Presidente de
Portugal defende acordo entre Mercosul e UE e resposta rápida a avanço
tecnológico
O
acordo entre o Mercosul e a União Europeia é fundamental para a consolidação
das democracias na América do Sul e também para os europeus. Dessa maneira, um
novo adiamento desse acordo pode representar uma oportunidade perdida para que
o bloco comercial da Europa exerça um importante papel entre as grandes
potências do planeta.
Esse
foi um dos recados do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, no
discurso de encerramento do XI Fórum Jurídico de Lisboa, na última semana. Em
sua fala, ele celebrou o evento e sua importância por promover o debate sobre
questões fundamentais para o Brasil e para Portugal.
Segundo
Rebelo, o ideal seria que o acordo fosse firmado ainda neste ano.
"Se
a União Europeia perder a oportunidade por causa da cegueira de um país, por
razões conjunturais, perderá talvez a oportunidade de um papel global no
diálogo entre os grandes poderes do mundo, como perderá em relação à África se
não estabelecer uma parceria com o continente africano. Ficarão apenas os
Estados Unidos da América e a China", afirmou o presidente.
Além
de defender o acordo entre Mercosul e União Europeia, Rebelo concentrou seu
discurso na mudança digital pela qual o mundo está passando. Ele lembrou que
nos últimos anos houve transformações essenciais, como a globalização política
e econômica e as crises que têm desafiado os juristas de todo o mundo.
"Todas
essas crises estão interligadas e exigem respostas, algumas imediatas, outras a
médio e longo prazos, tanto do Direito quanto da política. No meio de tudo
isso, a inteligência artificial foi se infiltrando em nossas vidas. Começou com
a informação, depois passou para a elaboração e, posteriormente, para a
preparação de decisões públicas e jurisdicionais. E, progressivamente,
tornou-se transversal na vida dos poderes públicos e na vida privada.
Convivemos todos os dias com os desafios da inteligência artificial."
Rebelo
destacou que os novos poderes digitais são transnacionais e, portanto, exigem
respostas transnacionais. Ele acredita que é possível descobrir fórmulas
jurídicas capazes de responder aos desafios impostos pelos algoritmos, com o
objetivo de potencializar as vantagens da tecnologia e, ao mesmo tempo, reduzir
seus custos democráticos.
"Cabe
aos juristas o estudo, a reflexão, a ponderação, a elaboração, mas compete aos
poderes políticos a decisão. Quanto mais tarde for, pior é para todos. E esse é
o desafio do Direito. Pergunto: o que será preferível, a Constituição do
algoritmo (a Constituição entendendo a realidade do digital), ou o algoritmo a
condicionar a Constituição e o Direito? A minha resposta é unívoca: o Direito
deve antecipar-se, prever, disciplinar, minimizar os custos daquilo que só
introduzirá menos democracia, mais desigualdade e mais injustiça entre os
poderosos do digital e todos os demais, que serão os não poderosos do
digital."
Por
fim, ele afirmou que tanto Brasil quanto Portugal devem ter um papel pioneiro
nesse debate e revelou o desejo de que os dois países trabalhem juntos por um
futuro comum de paz, de desenvolvimento sustentável, de democracia e de
Justiça.
Ø
Inteligência
artificial não substituirá juiz no curto prazo, diz Murillo de Aragão
Por
se tratar de tecnologia que depende de um algoritmo que reproduz
comportamentos humanos, o uso da inteligência artificial no Poder Judiciário
traz o risco de que as decisões tomadas de forma automatizada reflitam vieses
discriminatórios. Isso aponta para a necessidade de supervisão, o que, em
última análise, mostra que a tecnologia não está pronta para substituir os
juízes no curto prazo.
Essa
é a visão do advogado e cientista político Murillo de Aragão. Um dos debatedores na mesa "Inteligência
Artificial e (In)Justiça", durante o XI Fórum Jurídico de Lisboa, no
mês passado, o CEO da Arko Advice falou sobre os desafios do uso dos algoritmos
nas decisões judiciais em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do
Direito",
que a revista eletrônica Consultor
Jurídico vem apresentando desde o mês de maio. Nela, algumas das
principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os
assuntos mais relevantes da atualidade.
Na
entrevista, Aragão ressaltou que é característica da IA reproduzir
comportamentos e padrões. "Isso acontece. Agora, o que há de ser feito é
se prevenir para a ocorrência de decisões que tragam discriminação, e que
exista o direito de revisão e de intervenção humana", explicou o advogado.
Aragão
afirmou que a questão dos vieses não é um problema recente. Segundo ele,
julgadores seguem jurisprudências, e elas são frutos de comportamentos que, de
alguma forma, são vieses.
"A
questão é que se os vieses automatizados trazem discriminação, há de existir
uma atitude protetiva. E a própria máquina, o ChatGPT, sugere o treinamento dos
algoritmos, a supervisão humana, a avaliação dos padrões das decisões. Enfim,
existe uma série de procedimentos que tendem a minimizar os riscos dos vieses
discriminatórios."
