sábado, 8 de julho de 2023

Presidente de Portugal defende acordo entre Mercosul e UE e resposta rápida a avanço tecnológico

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia é fundamental para a consolidação das democracias na América do Sul e também para os europeus. Dessa maneira, um novo adiamento desse acordo pode representar uma oportunidade perdida para que o bloco comercial da Europa exerça um importante papel entre as grandes potências do planeta.

Esse foi um dos recados do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso de encerramento do XI Fórum Jurídico de Lisboa, na última semana. Em sua fala, ele celebrou o evento e sua importância por promover o debate sobre questões fundamentais para o Brasil e para Portugal.

Segundo Rebelo, o ideal seria que o acordo fosse firmado ainda neste ano.

"Se a União Europeia perder a oportunidade por causa da cegueira de um país, por razões conjunturais, perderá talvez a oportunidade de um papel global no diálogo entre os grandes poderes do mundo, como perderá em relação à África se não estabelecer uma parceria com o continente africano. Ficarão apenas os Estados Unidos da América e a China", afirmou o presidente.

Além de defender o acordo entre Mercosul e União Europeia, Rebelo concentrou seu discurso na mudança digital pela qual o mundo está passando. Ele lembrou que nos últimos anos houve transformações essenciais, como a globalização política e econômica e as crises que têm desafiado os juristas de todo o mundo.

"Todas essas crises estão interligadas e exigem respostas, algumas imediatas, outras a médio e longo prazos, tanto do Direito quanto da política. No meio de tudo isso, a inteligência artificial foi se infiltrando em nossas vidas. Começou com a informação, depois passou para a elaboração e, posteriormente, para a preparação de decisões públicas e jurisdicionais. E, progressivamente, tornou-se transversal na vida dos poderes públicos e na vida privada. Convivemos todos os dias com os desafios da inteligência artificial."

Rebelo destacou que os novos poderes digitais são transnacionais e, portanto, exigem respostas transnacionais. Ele acredita que é possível descobrir fórmulas jurídicas capazes de responder aos desafios impostos pelos algoritmos, com o objetivo de potencializar as vantagens da tecnologia e, ao mesmo tempo, reduzir seus custos democráticos.

"Cabe aos juristas o estudo, a reflexão, a ponderação, a elaboração, mas compete aos poderes políticos a decisão. Quanto mais tarde for, pior é para todos. E esse é o desafio do Direito. Pergunto: o que será preferível, a Constituição do algoritmo (a Constituição entendendo a realidade do digital), ou o algoritmo a condicionar a Constituição e o Direito? A minha resposta é unívoca: o Direito deve antecipar-se, prever, disciplinar, minimizar os custos daquilo que só introduzirá menos democracia, mais desigualdade e mais injustiça entre os poderosos do digital e todos os demais, que serão os não poderosos do digital."

Por fim, ele afirmou que tanto Brasil quanto Portugal devem ter um papel pioneiro nesse debate e revelou o desejo de que os dois países trabalhem juntos por um futuro comum de paz, de desenvolvimento sustentável, de democracia e de Justiça.

 

Ø  Inteligência artificial não substituirá juiz no curto prazo, diz Murillo de Aragão

 

Por se tratar de tecnologia que depende de um algoritmo que reproduz comportamentos humanos, o uso da inteligência artificial no Poder Judiciário traz o risco de que as decisões tomadas de forma automatizada reflitam vieses discriminatórios. Isso aponta para a necessidade de supervisão, o que, em última análise, mostra que a tecnologia não está pronta para substituir os juízes no curto prazo.

Essa é a visão do advogado e cientista político Murillo de Aragão. Um dos debatedores na mesa "Inteligência Artificial e (In)Justiça", durante o XI Fórum Jurídico de Lisboa, no mês passado, o CEO da Arko Advice falou sobre os desafios do uso dos algoritmos nas decisões judiciais em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde o mês de maio. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da atualidade.

Na entrevista, Aragão ressaltou que é característica da IA reproduzir comportamentos e padrões. "Isso acontece. Agora, o que há de ser feito é se prevenir para a ocorrência de decisões que tragam discriminação, e que exista o direito de revisão e de intervenção humana", explicou o advogado.

Aragão afirmou que a questão dos vieses não é um problema recente. Segundo ele, julgadores seguem jurisprudências, e elas são frutos de comportamentos que, de alguma forma, são vieses.

"A questão é que se os vieses automatizados trazem discriminação, há de existir uma atitude protetiva. E a própria máquina, o ChatGPT, sugere o treinamento dos algoritmos, a supervisão humana, a avaliação dos padrões das decisões. Enfim, existe uma série de procedimentos que tendem a minimizar os riscos dos vieses discriminatórios."

