Que crimes
Bolsonaro pode ter cometido caso se confirme falsificação do certificado de
vacina contra covid
A
Polícia Federal (PF) realizou nesta quarta-feira (3/5) uma operação contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro e pessoas do seu entorno. O grupo é suspeito de
ter inserido dados falsos de vacinação contra a covid-19 no sistema do
Ministério da Saúde, para emissão de certificados que viabilizariam uma viagem
de Bolsonaro aos Estados Unidos.
Foram
realizadas buscas na casa do ex-presidente, que teve o celular apreendido. A PF
cumpriu também seis mandados de prisão contra outras pessoas, entre elas o
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid Barbosa.
A
operação foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF). A suspeita é que foram forjados os certificados de vacinação de
Bolsonaro e da filha dele de 12 anos; de Cid Barbosa, da sua mulher e de três
filhas do casal (duas menores de idade); e de mais dois assessores do
ex-presidente, Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro.
Segundo
comunicado da PF à imprensa sobre a operação, os investigados podem ter
cometido quatro crimes: infração de medida sanitária preventiva, associação
criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de
menores. A continuidade da apuração deve esclarecer se de fato esses ou outros
ilícitos ocorreram e quem seriam os autores.
O
relatório da PF a Moraes, por sua vez, atribui especificamente a Bolsonaro os
crimes de uso de documento falso e de corrupção de menores e diz que há
indícios de que ele tinha conhecimento da alteração fraudulenta dos dados no
sistema do Ministério da Saúde.
Já
a eventual entrada nos Estados Unidos com um certificado de vacinação falso
configuraria crime federal naquele país, com pena de até dez anos de prisão.
Quando Bolsonaro ingressou em solo americano no final de 2022, porém, ainda era
presidente e tinha imunidade diplomática. Por isso, não era obrigado a
apresentar comprovante vacinal.
Questionado
por jornalistas ao sair de sua casa em Brasília sobre as suspeitas de
adulteração nos cartões de vacina, Bolsonaro disse que "não tem nada
disso".
"Havia
gente que me pressionava para tomar a vacina e eu não tomei. Não tomei porque
li a bula da Pfizer. Não tem nada disso. Se eu tivesse que entrar (nos EUA) e
apresentar o cartão vocês estariam sabendo", disse.
Entenda
melhor a seguir os possíveis crimes cometidos pelos investigados:
·
Falsificação de dados
O
crime de inserção de dados falsos em sistemas de informação, também chamado de
peculato digital, está previsto no artigo 313-A do Código Penal.
Ele
estabelece pena de dois a doze anos de prisão e multa para o funcionário que se
aproveitar do seu acesso a sistemas informatizados ou bancos de dados da
Administração Pública para inserir dados falsos ou alterar dados corretos
buscando vantagens para si ou para outros.
“A
pessoa que fornece os dados pode responder como coautora ou partícipe,
dependendo de quanto contribuiu para o crime”, nota artigo sobre o tema do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Segundo
a investigação da PF, a inserção dos dados falsos foi realizada por meio da
Prefeitura do município de Duque de Caxias (RJ).
No
caso de Bolsonaro, por exemplo, foram inseridas informações de que o
ex-presidente teria sido vacinado naquele município com doses da Pfizer em 13
de agosto e 14 de outubro do ano passado.
No
entanto, o relatório da PF diz que não há qualquer comprovação que o presidente
tenha estado em Duque de Caxias no dia 13 de agosto, quando cumpriu agenda no
município do Rio de Janeiro. Já no dia 14 de outubro, Bolsonaro teve agenda
curta em Duque de Caxias, sem registro de que tenha sido vacinado nessa data,
apontou a investigação.
Também
não há evidências de que a filha de Bolsonaro estivesse naquele município nas
datas em que teria sido vacinada (24 de julho e 13 de agosto de 2022), segundo
as informações suspeitas registradas no sistema do Ministério da Saúde.
“Além
disso, cabe destacar que LAURA BOLSONARO, com 11 anos de idade, residia à época
dos fatos, obviamente, com seus pais na cidade de Brasilia/DF, não fazendo
qualquer sentido ter que se deslocar até o município de Duque de Caxias para se
vacinar”, nota o relatório da PF.
O
delegado do caso, Fábio Shor, destaca ainda como evidência de fraude o grande
tempo transcorrido entre a suposta vacinação e o registro da aplicação das
doses no sistema, realizado por João Carlos Brecha, secretário de Governo de
Duque de Caxias.
“Os
dados relativos a JAIR BOLSONARO e LAURA BOLSONARO foram inseridos em
21/12/2022 no intervalo entre 18h59min e 23h11min”, nota o relatório, ou seja,
cerca de dois a cinco meses após as supostas datas de imunização.
·
Uso de documento falso
O
crime de uso de documento falso está previsto no artigo 304 do Código Penal. A
pena é de dois a seis anos de prisão, quando se trata de um documento público.
