Bênção do Papa ou
apoio dos ‘bispos’? Visita de presidente brasileiro ao Papa é mais do que
questão de fé religiosa
A
colega Ruth Aquino já abordou em sua coluna de sexta-feira, em “O Globo”,
alguns dos simbolismos do encontro do presidente Lula com o Papa Francisco.
Recém-saído de uma delicada operação no intestino, o Sumo Pontífice, que, além
de líder espiritual de bilhões de católicos pelo mundo, é o Chefe de Estado do
Vaticano, não se furtou a interromper seu recomendável descanso pós-operatório
para receber o presidente eleito de uma das maiores nações católicas do mundo.
A importância política do Brasil para a Igreja Católica Apostólica Romana é
inegável. Embora a Constituição frise ser o Brasil “um Estado laico”, o país
segue sendo uma nação de maioria católica, mesmo com o recente surto de
crescimento das seitas ditas evangélicas, que cada vez mais atuam como
rentáveis franquias espirituais, nas quais os fiéis depositam sua fé e sua
esperança, além dos dízimos sagrados de todos os meses.
A
visita de um presidente brasileiro ao chefe do Estado do Vaticano é mais do que
questão de fé religiosa (Lula tem irmão padre, frei Chico, e família católica
praticante). Buscou, pelas mãos do chefe de Estado de uma das maiores nações
católicas, obter as bênçãos do Vigário de Cristo ao país. E Lula aproveitou
para convidar o Papa para a procissão do Círio de Nazareth, em outubro deste
ano, e para a COP-30, também em Belém (PA), em novembro de 2025. Assim também
podem ser comparados os encontros que o presidente Lula teve em Roma com o
presidente italiano Sérgio Mattarella e a primeira-ministra Giorgia Meloni.
Embora seja extrema direita, Meloni, justificou Lula, é a chefe de Estado da
Itália. Negociações entre estados estão acima das divergências ou afinidades
políticas. E a Itália tem forte importância simbólica para o Brasil. A colônia
italiana, descendente dos imigrantes que vieram colonizar o Sul e outras
regiões do país, no Império, representa mais de 10% da população brasileira. E
a Itália é um dos grandes parceiros comerciais do Brasil, com peso importante
nas negociações entre o país e a União Europeia.
Seguindo
seu ideário de recolocar o Brasil de volta no palco das grandes negociações
mundiais, após quatro anos de ostracismo, Lula aproveitou o convite do
presidente francês, Emmanuel Macron, para participar em Paris do encontro da
“Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global", uma forma de repensar a
ordem financeira mundial (desde De Gaulle a França não se conforma com o
rompimento, por Richard Nixon, em 1971, do acordo de Bretton Woods, pelo qual
os Estados Unidos se comprometia a manter lastro fixo em ouro pelas reservas
mantidas pelos países aliados no United States Bullion Depository, mais
conhecido como Fort Knox, no estado de Kentucky, a Casa da Moeda dos Estados
Unidos). O rompimento do acordo gerou uma crise financeira mundial que levou,
cinco décadas após, à transformação do Mercado Comum Europeu na pujante Uniao
Europeia, que criou forte moeda própria, o Euro. Mas Lula defendeu os interesses
do Brasil nas negociações do acordo comercial com a UE e as questões
ambientais, com incisiva cobrança às nações desenvolvidas, apontadas como
responsáveis maiores pela poluição no mundo, a partir da Revolução lndustrial.
E deu lição de ética e moral aos governantes dos países ricos: tão urgentes
quanto as medidas de preservação climática, o mundo carece de medidas contra a
desigualdade, que afeta raças, países e indivíduos em todo o planeta Terra.
