Entender o Censo
exige bom senso
203.052.512.
Esta era a população do Brasil no dia 1º de agosto de 2022 — um número inferior
ao que se esperava nas prévias do Censo Demográfico divulgado pelo IBGE na
quarta-feira passada. Nunca antes na história deste país o crescimento entre um
censo e outro foi tão baixo quanto esse. Em 2010, quando foi realizado o
levantamento anterior, a população brasileira era de pouco mais de 190 milhões
de pessoas. O crescimento, agora, foi de modestos 6,45%.
Os
números do Censo, é claro, precisam ser vistos com cuidado. Eles servem de base
para a distribuição de verbas federais para os estados e municípios, mostram
onde os investimentos em infraestrutura são mais necessários, jogam um facho de
luz sobre as necessidades da Previdência Social e orientam as principais
decisões em matéria de finanças públicas. É bom, portanto, olhar para eles com
um pouco mais de atenção e, diante da realidade desvendada pela movimentação
demográfica do país, enfrentar agora algumas questões que podem se tornar mais
complicadas caso sejam deixadas para mais tarde. Afinal, qualquer mudança que
for proposta agora com base nos números apurados pelo IBGE já estará sendo
tomada com dois anos de atraso.
Publicidade
O
levantamento deveria ter ficado pronto em 2020, mas sofreu um atraso de dois
anos em razão da pandemia da Covid-19 e da falta de dinheiro do governo para
qualquer despesa que não seja o custeio da máquina pública balofa e lerda que a
sociedade carrega nas costas. Mesmo assim, ele é revelador. Contém detalhes e
números que, analisados sem paixão, levam a uma conclusão preocupante sobre o
que anda acontecendo no país. Um desses detalhes (que tem a ver justamente com
a força de atração que o aparato estatal exerce sobre a população) é o ranking
das principais cidades do país.
TERRA
DE OPORTUNIDADES
A
capital federal, Brasília, teve um crescimento populacional de 10%, ganhou uma
posição nesse ranking e hoje, com pouco mais de 2,81 milhões de habitantes, é a
terceira maior cidade do país. Fica atrás apenas do município de São Paulo, que
tem 11,45 milhões de habitantes (2% a mais do que em 2011) e do Rio de Janeiro.
Com 6,21 milhões de moradores, o Rio tem hoje, uma população 2% menor do que
tinha no levantamento anterior.
O
que isso significa? Antes de chamar atenção para os problemas que levaram o Rio
a encolher, convém parar para pensar nos motivos que levaram Brasília a crescer
mais do que cidades que sempre tiveram uma vocação econômica mais forte do que
ela. Sempre levando em conta o crescimento percentual e não o número absoluto
de pessoas, é preciso observar, por exemplo, o degrau que existe entre o
crescimento de São Paulo e o da capital da República. A metrópole sempre vista
como a “locomotiva do país”, ou o primeiro destino que as pessoas de todas as
regiões pensavam em buscar quando a situação se tornava difícil em suas terras
natais, hoje exerce sobre as pessoas uma força de atração menor do que a capital
federal — que nunca tinha sido vista antes como uma terra de oportunidades.
A
pergunta é: que oportunidades Brasília tem a oferecer que a tornam tão
atrativa? A tentação diante dessa pergunta é responder que todos estão atrás de
uma vaga no serviço público — que garante a quem consegue um bom salário,
estabilidade no emprego e aposentadoria integral (benefícios negados aos
brasileiros que estão fora da máquina). Mas nem todos têm essa oportunidade. O
certo, de qualquer forma, é que os salários vultosos do funcionalismo (que são
reajustados faça chuva ou faça sol) movimentam o setor de serviços e o comércio
brasiliense numa velocidade superior à média do país. Isso certamente se traduz
em oportunidades de empregos e ajuda a explicar a realidade demográfica do
Distrito Federal.
O
que estamos falando, portanto, é da busca de oportunidade por uma vida melhor.
Num país como o Brasil, onde as pessoas têm o direito de escolher onde querem
morar, as migrações (mais do que a relação entre nascimentos e óbitos) são a
principal explicação para as grandes variações demográficas. Nos anos 1970 e
1980, a população de São Paulo teve um crescimento populacional superior à
média nacional (como acontece atualmente com Brasília) devido às oportunidades
que oferecia às pessoas que a procuravam em busca de uma vida melhor. Hoje,
pelo que revela o Censo, a locomotiva paulistana já não tem o mesmo apelo.