Assim,
prossegiu Aragão, não há como acreditar que a inteligência artificial vai, no
curtíssimo prazo, substituir o papel do juiz e alijar o fator humano de uma
decisão final.
"O
fato é que a inteligência artificial deve ser usada, sobretudo, na organização
das informações, e eventualmente na repetição de informações que já estão
consagradas, nas quais não há grande polêmica. Mas, no final, há a
possibilidade de que, se for identificada alguma discriminação, a intervenção
humana seja necessária."
Ele
afirmou também que a possibilidade de que a inteligência artificial produza
decisões injustas foi contemplada no projeto de lei sobre a aplicação da IA no
Brasil.
"No
âmbito da Justiça fica claro, na proposta subscrita pelo senador Rodrigo
Pacheco, que é necessária a intervenção humana, que no fim das contas pode
evitar que decisões judiciais tragam potencial discriminatório grave."
Ø
Regulação das
plataformas digitais exige adoção de regras em comum entre países. Por Sérgio
Rodas
A
supranacionalidade da internet não leva necessariamente à
extraterritorialidade das normas, isto é, à possibilidade de aplicação da lei
de um país a crimes cometidos fora de seu território. No entanto, para que seja
feita uma regulamentação adequada e eficaz das redes sociais, é preciso que as
leis dos países tenham certas regras em comum e que tratados internacionais
normatizem a matéria. Essa é a opinião de especialistas no assunto que
participaram do XI Fórum Jurídico de Lisboa, no último mês.
Presidente
da comissão de juristas responsável por elaborar um anteprojeto de regulação da
inteligência artificial no país, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça,
afirmou à revista eletrônica Consultor
Jurídico que a aplicação das leis nacionais ou regionais de
proteção de dados aos serviços e plataformas digitais tem suscitado questões de
difícil e variada resposta.
"O
direito ao esquecimento, ou à desindexação de conteúdos dos motores de busca da
internet, por exemplo, levou a uma queda de braço das autoridades europeias com
empresas com sede nos Estados Unidos, que nem por isso deixaram de aplicar a
legislação europeia. No Brasil, houve várias liminares judiciais que
determinaram a remoção de conteúdos ilícitos ou o fornecimento de informações
sobre IPs, com base no Marco Civil da Internet. O combate à desinformação trará
agora novos desafios", avaliou Cueva.
Por
sua vez, a juíza federal Caroline
Tauk, coordenadora acadêmica do Centro de Inovação, Administração e
Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento, apontou que é um grande desafio
promover uma regulação mundial das redes sociais.
"O
discurso público, ou seja, os locais onde as pessoas exercem sua liberdade de
expressão, vem ocorrendo de forma crescente na internet e, por isso, há uma
intensa participação das plataformas de redes sociais e dos serviços de
mensageria. Regular a internet implica discutir legislações voltadas a
regulamentar o uso das plataformas digitais", disse Caroline à ConJur. "Na Uniao Europeia, temos
o Digital Service Act (DSA), de alcance regional, e no Brasil temos o Projeto
de Lei 2.630/2020, de alcance nacional. O caráter supranacional da internet não
leva necessariamente à extraterritorialidade das leis. Para isso, é preciso que
haja tratados ou outros atos internacionais que harmonizem as normas aplicáveis
aos países signatários — um desafio enorme no contexto mundial atual",
completou ela.
·
Supranacionalidade da internet
Carlos Blanco de Morais, professor
catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, acredita que o
caráter supranacional da internet pode levar a uma aplicação
extraterritorial das leis de regulação das plataformas digitais. Esses marcos
regulatórios, porém, devem ser criados por meio de tratados internacionais
entre os Estados, e não por normas de caráter constitucional.
De
acordo com ele, as legislações voltadas a regulamentar o uso das
plataformas deverão ser resultado da aproximação de nações democráticas
interessadas em consolidar normas em forma de convenções.
Já
o ex-advogado-geral da União Luís
Inácio Adams destacou que a
extraterritorialidade tem
hoje sua face mais visível na tentativa dos Estados de regular a atuação das
plataformas digitais, sobretudo contra a onda de fake news. Mas esse fenômeno
não é exatamente novo e extrapola o âmbito da internet, podendo ser observado,
por exemplo, no combate à corrupção e ao desmatamento, e até na elaboração de
políticas púbicas.
O
ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, entende que a
regulação das redes sociais é fundamental para proteger a democracia e seus
valores. Segundo ele, isso deve ser feito em nível nacional, por meio das
instituições de Estado, mas, por envolver ameaças de alcance mundial, é preciso
que o tema também seja regulado de forma supranacional.
