quinta-feira, 4 de maio de 2023

Selic: por que Lula não para de falar nos juros?

Desde janeiro, o presidente Lula vem repetindo a mesma crítica à alta dos juros, que estão em 13,75% por determinação do Banco Central (BC). A entidade anuncia nesta quarta (3) o resultado da terceira reunião do ano para definição da Selic (a taxa básica de juros), e o mais provável é que o valor seja mantido apesar das críticas do governo.

Lula criticou a taxa em evento recente em 1º de maio, falou sobre o assunto em suas viagens internacionais, nas diversas entrevistas que deu desde que assumiu o cargo e tem comprado uma briga pública com o presidente do Banco Central, o economista Roberto Campos Neto. Vindo do setor privado, Campos Neto trabalhou no Santander e foi indicado por Bolsonaro em 2019. Seu mandato vai até o final de 2024.

É o Banco Central, através do Copom (Comitê de Política Monetária), que determina a taxa de juros como um dos principais mecanismos para controlar a inflação. O objetivo do BC é manter a inflação dentro da meta, que por sua vez é determinada por um grupo formado pelo Banco Central e pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento.

O presidente tem afirmado que não existe explicação para uma taxa de juros que considera alta demais, que ela tem impedido o crescimento e afirmando que a taxa é "parcialmente responsável" pelo desemprego no país. O líder do Senado, Rodrigo Pacheco, já disse ser favorável a uma taxa menor e recentemente Lula conseguiu o apoio da deputada Tabata do Amaral (PSB), que sempre defendeu pautas mais liberais na economia.

Já o Banco Central afirma que a taxa precisa ser mantida neste patamar senão a inflação sairia do controle. O presidente do Banco Central também afirmou que a aprovação de um arcabouço fiscal que garanta controle nas contas públicas é um dos fatores que permitiria a queda dos juros sem que a inflação suba demais.

A alta dos preços não é algo que beneficia o governo e a queda de braços com o Banco Central gera incertezas na economia, segundo analistas ouvidos pela BBC. Porque então Lula tem insistido tanto no tema dos juros? Porque a queda dos juros é tão importante para o governo neste momento?

·         Onde o governo e o Banco Central discordam

Manter a inflação dentro da meta é um dos três pilares da estabilidade econômica brasileira desde a implantação do Plano Real nos anos 1990. E a taxa de juros é o principal mecanismo para esse controle.

A taxa de juros alta é um método de segurar a inflação pois desincentiva o uso do crédito no mercado - com menos crédito, há menos investimento e menos consumo, desaquecendo a economia e diminuindo a demanda por produtos e serviços, o que faz os preços caírem.

A Selic, atualmente em 13,75% ao ano, se mantém em um patamar alto desde junho de 2022. E o Brasil tem um dos maiores juros reais do mundo, segundo levantamento do MoneYou com a Infinity Asset Management.

O entendimento do governo, segundo o próprio presidente, é que a atual taxa de juros definida pelo Banco Central está alta demais, freando demais o crescimento do país. Segundo essa visão, haveria "espaço de manobra" para diminuí-la - e aquecer a economia - sem perder a inflação de controle.

"Eu digo todo o dia: não tem explicação para nenhum ser humano do planeta Terra a taxa de juro no Brasil estar a 13,75%. Não existe explicação", disse Lula durante visita a um complexo da Marinha no Rio de Janeiro.

Além de aumentar o emprego, explica o economista Sergio Vale, da MB Associados, o crescimento amplia a arrecadação estatal e portanto a capacidade do governo cumprir as promessas de campanha - que no caso de Lula, incluíam a diminuição da desigualdade e aumento do investimento em saúde e educação.

No entanto, na visão de Vale, o risco de diminuir os juros neste momento é a inflação se consolidar em um patamar elevado e exigir que a taxa seja ainda maior no longo prazo para "conter uma inflação desenfreada".

"Inflação elevada corrói a renda e quem sofre mais é a população de baixa renda", diz ele.

O Banco Central defende que a explicação para os juros altos mesmo em um cenário de desaceleração econômica é o histórico brasileiro de hiperinflação, de grande volatilidade dos preços e de alto endividamento público.

A previsão do BC é que uma pequena variação nos juros poderia ter um efeito de estímulo muito grande levando a uma espiral inflacionária difícil de conter.

