domingo, 30 de julho de 2023

O presidencialismo agoniza no País

O presidencialismo no Brasil é como o samba de Nélson Sargento intitulado Agoniza, mas não morre. Seus primeiros versos dizem: “Samba agoniza, mas não morre/ alguém sempre te socorre/ antes do suspiro derradeiro”. Há, no entanto, uma diferença: quando o ritmo é socorrido, alguém o recria melhor. Já o presidencialismo, que tanto se tenta salvar a qualquer custo, segue ele agonizante¬ — quase morto, e isso se deu, paradoxalmente, já em sua instauração na Proclamação da República, em 1889. Motivo: nasceu sob a tutela das Forças Armadas, que, sendo uma instituição, pretendem-se um poder de Estado. Sem personificar mandatários – poucos dignos, alguns loucos, muitos corruptos -, o que será aqui abordado é o sistema presidencialista. Nele, o chefe do governo e o chefe do Estado. Muito poder? Sim, mas teoricamente relativizado pelo enunciado “checks and balances”, consagrado com o pensador francês Charles-Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis (bom que se diga que tem raízes em Aristóteles e no Segundo Tratado do Governo Civil, de John Locke. Iluminista, portanto).

Para que exista um presidencialismo que não exorbite em suas funções é necessário, então, que haja freios e contrapesos por meio de um Congresso igualmente forte, integrado por parlamentares que tenham os pés firmes em questões programáticas e não somente no pragmatismo – ou, pior ainda, no oportunismo.

Poder Executivo e Poder Legislativo se entrelaçam no presidencialismo, ponto elementar da ciência política. Tal entrelaçamento pode “dar bom” ou pode “dar ruim”. No Brasil ficamos com a segunda alternativa, sobretudo após o deputado federal Roberto Cardoso Alves ter dito a frase atribuída a São Francisco de Assis, que “é dando que se recebe”.

Falou isso no momento em que se redigia a Constituição da redemocratização, em 1987, forneceu as ferramentas adequadas à consolidação da esquisitice denominada Centrão, que engendrou outra esquisitice batizada de presidencialismo de coalizão – Lula, por exemplo, está fazendo um bom governo, deu passos certos na área econômica e social, mas teve de contemplar o Centrão em seus vis desejos. E a começar por seu líder, deputado Arthur Lira, hoje há pares que falam em semipresidencialismo e presidencialismo participativo. Dourados eufemismos para overdose de fisiologismo.

Assim escreve o pesquisador Nic Cheeseman, da Universidade de Oxford, no Reino Unido: “O presidencialismo (…) precisa garantir uma base de apoio no Congresso que lhe assegure condição de governar (…). Essa é uma das principais características do chamado presidencialismo de coalizão”.

Tal base de apoio não significa, porém, deixar tudo em mãos do mascate Centrão. Para o acadêmico britânico, o Brasil é um país que “depende muito de coalizões”. Dado o diagnóstico, conto a doença e a sequela.

Para tanto, atravessemos a Praça dos Três Poderes: o sistema presidencialista é moribundo porque muitos parlamentares são fisiológicos, e muitos parlamentares são fisiológicos porque a maioria dos partidos políticos são oportunistas – o resultado é o alijamento popular do núcleo de decisões.

Apesar de a metodologia marxista ser execrável e especiosa, registremos O 18 Brumário de Luís Bonaparte: “Os homens fazem a sua própria história (…) sob as condições com que se defrontam (…), legadas e transmitidas pelo passado”.

Ou seja: se o presidencialismo está caído doente no Brasil é porque se enfraqueceu desde a Proclamação da República, que se traduziu em quartelada, é porque todos desprezam o princípio de checks and balances, é porque Legislativo e Executivo se entrelaçam não como fiscalizadores um do outro, mas, isso sim, para operarem interesses.

A alternativa ao presidencialismo é o parlamentarismo, que se distingue pelo fato de o chefe do governo não ser o chefe do Estado. Nesse caso, o Parlamento ganha força e divide a responsabilidade de gestão com o primeiro-ministro.

É imprescindível um Congresso com programas claros, assim como deveria ser – mas não é – no presidencialismo. O Brasil teve duas experiências parlamentaristas. A primeira deu-se no Império, entre 1847 e 1889, e a Proclamação da República a dissipou.

O marechal Deodoro da Fonseca desejou ser presidente por vaidade e os parlamentares o quiseram como tal para negociar cargos, condecorações e obter verbas — já naquela época havia um Centrinho.

