segunda-feira, 26 de junho de 2023

Bênção do Papa ou apoio dos ‘bispos’? Visita de presidente brasileiro ao Papa é mais do que questão de fé religiosa

A colega Ruth Aquino já abordou em sua coluna de sexta-feira, em “O Globo”, alguns dos simbolismos do encontro do presidente Lula com o Papa Francisco. Recém-saído de uma delicada operação no intestino, o Sumo Pontífice, que, além de líder espiritual de bilhões de católicos pelo mundo, é o Chefe de Estado do Vaticano, não se furtou a interromper seu recomendável descanso pós-operatório para receber o presidente eleito de uma das maiores nações católicas do mundo. A importância política do Brasil para a Igreja Católica Apostólica Romana é inegável. Embora a Constituição frise ser o Brasil “um Estado laico”, o país segue sendo uma nação de maioria católica, mesmo com o recente surto de crescimento das seitas ditas evangélicas, que cada vez mais atuam como rentáveis franquias espirituais, nas quais os fiéis depositam sua fé e sua esperança, além dos dízimos sagrados de todos os meses.

A visita de um presidente brasileiro ao chefe do Estado do Vaticano é mais do que questão de fé religiosa (Lula tem irmão padre, frei Chico, e família católica praticante). Buscou, pelas mãos do chefe de Estado de uma das maiores nações católicas, obter as bênçãos do Vigário de Cristo ao país. E Lula aproveitou para convidar o Papa para a procissão do Círio de Nazareth, em outubro deste ano, e para a COP-30, também em Belém (PA), em novembro de 2025. Assim também podem ser comparados os encontros que o presidente Lula teve em Roma com o presidente italiano Sérgio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni. Embora seja extrema direita, Meloni, justificou Lula, é a chefe de Estado da Itália. Negociações entre estados estão acima das divergências ou afinidades políticas. E a Itália tem forte importância simbólica para o Brasil. A colônia italiana, descendente dos imigrantes que vieram colonizar o Sul e outras regiões do país, no Império, representa mais de 10% da população brasileira. E a Itália é um dos grandes parceiros comerciais do Brasil, com peso importante nas negociações entre o país e a União Europeia.

Seguindo seu ideário de recolocar o Brasil de volta no palco das grandes negociações mundiais, após quatro anos de ostracismo, Lula aproveitou o convite do presidente francês, Emmanuel Macron, para participar em Paris do encontro da “Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global", uma forma de repensar a ordem financeira mundial (desde De Gaulle a França não se conforma com o rompimento, por Richard Nixon, em 1971, do acordo de Bretton Woods, pelo qual os Estados Unidos se comprometia a manter lastro fixo em ouro pelas reservas mantidas pelos países aliados no United States Bullion Depository, mais conhecido como Fort Knox, no estado de Kentucky, a Casa da Moeda dos Estados Unidos). O rompimento do acordo gerou uma crise financeira mundial que levou, cinco décadas após, à transformação do Mercado Comum Europeu na pujante Uniao Europeia, que criou forte moeda própria, o Euro. Mas Lula defendeu os interesses do Brasil nas negociações do acordo comercial com a UE e as questões ambientais, com incisiva cobrança às nações desenvolvidas, apontadas como responsáveis maiores pela poluição no mundo, a partir da Revolução lndustrial. E deu lição de ética e moral aos governantes dos países ricos: tão urgentes quanto as medidas de preservação climática, o mundo carece de medidas contra a desigualdade, que afeta raças, países e indivíduos em todo o planeta Terra.

