A ÚLTIMA DE LIRA:
Em meio à votação da reforma tributária, hospital ligado a aliados recebe mais
18 milhões
Enquanto a Câmara dos Deputados varou a madrugada desta
sexta-feira aprovando a reforma tributária, o presidente da Casa, Arthur Lira,
comandou a sessão com uma certeza: o caixa do Hospital Veredas em Maceió, que
recebeu quase 1 bilhão de reais nos últimos sete anos, engordou um pouco mais.
Nos últimos dias, o governo Lula liberou mais 18 milhões de reais para o
hospital em Maceió, cuja diretora financeira é prima de Lira. Os valores fazem
parte de uma bolada total de 197 milhões de reais destinados a Alagoas. Esses
197 milhões de reais correspondem a 29% de tudo o que o Ministério da Saúde
liberou do saldo que restava do orçamento secreto. Ou seja: Alagoas foi o
estado mais beneficiado do país. E, dentro de Alagoas, o Hospital Veredas é o
maior beneficiado. Os 18 milhões que recebeu superam o repasse recebido por
dezoito estados da federação.
Apesar
da fartura de recursos, o Veredas não honra os pagamentos de salários, acumula
dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas, e seus funcionários estão
em greve, como revelou a reportagem da piauí realizada em parceira com a
Agência Pública.
O caixa do hospital é comandado pela prima de Lira, Pauline Pereira, indicada
por ele ao cargo de diretora financeira da entidade. O antecessor dela,
Adeilson Loureiro Cavalcante, no cargo entre 2017 e 2022, também era
apadrinhado de Lira (e durante um tempo acumulou a função com a de secretário
do Ministério da Saúde, em claro conflito de interesses).
O
valor destinado ao Veredas, precisamente 17,9 milhões de reais, faz parte dos
679 milhões liberados até agora pelo Ministério da Saúde com os recursos do
orçamento de 2023. Não se trata de emenda parlamentar prevista na Constituição
ou nas leis. Esses recursos fazem parte de um total de 10 bilhões do orçamento
de 2023 que originalmente estavam previstos para serem distribuídos como
emendas de relator (código RP9), mas foram incorporados às verbas
discricionárias dos ministérios. Os valores deveriam ser utilizados com
transparência quanto aos autores das indicações de repasse, mas não é o que se
vê. O governo Lula prometeu acabar com o orçamento secreto e distribuir os
recursos por critérios técnicos e com transparência, mas nada disso está
acontecendo. Nos bastidores do Congresso, é sabido que os parlamentares estão
apitando na destinação das verbas.
Nenhum
critério técnico é capaz de explicar como 29% dessas verbas liberadas pelo
Ministério da Saúde são para Alagoas, um dos menores e menos populosos estados
da federação. Ao todo, os 197 milhões de reais repassados a Alagoas superam o
que foi destinado a outros vinte estados (BA, MG, PR, ES, PI, GO, AC, RS, PB,
RN, SC, AM, TO, PE, RO, DF, SE, MS, RR e MT levaram, juntos, 175,5 milhões de
reais). Só o Fundo Municipal da Saúde de Maceió é o destino imediato de 91
milhões, o que representa mais do que o que todos os estados do Brasil – exceto
o Rio de Janeiro (com 114 milhões) – receberam, individualmente, até a
presente data.
E
o hospital da turma de Lira também aparece como destinatário de valores que
superam o recebido, individualmente, por dezoito estados. O Paraná recebeu 17,6
milhões de reais; o Espírito Santo, 14,6 milhões; o Piauí, 13,9 milhões; e
Goiás, 9,7 milhões. No fim da tabela, Roraima recebeu 1,1 milhão de reais, e
Mato Grosso, apenas 450 mil reais — o que significa 2,5% do que está recebendo
o Hospital Veredas. Só sete estados receberam mais valores que o hospital cuja
diretoria financeira é comandada pela prima de Lira.
Os
repasses estão sendo feitos sem transparência em dois pontos: quanto ao apoio
de parlamentares e quanto ao destinatário final. A informação de que o Hospital
Veredas receberá mais 18 milhões de reais, por exemplo, não foi fornecida pelo
Ministério da Saúde, e sim pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió, quando
a piauí questionou os
destinos dos primeiros 25 milhões de reais repassados pelo ministério à capital
alagoana. “A Secretaria de Saúde de Maceió (SMS) informa que os 25 milhões de
reais já chegam com destinação definida, conforme indicação no Cadastro
Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES). A SMS ressalta ainda que apenas
repassa os valores às instituições, seguindo o que determina o CNES. Do
recurso, 17 milhões serão destinados ao Hospital Veredas, 3 milhões à
Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal), 2,5 milhões à
Associação dos Amigos e Pais de Pessoas Especiais (AAPPE) e 1,5 milhão à
FunBrasil. Por fim, a SMS esclarece que o valor do repasse aos estabelecimentos
varia de acordo com o teto financeiro das instituições, sendo estabelecido pelo
próprio Ministério da Saúde (MS)”, disse a secretaria.
