terça-feira, 30 de maio de 2023

Ofensiva antiambiental do Congresso preocupa investidores internacionais

Como já se esperava, a sanha “boiadeira” do Centrão e dos ruralistas no Congresso contra o Ministério do Meio Ambiente (MMA) deixou investidores internacionais mais ressabiados com o Brasil. Depois de se animarem com o discurso pró-ativo do governo federal nessas áreas, após quatro anos de desmonte e devastação, agora estão preocupados com a possibilidade do Legislativo barrar esses esforços.

Na Folha, Alexa Salomão conversou com investidores e analistas sobre a situação, especialmente sobre a ofensiva do Congresso contra o MMA e sua ministra, Marina Silva. Vista como símbolo das pretensões do novo governo na retomada da proteção ambiental, a ministra tem sido alvo de ataques, inclusive dentro do próprio governo, depois do IBAMA vetar um poço de exploração de petróleo no litoral do Amapá.

“Fragilizar Marina é dar munição a quem se opõe ao acordo Mercosul-União Europeia, colocar em risco contribuições de outros países para o Fundo Amazônia, piorar a imagem da marca Brasil e comprometer investimentos de fundos, empresas e cadeias de fornecedores”, destacou Eduardo Felipe Matias, advogado e especialista em direito internacional.

O prejuízo potencial à imagem internacional do Brasil também foi apontado pelos ex-ministros das Relações Exteriores Celso Lafer e Rubens Ricupero em artigo publicado no jornal O Globo. “O enfraquecimento do MMA tramado no Congresso suprime no nascedouro a esperança de que o Brasil se torne uma economia verde, acabe com o desmatamento e receba do mundo reconhecimento sob a forma de investimentos e comércio”, argumentaram.

Já o professor Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, ressaltou à Deutsche Welle que uma possível saída de Marina Silva do MMA, em virtude dos ataques sofridos nos últimos dias, seria um “desastre internacional” para o governo, já que atingiria em cheio suas pretensões de política externa e de atração de investimentos e recursos ao país.

“Houve todas essas promessas ambientais, e ela [Marina] é a pessoa que está ancorando, legitimando isso. Quem é Alexandre Silveira [ministro de Minas e Energia] em termos internacionais? Mas quem é a Marina, já sabemos. É alguém que tem uma história que vai desde a época do Chico Mendes. Tem todo um reconhecimento”, disse Jacobi.

Enquanto isso, em Brasília, Marina reiterou que pretende trabalhar junto aos parlamentares para explicar a importância de manter a estrutura do governo federal para o meio ambiente da forma como ela foi definida no começo da gestão e os riscos que mudanças impensadas podem causar aos esforços internacionais do Brasil.

“Em uma democracia, nós dialogamos. Eu estou preparada para o diálogo. (…) A política ambiental e a proteção dos Povos Indígenas estão no coração do governo. Por isso, vamos trabalhar no diálogo para, até a votação, recompor determinadas pautas e estruturas”, disse a ministra na última 6ª feira (26/5), depois de participar de reunião no Palácio do Planalto.

Em entrevista à CNN Brasil, a ministra do Meio Ambiente reiterou que não pretende deixar o governo, mas reconheceu que a situação política do Executivo no Congresso Nacional é difícil. “Infelizmente, temos uma situação delicada no Congresso, em que há uma maioria de parlamentares que gostaria de reeditar a estrutura e políticas do governo anterior, e o governo está lutando muito fortemente para manter o seu programa, aquilo que foi a decisão soberana da sociedade”, afirmou.

 

       Projeto do marco temporal tem brecha para garimpo, estradas e hidrelétricas em terras indígenas

 

A Câmara dos Deputados pode votar nesta semana o projeto de lei do marco temporal, ampliando a série de derrotas da política ambiental que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sofre no Congresso.

Além de instituir a tese do marco, o texto da proposta, se aprovado, cria dispositivos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.

Ambientalistas e o movimento indígena criticam o projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.

Entidades do setor também entendem que a proposta dificulta o processo de demarcação dos territórios, esvazia a consulta aos indígenas e diminui os instrumentos de proteção a indígenas isolados.

Durante sua participação no Acampamento Terra Livre deste ano, ocasião em que assinou a demarcação de seis novas terras indígenas, Lula também ergueu uma faixa contra o marco.

Como mostrou a Folha, o projeto de lei do marco temporal avançou como uma estratégia do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre este tema.

A tese do marco, defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária, institui que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Os indígenas refutam a ideia e argumentam que, pela Constituição, lhes é de direito seus territórios originais, não restritos a uma determinada data.

Lira e a bancada ruralista tentam avançar com a proposta via Legislativo antes do julgamento no Supremo, marcado para junho. Na Corte, a tendência é que a tese seja refutada.

A urgência ao projeto de lei do marco temporal foi aprovada na última quarta (24), no mesmo dia em que o Congresso impôs derrotas à política ambiental das ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente).

Na ocasião, parlamentares avançaram com a medida provisória que desidrata as duas pastas e com o projeto de lei que afrouxa a proteção à Mata Atlântica e amplia a anistia por desmatamento, além do marco temporal.

A urgência ao projeto do marco foi aprovada com facilidade por Lira, por 324 votos contra 131. O governo liberou sua bancada -ou seja, não orientou como a base deveria se posicionar.

Lideranças indígenas cobram que Lula se posicione e atue mais fortemente para evitar que a pauta avance. Também prometem protestos em Brasília e em outras cidades contra a proposta.

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o ISA (Instituto Socioambiental) publicaram notas técnicas elencando uma série de pontos críticos do projeto.

'USO E GESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS'

O texto do marco temporal, originalmente, não tratava sobre a tese, mas sim transferia para o Poder Legislativo a prerrogativa de demarcação dos territórios.

A ele foram apensadas (juntadas) propostas que incluem, além do marco, a possibilidade de realização de empreendimentos e exploração de recursos naturais das terras. A versão atual, que ainda pode ser alterada, cria um capítulo sobre "uso e gestão das terras indígenas".

Nele, o Congresso poderá autorizar a exploração de "recursos hídricos e potenciais energéticos", "pesquisa e lavra das riquezas minerais", garimpo desde que "obtida a permissão da lavra garimpeira" e "instalação em terras indígenas de equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos".

A proposta permite ainda que esses empreendimentos sejam "implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente". E prevê que, para atividades econômicas, "inclusive agrossilvipastoris", será "admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas".

Procurado, o relator do texto, Arthur Maia (União Brasil-BA), não respondeu.

Segundo o entendimento da Apib, o projeto "também autoriza qualquer pessoa a questionar procedimentos demarcatórios em todas as fases do processo (inclusive os territórios já homologados), flexibiliza a política indigenista do não contato com os povos indígenas em situação de isolamento voluntário e reformula conceitos constitucionais da política indigenista".

A nota técnica da articulação é assinada pelos advogados Mauricio Terena e Thiago Scavuzzi de Mendonça.

Já o ISA diz que a proposta é "uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil" e "poderá inviabilizar demarcações de terras indígenas".

O instituto elenca sete principais problemas do texto, inclusive a instituição do marco temporal. A nota técnica é assinada por Juliana de Paula Batista, Mauricio Guetta e Márcio Santilli, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

 

Fonte: ClimaInfo/FolhaPress

 

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