·
Bolsonaro prefere os 'bispos'
Entretanto,
não esteve nas cogitações do ex-presidente Jair Bolsonaro um giro como o que o
presidente Lula fez esta semana na Europa. Primeiro, porque a política externa
adotada pelo primeiro chanceler, o inexperiente Ernesto Araújo, era avessa à
multilateralidade. Prezava pelo alinhamento automático aos Estados Unidos de
Donald Trump, o que levou o Brasil a ser um “pária” no mundo. Bolsonaro jamais
teve um encontro pessoal com o Papa Francisco. Na última ida a Roma, em outubro
de 2021, o então presidente não solicitou audiência ao Papa. Limitou-se, com
sua comitiva, a rápido “tour” aos pontos abertos à visitação na Cidade do
Vaticano. Já sua 3ª mulher, Michelle Bolsonaro, esteve com Francisco em uma
audiência-relâmpago, em dezembro de 2019 (no 1º ano de governo), acompanhada da
ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Evangélicas, ambas pegaram carona na audiência que a Alma - Aliança das
Primeiras-Damas Latino-Americanas, um grupo católico lançado dois meses antes
no Paraguai por Silvana Abdo, esposa do então presidente do país Mario Abdo
Benítez, teria com o Papa.
Bolsonaro
embora se declare católico (fé professada por sua mãe, Olinda), só trocou
mensagens formais com o Papa em janeiro do ano passado, quando agradeceu ao
chefe da Igreja Católica a curta mensagem de pêsames pelo falecimento de sua
mãe, lida na missa de 7º Dia, rezada em 27 de janeiro de 2022 na Catedral
Militar Rainha da Paz. No mais, aproveitou todas as ocasiões, desde a eleição
de 2018 (o cardeal Bergoglio foi eleito Papa em 2013), para fustigar a ação
pastoral da Igreja Católica. Os alvos principais de sua pregação eram a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi). Bolsonaro chegou a dizer que a CNBB e o Cimi estavam a serviço de satã.
Examinando o que ele tentou consumar contra os povos indígenas, especialmente
os yanomamis, o Cimi era inimigo.
Embora
católico, por estratégia política e por ser desquitado, para poder se casar em
cerimônia religiosa com Michelle, com quem já estava legalmente casado no
registro Civil desde novembro de 2007, união da qual nasceu a filha Laura (hoje
com 13 anos), o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), mais ligado aos
“bispos” da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, que controla o
partido Republicanos, e aos pastores e “apóstolos” de seitas evangélicas,
recorreu ao pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Em
21 de março de 2013, dia de seu aniversário e véspera do de Michelle, Malafaia
"abençoou" o casal em igreja no Alto da Boa Vista (Rio de Janeiro).
Desde então, Malafaia virou seu principal conselheiro espiritual, com pitacos
na ação política junto ao eleitorado evangélico. O símbolo dessa união foi a
ida de Malafaia na comitiva do presidente para as exéquias da Rainha Elizabeth
II, em setembro, em Londres, antes de discursar na abertura da Assembleia-Geral
da ONU, em Nova Iorque.
·
Toma lá, dá cá
Não
se pense que os apoios dos “bispos”, pastores e “apóstolos” às futuras
campanhas de eleição e reeleição de Jair Messias Bolsonaro tivessem apenas como
pano de fundo uma agenda comum conservadora. Os líderes das milionárias igrejas
evangélicas e pentecostais tinham grande interesse em eleger um presidente
sensível a seus pleitos de explorar ao máximo a isenção tributária garantida
pela Constituição às diversas matrizes religiosas do Estado laico brasileiro.
Mas a Constituição estabelece apenas isenção às ações pastorais e de catequese
religiosa dos diversos cultos. As igrejas evangélicas se tornaram poderosas
organizações empresariais, com agências de turismo para excursões no Brasil e
lugares santos no mundo todo (algumas “vendem” “água benta do rio Jordão”, onde
João Batista batizou o jovem Jesus Cristo. Outros, como o pastor Valdemiro
Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, tiveram a cara de pau de
"vender" “feijão que curava a Covid-19”. Malafaia, antes de conhecer
Bolsonaro, chegou a vender um "plano de casa própria no céu", em
suaves prestações. Agora, deve milhões em impostos das empresas do seu
conglomerado, entre elas a Editora Central Gospel.
