Damares fala, fala,
mas nada fez por Marajó
A
gestão de Damares Alves (Republicanos) no Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos (MMFDH) afirma ter enviado R$ 718 mil para a realização de
70 encontros destinados à formação e ao apoio de famílias na Ilha de Marajó
(PA). A verba, no entanto, nunca chegou aos municípios.
O
recurso teria saído do antigo programa Abrace o Marajó. O valor consta no
painel de monitoramento do programa Abrace o Marajó, responsável por reunir
mais de 100 iniciativas do governo federal para a área, sob a gestão da pasta
de Damares. Nomeado de Famílias Fortes, o projeto aparece como “executado” na
prestação de contas da antiga equipe, mas nunca saiu do papel.
Marajó
entrou nos holofotes quando, em 2022, Damares afirmou, sem provas, que crianças
no arquipélago são traficadas e têm os dentes “arrancados para elas não
morderem na hora do sexo oral”. Neste ano, a senadora voltou a mencionar a
ilha, ao dizer que pretende se tornar a “princesa do principado de Marajó”.
Lançado
sob nova roupagem em 2021 pela ex-ministra, o projeto Famílias Fortes foi
idealizado para fortalecer as habilidades parentais dentro das famílias, com
capacitações socioemocionais dos núcleos familiares. A medida segue uma
metodologia criada na Oxford Brookes University, a fim de reduzir
“comportamentos de risco, tais como o consumo de álcool e drogas, o abandono
escolar, o envolvimento com violência, a iniciação sexual precoce e a gravidez
na adolescência”, como consta no portal do Ministério dos Direitos Humanos e
Cidadania (MDHC).
No
caso do arquipélago, o plano de ação do programa Abrace o Marajó previa o
investimento de R$ 554 mil para a formação em sete municípios — Anajás, Bagre,
Cachoeira do Arari, Curralinho, Gurupá, Salvaterra e Soure — até setembro de
2022. Porém, posteriormente, ficou decidido que Ponta de Pedras e Muaná também
receberiam a verba.
Segundo
dados do painel do programa, o valor destinado ao Famílias Fortes aparece
superfaturado, com R$ 718 mil distribuídos para cidades.
Ainda
de acordo com o levantamento, há mudanças significativas nos municípios
abraçados pelo programa — duas cidades selecionadas no plano de ação não
constam no painel, enquanto outras duas foram adicionadas.
Em
seis municípios, o painel ainda mostra que 16 formações teriam acontecido, na
seção “Meta Executada”.
Ainda
de acordo com o plano de ação, a previsão era de que as formações fossem
coordenadas e executadas pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), a
partir de orçamento enviado pelo ministério de Damares à instituição. A universidade,
no entanto, confirmou ao Metrópoles que nunca recebeu a verba prometida e que
não há previsão para a iniciativa entrar em vigor.
“A
Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), informa que o projeto não foi
executado até o momento, pois não houve o repasse financeiro pela Secretaria
Nacional da Família (SNF), extinta pelo atual governo. A Ufra continua
aguardando o repasse dos recursos financeiros necessários para a execução do
projeto ‘Fortalecimento dos Vínculos Familiares e Habilidades Parentais em
municípios do Arquipélago do Marajó e do Nordeste Paraense’ para então, dar
início as ações do ‘Programa Famílias Fortes’ no âmbito das regiões Paraenses”,
diz trecho de nota.
O
Metrópoles conversou com os nove municípios citados em todos os documentos
oficiais e que estão presentes no painel de monitoramento do Abrace o Marajó. A
maioria confirmou que não recebeu nenhum repasse financeiro para realizar o
projeto. As cidades de Bagre, Curralinho e Salvaterra não responderam às
tentativas de contato da reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Questionada
sobre as divergências entre os dados e a realidade, Damares informou que o
projeto Famílias Fortes “não prevê repasse de recursos diretamente para os
municípios”. De acordo com a senadora, um termo de descentralização foi
assinado com a Ufra, “com repasse unicamente para essa instituição para
realizar a capacitação de agentes públicos que atendem diretamente as famílias
em diversos municípios do Marajó.”
O
termo de descentralização, no entanto, trata-se de um compromisso de repasse
orçamentário dos recursos e não uma execução financeira de fato – ou seja, uma
promessa de pagamento. Quanto aos números apresentados no painel, a ex-ministra
não respondeu de onde as informações de metas executadas partiam, apenas que
“os valores de investimento descritos por município correspondem à estimativa
de investimento pelos agentes capacitados”.