Lula chegou a afirmar que, se a meta de inflação de 3% para o ano que vem está difícil de cumprir, é preciso mudar a meta - no que foi entendido como uma sinalização de que o governo acha aceitável trabalhar com uma inflação um pouco maior para ter um maior crescimento.

A visão econômica do BC é que isso não é aceitável - algo com o que economistas que seguem uma cartilha econômica mais tradicional tendem a concordar.

"Um cenário de 4% a 6% pode parecer aceitável, mas é um perigo, porque as expectativas de inflação sobem e todos começam a olhar para esse cenário e reajustar os preços agora", afirma Vale.

"Por causa da indexação da economia, você gera uma espiral explosiva, é o que a gente chama de conteúdo inercial da inflação", explica a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências,

O governo tem argumentado que mesmo países como os EUA, que também aumentaram os juros para conter a inflação, não têm mantido uma taxa tão alta. Campos Neto afirmou que, devido ao nosso histórico, o Brasil precisa se comparar com outros países da América Latina e não com os EUA.

Sergio Vale concorda com essa visão, que segue uma cartilha econômica mais tradicional, de que é preciso esperar para diminuir a taxa de juros.

"Existe espaço para uma diminuição, mas não neste momento e não desta forma que o governo tem feito, com pressão em cima do Banco Central", diz ele.

"Minha previsão é de que a taxa de juros caia no segundo semestre. Com a inflação cedendo e um esforço para irmos no caminho correto, pode chegar a 10% no final do ano que vem. Mas o governo precisa ter paciência", diz ele.

Alessandra Ribeiro, da Tendências, diz que os juros de equilíbrio, ou seja, os juros para manter a inflação sob controle, precisa ser mais alto no Brasil por causa de uma série de questões estruturais.

"O Brasil tem um alto nível de endividamento público, alto nível de risco, baixo nível de poupança e outros elementos estruturais que elevam os juros de equilíbrio", diz ela. "Precisamos ver as causas, ou seja, o que nos falta em comparação com outros países que têm juros menores, não ficar criticando o Banco Central."

·         Questão política

Analistas têm apontado que, além da disputa sobre questões econômicas, há fatores políticos envolvidos na atual insistência de Lula em falar sobre os juros.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, feita entre 29 e 30 de março e divulgada no dia 3 de abril, apontou que 80% dos brasileiros afirmam que Lula está certo ao dizer abertamente que o Banco Central deve baixar a taxa básica de juros e que 71% acredita que a taxa está mais alta do que deveria ser. É uma opinião compartilhada mesmo por eleitores que votaram em Bolsonaro - 77% desses eleitores acham que os juros são maiores do que deveriam.

Ou seja, é um assunto no qual Lula consegue obter apoio mesmo entre quem não é seu apoiador político - algo valioso em um cenário de polarização.

Analistas também afirmam que ter uma disputa pública com o Banco Central - cujo presidente foi indicado por Bolsonaro - também é uma forma de evitar que a insatisfação do público com o cenário de desaceleração recaia sobre o governo que está começando.

Sergio Vale lembra que as expectativas já eram de que 2023 fosse um ano de pouco crescimento da economia, independentemente do presidente que fosse eleito.

"Um cenário de desaceleração - que a gente já sabia que ia acontecer independentemente de ser Lula ou Bolsonaro - não gera popularidade. Nesse sentido, a briga pública com o Banco Central pode ser uma forma de apontar um responsável e evitar que a culpa, aos olhos da população, caia sobre o atual governo", avalia.

·         Outros fatores

A demanda que vem com o crescimento da economia é um dos componentes da inflação, mas não é o único. Existem outros fatores que influenciam e também estão no cerne da disputa do governo com o Banco Central.

A inflação também pode ser resultado de problemas na oferta, ou seja, crises ou dificuldades na produção de bens e oferta de serviços, explica a economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências.

Um exemplo, diz ela, é quando uma quebra de safra, ou seja, um problema na produção, faz o preço dos alimentos subirem.

"É o que a gente chama de choque exógeno, ou seja, de fora. O Banco Central não vai atuar nesse caso, ampliando os juros, porque não resolveria o problema", diz. "O BC vai agir caso essa inflação comece a contaminar outros preços, para conter um efeito secundário."

A aposta do governo é que, com a economia em desaceleração, a atual inflação não é resultado de excesso de demanda, mas de problemas na oferta resultantes de questões internacionais como a guerra na Ucrânia - portanto abaixar os juros não levaria ao descontrole - e geraria investimentos, incentivando o setor produtivo e ampliando a oferta.