Os
bispos, pastores e “apóstolos” que organizam eventos como a “Marcha para
Jesus”, que virou plataforma de lançamento de candidaturas presidenciais, como
a que foi realizada há duas semanas, em São Paulo, sob a liderança do
"apóstolo" Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo, que
comanda com a mulher, a “bispa” Sônia, presidente do evento no Brasil, embora
tenham modernos aviões a jato com os quais voam frequentemente a Boca Raton, da
Florida (sede de seu patrimônio de US$ 65 milhões), seguem solicitando perdão
de multas milionárias de Contribuições Sociais sobre o Lucro Líquido dos
negócios correlatos das igrejas, bem como das contribuições sociais devidas
pelos pastores e obreiros, empregados pelas igrejas. Em busca de perdão a
multas milionárias, Edir Macedo já abominou Lula, depois se aliou a ele e, com
o advento de Bolsonaro, voltou rejeitar Lula.
No
ano passado, em plena campanha eleitoral, Bolsonaro isentou mais de R$ 2
bilhões de diversas seitas. Em troca, os pastores, bispos e apóstolos
recomendaram o voto das fiéis “ovelhas” no candidato do PL, que acabou
derrotado por Lula. Na última ida a Roma, em outubro de 2021, para uma reunião
do G-20, o então presidente Bolsonaro não solicitou audiência com o Papa.
Poderia ter tirado partido político de uma foto ao lado do Papa. Preferiu
demolir a credibilidade das urnas eletrônicas, do processo eleitoral e da
atuação do Tribunal Superior Eleitoral em audiência realizada numa 2ª feira, 18
de julho, no Palácio da Alvorada, para a qual convocou os embaixadores
estrangeiros credenciados em Brasília. E ainda para explorar o que supunha ser
um grande tento eleitoral, convocou a emissora oficial TV Brasil para a
transmissão ao vivo do evento, com link imediato para todas as redes sociais do
presidente-candidato.
O
tiro saiu pela culatra, como ficou demonstrado na primeira semana da ação de
julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral dos crimes eleitorais que cometeu e
culminaram com a tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro deste ano, a
partir de demanda junto à Justiça Eleitoral do Partido Democrático Trabalhista
(PDT), pelo qual Ciro Gomes concorria à presidência da República.
·
A lei de Deus e a dos Homens
Confiando
na força eleitoral dos pastores e “bispos” e na subserviência do Secretário da
Receita Federal do Brasil, Júlio Cesar Vieira Gomes, o mesmo que nomeou em novembro
de 2021, depois que o antecessor foi afastado por cumprir o dever funcional e
se recusar a aliviar a multa pela apreensão das joias contrabandeadas que
teriam sido dadas de presente pelo governo da Arábia Saudita à primeira-dama
Michelle, o presidente Bolsonaro forçou a publicação, em 29 de julho de 2022,
11 dias após a pisada de bola na reunião com os embaixadores, no Diário Oficial
da União, de um esdrúxulo Ato Declaratório Interpretativo RFB Nº 1, de 29 de
julho de 2022, pelo qual declara:
“Os
valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino
vocacional com ministros de confissão religiosa, com membros de instituições de
vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, em face do mister
religioso ou para a sua subsistência, não são considerados como remuneração,
direta ou indireta, nos termos do parágrafo 1º do art. 22 da Lei nº 8.212, de
1991” (a Legislação da Receita Federal do Brasil)."
Mais
adiante, no seu parágrafo 2º, o Ato Declaratório Interpretativo, primeiro e único,
diz:
“Serão
consideradas remuneração somente as parcelas pagas com características e em
condições que, comprovadamente, estejam relacionadas à natureza e à quantidade
do trabalho executado, hipótese em que o ministro ou membro, em relação a essas
parcelas, será considerado segurado contribuinte individual, prestador de
serviços à entidade ou à instituição de ensino vocacional”.
Bolsonaro
fez profissão de fé no voto evangélico. Valia quase tudo.
Agora
que os evangélicos e demais cultos estão sujeitos às leis de outros senhores,
com outra visão social, enquanto Jair Messias Bolsonaro está envolvido nas
barras da Lei dos Homens, poucos são os pastores, “bispos” e “apóstolos” que
oram em vigília para o “irmão Jair" não ficar inelegível por oito anos. A
maioria está preocupada em não ferir suscetibilidades e em não desagradar o
novo “xerife” da Receita Federal do Brasil, Robinson Barreirinhas, que está
ávido para colocar barreiras em todas as formas de evasão fiscal no país. No
que faz muito bem. Igreja é missão, não comércio.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil
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