O
vice-reitor da Ufra, Jaime Viana de Sousa, cujo nome aparece em contrato
assinado com o MMFDH, confirmou que o termo de descentralização no valor de R$
718.819,91 foi firmado entre a universidade e o antigo ministério em 2021, mas
o repasse do recurso financeiro ainda não ocorreu.
Em
nota, o vice-reitor informou que a Ufra liquidou as notas fiscais com a Fundação
de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) para gerir a aplicação
financeira do projeto Famílias Fortes em Marajó. No entanto, o início das
formações segue paralisado, aguardando o envio dos recursos.
Consultado,
o atual Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) confirmou que o
projeto encontra-se em análise dentro da Secretaria Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, uma vez que a antiga responsável, a Secretaria
Nacional da Família, foi extinta. A pasta destacou, ainda, que o antigo Abrace
o Marajó foi suspenso e substituído por um novo programa, o Cidadania Marajó.
A
professora e coordenadora da Ufra, Carla Moraes, relatou diversas tentativas de
receber o recurso destinado ao projeto. “Solicitamos formalmente do Ministério
de Direitos Humanos um posicionamento a respeito, mas infelizmente não tivemos
o retorno”, disse.
Segundo
a professora, mais de 200 contratos do Famílias Fortes estão parados, não só os
relacionados à Ilha de Marajó.
Mesmo
com o fim do Famílias Fortes, a gestão atual do MDHC afirmou ao Metrópoles que
depositará os repasses destinados ao projeto até o fim de 2023, uma vez que os
contratos foram assinados anteriormente.
Lançado
em 3 de março de 2020 por decreto presidencial, o programa Abrace o Marajó era
destinado a fornecer infraestrutura, desenvolvimento social, desenvolvimento
produtivo e fortalecimento institucional para atender às demandas dos
municípios de Marajó.
Membros
de comunidades tradicionais na ilha contaram ao Metrópoles que chegaram a
receber visitas e promessas da equipe de Damares Alves, mas que as propostas
apresentadas não foram colocadas em prática.
“Em
2021, ela [a Damares] chegou a vir com alguns secretários, pegaram e
registraram nossas demandas. Mas, quando enviamos e-mails mais tarde para saber
dos projetos prometidos, só respondiam que já tinham encaminhado para o
gabinete responsável. Depois, mais nada”, relata Deco Alves, liderança na
comunidade quilombola Deus Ajude, em Salvaterra.
A
iniciativa de Damares foi criticada em nota pública divulgada por 64
organizações civis e, posteriormente, se transformou em questionamento por
parte da Defensoria Pública da União (DPU).
Em
resposta à DPU, a equipe de Damares alegou que a Federação da Agricultura e
Pecuária do Pará (FAEPA) e a Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA)
eram as entidades representativas da população local no comitê gestor do
programa.
“Quer
dizer, ela escolheu a representação de fazendeiros e latifundiários para
discutir, entre outras políticas, o destino de povos tradicionais na região”,
questiona Luti Guedes, diretor-executivo do Observatório do Marajó.
O
ativista ainda acusou a ex-ministra de tentar confundir a sociedade e diminuir
a transparência sobre o que de fato foi entregue.
“A
verdade é que era um ‘programa fantasma’. Ele envelopou uma série de projetos
para a região, de diferentes ministérios, e anunciou em um nome bonito, mas sem
o compromisso de realizar uma política pública de forma estruturada. É o que
nos mostram os números de investimentos mal distribuídos e muito menos geridos.
Fica difícil de acompanhar assim”, pontua.
Procurada
pela reportagem, a assessoria da senadora afirmou que, “independente de
posicionamento político, todo governo tem seus projetos atacados por um ou
outro grupo e isso é normal”, além de que “deve haver desconhecimento quanto
aos resultados entregues pelo Programa Abrace o Marajó”. A equipe de Damares
também reforçou a leitura do relatório com as entregas alcançadas referentes ao
projeto.