Assim, prossegiu Aragão, não há como acreditar que a inteligência artificial vai, no curtíssimo prazo, substituir o papel do juiz e alijar o fator humano de uma decisão final.

"O fato é que a inteligência artificial deve ser usada, sobretudo, na organização das informações, e eventualmente na repetição de informações que já estão consagradas, nas quais não há grande polêmica. Mas, no final, há a possibilidade de que, se for identificada alguma discriminação, a intervenção humana seja necessária."

Ele afirmou também que a possibilidade de que a inteligência artificial produza decisões injustas foi contemplada no projeto de lei sobre a aplicação da IA no Brasil.

"No âmbito da Justiça fica claro, na proposta subscrita pelo senador Rodrigo Pacheco, que é necessária a intervenção humana, que no fim das contas pode evitar que decisões judiciais tragam potencial discriminatório grave."

 

Ø  Regulação das plataformas digitais exige adoção de regras em comum entre países. Por Sérgio Rodas

 

A supranacionalidade da internet não leva necessariamente à extraterritorialidade das normas, isto é, à possibilidade de aplicação da lei de um país a crimes cometidos fora de seu território. No entanto, para que seja feita uma regulamentação adequada e eficaz das redes sociais, é preciso que as leis dos países tenham certas regras em comum e que tratados internacionais normatizem a matéria. Essa é a opinião de especialistas no assunto que participaram do XI Fórum Jurídico de Lisboa, no último mês.

Presidente da comissão de juristas responsável por elaborar um anteprojeto de regulação da inteligência artificial no país, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou à revista eletrônica Consultor Jurídico que a aplicação das leis nacionais ou regionais de proteção de dados aos serviços e plataformas digitais tem suscitado questões de difícil e variada resposta.

"O direito ao esquecimento, ou à desindexação de conteúdos dos motores de busca da internet, por exemplo, levou a uma queda de braço das autoridades europeias com empresas com sede nos Estados Unidos, que nem por isso deixaram de aplicar a legislação europeia. No Brasil, houve várias liminares judiciais que determinaram a remoção de conteúdos ilícitos ou o fornecimento de informações sobre IPs, com base no Marco Civil da Internet. O combate à desinformação trará agora novos desafios", avaliou Cueva.

Por sua vez, a juíza federal Caroline Tauk, coordenadora acadêmica do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento, apontou que é um grande desafio promover uma regulação mundial das redes sociais.

"O discurso público, ou seja, os locais onde as pessoas exercem sua liberdade de expressão, vem ocorrendo de forma crescente na internet e, por isso, há uma intensa participação das plataformas de redes sociais e dos serviços de mensageria. Regular a internet implica discutir legislações voltadas a regulamentar o uso das plataformas digitais", disse Caroline à ConJur. "Na Uniao Europeia, temos o Digital Service Act (DSA), de alcance regional, e no Brasil temos o Projeto de Lei 2.630/2020, de alcance nacional. O caráter supranacional da internet não leva necessariamente à extraterritorialidade das leis. Para isso, é preciso que haja tratados ou outros atos internacionais que harmonizem as normas aplicáveis aos países signatários — um desafio enorme no contexto mundial atual", completou ela.

·         Supranacionalidade da internet

Carlos Blanco de Morais, professor catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, acredita que o caráter supranacional da internet pode levar a uma aplicação extraterritorial das leis de regulação das plataformas digitais. Esses marcos regulatórios, porém, devem ser criados por meio de tratados internacionais entre os Estados, e não por normas de caráter constitucional.

De acordo com ele, as legislações voltadas a regulamentar o uso das plataformas deverão ser resultado da aproximação de nações democráticas interessadas em consolidar normas em forma de convenções.

Já o ex-advogado-geral da União Luís Inácio Adams destacou que a extraterritorialidade tem hoje sua face mais visível na tentativa dos Estados de regular a atuação das plataformas digitais, sobretudo contra a onda de fake news. Mas esse fenômeno não é exatamente novo e extrapola o âmbito da internet, podendo ser observado, por exemplo, no combate à corrupção e ao desmatamento, e até na elaboração de políticas púbicas.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, entende que a regulação das redes sociais é fundamental para proteger a democracia e seus valores. Segundo ele, isso deve ser feito em nível nacional, por meio das instituições de Estado, mas, por envolver ameaças de alcance mundial, é preciso que o tema também seja regulado de forma supranacional.

