Começa a
desbolsonarização do Banco Central
O
economista Gabriel Muricca Galípolo ganhou notoriedade em 2022 ao construir
pontes entre o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva e o
empresariado.
Sua
reconhecida capacidade de diálogo tornou as ideias de Lula mais toleráveis para
esse público, e o trabalho bem executado acabou rendendo um convite para ocupar
o posto de secretário-executivo do Ministério da Fazenda.
Aos
41 anos, o ex-CEO do Banco Fator agora se dedicará a um novo desafio: a
diretoria de Política Monetária do Banco Central.
Aprovado
em sabatina feita pelo Senado na terça-feira 4, Galípolo assumirá o cargo nos
próximos dias. Portanto, é certo que participará da reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom), prevista para 2 de agosto. Nela, o colegiado decide
se os juros, enfim, começarão a cair.
Em
entrevista concedida em uma filial do Banco do Brasil em São Paulo, Galípolo
diz que o governo conquistou a confiança dos investidores e que o Brasil criou
as condições necessárias para a queda da Selic.
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A seguir, os principais trechos.
• A taxa de juros elevada tem recebido
duras críticas do presidente Lula. Como o senhor vê essa discussão?
Na
fase em que estou, seria inadequado fazer qualquer tipo de comentário sobre
política monetária e a atuação do Banco Central. O que posso dizer é que a
economia é mais ou menos como uma aposta em um concurso de beleza. Você não
deve apostar na concorrente que acha a mais bonita. Se quer ganhar, deve
apostar naquela que os outros vão eleger. Ou seja, pouco importa a minha
opinião.
• Nesse sentido, a queda dos juros seria a
aposta certa?
Eu
tenho visto que a curva dos juros futuros vem cedendo sistematicamente ao longo
do ano. Desde a PEC da Transição, apresentamos medidas saneadoras para a
redução do déficit primário deste ano, vimos vitórias no Superior Tribunal de
Justiça e a apresentação do arcabouço fiscal. Todas essas iniciativas foram
retirando o ceticismo do investidor. Criamos um ambiente favorável que permite
maior harmonia entre as políticas monetária e fiscal.
• O senhor está dizendo que o ambiente
para a redução dos juros já foi criado?
Ele
melhorou muito. Mas é como fazer atividade física e se alimentar bem. Trata-se
de um processo constante, que demanda reavaliar as políticas públicas a todo
instante. Mas é nítido que houve uma melhora significativa do começo do ano
para cá.
• Como é a sua relação com o presidente do
Banco Central, Roberto Campos Neto?
É
ótima. Acho difícil que tenha alguém no governo que fale tanto com ele quanto
eu. A simbologia da minha indicação tem a ver com isso. A minha intenção é
construir mais pontes, estabelecer mais diálogo.
• No mercado financeiro, muitos dizem que
o senhor será uma espécie de “preposto” do governo Lula no Comitê de Política
Monetária do Banco Central. O que acha dessa afirmação?
Essa
pergunta precisa ser feita para quem falou isso. O que posso dizer é que tenho
dialogado sempre com o mercado, até porque deixei amigos lá, e recebi um bom
acolhimento por parte de quem hoje está no Banco Central. “As iniciativas
econômicas do governo retiraram o ceticismo do investidor. Criamos um ambiente
favorável, que permite a harmonia entre as políticas monetária e fiscal”
• A resistência que o empresariado tinha
em relação ao presidente Lula já se dissipou?
É
difícil avaliar, porque a minha amostragem é sempre enviesada. O sujeito que
vem conversar comigo pode até ter críticas objetivas, mas vai estar mais aberto
ao diálogo. De todo modo, acho difícil não reconhecer que, da virada do ano
para cá, a aceitação das medidas que estão sendo tomadas aumentou muito. O que
aconteceu com o preço dos ativos financeiros de lá para cá reflete uma maior
confiança, seja do ponto de vista do investidor, do empresário nacional ou
internacional. É difícil refutar isso.
• Como foi a sua transição do mundo
corporativo para a atividade pública?
Após
sair do Banco Fator, em 2021, recebi um convite para participar de uma reunião
que o presidente Lula faria com alguns agentes do mercado financeiro. Nesse
processo, acabei conhecendo o ministro Fernando Haddad e comecei a me envolver
nos debates e decisões importantes.
• Que balanço faz de seu trabalho no
Ministério da Fazenda?