Para
o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, não é possível
esperar que
a autorregulação das plataformas digitais parta justamente de big techs que
"lucram com o caos". De acordo com o decano do STF, o ambiente
digital está impondo desafios significativos à governança, e o assunto não pode
mais ser tratado por juristas de forma blasé. O magistrado usou como exemplo o
8 de janeiro, em que bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três
Poderes, em uma espécie de "golpe por terceirização".
"Ninguém
poderia seriamente sustentar que esse putsch terceirizado ocorreria sem a
complacência das grandes plataformas de tecnologia, que convenientemente
fornecem ao populismo autoritário a oportunidade de se portar como leão entre
ovelhas. O prognóstico parece tanto mais acertado porque igualmente correta é a
premissa contextual na qual se assenta: revelou-se implausível esperar
autorregulação por parte daqueles que lucram com o caos", analisou Gilmar.
Na
opinião de outro ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, já não há como discutir a necessidade
de regulação das plataformas digitais. A questão agora é decidir quando e como
elas serão reguladas. Segundo ele, o modelo adotado pela União Europeia, a
"regulação autorregulada", que está presente no Projeto de Lei
2.630/2020, é uma boa alternativa para o Brasil.
O
ministro observou que há dois modelos puros de regulação das plataformas no mundo,
a regulação estatal e a autorregulação. No entanto, ele citou como modelo ideal
para o Brasil o que foi adotado pela União Europeia, a "regulação
autorregulada". "Tem-se o arcabouço geral principiológico estatal e o
dever de as plataformas terem termos de uso especificando quais são os
conteúdos que ela não vai aceitar. Idealmente, no sistema de regulação
autorregulada, as próprias plataformas implementam essa legislação."
Ø
Internet
pode ser regulada por tratados internacionais, diz Blanco de Morais
O
caráter supranacional da internet pode levar a uma aplicação extraterritorial
das leis de regulação das plataformas digitais. Esses marcos regulatórios,
porém, devem ser criados por meio de tratados internacionais entre os Estados,
e não de normas de caráter constitucional.
Essa
é a avaliação de Carlos Blanco de
Morais, professor catedrático de Direito Constitucional da Universidade
de Lisboa. De acordo com ele, as legislações voltadas a regulamentar o uso das
plataformas digitais deverão ser resultado da aproximação de nações
democráticas interessadas em consolidar normas em forma de convenções.
"Hoje
em dia já estamos usando isso, pelo menos em blocos regionais. Na Europa já
temos marcos regulatórios de internet. Nos Estados Unidos, obviamente no seu
espaço, também o fazem", disse o professor em entrevista à
série "Grandes Temas,
Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem
apresentando desde o mês de maio. Nela, algumas das principais personalidades
do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da
atualidade.
Na
entrevista, o professor enfatizou que as normas deverão ser construídas a
partir do diálogo entre Estados soberanos do mundo ocidental. Tais marcos
regulatórios, porém, não serão uma espécie de Constituição internacional sobre
o uso da internet.
"Falando
apenas sobre o espaço democrático (ou sobre outros países de democracia
deficitária, mas mais próximas do Ocidente), é natural que possa haver uma
aproximação através de tratados internacionais. Portanto, a ideia de convenções
que regulem a internet é possível — não através de Constituições", disse
Blanco de Morais.
Para
ele, a expressão "constitucionalismo digital" tem sido usada de
maneira imprecisa para se referir à espécie normativa pretendida por países que
defendem a aplicação de princípios constitucionais à esfera
digital.
"Constituição
é lei fundamental de um Estado. É a máxima manifestação da soberania de um
Estado. Mesmo na Europa, muitos tribunais constitucionais, como o alemão, não
reconhecem essa natureza nos tratados da União Europeia — embora o Tribunal de
Justiça da União entenda que eles têm um certo valor constitucional. E todas as
tentativas de falar em normas internacionais, supranacionais, reguladoras de
determinadas matérias e certos temas não são propriamente Constituições.
São soft law, são tratados, são resoluções internacionais, mas os
marcos supremos da normatividade em cada Estado são as suas
Constituições."
Em
relação aos países que já avançaram na produção dessas normas, o professor
aponta um diferencial nas abordagens: a questão da liberdade de expressão.
"Sabemos
que nos Estados Unidos, no que toca à regulação das redes sociais, prevalece
sobretudo a autorregulação. O Supremo Tribunal Federal (Suprema Corte), por
exemplo, entende que as plataformas são não digo soberanas, mas quase. E,
portanto, o poder público não pode restringir a liberdade de expressão, de
acordo com a Primeira Emenda, mas as redes, por serem privadas, poderão
fazê-lo", explicou o profesor.
"Na
Europa é situação é particularmente diferente. A questão do abuso da liberdade
de expressão está neste momento sendo regulada a nível supranacional, portanto,
por meio da regulação da União Europeia. E, portanto, o que pode suceder? Pode
haver uma aproximação entre modelos diferentes", observou.
Fonte:
Conjur
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