Moral da história: existe algo errado com um país em que o serviço público tem
uma força de atração maior do que a pujança da economia privada. Só não enxerga
isso quem não quer.
BALA
PERDIDA
A
questão não é fazer com que Brasília deixe de ser atraente, mas devolver ao
restante do país as condições para que cresçam mais e atraiam mais pessoas. Se
o problema é grave com São Paulo, o que dizer, então, do Rio de Janeiro? A
segunda maior cidade do país, ao invés de atrair, está exportando moradores. E
embora o Censo não desça (e nem deveria descer) a esse nível de detalhes, é
possível apontar pelo menos três dos motivos que justificam essa realidade.
A
primeira razão, e mais evidente de toda, é a violência. Ninguém se sente
atraído por morar em um lugar onde sabe que está o tempo todo correndo risco de
ter a vida abreviada por uma bala perdida ou qualquer outro tipo de violência.
Essa situação, infelizmente, é perceptível a olho nu e continuará expulsando as
pessoas da cidade enquanto não for enfrentada e resolvida.
Outra
razão é a qualidade dos serviços públicos oferecidos à população. Uma cidade em
que, para falar apenas do transporte, as pessoas se espremem dentro de ônibus
velhos e sempre lotados e para se locomover de casa para o trabalho não é,
convenhamos, um lugar capaz de atrair gente de outros pontos do país.
O
último motivo, claro, são as oportunidades de trabalho. Embora haja uma nítida
retomada de ânimo em setores como o turismo, a construção civil e os serviços
em geral, ela mal atende às necessidades dos moradores locais, que vêm
enfrentando dificuldades nos últimos dez anos e comeram o pão que o diabo
amassou durante a pandemia. E está longe, portando, de fazer o Rio ser visto,
como era no passado recente, como um Eldorado para as pessoas de fora.
É
bom lembrar que essas afirmações são fruto de observações pessoais e não se
baseiam em qualquer pesquisa específica — mas apenas no olhar atento que esta
coluna sempre lançou sobre o Rio mesmo quando se volta para os temas nacionais.
Elas, portanto, podem não refletir com exatidão as causas do esvaziamento da
segunda maior cidade do país. Mas, seja como for, e por mais que se aprofunde
no assunto, será difícil fugir à conclusão de que o Rio vem perdendo o gás e
precisa recuperá-lo para garantir uma melhor qualidade de vida para sua
população. Também é preciso observar que essa não é uma exclusividade carioca.
Das 27 capitais das unidades federativas, outras oito capitais, além do Rio,
tiveram queda populacional.
Publicidade
Salvador
foi a que mais encolheu entre as capitais. Caiu dos 2,6 milhões de habitantes
que tinha em 2010 para 2,4 milhões em 2022, uma queda de dez pontos percentuais.
Natal, Belém, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Vitória e Fortaleza —
cidades que parecem ter crescido além de sua capacidade nos anos anteriores —
também caíram.
Perceba-se
que desta lista constam cidades de quatro das cinco regiões brasileiras. A
única que fica de fora é o Centro-Oeste. A região, que inclui Brasília, também
conta com a atração que o agronegócio, a atividade mais pujante da economia do
país, exerce sobre as pessoas.
COFRES
DA PREVIDÊNCIA
Por
qualquer aspecto que se observe, esses números revelam que, puxadas pelo
crescimento da economia, a oferta de oportunidades ajuda a explicar as
variações demográficas que acontecem entre um censo e outro. Portanto, o
estímulo ao crescimento é a chave que o país precisa virar caso se pretenda
evitar o esvaziamento de regiões que têm tudo para acolher e oferecer melhores
condições de vida às pessoas.
Outra
conclusão a que se pode chegar com base nos números apresentados agora pelo
IBGE é que o problema da Previdência — que gera discussões acaloradas sempre
que é mencionado — precisa ser enfrentando com seriedade, com urgência e sem
paixões ideológicas. Do contrário, o colapso será inevitável.