A segunda experiência parlamentar foi entre 1961 e 1963. Para aceitarem João Goulart na Presidência após a renúncia de Jânio Quadros, os militares (sempre eles!) forçaram a Câmara a implantar o parlamentarismo — Tancredo Neves tornou-se premiê.

Em 1963 um plebiscito perguntou à população: deseja que o parlamentarismo continue? O “não” venceu com 59.109.265 votos contra 33.333.045. Trinta anos depois essa opção pelo presidencialismo foi ratificada em novo plebiscito.

E cá estamos nós. É certo que sem base parlamentar não há presidente que governe, mas também é fato que tal base não implica cuidar somente do próprio umbigo, como geralmente ocorre. É isso que faz do presidencialismo de coalizão um presidencialismo de colisão com os valores republicanos e a soberania popular.

 

       Padilha quer PL de Bolsonaro em cargos nos estados e comemora relação com Lira e Pacheco

 

Responsável pela articulação política do governo, o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) avalia que o Planalto saiu vitorioso nos seis primeiros meses na relação com os presidentes da Câmara e do Senado. Ele diz que agora é preciso aprimorar a base de apoio no Congresso, até então volátil.

Segundo ele, o presidente Lula (PT) pretende consolidar a entrada no governo de PP e Republicanos e definir os espaços que eles vão ocupar no ministério. Em entrevista à Folha, Padilha acena ainda para a entrada de setores do PL --partido de Jair Bolsonaro-- em cargos de segundo escalão e nos estados.

Padilha rechaça que essas negociações por cargos sejam "toma lá, dá cá" e também afirma ser legítimo que parlamentares possam influenciar no destino de emendas e outras verbas do governo.

LEIA A ENTREVISTA:

•        Qual a sua avaliação sobre a articulação no primeiro semestre?

ALEXANDRE PADILHA - Nós conseguimos aprovar todas as cinco prioridades. São como as cinco pontas da estrela do PT. A primeira era conseguir garantir presidentes da Câmara e do Senado que se comprometeram e foram decisivos para estancar o golpe de 8 de janeiro. Conseguimos reestruturar dezenas de medidas provisórias feitas pelo Bolsonaro para que não gerassem pauta-bomba nem perpetuar lógicas terraplanistas do governo anterior. A terceira prioridade foi reorganizar o Orçamento com a PEC da Transição. A quarta ponta foi recriar os programas sociais. A quinta foi aprovar o marco fiscal e a reforma tributária.

* E qual a previsão para o segundo semestre?

A. P. - Concluir o que resta da Reforma Tributária. Estou otimista que vamos até o final do ano ter concluído, nas duas Casas, pelo menos a parte constitucional da Reforma Tributária. Também temos que consolidar a presença da frente política dentro do governo, saudando a possibilidade de parlamentares que representam bancadas de partidos que tiveram compromisso conosco para que eles possam participar do governo.

* Isso inclui o PP e Republicanos?

A. P. - Sim. As bancadas desses partidos ofereceram, indicaram diretamente a mim e ao presidente Lula, a possibilidade de terem parlamentares compondo o governo, o primeiro escalão. Mas estou falando também de outros partidos, de outras bancadas que não necessariamente oferecem parlamentares no sentido de compor o primeiro escalão, mas que têm disposição, seja nos estados, seja em outros espaços, de compor o governo. Temos toda a intenção de ter essas bancadas junto conosco.

* O senhor se refere ao PL?

A. P. - No caso do PL, nós temos um conjunto de parlamentares que, até por afinidade nos seus estados, por posicionamento de não passar pano para os atos terroristas no dia 8 de janeiro, por ter votado tanto a Reforma Tributária quanto o marco fiscal e a retomada dos programas sociais. E temos todo o interesse em interagir, sobretudo nos estados, com a participação deles no governo.

* Essas negociações podem ser consideradas como um 'toma lá, dá cá'?

A. P. - Eu vejo como uma consolidação de uma frente política que já se expressou desde a PEC da Transição. Não tinha nem governo, não tinha nem cargo, não tinha nem ministério e essas forças políticas já contribuíram. Depois, esse grupo foi decisivo e firme no dia 8 de janeiro.

* O governo recebeu críticas de parlamentares e também teve derrotas no Congresso, como a instalação da CPI do MST e a nos decretos de saneamento. E agora trocas no ministério com menos de oito meses. Houve falha na articulação política?