A piauí questionou aos nove
deputados alagoanos quem indicou as verbas para o Veredas. Arthur Lira não
respondeu. A piauí conseguiu
conversar com cinco deputados de Alagoas. Três deles afirmaram que indicaram
verbas para Alagoas, mas não para Maceió, dentro das verbas RP-A4. Isnaldo
Bulhões Jr, vice-líder do MDB na Câmara, admitiu que indicou verbas do RP-A4
para 23 municípios, incluindo Santana de Ipanema, sua base eleitoral. “É, desse
mesmo, da programação de governo. Eu indiquei sim, para vários municípios, e
não só na saúde. Eu tenho uma relação de 23 municípios que os prefeitos são
meus eleitores”, disse Bulhões à piauí.
Alfredo
Gaspar (União Brasil-AL), aliado de Arthur Lira, teve valores empenhados que
são uma mixaria perto dos 197 milhões de Alagoas. “Até o presente momento o que
tive empenhado foram 185 mil reais para o município de Quebrangulo”, disse
à piauí. Rafael Brito, do
MDB de Alagoas, disse: “Já fiz algumas indicações, mas te confesso que não sei
como anda isso. Ainda não tive nenhum recurso de emenda empenhado.” O deputado
Paulão (PT-AL) disse que não indicou recursos RP2-A4. Marx Beltrão
(PP-AL), ao ser contatado, disse que iria se informar se havia feito indicações
para Maceió, e depois não retornou. A reportagem não conseguiu falar com os
outros dois deputados.
A
Secretaria de Relações Institucionais ( SRI ) tem dito que estas verbas RP2-A4
são destinadas de acordo com o critério de cada ministério, sem interferência
da SRI. Os relatos dos Deputados, no entanto, deixam claro que a articulação
política com o Congresso pesa nesse processo de liberação de verbas.
O Hospital Veredas, como mostrou a reportagem da piauí e da Agência Pública, é uma
caixa-preta em relação às finanças. Não apresenta prestações de conta, balanços
financeiros, contratos e lista de fornecedores. O hospital, financiado
sobretudo por dinheiro público, costuma contratar advogados com honorários
milionários, incluindo parentes de ministros de tribunais superiores, como
Roberta Maria Rangel, esposa do ministro do STF Dias Toffoli, e Eduardo
Martins, filho do ministro do STJ Humberto Martins. Além deles, o Veredas
contratou por 2,8 milhões de reais, pagos em 2018, o advogado de Arthur Lira,
Adriano Avelino, que o presidente da Câmara tenta emplacar em uma vaga de
ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Na época, o hospital ainda não tinha
na diretoria financeira a prima de Lira, Pauline Pereira, mas sim outro
apadrinhado do deputado, chamado Adeilson Loureiro Cavalcante, que ao mesmo
tempo ocupava o cargo de secretário de Vigilância em Saúde no Ministério da
Saúde, em situação de claro conflito de interesses.
Após
a reportagem, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) solicitou ao Tribunal de
Contas da União e à Controladoria-Geral de Contas da União (CGU) que façam uma
auditoria no Hospital Veredas para fiscalizar a destinação dos repasses, que
somam 1 bilhão de reais em sete anos. Só em verbas federais foram 287
milhões, mais outras transferências da Prefeitura de Maceió e do governo de
Alagoas.
Em dezembro passado, por maioria de votos, o STF
declarou a inconstitucionalidade das emendas de relator-geral como mecanismo de
repasses para atendimento de demandas de parlamentares. Após essa decisão,
houve um acordo entre o governo eleito e o Congresso (da Legislatura passada)
para que os 19 bilhões de reais previstos para o orçamento de 2023, com as
emendas de relator, fossem divididos em duas partes: metade iria para as
emendas individuais (aquelas que estão previstas na Constituição e o Executivo
tem obrigação de liberar) e a outra metade iria para os cofres dos ministérios,
a quem caberia decidir para onde deve seguir o dinheiro.
