quarta-feira, 31 de maio de 2023

Lula recupera integração regional em momento 'transcendental' para América do Sul

A convocação de Lula aos ex-membros da Unasul é "transcendental" para reviver "uma rota de integração que foi desmantelada", disse o sociólogo colombiano Javier Calderón à Sputnik. O analista Daniel Prieto destacou que uma mudança de posição em relação à Venezuela é fundamental para a nova agenda.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o anfitrião da cúpula de presidentes sul-americanos no Palácio Itamaraty que começou em 30 de maio.

Além de Lula, dez chefes de Estado dos 12 países que compuseram a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) participam da reunião regional:

Alberto Fernández (Argentina);

Gustavo Petro (Colômbia);

Gabriel Boric (Chile);

Luis Lacalle Pou (Uruguai);

Mario Abdo Benítez (Paraguai);

Luis Arce (Bolívia);

Nicolás Maduro (Venezuela);

Guillermo Lasso (Equador);

Irfaan Ali (Guiana);

Chan Santokhi (Suriname).

No caso do Peru, em vez da presidente Dina Boluarte, o chefe do Conselho de Ministros, Alberto Otárola, está presente.

Em um diálogo com a Sputnik, o sociólogo colombiano e pesquisador do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag), Javier Calderón, disse que o fato de os presidentes sul-americanos se reunirem após quase uma década de "suspensão ou enfraquecimento da Unasul" é um "evento importante e transcendental para a região".

Para Calderón, a região pode esperar uma mensagem de unidade e "de restabelecimento de um caminho de integração que foi dissolvido" após a presidência de Dilma Rousseff (2011-2016).

O especialista considerou que "uma agenda prática" também pode ser definida em termos de integração, algo em que Gustavo Petro, Alberto Fernández e o próprio Lula insistiram.

Apesar do fato de que a convocação de Lula serve para "recuperar" os acordos mantidos na Unasul, o sociólogo enfatizou a necessidade de que a reunião sirva para "corrigir as dificuldades que originaram sua própria fraqueza".

"Os países que vão se reunir terão de discutir a necessidade de construir uma Unasul blindada" e "criar mecanismos institucionais que impeçam que se destrua ou desmantele rapidamente ante eventuais mudanças de governo", analisou.

Por outro lado, o cientista político colombiano radicado no Brasil, Daniel Prieto, disse à Sputnik que a reunião será mais flexível e não tão protocolar, de modo que se poderia esperar "um horizonte de novas reuniões, das quais surja um modelo oficial de tomada de decisões em que todos os Estados-membros participem como um bloco, seja como parte da Unasul ou com o nome que decidam dar a ela".

·         Brasil: protagonista regional e internacional

A reunião regional ocorre em meio ao crescente protagonismo do Brasil na esfera regional e internacional. Lula da Silva foi o único representante da América do Sul a participar como convidado da cúpula de líderes do Grupo dos Sete (G7) no Japão.

Meses atrás, o Brasil retornou à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), depois que o governo de Jair Bolsonaro (2019-2023) retirou o país do fórum em 2020.

Por sua vez, o Rio de Janeiro sediará a próxima cúpula de chefes de Estado do G20 em 2024 e a cidade de Belém sediará a 30ª edição da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a primeira reunião dessa magnitude a ser realizada no país.

"A política externa de Lula é reposicionar o Brasil nas áreas de concertação global, seja de tipo global", disse Prieto, acrescentando que o Brasília "aproveita a incidência política que está tendo com a abertura de suas relações diplomáticas".

·         Venezuela e maior abertura na região

A participação no evento do presidente venezuelano Nicolás Maduro, que não compareceu à reunião da CELAC em Buenos Aires, envia uma mensagem à região, diz Prieto.

Ele atribuiu a inclusão da Venezuela a uma mudança na política externa da Colômbia e do Brasil, que optaram por "uma política de integração regional que não estivesse ideologicamente alinhada com suas agendas domésticas".

A estratégia adotada é contrária às políticas promovidas durante os governos do argentino Mauricio Macri (2015-2019), do colombiano Iván Duque (2018-2022) e de Bolsonaro, que "optaram por apelar para suas políticas domésticas e fechar as portas para a integração sul-americana", disse o cientista político.

O sociólogo também garantiu que, se o bloco de países da Unasul for reconstruído, a região "poderia enviar uma mensagem aos Estados Unidos e à União Europeia para desbloquear as negociações entre a oposição venezuelana e o governo de Nicolás Maduro".

·         Infraestrutura de energia da região e paz estão em cima da mesa

A reunião busca reativar a cooperação sul-americana em áreas-chave como saúde, mudanças climáticas, defesa, luta contra transnacionais ilegais, infraestrutura e energia, de acordo com uma declaração do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Portanto, é possível esperar que se abordem os "projetos de infraestrutura transnacionais, principalmente nos setores de hidrocarbonetos e o setor elétrico, fundamentais para a região, segundo Prieto.

