desígnios do Brasil, que pediu à agência um acordo para poder usar combustível nuclear em uma embarcação militar, apesar de não ter armas atômicas.

Já aliados de Rocha na Marinha viram no episódio pura inveja, sob a alegação de que ele é um bolsonarista. Seja qual for a verdade, o fato é que o Itamaraty passou a pressionar a Defesa a remover o almirante de funções executivas.

Na semana passada, Mucio e Olsen decidiram que era melhor evitar mais confusão e designaram Rocha para uma função inespecífica no Comando da Marinha. Ele seguirá com seu salário de R$ 37 mil mensais e, segundo amigos, tem se dedicado também a abrir uma empresa.

Suas funções serão incorporadas pelo diretor do programa nuclear, almirante Petrônio Aguiar, que está no cargo desde 2021. Rocha não respondeu a mensagem enviada pela Folha para comentar o caso.

No Almirantado, um colegiado de dez integrantes chefiado por Olsen, o processo caiu mal por envolver um dos seus. Por outro lado, há a compreensão de que Rocha ultrapassou limites quando aceitou trabalhar no governo Bolsonaro sendo um oficial da ativa —a maioria dos fardado que migrou para o Executivo passou para a reserva, com algumas exceções notórias como o controverso general Eduardo Pazuelo no Ministério da Saúde.

O episódio todo comprova, mais uma vez, que as feridas da simbiose entre fardados e Bolsonaro, voluntária ou não, ainda estão por todos os lados.

 

       Ex-PRF será investigado por campanha para Bolsonaro

 

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP) decidiu em reunião colegiada na quinta-feira (28) instaurar um processo de apuração ética contra o ex-diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques.

A comissão informou que apurará se o então diretor-geral da instituição praticou “desvio ético decorrente de suposto pedido votos a candidato, no âmbito de rede social, na véspera do primeiro turno das eleições”.

A CEP informa que há indícios de materialidade do desvio e que os esclarecimentos iniciais sobre o processo já foram prestados.

Em 29 de outubro de 2022, véspera do segundo turno da eleição presidencial, Vasques pediu votos para o então candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), em uma rede social.

Após a repercussão, a publicação foi rapidamente removida e não ficou disponível no dia da votação que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

•        Silvinei Vasques preso

O ex-diretor-geral foi preso preventivamente no começo de agosto em uma operação sobre interferência no segundo turno das eleições de 2022.

A prisão ocorreu em Florianópolis, e Silvinei foi transferido para Brasília, onde continua detido. Celulares, computador e passaporte do ex-diretor-geral foram apreendidos.

Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Em 30 de outubro, dia do segundo turno, a PRF realizou blitze que interferiram na movimentação de eleitores, sobretudo no Nordeste, onde Lula (PT) tinha vantagem sobre Jair Bolsonaro (PL) nas pesquisas de intenção de voto.

Na véspera, o diretor-geral da PRF havia declarado voto em Bolsonaro. Vasques é réu por improbidade administrativa nesse episódio.

No domingo do segundo turno, Alexandre de Moraes determinou a suspensão imediata das blitze, sob pena de prisão de Vasques. A ordem, no entanto, foi desrespeitada pela PRF.

 

Fonte: O Globo/O Cafezinho/FolhaPress/g1

 

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