Com
um total de R$ 829.838.339,40 (valor atualizado em novembro de 2022), os
recursos foram divididos entre os 133 projetos, atividades e iniciativas
ativas. >>>> Confira abaixo, as entregas previstas no relatório da
gestão da ex-ministra:
#
Entrega de mais de 140 mil cestas básicas e 1,2 milhão de itens de higiene
pessoal, com orçamento de R$ 12 milhões;
#
Investimento de R$ 1.091.680 para realizar o diagnóstico e fortalecimento do
Sistema de Garantia de Direitos de Criança e Adolescentes no Marajó;
#
Estudo sobre a acessibilidade nos municípios do Marajó, com custo de R$
449.654;
Disponibilização
de minuta de Projeto de Lei para criação do Conselho Municipal da Pessoa com
Deficiência;
#
Quarenta certificados emitidos para mulheres extrativistas formadas no
arquipélago, com formação realizada por meio de TED no valor de R$ 183.020,98;
Projeto
de construção da Casa da Mulher — espaço para acolher vítimas de violência— em
Breves, que aguarda licitação para início da obra. O investimento previsto é de
R$ 823 mil;
#
Cerca de 500 jovens com idade entre 18 e 29 anos capacitados para o
empreendedorismo com treinamento, mentoria, oficinas e palestras em
intercâmbios remotos. O investimento é de aproximadamente R$ 1 milhão;
#
Projeto ainda em execução de capacitação direitos humanos, com 282 matrículas
confirmadas em Breves e outras 23 em Portel;
#
Disponibilização de registro civil de recém-nascidos, gratuitamente, dentro de
unidades hospitalares. E implementação de postos de atendimento de cartório
para registro em maternidades no Marajó;
#
Liberação de R$ 2,5 milhões para cinco vencedores do chamamento público que
premiou iniciativas voltadas à bioeconomia, economia circular e infraestrutura
social nos municípios do arquipélago;
#
Entrega de 304 computadores desktop para as escolas municipais do Marajó. Projeto
sem custos à União;
#
Projeto de clínicas de futebol feminino e masculino na região. Além da
realização de um torneio de futebol entre a comunidade local, com entrega de
certificados e medalhas — totalizando um investimento de R$ 200 mil;
#
Formação de profissionais para lidar com o desenvolvimento da criança, visita
domiciliar e capacitação técnica em gestão e monitoramento do Programa Criança
Feliz. O orçamento previsto e executado foi R$ 9.225.450,85;
#
Formação e implementação da metodologia de grupos de ajuda com o objetivo de
promover o cuidado de usuários de drogas e seus familiares. O orçamento em
execução é de R$ 30 mil;
#
Construção, em andamento, de um navio de assistência hospitalar. Com orçamento
de R$ 14,25 milhões, sendo que R$ 4,105 milhões foram executados. A entrega do
projeto está prevista para 2023;
#
Projeto para assegurar às mulheres de Breves e Muaná o direito ao planejamento
reprodutivo, com R$ 1 milhão executados;
#
Doze visitas da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) ao arquipélago
para detectar denúncias de violações de direitos, com verba de R$ 144 mil;
#
Ações e apoio técnico a gestores e equipes de referência para aprimorar a
oferta dos serviços e programas de assistência social em Marajó. Foram
executados R$ 13.245 em nove municípios;
#
Formação de 130 agentes públicos marajoaras, sendo 83 em educação, 26 em saúde
e 28 na Plataforma Mais Brasil;
#
Catalogação de 240 iniciativas empreendedoras, além de consultorias de
capacitação para o mercado digital. O investimento é de R$ 683 mil;
#
Compra de 11 caminhões com baú isotérmico para recebimento e distribuição de
alimentos adquiridos dos agricultores familiares às creches, escolas públicas,
restaurantes populares, cozinhas comunitárias, entre outros. No momento, há uma
verba executada de R$ 1.625.779;
#
Compra de alimentos produzidos por 110 agricultores familiares, metade da
estimativa inicial. Foram executados R$ 489.461,26;
#
Atendimento de 205 famílias em situação de vulnerabilidade social da zona rural
do Marajó, com objetivo de promover a estruturação produtiva e segurança
alimentar e nutricional delas. O orçamento executado é de R$ 474 mil;
#
Oficinas de sensibilização e divulgação sobre a importância da prevenção à
exploração sexual de crianças e adolescentes no setor turístico. Foram
aplicados R$ 100 mil;
#
Entrega de 14.219 títulos de regularização fundiária, além do desbloqueio e
emissão de Contrato de Concessão de Uso (CCU);
#
Fornecimento do serviço público de energia elétrica a 4.273 famílias nos
municípios de Bagre, Curralinho e Melgaço, com investimento de R$
119.205.846,58;
#
Fornecimento do serviço público de energia elétricas em comunidades isoladas do
Marajó. Ao todo, 7.974 famílias foram alcançadas em três cidades marajoaras,
com investimento de R$ 320.460.547,32. Além disso, a pasta liberou a primeira
parcela de R$ 79 mil para outros quatro municípios;
#
Entrega de 408 pontos de internet no Marajó, sendo 174 em 2020, 166 em 2021 e
68 no ano passado. O orçamento total foi de R$ 940,8 mil.
Fonte:
Metrópoles
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