Militares
brasileiros não pediram apoio para golpe, diz general dos EUA
A comandante do Comando Sul das Forças Armadas dos
Estados Unidos (Southcom), general Laura Richardson, disse, em entrevista
exclusiva à BBC News Brasil, que militares brasileiros não procuraram suporte
para um suposto golpe militar durante a corrida eleitoral que acabou na derrota
do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2022.
"Absolutamente, não. Eles não pediram nenhum
tipo de suporte. Nós não discutimos nada político", disse a militar na
quinta-feira (25/5).
O Southcom é o comando militar norte-americano
responsável por atuar na América do Sul, Central e no Caribe.
O suposto envolvimento de militares brasileiros em
planos para resistir aos resultados das eleições de 2022 e impedir a posse de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem sendo investigado pela Polícia Federal com
base em mensagens de texto trocadas por oficiais próximos ao ex-presidente Jair
Bolsonaro.
Entre eles está o coronel Élcio Franco, que atuou
como secretário-executivo do Ministério da Saúde e como assessor especial do
Ministério da Casa Civil, subordinado ao general Walter Braga Netto, que foi
candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro à reeleição. O caso tramita
no Supremo Tribunal Federal (STF).
Até o momento, não há indicação de que o governo
norte-americano estivesse dando algum tipo de apoio aos militares brasileiros
descontentes com o resultado das eleições.
A preocupação, no entanto, foi cogitada em 2022 por
conta do histórico de apoio que o governo norte-americano deu ao golpe de
estado ocorrido no Brasil em 1964, quando os militares brasileiros depuseram o
então presidente João Goulart, visto como um político de esquerda que
simpatizava com o então bloco comunista.
Cinquenta e nove anos depois daquele episódio, a
general norte-americana veio ao Brasil nesta semana para estreitar suas
relações, justamente, com os atuais comandantes das Forças Armadas brasileiras
sob um governo de centro-esquerda. Na quinta-feira, por exemplo, ela se reuniu
com o ministro da Defesa, José Múcio.
Laura Richardson é a primeira mulher a liderar o
Southcom. Antes disso, ela também foi a primeira mulher a comandar o
Northerncom, responsável pela área que abrange Estados Unidos, Canadá, México e
parte da Groenlândia.
Na entrevista à BBC News Brasil, a general também
falou sobre o que ela classifica como ação "maligna" daqueles que são
considerados os dois principais competidores dos Estados Unidos por influência
na América Latina e no Caribe: China e Rússia.
"Eles (China e Rússia) são nossos principais
concorrentes. Os chineses são nossos principais concorrentes na região. Nossa
estratégia de defesa nacional coloca a República Popular da China como o
desafio número um", afirmou a oficial.
Segundo ela, a política de financiamento de obras de
infraestrutura como portos e redes de telecomunicações adotada pela China seria
preocupante por conta da suposta possibilidade de que, no futuro, poderiam ter
algum tipo de uso militar por parte do regime de Pequim.
Especialista em guerras (ela lutou no Iraque e no
Afeganistão), Laura Richardson se esquivou ao responder se o presidente Lula
estava atuando como um ator neutro em relação ao conflito entre a Rússia e a
Ucrânia.
"O presidente Lula é um líder global. E ele
tomará suas próprias decisões. O que a Rússia fez com a Ucrânia é uma invasão
injustificada e não provocada da Ucrânia. Ponto final", disse.
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Confira os principais trechos da entrevista:
<<<<
Estados Unidos e competição por influência na região
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A senhora frequentemente menciona o fato de que
atualmente China e Rússia são os principais concorrentes em relação à
influência na região. O Comando do Sul está planejando expandir sua presença
militar na região para enfrentar essa competição?
Laura
Richardson - Trabalhamos com todas as nossas nações
parceiras na região, e acredito que o que realmente trazemos para a mesa com as
28 democracias de mentalidade semelhante à nossa é sobre democracia [...] O que
está acontecendo na região é um chamado à ação, como eu gosto de chamar, entre
democracia e autoritarismo. E acredito que, quando mostramos nações com valores
semelhantes, compartilhamos os valores democráticos.
·
Em termos objetivos, o Comando do Sul planeja expandir
sua presença militar na região ou não?
Richardson - Vamos continuar fazendo o que fazemos há muitas décadas. Se
precisarmos aumentar as forças porque temos uma assistência humanitária ou
resposta a desastres que precisamos realizar, então provavelmente aumentaremos
as forças e isso incluirá outras nações que estarão lá para ajudar a responder
a um desastre ou uma crise.
·
Por que você diz que China e Rússia são os principais
concorrentes em termos de influência na região?
Richardson - Eles são nossos principais concorrentes. Os chineses são nossos
principais concorrentes na região. Nossa estratégia de defesa nacional coloca a
República Popular da China como o desafio número um. E, portanto, na região, as
preocupações que tenho são de que, dos 31 países desta região, 21 assinaram a
"Iniciativa Um Cinturão, uma Rota" (também conhecida como Nova Rota
da Seda). Não há nada de errado com isso, se não houvesse coisas como
empréstimos-armadilha de US$ 150 bilhões para países e projetos que não são feitos
corretamente, com estouros de custos, trabalho mal-feito. Às vezes, esses
projetos criam mais problemas do que resolvem.
·
A senhora tem descrito as ações da Rússia e da China na
América Latina e no Caribe como malignas. A China e a Rússia representam uma
ameaça para esta região ou apenas para os interesses dos EUA na região?
Richardson - Eu acho que (é uma ameaça) aos interesses de todo mundo, das
democracias da região e não apenas aos interesses americanos na região. Quero
dizer…essa é a nossa região. É a nossa vizinhança. Quando você olha para as
atividades malignas deles (China, Rússia) na região... Não se trata apenas da
Nova Rota da Seda e de projetos que deram errado. Por que há tanto
investimento? Por que há tanto foco em portos oceânicos? Por que há foco em
telecomunicações, 4G e 5G? Houve um grande acúmulo de capacidade militar de
arsenais convencionais e nucleares na China continental [...] Já vimos isso em
outras regiões do mundo e na África e em todo o globo. Preocupo-me com o uso
duplo (civil e militar) dessas estruturas.
·
Por outro lado, a senhora acredita que os Estados
Unidos têm dado alguma opção para os países da região quando se trata desses
investimentos? A senhora já disse que alguns desses países estariam
desesperados por investimento…
Richardson - E eu acho que todos nós podemos fazer mais como países
democráticos e com mentalidades semelhantes. Será que as empresas chinesas
estão fazendo lances menores e reduzindo os preços durante as licitações (em
países da América Latina)? Será que eles oferecem o que realmente o projeto
custa ou será que existem gastos excessivos associados a esses projetos? A
resposta é: sim. Temos que olhar atentamente para o que está acontecendo na
região e enfrentar essa situação.
·
A senhora acredita que o governo chinês tem competido
de forma justa com os Estados Unidos pela influência na região?
Richardson - Eu diria que, em termos de investimento e infraestrutura crítica,
eu apenas apresento os fatos quando os vejo e começo a juntar todas as peças.
Deixo que outras pessoas determinem se é justo ou não. Eu aponto atividades
malignas quando as vejo. Se vemos isso no Comando do Sul, vamos expor e
perguntar: "Para que isso serve? O que vocês estão fazendo?" Tem
muitas coisas acontecendo.
·
A senhora tem levantado muitas perguntas, mas eu
gostaria de lhe perguntar, então: que tipo de ameaças específicas a China e a
Rússia representariam para o Brasil, por exemplo?
Richardson - Então, o que tenho falado é principalmente em relação à China. E
mais uma vez, volto ao fato de que a China tem um grande crescimento militar.
Então: por que há tanto investimento dessas empresas estatais chinesas em
infraestrutura crítica na região? E, em relação à informação, existe o Russia
Today (veículo de informação russo), a Sputnik Mundo (veículo de informação
russo em espanhol) e há um aumento na disseminação de desinformação na região.
Eles têm mais de 31 milhões de seguidores. Não há verificação jornalística
acontecendo nessas organizações. A desinformação, as notícias falsas e a intenção
deliberada de enganar as populações não estão corretas.
·
Algumas semanas atrás, a senhora disse que a China vem
manipulando governos na América Latina e no Caribe. Que evidências a senhora
tem de que esse tipo de manipulação vem ocorrendo? A senhora acha que o Brasil
poderia ser manipulado pelo governo chinês em algum momento?
Richardson - Eu menciono algumas coisas nas quais a China parece estar
investindo. Eu vejo como se fosse uma extração. Quando você chega numa nação
anfitriã e você não contrata trabalhadores desse país para esses projetos
bilionários, isso é o primeiro exemplo de que você não está investindo nos
países em que esses projetos estão sendo executados.
·
Mas a senhora vê o Brasil como um país que pode ser de
alguma forma manipulado pelo governo chinês?
Richardson - Temos que estar de olhos bem abertos em relação ao que está
acontecendo e estar muito cientes da situação ao lidar com a China neste
momento.
·
A China construiu uma base espacial na Argentina e está
negociando um acordo nuclear com o país. Em que medida isso lhe preocupa?
Richardson - Estou preocupada com a infraestrutura espacial na região. E
novamente, volto à infraestrutura crítica, os portos oceânicos, as
telecomunicações [...] Sim, é preocupante.
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Os Estados Unidos têm bases espaciais em diferentes
países. Por que a China não poderia ter?
Richardson - Bem… novamente, eu pergunto: por que há tanto investimento em
infraestrutura crítica na América Latina e nesta região no hemisfério
ocidental?
·
Mas essa é uma pergunta: o que a senhora acha que está
por trás dessa decisão?
Richardson- Bem, isso é para o público decidir o que pensa. Eu apresento os fatos
como os vejo e deixo a audiência decidir. E não estou tentando levar ninguém a
uma decisão. Como disse há alguns minutos, me preocupo com a natureza de uso
duplo (dessas estruturas). Há um governo comunista que não respeita os direitos
humanos de seu próprio povo investindo muito nesta região e vemos o que
acontece quando uma nação tem a preponderância da influência e acesso a certas coisas
[...] estou preocupada com isso.
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No mês passado, o presidente Lula esteve na China e
disse que quer fortalecer os laços com a China. A senhora está preocupada com o
fortalecimento dos laços entre o Brasil e a China?
Richardson - Bem, o Brasil toma suas próprias decisões [...] se isso me
preocupa? Não me preocupa, porque temos nossa relação com o Brasil e
continuaremos a trabalhar muito de perto com o país.
Bolsonaro,
militares e eleições de 2022
·
Gostaria de voltar um pouco ao passado porque, no ano
passado, havia o temor de que o ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns membros
do alto escalão militar não aceitassem os resultados eleitorais. A senhora teve
algumas conversas com militares brasileiros naquela época. A senhora ficou
preocupada com a possibilidade de que membros das Forças Armadas brasileiras
não aceitassem o resultado das eleições e estivessem dispostos a dar um golpe
de estado?
Richardson - Nossas Forças Armadas militares são muito profissionais e é isso
que devemos fazer como militares. Nós temos uma longa relação com os militares
brasileiros baseada no estado de direito, nos direitos humanos, no cumprimento
da Constituição, assim como fazemos também. Nós falamos falando sobre
cooperação de segurança militar e profissionalização da Força. E eu não tive
dúvidas quanto à profissionalização das Forças Armadas do Brasil. Eles são
extremamente profissionais e conhecem seu papel.
·
Eles pediram algum tipo de apoio no caso de não
aceitarem os resultados das eleições naquele momento?
Richardson
- Absolutamente, não. Eles não pediram nenhum
tipo de suporte. Nós não discutimos nada político.
·
Na sua opinião, houve alguma indicação de que o
ex-presidente Bolsonaro ou os militares estariam dispostos a realizar um golpe
naquele momento?
Richardson - Não discutimos assuntos políticos. Falamos sobre cooperação de
segurança militar, profissionalização de nossas forças, exercícios (militares),
desafios de segurança na região [...] O que discutimos foi isso. Não falamos de
coisas políticas.
Brasil
e Guerra na Ucrânia
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Vamos falar, então, sobre um assunto militar: a guerra
na Ucrânia. Tem havido algumas dúvidas na comunidade internacional sobre se o
presidente Lula tem sido neutro em suas declarações sobre a guerra na Ucrânia.
A senhora o vê como um ator neutro ou o vê atualmente mais como um aliado da
Rússia?
Richardson - O presidente Lula é um líder global e ele tomará suas próprias
decisões. O que a Rússia fez com a Ucrânia é uma invasão injustificada e não
provocada da Ucrânia. Ponto final.
·
Mas o presidente Lula disse que os Estados Unidos têm
que parar de incentivar a guerra. A senhora concorda com essa declaração?
Richardson - Não importa se concordo ou não. Volto ao que eu disse antes: o
que a Rússia fez está errado.
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A senhora acredita que o Brasil está de alguma forma em
posição de desempenhar o papel de mediador de paz em relação ao conflito na
Ucrânia?
Richardson - Eu acredito que se algum líder estiver disposto a assumir esse
papel para tentar trazer a paz, acho que todos gostariam que isso acontecesse.
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O Brasil, na sua opinião, está em posição de
desempenhar esse papel, considerando seu peso militar, político e econômico?
Richardson - Eu diria que se algum país for capaz de mediar a paz, isso será
bem-vindo.
>>>>Suposta
espionagem russa
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Desde o ano passado, autoridades vêm investigando a
existência de pelo menos três supostos espiões russos operando com identidades
falsas brasileiras. A senhora tem alguma evidência ou teme que a Rússia possa
ter transformado o Brasil em uma espécie de berçário para espiões?
Richardson - Precisamos estar conscientes do nosso entorno o tempo todo e do
que parecem ser os nossos desafios, os nossos adversários, como eu os chamo.
Porque eles não são confiáveis. E precisamos ter os olhos bem abertos em
relação ao que nossos adversários são capazes de fazer.
·
Existem pelo menos dois pedidos de extradição para um
desses supostos espiões (Sergey Vladimirovich Cherkasov). Um é da Rússia e o
outro é dos Estados Unidos. A senhora ficaria decepcionada se o governo
brasileiro decidisse extraditá-lo para a Rússia e não para os Estados Unidos?
Richardson - Deixo nossos líderes políticos lidarem com todas essas
negociações. Novamente, estamos focados nas coisas que fazemos com o Brasil, na
cooperação de segurança para combater os desafios de segurança na região. É
nisso que nos concentramos.
Fonte:BBC News Brasil
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