A. P. - É muito raro um time ser campeão invicto no campeonato. É uma situação excepcional. Num campeonato você ganha, você empata, você perde dentro de casa, você perde fora de casa, mas você não pode perder a final. No segundo semestre, vamos buscar aprimorar.

* Isso é um aprimoramento ou é uma necessidade para ter vitórias no Parlamento?

A. P. - É um aprimoramento para consolidar essa frente.

* Legendas como MDB, União Brasil e PSD já receberam 3 ministérios cada. O governo errou na escolha e na distribuição dos ministérios?

A. P. - A composição na largada foi adequada para aquele momento político e nos ajudou a ganhar essa etapa do campeonato.

* Vai ser um ministério para o PP e um para o Republicanos?

A. P. - Não está definido isso. Essas duas bancadas indicaram um deputado cada. Essas definições vão se configurar a partir do retorno do mundo político a Brasília, a partir de agosto. O que tem certo é a disposição do presidente de incorporar essas duas forças políticas que representam bancadas da Câmara.

* Os indicados foram Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA)? Há objeções a eles no governo?

A. P. - Não. Nenhuma objeção por parte do governo, do presidente Lula, a esses nomes.

* Qual é o número da base?

A. P. - Nossa relação [com o Congresso] não é [de] contar gado. Nossa relação é o encontro de agenda política de temas prioritários e de aprovação. Tem coisa que a gente precisa de mais de 308 votos para aprovar e a gente vai construir essa base, como nós fizemos nesse primeiro semestre.

* Quais ministérios estão realmente blindados?

A. P. - O presidente já falou de algumas situações específicas que são ministérios que não foram compostos por forças políticas partidárias. Ele citou o exemplo da Saúde. Mas não tem nenhuma definição do presidente sobre a reorganização, quais ministérios ele pretende discutir.

* Na reforma, pode haver redução no número de mulheres, que na verdade já não é tão alto.

A. P. - Pelo contrário, o esforço do presidente Lula tem sido sempre de ampliar a presença e a participação de mulheres no governo e vai continuar sendo isso.

* Qual é a chance de PP ou Republicanos assumir o Ministério do Desenvolvimento Social?

A. P. - Não tem esse debate ainda, só deve começar a partir de agosto, quando Lula se reunir com as lideranças partidárias. O que ele deixou muito claro, mais de uma vez, é que é um ministério que faz parte do coração do governo.

* Quando candidato, Lula criticava o poder excessivo do Arthur Lira, mas o que a gente vê ainda é uma dependência grande dele. Por que não conseguiram mudar isso?

A. P. - Com essa relação que nós temos tanto com o presidente Lira, quanto com o presidente Pacheco, nós aprovamos aquilo que era necessário aprovar para o país. Fomos vitoriosos nesse primeiro semestre. Construindo uma nova relação, de diálogo, às vezes de mediações, conseguindo aprovar aquilo que era prioritário para nós.

* Lira ainda exerce muita influência sobre as emendas, apesar de as emendas de relator não existirem mais. Na prática, ele mantém o controle sobre as emendas que passaram para recursos de ministérios, as chamadas verbas extras?

A. P. - Não, pelo contrário, houve uma mudança profunda em relação a isso. Você teve um aumento das emendas impositivas, com um calendário pré-definido. Às vezes você pode ter uma coincidência de uma votação acontecer naquela semana onde estava programado o empenho para determinada emenda.

Agora, até porque eu sou deputado eleito, sei o quanto que muitas vezes o parlamentar conhece uma realidade local, um tema, às vezes melhor do que um técnico de um determinado ministério. É um governo [que] a gente orienta sim os ministérios, que estejam abertos a ouvir propostas, a receber proposta dos parlamentares, de presidentes de comissão.

* Sobre o que era emenda de relator e virou recursos dos ministérios, o governo pretende divulgar os beneficiários?

A. P. - Você está falando de uma coisa que não é emenda. Agora, os ministérios sempre têm que perseguir como melhorar a transparência.

* O Planalto deve apoiar algum candidato na sucessão de Lira e Pacheco?

A. P. - Nem o presidente Arthur Lira nem quem pretende vir a ser presidente da Câmara querem antecipar essa discussão. Não é o Planalto que vai antecipar nem interferir nessa discussão. Nós, em nenhum momento, cometeremos erros que outros governos já cometeram de entrar numa discussão que é uma construção feita pela Casa. É o mesmo debate para o Senado.

 

Fonte: IstoÉ/FolhaPress

 

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