No entanto, segundo Alessandra Ribeiro, o governo está equivocado na análise de onde vem a inflação no momento. A inflação atual até tem componentes de um choque de oferta, diz ela, mas também é de demanda, resultado inclusive de políticas tomadas pelos governos para aquecer a economia após a pandemia.

"Não podemos afrouxar (a política monetária), precisamos garantir o controle da inflação com essa desaceleração. O cenário é desafiador, porque as metas para o ano que vem são de 3% e as projeções estão acima de 4%", defende.

As projeções - ou seja, as expectativas do mercado sobre a inflação futura - também são um fator que influencia a inflação atual, explica Margarida Gutierrez, professora de economia da UFRJ. "A inflação atual é de tudo, demanda, oferta, de expectativas", diz.

Isso porque o mercado ajusta preços com base nessa projeção e há diversos fatores econômicos que estão indexados por essa expectativa.

Segundo ela, a disputa de Lula com Campos Neto sobre os juros, inclusive, afeta negativamente essa projeção porque aumenta as incertezas do mercado, que pode entender a disputa com uma interferência política.

Vale concorda. "A expectativa de inflação estava ancorada em 3% até começar essa discussão. Depois disso, subiu um ponto e foi para 4%", diz.

As expectativas também são afetadas pela confiança do mercado na capacidade do governo de manter a meta fiscal, ou seja, não gastar além do limite e ampliar a dívida pública.

Para outros nomes que defendem a queda na Selic, como a deputada Tábata Amaral (PSB), o esforço feito pelo Ministério da Fazenda para apresentar o arcabouço fiscal ao Congresso seria um fator que permitiria a diminuição de juros sem perder controle da inflação, já que arcabouço fiscal seguraria gastos desenfreados dos governos (outro fator que causa inflação).

Vale afirma, no entanto, que o arcabouço fiscal ainda tem muitas incertezas e ainda não garante a responsabilidade do governo com as contas.

Ribeiro concorda. "Para baixar a Selic é preciso uma série de certezas que o arcabouço fiscal não foi capaz de fornecer. Então o governo precisa ter paciência e promover reformas para resolver os problemas estruturais que fazem com que os juros de equilíbrio precisem ser tão altos."

 

Ø  BC não deve cortar juros antes do segundo semestre, diz economista

 

Os últimos índices de inflação trouxeram ânimo para o mercado: vieram abaixo da média das expectativas de muitos economistas. O IGP-M, conhecido como “inflação do aluguel”, por exemplo, caiu 0,95% em abril e está negativa em 0,75% no ano.

prévia do IPCA – o IPCA-15 – divulgada pelo IBGE, desacelerou para 0,57% em abril. Em 12 meses chegou ao menor número desde 2020: 4,16%.

Em semana de decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), os índices em queda podem parecer um alívio e trazer esperança para quem aguarda a volta da queda da taxa de juros, que está em 13,75% desde setembro do ano passado. Mas não é bem assim, segundo o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe da pesquisa econômica do JBFO.

“Nas minhas contas, a inflação deve se estabilizar em torno de 5%, bem acima da meta. E nessa toada ainda há o risco de voltar a crescer bem lentamente. É por isso que não espero que o Banco Central corte a taxa de juros antes do segundo semestre”, avalia Pessôa.

“Com o aperto monetário, acho que a economia ao longo do ano deve mostrar sinais de desaceleração. A taxa de desemprego deve subir um pouquinho. Acredito que na reunião de junho o Conselho Monetário Nacional deve subir a meta do ano que vem de 3% para 4%. E então, entre agosto e setembro haverá espaço para a taxa de juros finalmente cair”, afirma.

Para conseguir acompanhar a tendência dos preços na economia, o Banco Central olha para os chamados núcleos de inflação, que indicam a persistência do aumento de preço, diz Pessôa. “Gosto de olhar o que aconteceu com esses núcleos no último trimestre anualizado porque mostra de maneira mais fiel à tendência do aumento de preços”.

A inflação que aconteceu por causa dos choques de oferta já está se revertendo, avalia o economista. Bens de consumo durável, alimentos, tudo tem caído de preço. Por isso que a inflação, que chamamos de inflação cheia, está caindo. “O que tá acontecendo é que a inflação cai, mas a composição da inflação piora. Por quê? Porque essa inflação que nós chamamos de inflação cheia cai, mas serviços não”, explica o economista.