·         Bolsonaro prefere os 'bispos'

Entretanto, não esteve nas cogitações do ex-presidente Jair Bolsonaro um giro como o que o presidente Lula fez esta semana na Europa. Primeiro, porque a política externa adotada pelo primeiro chanceler, o inexperiente Ernesto Araújo, era avessa à multilateralidade. Prezava pelo alinhamento automático aos Estados Unidos de Donald Trump, o que levou o Brasil a ser um “pária” no mundo. Bolsonaro jamais teve um encontro pessoal com o Papa Francisco. Na última ida a Roma, em outubro de 2021, o então presidente não solicitou audiência ao Papa. Limitou-se, com sua comitiva, a rápido “tour” aos pontos abertos à visitação na Cidade do Vaticano. Já sua 3ª mulher, Michelle Bolsonaro, esteve com Francisco em uma audiência-relâmpago, em dezembro de 2019 (no 1º ano de governo), acompanhada da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Evangélicas, ambas pegaram carona na audiência que a Alma - Aliança das Primeiras-Damas Latino-Americanas, um grupo católico lançado dois meses antes no Paraguai por Silvana Abdo, esposa do então presidente do país Mario Abdo Benítez, teria com o Papa.

Bolsonaro embora se declare católico (fé professada por sua mãe, Olinda), só trocou mensagens formais com o Papa em janeiro do ano passado, quando agradeceu ao chefe da Igreja Católica a curta mensagem de pêsames pelo falecimento de sua mãe, lida na missa de 7º Dia, rezada em 27 de janeiro de 2022 na Catedral Militar Rainha da Paz. No mais, aproveitou todas as ocasiões, desde a eleição de 2018 (o cardeal Bergoglio foi eleito Papa em 2013), para fustigar a ação pastoral da Igreja Católica. Os alvos principais de sua pregação eram a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Bolsonaro chegou a dizer que a CNBB e o Cimi estavam a serviço de satã. Examinando o que ele tentou consumar contra os povos indígenas, especialmente os yanomamis, o Cimi era inimigo.

Embora católico, por estratégia política e por ser desquitado, para poder se casar em cerimônia religiosa com Michelle, com quem já estava legalmente casado no registro Civil desde novembro de 2007, união da qual nasceu a filha Laura (hoje com 13 anos), o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), mais ligado aos “bispos” da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, que controla o partido Republicanos, e aos pastores e “apóstolos” de seitas evangélicas, recorreu ao pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Em 21 de março de 2013, dia de seu aniversário e véspera do de Michelle, Malafaia "abençoou" o casal em igreja no Alto da Boa Vista (Rio de Janeiro). Desde então, Malafaia virou seu principal conselheiro espiritual, com pitacos na ação política junto ao eleitorado evangélico. O símbolo dessa união foi a ida de Malafaia na comitiva do presidente para as exéquias da Rainha Elizabeth II, em setembro, em Londres, antes de discursar na abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova Iorque.

·         Toma lá, dá cá

Não se pense que os apoios dos “bispos”, pastores e “apóstolos” às futuras campanhas de eleição e reeleição de Jair Messias Bolsonaro tivessem apenas como pano de fundo uma agenda comum conservadora. Os líderes das milionárias igrejas evangélicas e pentecostais tinham grande interesse em eleger um presidente sensível a seus pleitos de explorar ao máximo a isenção tributária garantida pela Constituição às diversas matrizes religiosas do Estado laico brasileiro. Mas a Constituição estabelece apenas isenção às ações pastorais e de catequese religiosa dos diversos cultos. As igrejas evangélicas se tornaram poderosas organizações empresariais, com agências de turismo para excursões no Brasil e lugares santos no mundo todo (algumas “vendem” “água benta do rio Jordão”, onde João Batista batizou o jovem Jesus Cristo. Outros, como o pastor Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, tiveram a cara de pau de "vender" “feijão que curava a Covid-19”. Malafaia, antes de conhecer Bolsonaro, chegou a vender um "plano de casa própria no céu", em suaves prestações. Agora, deve milhões em impostos das empresas do seu conglomerado, entre elas a Editora Central Gospel.