Eu
tenho muita resistência em fazer qualquer tipo de conjugação verbal na primeira
pessoa do singular. Foi um trabalho em equipe capitaneado pelo ministro
Fernando Haddad. Os indicadores econômicos falam por si. Se alguém dissesse, na
virada do ano, que em seis meses haveria redução significativa do dólar, do
risco-¬país, dos juros futuros e uma melhora da bolsa de valores, poucas
pessoas apostariam nisso. Acho que mesmo aqueles que eram críticos não negam a
melhora no ambiente econômico.
• Depois da experiência na Fazenda, o
senhor sente que agora tem maior traquejo político?
Sem
dúvida. Foi um grande aprendizado para mim. Sendo muito sincero, acho que o
ambiente da política nem é tão diferente daquele que conheci como executivo na
posição de presidente de banco.
• A questão ideológica não é mais acirrada
na política?
Eu
percebi que vale muito a lógica de ser transparente naquilo que você entende
ser possível de realizar. Claro que podem existir divergências, mas, se você
for frontal e direto, acho que é possível construir pontes e soluções. De certa
maneira, foi o que eu tentei fazer durante as eleições, quando existia um
ambiente conflagrado, com grupos distintos, em que qualquer tema fora de
contexto poderia degenerar o debate. Se você conseguir retirar esse tipo de
ruído e as pessoas que estiverem na mesa tiverem o bom senso, a realidade se
impõe e o nível de divergência diminui muito.
• A deterioração de indicadores econômicos
internacionais deveria ser motivo de preocupação para o Brasil?
Tivemos
várias semanas de deterioração dos cenários internacionais, o que deveria provocar
piora nos indicadores locais, e ainda assim eles melhoraram. Isso é algo raro
de ocorrer em um país emergente, o que se deve principalmente à agenda
econômica positiva. Mesmo aqueles que tinham algum ceticismo hoje depositam
confiança no trabalho que a Fazenda tem feito. Muitos economistas falam em
risco sistêmico.
• Há esse perigo?
A
preocupação de um risco sistêmico para as economias centrais não está colocada
para nós. No Brasil, existem outros riscos, como a disponibilidade de crédito
para as empresas e a inadimplência para as pessoas físicas. O Brasil também não
enfrenta problemas de dependência energética, como outros países. Ainda que o
cenário internacional se torne mais desafiador, o Brasil reúne vantagens
competitivas para a atração de investimentos.
• Quanto o Brasil vai crescer em 2023?
O
volume projetado está entre 2% e 2,5%. Isso já é uma melhora significativa em
relação ao que se esperava na virada do ano. Alguns agentes internacionais
apontam para um crescimento de 2,7%. O Ministério da Fazenda, no entanto,
precisa estar preocupado com a qualidade do crescimento. Existe uma agenda que
é muito importante para o presidente Lula e que vai além da sustentabilidade
econômica, que é a sustentabilidade social e ambiental. Essa pauta vai ganhar
cada vez mais força.
• Não preocupa o fato de a taxa de
investimento no país ter caído no começo do ano?
O
próprio relatório do Comitê de Política Monetária comunicou que isso está em
linha com o que se espera quando se tem uma política monetária contracionista.
A elevação na taxa de juros produz esse tipo de efeito. Estudos mostram que,
para o Brasil crescer além dos 2% ao ano, é preciso elevar o patamar de
investimento, atualmente em torno de 18% do PIB, para algo mais próximo de 25%.
Por isso as medidas implementadas pelo Ministério da Fazenda são tão
importantes. Estamos devolvendo ao país uma regra fiscal, porque a verdade é
que estávamos nesses últimos anos sem nenhuma regra. Você tinha uma norma que a
todo momento era excepcionalizada. Devolver uma regra fiscal ao país, promover
a reforma tributária e criar um ambiente de sustentabilidade das contas
públicas são fatores que ajudam a elevar o investimento.
• O governo pretende lançar um novo
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O senhor acredita no papel do
Estado como indutor do crescimento?
O
nome do programa de investimentos ainda não está definido. Ele tem sido
coordenado pela Casa Civil e a Fazenda tem sido chamada para participar das
discussões. No Brasil, criou-se uma dualidade entre o que é o Estado e o
mercado. Isso é uma falsa dicotomia. Em todos os países e sociedades que
progrediram, há harmonia entre o público e o privado. Só assim a sociedade se
desenvolve.
• No início do mandato, o presidente Lula
anunciou diversos programas populares, mas agora eles parecem mais voltados à
classe média, como o incentivo à compra de carros novos. O que mudou?
Em
um primeiro momento, existiu um esforço do governo para recompor os programas
sociais que são caros ao brasileiro que elegeu o presidente Lula. Mas o
presidente tem uma visão ampla. Ele não antagoniza classes sociais. A ideia não
é privilegiar alguns em detrimento de outros, e sim mostrar que é possível
progredir enquanto sociedade.