Segundo
a investigação da PF, certificados de vacinação para Jair Bolsonaro foram
emitidos quatro vezes entre dezembro de 2022 e março deste ano.
“O
usuário associado ao ex-Presidente JAIR BOLSONARO emitiu o certificado de
vacinação contra a Covid-19, por meio do aplicativo ConecteSUS, nos seguintes
dias: 22/12/2022 às 08h00min, 27/12/2022, às 14h19min, 30/12/2022, às 12h02min
e 14/03/2023 às 08h15min”, diz o relatório da PF.
A
Polícia Federal identificou que os acessos partiram de um computador de dentro
do Palácio do Planalto e do celular de Mauro Cid. A apuração apontou ainda que
era Cid que administrava o acesso de Bolsonaro ao ConecteSUS, já que a conta do
presidente estava associada a um e-mail do seu então ajudante de ordens.
Depois,
a conta foi passada para o e-mail de outro assessor de Bolsonaro, Marcelo Costa
Câmara, que inclusive viajou em três oportunidades a Orlando para acompanhar
Bolsonaro.
Como
ex-presidente, Bolsonaro tem direito a manter oito assessores pagos pela
Presidência da República.
"Os
elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde
a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de
vacinação contra a Covid-19, indicando que JAIR BOLSONARO, MAURO CESAR CID e,
possivelmente, MARCELO COSTA CAMARA tinham plena ciência da inserção
fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos
até o presente momento", aponta a PF no relatório.
·
Infração de medida sanitária preventiva
Segundo
o artigo 268, esse crime consiste em “infringir determinação do poder público,
destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
Quem
comete o crime pode ser condenado a pagar multa e ficar preso de um mês a um
ano, sendo que a pena é aumentada em um terço se o agente é funcionário da
saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou
enfermeiro.
Para
um integrante do Ministério Público Federal ouvido pela reportagem, não está
claro se Bolsonaro poderia ser enquadrado por esse crime no Brasil, se de fato
tiver falsificado o documento, mas usado a falsificação apenas nos Estados
Unidos.
As
informações divulgadas até o momento também não permitem concluir que o
ex-presidente apresentou alguma documentação falsa ao viajar no final do seu
mandato para a Flórida, onde viveu por três meses.
Até
12 de maio desde ano, está em vigor a exigência de comprovante de vacinação
contra covid-19 para entrada nos Estados Unidos – a falsificação de documento
para cumprir essa obrigação pode configurar crime federal naquele país, com
pena de até dez anos de prisão.
No
entanto, pessoas com passaporte diplomático, como era o caso de Bolsonaro
durante seu mandato presidencial, são liberadas de cumprir essa exigência.
Em
janeiro, Bolsonaro solicitou um visto de turista para permanecer nos Estados
Unidos. A BBC News Brasil questionou a embaixada americana no Brasil se havia
exigência de comprovante de vacinação quando foi solicitado o visto, mas ainda
não obteve retorno esclarecendo a questão.
·
Associação criminosa
O
artigo 288 do Código Penal diz que o crime de associação criminosa ocorre
quando mais de três pessoas se juntam para cometer crimes. A pena é de um a
três anos de prisão.
Segundo
o integrante do Ministério Público Federal ouvido pela reportagem, para que
fique configurado esse crime, deve estar comprovado que o grupo se articulou
para realizar crimes repetidos. Ou seja, não bastaria ser uma prática delituosa
pontual.
O
comunicado da PF sobre a operação diz que as inserções falsas no sistema do
Ministério da Saúde ocorreram entre novembro de 2021 e dezembro de 2022.
Além
do coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, foram
presos pela operação o sargento Luis Marcos dos Reis, que integrava a equipe de
Cid; o policial militar Sergio Guilherme e o militar do Exército Sérgio
Cordeiro, que atuavam na segurança presidencial; o ex-major do Exército Ailton
Gonçalves Moraes Barros; e o secretário municipal de Governo de Duque de Caxias
(RJ), João Carlos de Sousa Brecha.
·
Corrupção de menores
O
crime de corrupção de menores está previsto no artigo 244-D do Estatuto da
Criança e do Adolescente e consiste em “corromper ou facilitar a corrupção de
menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a
praticá-la”. A pena prevista é de um a quatro anos de prisão.
Os
investigados são suspeitos de cometer esse crime porque teriam sido
falsificados os certificados vacinais da filha mais nova de Bolsonaro e de duas
filhas também menores de idade de Mauro Cid.
Ao
falar sobre a operação em sua conta no Instagram, a ex-primeira-dama Michele
Bolsonaro reafirmou que sua filha não foi vacinada.
"Hoje
a PF fez uma busca e apreensão na nossa casa, não sabemos o motivo e nem o
nosso advogado não teve acesso aos autos. Apenas o celular do meu marido foi apreendido.
Ficamos sabendo, pela imprensa, que o motivo seria 'falsificação de cartão de
vacina' do meu marido e de nossa filha Laura. Na minha casa, apenas EU fui
vacinada", escreveu Michelle na rede social.
Fonte:
BBC News Brasil
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