Esses
recursos foram classificados no orçamento de 2023 dentro do Resultado Primário
2 e dentro dos planos orçamentários A400, A401 e A402. Esses códigos de quatro
dígitos não representam nenhum programa de governo, mas apenas as “dotações
classificadas com RP 2, que não podem ser canceladas para fins de abertura de
crédito suplementar autorizado na LOA-2023”. Traduzindo o jargão, são verbas
que o governo teria que executar dentro das ações orçamentárias definidas pelo
Congresso — o que não quer dizer que o Executivo teria que aceitar que os
parlamentares ditem quais cidades devem ser atendidas com quais serviços ou
compras públicas.
Os
679 milhões de reais liberados foram previstos nas portarias Nº 768, Nº 769, Nº
780, Nº 817, Nº 818, Nº 819, Nº 820 e Nº 821 da ministra Nísia Trindade, do
Ministério da Saúde, publicadas no Diário Oficial da União entre
os dias 29 de junho e 4 de julho.
Para
que os recursos fossem passados com transparência, era necessário que o
ministério informasse não apenas o valor total do repasse e o município ou
estado atendido, como fez, mas também qual é o estabelecimento de saúde que
receberá a verba, o que pode ser informado por meio do código CNES (o código
CNES do Veredas, por exemplo, é 2006448). Também deveria ser tornada pública a
proposta que o ministério atendeu. Se a verba chega à prefeitura já com
destinatário definido, não há razão para sair do Ministério da Saúde sem o
destino informado. Na prática, isso permite que os parlamentares apoiem, de
maneira extraoficial ou mesmo oficialmente, propostas enviadas por prefeituras,
mas sem que o nome do parlamentar apareça – exatamente como estava sendo feito no
ano passado dentro da modalidade de repasses a pedido de “usuários externos”,
invenção que o Congresso chefiado por Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco
(Senado) manteve, sem jamais revelar os padrinhos das emendas do orçamento
secreto.
Se
não conseguiu o cargo da ministra para o partido Progressistas, Arthur Lira
conseguiu a generosidade na liberação das verbas da Saúde para seu estado.
Na
segunda-feira, o Valor Econômico publicou
uma entrevista com a ministra Nísia Trindade em que ela falou sobre a
natureza dessas verbas que eram do orçamento secreto. Segundo ela,
“A
esses 3 bilhões de reais não se aplica o conceito de emenda porque é um valor
que o ministério deve alocar nas suas ações programáticas. Saíram duas
portarias hoje [quinta-feira] nesse sentido: são ações para a atenção
primária da saúde, e para a atenção de média e alta complexidade, como
hospitais. […] Abrimos uma plataforma para que os municípios apresentem os
projetos que se encaixem nessas duas linhas, e que avaliamos tecnicamente.
Estamos em um momento novo. Nem bem posso usar esse recurso desconsiderando
essa realidade anterior, mas não é mais emenda do ponto de vista formal”, disse
Nísia.
A
entrevista sugere que os recursos serão usados para atender o Congresso,
exatamente como era no orçamento secreto de Bolsonaro. “A mediação do
parlamentar [no trâmite dos recursos] não tem problema, mas a
responsabilidade pela demanda é do município e pela resposta é do ministério”,
disse ela. “O fundamental é que esses recursos serão usados no SUS [Sistema
Único de Saúde], nosso foco é esse”, afirmou.
A piauí perguntou ao
Ministério da Saúde quais critérios técnicos poderiam explicar a concentração
de repasses a Alagoas e se foi por indicação de parlamentares
Eis
a resposta, enviada em nota:
“O
Ministério da Saúde estabeleceu critérios para a destinação de cerca de 3
bilhões de reais para estados e municípios por meio da portaria 544/2023. Os
recursos podem ser usados em ações de custeio e estruturação de serviços na
atenção primária e especializada, conforme prioridades definidas pela portaria.
Todas
as propostas apresentadas pelos estados e municípios, a partir de chamamento
público do Ministério da Saúde, passarão por análise técnica da pasta. O prazo
para envio de proposta segue aberto até 31/08.
Por
se tratar de uma primeira fase da seleção de projetos, é prematuro estabelecer
comparações entre municípios e estados, uma vez que ainda haverá diversas
rodadas para os programas do SUS custeados pelo Governo Federal.
Por
fim, é preciso esclarecer que os recursos previstos pela portaria 544/2023 não
se referem a emendas parlamentares, mas a verbas que integram programações do
Ministério da Saúde.”
Fonte:
Revista Piauí
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