O
crescimento populacional de 6,45% observado entre 2010 e 2022 será insuficiente
para, num futuro próximo, gerar uma força de trabalho suficiente para bancar as
despesas com as aposentadorias no futuro. O país tem atualmente pouco mais de
15% da população com idade superior a 60 anos. Mantida a curva de crescimento
como está — e nada indica que ela se inverterá — esse percentual será de
aproximadamente 40% dentro de duas ou três décadas.
Num
cenário como esse, logo haverá mais aposentados recebendo dinheiro da
previdência social do que pessoas na ativa para abastecer os cofres do sistema.
Não é preciso ser um especialista em cálculo atuarial nem doutor em demografia
para saber que uma situação como essa é absolutamente insustentável.
Caso
nada seja feito para se prevenir, agora, as distorções que certamente virão no
futuro caso o Brasil continue gastando com a previdência, sobretudo do
funcionalismo público, muito mais do que o sistema arrecada, o risco de colapso
é evidente. Em outras palavras, o Brasil precisa pensar o mais depressa
possível numa reforma mais séria e abrangente do que aquela que já deu o que
falar em 2019 — e que teve contra si a oposição do partido que hoje está no
poder, o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse
é um dos pontos que precisam ser vistos sem ranço ideológico a partir dos
números do Censo de 2022. Os dados do orçamento da União mostram que os gastos
da Previdência são a maior despesa do governo, sem considerar o pagamento dos
juros da dívida pública. No ano passado, as aposentadorias, pensões,
indenizações e outros benefícios pelo INSS representaram 44% das despesas do
governo e alcançaram quase R$ 810 bilhões. O déficit primário do sistema — ou
seja, a diferença entre o que a previdência arrecadou e aquilo que gastou foi
de pouco mais de R$ 260 bilhões em 2022.
DISTRIBUIÇÃO
DE RECURSOS
Por
qualquer ângulo que se observe, os números do censo revelam a necessidade
urgente de se olhar com mais seriedade e menos populismo para as medidas
capazes de reativar a economia, de incluir a maior quantidade de pessoas em
condições de contribuir para o sistema de previdência oficial e de oferecer uma
melhor qualidade de vida para a população.
Talvez
fosse preferível propor e ter a coragem de tomar medidas mais duras e
impopulares agora do que permitir que a situação evolua para um quadro de falta
de controle para que a situação não venha, quando o Censo de 2030 sair do
forno, exigir do presidente que estiver no poder, seja ele quem for, medidas
emergenciais destinadas a tapar o rombo que certamente haverá nas contas
públicas. Mas, pelo que mostra o clima de Brasília e as pressões que os
políticos têm feito pela expansão dos gastos públicos, há mais interesse em
tornar o buraco nas contas públicas mais profundo do que em tapá-lo e impedir
que o dinheiro do povo continue escorrendo pelo sorvedouro.
Seja
como for, é preciso estar atento à situação revelada pelo Censo e agir para
reverter os problemas apontados por ele. Na quarta-feira passada, poucas horas
depois da divulgação, pelo IBGE, dos números do Censo de 2022, o presidente
Lula sancionou uma lei que impede que os novos números tenham um impacto
imediato sobre a distribuição de recursos do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM).
De
acordo com a legislação, os recursos do FPM são distribuídos entre os
municípios conforme critérios que levam em conta a população de cada localidade.
O que Lula fez foi impedir que os efeitos imediatos de uma distribuição que
seguisse ao pé da letra os números levantados pelo censo tirassem de prefeitos
recursos para bancar despesas que já estavam contratadas.
O
Rio foi um dos municípios beneficiados. Com a nova lei, a prefeitura terá tempo
para adequar suas despesas à nova realidade demográfica. Além da capital
fluminense, outros 2.398 municípios (o que representa 43% do total) também
viram a população decrescer. De acordo com a lei sancionada por Lula, a
distribuição do dinheiro será mantida como estava previsto e os ajustes
necessários serão feitos no prazo de dez anos.
Isso
demonstra apenas que é possível olhar para os números do Censo e tomar, agora,
medidas que causariam problemas se não fossem adotadas. Há outras providências
que podem ser tomadas. Não custa estudá-las e seguir na mesma direção.
Fonte:
Por Nuno Vasconcelos, para o iG
Nenhum comentário:
Postar um comentário