• Há uma visão no mercado de que o
arcabouço fiscal é menos contracionista do que era o teto de gastos. O senhor
concorda?
O
arcabouço é um bom registro da composição de forças políticas que saiu das
urnas no fim do ano passado. Enquanto economista que não recebeu votos, tenho a
consciência de que meu papel não é impor as minhas ideias, e sim conseguir
capturar o máximo possível da vontade popular. Nesse sentido, o arcabouço
permite atender a todos os programas sociais que representam o desejo popular,
mas simultaneamente apresenta uma sustentabilidade das contas públicas no médio
e longo prazo.
• Alguns setores têm reclamado da reforma
tributária. Como tem sido o trabalho da Fazenda para aparar arestas?
Seria
estranho se não houvesse discussões. Toda reforma tributária está relacionada a
conflitos distributivos. Aí é que está a dificuldade. A reforma é um projeto
que envolve um esforço da sociedade para produzir simplificação tributária que
eliminará distorções e levará ao aumento da produtividade. É isso o que se
busca.
• Pretende se filiar ao PT?
Nunca
pensei em trilhar o caminho da política. Eu me vejo muito mais como alguém que
tem a oportunidade de aprender com pessoas de experiência incrível na vida
pública. É isso o que eu estou aproveitando neste momento.
Novos diretores do BC vão expulsar Bob Neto
Gabriel
Galípolo e Ailton Santos foram oficialmente nomeados como diretores do Banco
Central do Brasil (BC), nesta sexta-feira (7). O governo publicou as nomeações
na madrugada no Diário Oficial da União.
Os
nomes de Galípolo e Santos foram aprovados pelo Senado Federal na terça-feira
(4), após uma sabatina. Galípolo será o novo diretor de Política Monetária,
enquanto Santos chefiará a Diretoria de Fiscalização.
Gabriel
Galípolo já foi o “número 2” do Ministério da Fazenda durante o governo Lula,
sendo considerado o braço direito do ministro Fernando Haddad. Por sua vez,
Santos, que já era auditor-chefe do BC, torna-se o primeiro negro em 58 anos a
ocupar um cargo de diretoria na instituição.
Desde
2021, quando foi sancionada a lei que garantiu autonomia ao Banco Central, o
presidente os diretores da instituição passaram a ter mandato fixo de quatro
anos.
No
caso de Roberto Campos Neto, atual presidente, o mandato vai até 2024. Gabriel
Galípolo é um dos cotados para substituí-lo.
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Veja, a seguir, os perfis dos novos diretores do BC.
• Gabriel Galípolo
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Indicado ainda na transição de governo, foi secretário-executivo do Ministério
da Fazenda (ou seja, “número dois” do ministro Fernando Haddad) até maio.
Formado
em Ciências Econômicas e mestre em Economia Política pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC-SP).
#
Professor universitário, deu aulas de 2006 a 2012 nos cursos de graduação da
PUC-SP, onde se formou.
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Foi presidente do Banco Fator, instituição com tradição em programas de
privatização e parcerias público-privadas (PPPs), de 2017 a 2021.
O
economista esteve à frente do banco durante os estudos para o processo de
privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro
(Cedae).
O
desenvolvimento de um modelo de parceria público-privada para a Cedae começou
em 2018 pelo consórcio liderado pelo Banco Fator, junto ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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Especialista no assunto, Gabriel Galípolo ministrou aulas sobre PPPs e
concessões na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).
Em
sua atuação na gestão pública, foi chefe da Assessoria Econômica da Secretaria
de Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, em 2007, na gestão do
então governador José Serra (PSDB).
No
ano seguinte, ainda durante governo do tucano, assumiu o cargo de diretor de
Estruturação de Projetos na Secretaria de Economia e Planejamento de São Paulo.
Em
2009, fundou a Galípolo Consultoria, onde trabalhava até chegar ao Ministério
da Fazenda.
• Ailton Santos
Natural
de Jequié (BA), Ailton de Aquino Santos será o primeiro negro a ocupar uma
diretoria do Banco Central. O banco foi fundado em 1964, há 58 anos.
Santos
trabalha no BC há 25 anos, onde é auditor-chefe.
Ele
se formou em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual da Bahia (Uneb) e em
Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), em Brasília.
Além
disso, o auditor tem outras três especializações em direito público, engenharia
econômica de negócios e contabilidade internacional.
Fonte:
Veja/Valor Econômico
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