Os bispos, pastores e “apóstolos” que organizam eventos como a “Marcha para Jesus”, que virou plataforma de lançamento de candidaturas presidenciais, como a que foi realizada há duas semanas, em São Paulo, sob a liderança do "apóstolo" Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo, que comanda com a mulher, a “bispa” Sônia, presidente do evento no Brasil, embora tenham modernos aviões a jato com os quais voam frequentemente a Boca Raton, da Florida (sede de seu patrimônio de US$ 65 milhões), seguem solicitando perdão de multas milionárias de Contribuições Sociais sobre o Lucro Líquido dos negócios correlatos das igrejas, bem como das contribuições sociais devidas pelos pastores e obreiros, empregados pelas igrejas. Em busca de perdão a multas milionárias, Edir Macedo já abominou Lula, depois se aliou a ele e, com o advento de Bolsonaro, voltou rejeitar Lula.

No ano passado, em plena campanha eleitoral, Bolsonaro isentou mais de R$ 2 bilhões de diversas seitas. Em troca, os pastores, bispos e apóstolos recomendaram o voto das fiéis “ovelhas” no candidato do PL, que acabou derrotado por Lula. Na última ida a Roma, em outubro de 2021, para uma reunião do G-20, o então presidente Bolsonaro não solicitou audiência com o Papa. Poderia ter tirado partido político de uma foto ao lado do Papa. Preferiu demolir a credibilidade das urnas eletrônicas, do processo eleitoral e da atuação do Tribunal Superior Eleitoral em audiência realizada numa 2ª feira, 18 de julho, no Palácio da Alvorada, para a qual convocou os embaixadores estrangeiros credenciados em Brasília. E ainda para explorar o que supunha ser um grande tento eleitoral, convocou a emissora oficial TV Brasil para a transmissão ao vivo do evento, com link imediato para todas as redes sociais do presidente-candidato.

O tiro saiu pela culatra, como ficou demonstrado na primeira semana da ação de julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral dos crimes eleitorais que cometeu e culminaram com a tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro deste ano, a partir de demanda junto à Justiça Eleitoral do Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo qual Ciro Gomes concorria à presidência da República.

·         A lei de Deus e a dos Homens

Confiando na força eleitoral dos pastores e “bispos” e na subserviência do Secretário da Receita Federal do Brasil, Júlio Cesar Vieira Gomes, o mesmo que nomeou em novembro de 2021, depois que o antecessor foi afastado por cumprir o dever funcional e se recusar a aliviar a multa pela apreensão das joias contrabandeadas que teriam sido dadas de presente pelo governo da Arábia Saudita à primeira-dama Michelle, o presidente Bolsonaro forçou a publicação, em 29 de julho de 2022, 11 dias após a pisada de bola na reunião com os embaixadores, no Diário Oficial da União, de um esdrúxulo Ato Declaratório Interpretativo RFB Nº 1, de 29 de julho de 2022, pelo qual declara:

“Os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com ministros de confissão religiosa, com membros de instituições de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, em face do mister religioso ou para a sua subsistência, não são considerados como remuneração, direta ou indireta, nos termos do parágrafo 1º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991” (a Legislação da Receita Federal do Brasil)."

Mais adiante, no seu parágrafo 2º, o Ato Declaratório Interpretativo, primeiro e único, diz:

“Serão consideradas remuneração somente as parcelas pagas com características e em condições que, comprovadamente, estejam relacionadas à natureza e à quantidade do trabalho executado, hipótese em que o ministro ou membro, em relação a essas parcelas, será considerado segurado contribuinte individual, prestador de serviços à entidade ou à instituição de ensino vocacional”.

Bolsonaro fez profissão de fé no voto evangélico. Valia quase tudo.

Agora que os evangélicos e demais cultos estão sujeitos às leis de outros senhores, com outra visão social, enquanto Jair Messias Bolsonaro está envolvido nas barras da Lei dos Homens, poucos são os pastores, “bispos” e “apóstolos” que oram em vigília para o “irmão Jair" não ficar inelegível por oito anos. A maioria está preocupada em não ferir suscetibilidades e em não desagradar o novo “xerife” da Receita Federal do Brasil, Robinson Barreirinhas, que está ávido para colocar barreiras em todas as formas de evasão fiscal no país. No que faz muito bem. Igreja é missão, não comércio.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil

 

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