A inflação realmente caiu, mas desde o novembro do ano passado ela voltou a disparar por causa de serviços. Considerando o dia 15 de abril, quando o IBGE divulgou a última prévia do IPCA, a média desses núcleos de inflação está 6,5% comparada a abril do ano passado.

Ou seja, bem acima da inflação “cheia”. Outro fator de pressão sobre ela é o mercado de trabalho. Tirando os efeitos sazonais, a taxa de desemprego no país está em 8,3%. O desemprego estrutural no Brasil é alto, é em torno de 9%. Ou seja, estamos aquém do pleno emprego.

Por isso que a inflação não deve continuar caindo nesse ritmo. Mas as pessoas dizem: a inflação já caiu muito. Sim, ela caiu porque os choques de oferta sobre os quais falamos no início se reverteram. “Agora não haverá mais isso.”

O economista lembra que a escalada teve início lá em 2019, quando começaram os choques de oferta, intensificados por conta da pandemia a partir de 2020. “No mundo só passamos por um período tão extenso, com tantos choques de oferta, há cinquenta anos, lá na crise do petróleo na década de 1970”, diz.

“A peste suína na China acabou com 60% do rebanho no país em 2019. Para compensar, a China elevou as importações de carne, e isso fez o preço disparar. E o Brasil é um importante exportador para o país asiático. Com menos carne aqui, todo brasileiro sentiu essa alta de preços”, explica o economista.

Em 2019, o aumento do preço da carne foi o principal responsável pelo aumento da inflação. Já em 2021, a mudança climática pesou no bolso do consumidor. A seca que atingiu o país provocou a maior crise hídrica desde 1930, elevando – e muito – o preço da energia elétrica.

“Simultaneamente, no fim de 2020 e em 2021, a economia mundial voltou a crescer e em ritmo forte. Mas ainda havia muita gente quarentenada em casa. Houve maior demanda por notebooks por causa das aulas remotas, do trabalho remoto. Várias pessoas decidiram trocar o celular a TV… Isso provocou um desequilíbrio na oferta, especialmente dos semicondutores. Esse problema foi universal”, ressalta o economista.

Enquanto o mundo ainda enfrentava os gargalos de produção, veio a guerra entre Rússia e Ucrânia, que elevou o preço do petróleo e do gás natural. Também aumentou o custo do fertilizante, atingindo o agronegócio. Outra consequência: como Rússia e Ucrânia estão entre as grandes produtoras de trigo e milho do mundo, o preço do produto também subiu.

O economista explica que esses sucessivos choques geram inflação. Ele lembra, ainda, que os auxílios que os governos do mundo todo deram para a população que passava por uma situação social vulnerável pesaram sobre as contas públicas. Mas isso trouxe também uma demanda maior porque, bem ou mal, as pessoas estavam com dinheiro. Ou seja, na saída da pandemia a economia cresceu.

É quando começa um tipo diferente de inflação, já não mais causada pelos choques de oferta. Apareceu agora uma inflação que é o resultado de excesso de demanda. De uma taxa de desemprego baixa.

“Para você ter uma ideia, a massa salarial real em março deste ano cresceu 10,8% em relação a março do ano passado. Aí tem o que a gente chama de condição cíclica da economia”, explica Pessoa. Como o mundo voltou forte e o desemprego caiu, a inflação subiu. “Mas não por causa dos choques de oferta que a gente viu no passado e sim por conta do excesso de demanda”, completa o economista.

Segundo ele, um dos componentes que melhor refletem esse tipo de inflação – que é mais persistente – são os serviços. “Serviço, por exemplo, não depende de câmbio, não diminui ou aumenta por causa de seca, de problemas externos como a guerra. Ou seja, serviços não sentem choques de oferta que são temporários. Serviço é essencialmente mão de obra”.

Então, os itens ligados aos serviços eles expressam melhor a componente de demanda da inflação. Por exemplo, entretenimento, a parte de alimentação fora do domicílio, dentista, toda a parte de turismo menos transporte, hotelaria por exemplo, serviços pessoais como manicure, corte de cabelo, emprego domestico, serviços financeiros, saúde particular, educação particular. Nada disso muda quando há choques de oferta, quando o câmbio oscila ou quando existe.

Então a inflação de serviços dá uma ideia de quão forte o excesso de demanda está sobre a oferta. E é essa inflação, a de demanda, que o Banco Central quer segurar com a taxa de juros.

 

Fonte: BBC News Brasil/CNN Brasil

 

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