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, não é possível esperar que a autorregulação das plataformas digitais parta justamente de big techs que "lucram com o caos". De acordo com o decano do STF, o ambiente digital está impondo desafios significativos à governança, e o assunto não pode mais ser tratado por juristas de forma blasé. O magistrado usou como exemplo o 8 de janeiro, em que bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em uma espécie de "golpe por terceirização".

"Ninguém poderia seriamente sustentar que esse putsch terceirizado ocorreria sem a complacência das grandes plataformas de tecnologia, que convenientemente fornecem ao populismo autoritário a oportunidade de se portar como leão entre ovelhas. O prognóstico parece tanto mais acertado porque igualmente correta é a premissa contextual na qual se assenta: revelou-se implausível esperar autorregulação por parte daqueles que lucram com o caos", analisou Gilmar.

Na opinião de outro ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, já não há como discutir a necessidade de regulação das plataformas digitais. A questão agora é decidir quando e como elas serão reguladas. Segundo ele, o modelo adotado pela União Europeia, a "regulação autorregulada", que está presente no Projeto de Lei 2.630/2020, é uma boa alternativa para o Brasil.

O ministro observou que há dois modelos puros de regulação das plataformas no mundo, a regulação estatal e a autorregulação. No entanto, ele citou como modelo ideal para o Brasil o que foi adotado pela União Europeia, a "regulação autorregulada". "Tem-se o arcabouço geral principiológico estatal e o dever de as plataformas terem termos de uso especificando quais são os conteúdos que ela não vai aceitar. Idealmente, no sistema de regulação autorregulada, as próprias plataformas implementam essa legislação."

 

Ø  Internet pode ser regulada por tratados internacionais, diz Blanco de Morais

 

O caráter supranacional da internet pode levar a uma aplicação extraterritorial das leis de regulação das plataformas digitais. Esses marcos regulatórios, porém, devem ser criados por meio de tratados internacionais entre os Estados, e não de normas de caráter constitucional.

Essa é a avaliação de Carlos Blanco de Morais, professor catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa. De acordo com ele, as legislações voltadas a regulamentar o uso das plataformas digitais deverão ser resultado da aproximação de nações democráticas interessadas em consolidar normas em forma de convenções.

"Hoje em dia já estamos usando isso, pelo menos em blocos regionais. Na Europa já temos marcos regulatórios de internet. Nos Estados Unidos, obviamente no seu espaço, também o fazem", disse o professor em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde o mês de maio. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da atualidade.

Na entrevista, o professor enfatizou que as normas deverão ser construídas a partir do diálogo entre Estados soberanos do mundo ocidental. Tais marcos regulatórios, porém, não serão uma espécie de Constituição internacional sobre o uso da internet.

"Falando apenas sobre o espaço democrático (ou sobre outros países de democracia deficitária, mas mais próximas do Ocidente), é natural que possa haver uma aproximação através de tratados internacionais. Portanto, a ideia de convenções que regulem a internet é possível — não através de Constituições", disse Blanco de Morais.

Para ele, a expressão "constitucionalismo digital" tem sido usada de maneira imprecisa para se referir à espécie normativa pretendida por países que defendem a aplicação de princípios constitucionais à esfera digital.

"Constituição é lei fundamental de um Estado. É a máxima manifestação da soberania de um Estado. Mesmo na Europa, muitos tribunais constitucionais, como o alemão, não reconhecem essa natureza nos tratados da União Europeia — embora o Tribunal de Justiça da União entenda que eles têm um certo valor constitucional. E todas as tentativas de falar em normas internacionais, supranacionais, reguladoras de determinadas matérias e certos temas não são propriamente Constituições. São soft law, são tratados, são resoluções internacionais, mas os marcos supremos da normatividade em cada Estado são as suas Constituições."

Em relação aos países que já avançaram na produção dessas normas, o professor aponta um diferencial nas abordagens: a questão da liberdade de expressão.

"Sabemos que nos Estados Unidos, no que toca à regulação das redes sociais, prevalece sobretudo a autorregulação. O Supremo Tribunal Federal (Suprema Corte), por exemplo, entende que as plataformas são não digo soberanas, mas quase. E, portanto, o poder público não pode restringir a liberdade de expressão, de acordo com a Primeira Emenda, mas as redes, por serem privadas, poderão fazê-lo", explicou o profesor.

"Na Europa é situação é particularmente diferente. A questão do abuso da liberdade de expressão está neste momento sendo regulada a nível supranacional, portanto, por meio da regulação da União Europeia. E, portanto, o que pode suceder? Pode haver uma aproximação entre modelos diferentes", observou.

 

Fonte: Conjur

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário