quarta-feira, 31 de maio de 2023

As críticas de presidentes de esquerda e direita às falas de Lula sobre Venezuela

As alegadas violações de direitos humanos na Venezuela fizeram com que presidentes de diferentes orientações ideológicas se unissem e contestassem as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a situação no país vizinho.

As críticas foram feitas durante a cúpula de líderes sul-americanos convocada por Lula realizada nesta terça-feira (30/05).

Durante o evento, o presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de centro-esquerda, e o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de centro-direita, rebateram as declarações de Lula.

A cúpula convocada por Lula reuniu líderes de 11 dos 12 países da América do Sul.

A única presidente que não participou do evento foi a do Peru, Dina Boluarte - por questões judiciais, ela não pode se ausentar do país.

A iniciativa vem sendo apontada pela diplomacia brasileira como uma tentativa para que a região voltasse a ter um diálogo político após alguns anos de hiato.

A reunião também é vista como parte do esforço do governo do presidente Lula de ampliar seu papel de liderança regional após os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O encontro, porém, vem sendo marcado pelas polêmicas em torno da participação de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.

O governo liderado por ele é apontado por entidades vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) como responsável por graves violações de direitos humanos como tortura, execuções e perseguição a adversários políticos.

Historicamente, o governo venezuelano vem se defendendo alegando que as acusações fariam parte de uma campanha internacional contra o regime liderado por Maduro.

O pivô das controvérsias foram as declarações feitas por Lula na segunda-feira, quando recebeu Maduro com honras de chefe de Estado. Segundo Lula, a Venezuela teria sido alvo de uma narrativa construída.

"Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo", disse Lula.

O presidente brasileiro também afirmou que caberia a Maduro mudar a opinião pública internacional a partir de uma nova narrativa.

"Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabe que a Venezuela tem problema na democracia. É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você", disse o presidente brasileiro.

Nesta terça-feira, porém, líderes convidados por Lula reagiram às falas de Lula.

O primeiro a se manifestar de forma crítica em relação ao episódio foi o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou. Ele é do Partido Nacional, um dos principais partidos de centro-direita do país, e é conhecido por defender pautas como a liberdade econômica e redução do tamanho do Estado.

Durante a reunião entre os chefes de Estado, Lacalle Pou transmitiu seu discurso pelas redes sociais e disse ter ficado "surpreso" com as declarações. Ele, no entanto, não citou nominalmente o presidente Lula.

"Fiquei surpreso quando foi dito que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre a Venezuela e o governo da Venezuela."

"Se há tantos grupos no mundo tentando mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que os direitos humanos sejam respeitados e não haja presos políticos, o pior a fazer é tapar o sol com a mão", disse o presidente uruguaio.

Não há informações sobre como Lula ou Maduro reagiram às falas de Lacalle Pou.

Mais tarde, foi a vez de Boric abordar o assunto. O presidente chileno tem 36 anos de idade e é uma político de esquerda que iniciou sua carreira política no movimento estudantil.

Ele disse que celebrou a participação da Venezuela na cúpula, mas afirmou que não poderia fazer "vista grossa" para a situação na Venezuela.

"Para muitos de nós é a primeira oportunidade que temos de compartilhar o mesmo espaço que o presidente Nicolás Maduro. E que a verdade é que nos alegra que a Venezuela retorne às instâncias multilaterais. Cremos que é nestes espaços que se resolvem os problemas", disse.

Boric, no entanto, disse abertamente discordar dos termos usados por Lula em sua menção à realidade venezuelana.

"Eu manifestei respeitosamente que tinha uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula ontem no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela era uma construção narrativa. Não é uma construção narrativa. É uma realidade que é séria e eu tive a oportunidade de ver a dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem em nossa pátria", disse Boric.

·         Violações de direitos humanos

As declarações de Boric e de Lacalle Pou acompanham o tom de crítica de parte da comunidade internacional em relação à situação política na Venezuela.

Entidades como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder.

Os métodos incluiriam execuções, sequestros, estupros e prisão de opositores. Iniciado por Hugo Chávez, o grupo político de Maduro - o chavismo - está no poder na Venezuela de desde 1999.

Segundo elas, o governo usaria o aparato de inteligência civil e militar para vigiar a sociedade civil, inclusive sindicalistas e membros da imprensa.

As acusações mais recentes de violação de direitos humanos ao governo Maduro foram em março deste ano pela Missão das Nações Unidas para Verificação de Fatos sobre a Venezuela (FFMV, na sigla em inglês).

A missão relatou a existência de pelo menos 282 presos por razões políticas no país, e apontou a permanência de um clima generalizado de medo por parte da população.

·         Jantar no Palácio da Alvorada

A reunião entre os líderes deverá se estender até o fim da tarde desta terça-feira. Alguns presidentes vão deixar o Brasil ainda hoje, como Gabriel Boric. Outros deverão participar de um jantar oferecido por Lula no Palácio da Alvorada.

A expectativa é de que boa parte dos presidentes que participaram da cúpula de hoje também façam parte de outro encontro convocado por Lula previsto para agosto, em Belém.

O encontro reunirá líderes dos países que compartilham o bioma amazônico.

 

       Uruguai rejeita impulso à Unasul; Montevidéu e Chile discordam de Lula sobre Venezuela na cúpula

 

Presidente uruguaio disse nesta terça-feira (30) durante a Cúpula do Sul em Brasília, que é contra o relançamento da Unasul e rejeitou a menção à Venezuela no rascunho do encontro de líderes que acontece em Brasília.

Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou hoje (30) em Brasília a cúpula de presidentes sul-americanos intitulada Cúpula do Sul, na qual pediu o renascimento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para avançar na integração dos países sem ter que começar do zero.

O líder uruguaio, Luis Lacalle Pou, se posicionou contra a criação de um organismo semelhante à Unasul ou à retomada do órgão. Segundo o uruguaio, esse tipo de fórum estimula "clubes ideológicos".

"Como diriam no Brasil: chega de instituições, basta de instituições. Saímos da Unasul, imediatamente recebemos o convite do Prosur (Fórum para o Progresso da América do Sul) e dissemos que não, porque senão acabávamos entrando em clubes ideológicos, aqueles que têm um caminho e uma continuidade desde que correspondamos às ideologias. Tem gente aqui que não concorda com a Unasul, levanto a mão", disse Lacalle Pou.

Entretanto, Lacalle Pou pediu aos líderes sul-americanos que usem os mecanismos e instituições existentes.

"Devemos parar com essa tendência de criar organizações, vamos às ações", argumentou o presidente acrescentando que os governos devem se coordenar para abordar "questões específicas".

"Em relação às organizações, temos o Mercosul. Muitos sabem que nossa posição não é de satisfação com o que tem feito" e citou a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), a qual acredita "que está sendo desperdiçada".

•        Venezuela

Sobre Caracas, Lacalle Pou disse que ficou "surpreso" com uma declaração que está sendo "negociada no momento" quando "se fala sobre o que aconteceu na Venezuela ser uma narrativa". O presidente fez as declarações na mesma reunião em que estavam Lula e Nicolás Maduro.

"Devo dizer que fiquei surpreso quando se falou que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já se sabe o que nós pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela. Se há tantos grupos no mundo que tentam intermediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que se respeitem os direitos humanos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com o dedo. Coloquemos o nome que tem, e vamos ajudá-los", afirmou.

O presidente lembrou que "até recentemente o Uruguai não tinha um embaixador na Venezuela" e foi seu governo quem o nomeou, "porque nossa afinidade é com o povo venezuelano e não cabe a nós escolher o governo, mas temos a possibilidade de expressar uma opinião”.

O discurso de Lacalle Pou foi endossado pelo líder chileno, Gabriel Boric, o qual disse em entrevista coletiva que a situação na Venezuela não é uma narrativa, mas, sim "real e sério", segundo o G1.

"Expresso, respeitosamente, que tenho uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula, no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela foi uma construção narrativa, não é uma construção narrativa, é uma realidade, é grave e tive a oportunidade de ver, vi o horror dos venezuelanos. Essa questão exige uma posição firme", afirmou o presidente do Chile.

Boric disse que está contente que a Venezuela volte a instâncias multilaterais porque acredita que nesses espaços é onde os problemas se resolvem. "Isso, porém, não pode significar fazer vista grossa às questões que são importantes para nós desde o início", complementou.

 

       Especialista: adesão da Venezuela ao BRICS seria grande contribuição para o multilateralismo global

 

A entrada da Venezuela no BRICS seria determinante para que Caracas voltasse a "espaços onde era natural", disse a Sputnik o cientista político venezuelano Rommer Ytriago. Segundo o especialista, a intenção de Nicolás Maduro seria fundamental para reforçar o "multilateralismo" e acessar um mercado que se torna "importantíssimo".

A intenção do presidente venezuelano de que seu país se incorpore ao BRICS pode "ser determinante" para que a nação se fortaleça tanto econômica como geopoliticamente, afirmou a Sputnik o cientista político venezuelano Rommer Ytriago.

O interesse de Caracas em aderir ao bloco que atualmente integra Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul foi manifestado por Maduro durante o encontro que manteve em Brasília com seu parceiro brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

"A nova geopolítica é caracterizada por dois elementos: a unidade de nossa América na diversidade e o papel do BRICS, que se perfila como o grande imã dos países que querem cooperação", disse Maduro.

"Pelos séculos dos séculos os povos da América do Sul nos negaram, por isso estamos trabalhando na construção de uma nova geopolítica mundial onde prevaleça a união da América Latina como um só povo", acrescentou Maduro.

Embora o desejo da Venezuela ainda deva ser avaliado pelos países do BRICS, Ytriago enfatizou que seria uma oportunidade para reinserir Caracas em "espaços onde era natural e que agora necessita para aliviar as cargas que pesam em matéria econômica".

"É uma grande comunidade, pode significar um grande mercado, inclusive na disposição que há para superar o dólar como moeda de troca econômica", enfatizou Ytriago, especialista em Direito e Política Internacional da Universidade Central da Venezuela.

O analista destacou a contribuição que a incorporação da Venezuela significaria para o "multilateralismo", consolidando "uma nova comunidade" que, "embora reconheça os erros ocorridos no sistema internacional, também dá a entender que todos os atores têm, de algum modo, capacidades exportáveis e aproveitáveis por todos os membros".

Nesse sentido, Ytriago destacou o crescimento do BRICS, organização que no dia 1º de junho se reunirá na Cidade do Cabo para começar a estudar o ingresso de países que pretendem se incorporar, como Argentina, Arábia Saudita, Argélia, Egito, Indonésia, Irã, Turquia, entre outros.

"Uma quantidade de países importantíssimos estão ali e esta adesão te fala de um grande fórum multilateral com vista a ser de projeção econômica", valorizou o analista venezuelano.

Com a liderança do Brasil e a possibilidade da adesão da Argentina, Ytriago disse que o BRICS pode se tornar muito mais relevante na América Latina.

"Tudo isso garantirá um fluxo comercial e econômico e estabilidade social, se aproveitarmos."

Para o especialista, o BRICS "será determinante para a inserção venezuelana em grandes projetos que estão sendo realizados, como a inserção na Nova Rota da Seda da China, o 'colar de pérolas' que também faz parte desses grandes projetos da Ásia e da zona do Indo-Pacífico, assim como a África".

Ytriago lembrou que o país governado por Maduro tem que "fazer um esforço para reabilitar a indústria petroleira", talvez sua carta forte no novo bloco. Mas, além disso, incorporar-se também pode ajudar o país sul-americano a melhorar áreas como o investimento e o gasto público, a infraestrutura, a saúde ou a educação.

 

Fonte: BBC News Brasil/Sputnik Brasil

 

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