O analista também observou que o presidente Lula "busca fundos econômicos e financeiros para adaptação climática", bem como para "resposta a riscos de desastres".

Na visão de Prieto, e de acordo com a postura que adotou desde o início de seu mandato, Lula trabalhará na reunião regional sobre a promoção da paz e insistirá na criação de um órgão mediador de conflitos internacionais, no qual haveria um lugar de destaque não só para o Brasil, mas também para toda a América do Sul.

 

Ø  O que é a moeda comum que Lula defende e por que isso não seria o fim do real

 

Nesta terça-feira (30/05), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a falar sobre a possibilidade da criação de uma "unidade de referência comum para o comércio", uma espécie de "moeda comum" dos países sul-americanos.

Sem detalhar a proposta, Lula falou sobre o assunto durante a reunião da cúpula dos países da América do Sul, que acontece em Brasília nesta semana. Em seu pronunciamento, o presidente comentou sobre a necessidade de união entre os países da região.

"Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para as próximas gerações", afirmou.

A possibilidade de criação de uma moeda comum de Brasil e Argentina para transações comerciais surgiu durante a visita do presidente Lula ao país vizinho — a sua primeira viagem internacional desde que tomou posse.

Na época, Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, publicaram uma carta conjunta sobre o assunto. "Decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum, que possa ser usada tanto para os fluxos financeiros como comerciais, reduzindo os custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa", dizia a carta.

Em discurso durante aquele encontro, Lula reforçou a ideia: "Por que não tentar criar uma moeda comum como se tentou entre os países dos Brics? Acho que, com o tempo, isso vai acontecer. E acho que é necessário que aconteça."

Na época, muitas pessoas ao saber da notícia entenderam que Brasil e Argentina poderiam criar algo como o euro — uma moeda única entre as duas maiores economias da América do Sul que substituiria tanto o peso argentino como o real brasileiro.

Na época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desmentiu a notícia.

A moeda comum que os dois países estudam criar no futuro serviria apenas para facilitar transações comerciais sem a necessidade de recorrer ao dólar. Ela seria muito diferente do euro — que é uma moeda única que substituiu moedas nacionais em 20 dos 27 países da União Europeia.

Na verdade, a proposta em estudo entre Brasil e Argentina mais parece uma moeda virtual — que não substituiria as moedas nacionais.

·         Moeda 'comum'

O dólar americano é hoje fundamental para a maioria das operações financeiras e comerciais no mundo. A moeda foi adotada como a reserva global de valor em 1944, dentro do Acordo de Bretton Woods.

Isso significa que muitos bancos centrais no mundo todo mantém parte da riqueza de seus governos em dólares. A cotação das moedas nacionais em relação ao dólar é fundamental para determinar o poder econômico de cada país.

Ao longo dos anos, houve esforços para se abandonar o dólar como principal moeda mundial. A China promove tratados bilaterais com diversos países para que as trocas comerciais sejam realizadas em iuan e na moeda nacional do país.

Em abril do ano passado, Haddad havia publicado junto com o economista Gabriel Galípolo, hoje diretor de política monetária do Banco Central, um artigo no jornal Folha de S. Paulo em que propunha uma moeda comum não só para Brasil e Argentina como para toda a América do Sul.

Haddad e Galípolo defenderam que a criação da moeda poderia ajudar países a protegerem sua soberania de possíveis sanções impostas por potências estrangeiras, sobretudo dos EUA, que estão no "topo da hierarquia mundial", por terem o privilégio de poder emitir a moeda internacional.

"Os EUA e a Europa se valeram do poder de suas moedas para impor severas sanções contra a Rússia, confiscando reservas internacionais e excluindo-a do sistema de pagamentos internacionais (Swift)", escreveram.

"A utilização do poder da moeda em âmbito internacional renova o debate sobre sua relação com a soberania e a capacidade de autodeterminação dos povos, em especial para países com moedas consideradas não conversíveis. Por não serem aceitas como meio de pagamento e reserva de valor no mercado internacional, seus gestores estão mais sujeitos às limitações impostas pela volatilidade do mercado financeiro internacional."

No artigo, eles reconhecem que criar uma moeda como o euro seria difícil dada as "heterogeneidades estruturais e macroeconômicas" dos países sul-americanos.

No caso de Brasil e Argentina, as economias vivem realidades completamente distintas — o Brasil possui inflação anual na casa de dois dígitos enquanto na Argentina os preços praticamente dobraram em 2022.

Segundo a proposta, a nova moeda seria usada para fluxos comerciais e financeiros entre países da região — mas Haddad e Galípolo deixam claro que todos os países teriam liberdade para adotá-la domesticamente ou manter suas moedas. Ou seja, tanto Brasil como Argentina poderiam manter o real e o peso, respectivamente.

Eles propõem a criação de um Banco Central Sul-Americano que seria responsável pela emissão da moeda. Esse banco central seria criado com contribuições de cada governo, que seriam proporcionais às suas participações no comércio regional.

"A capitalização seria feita com reservas internacionais dos países e/ou com uma taxa sobre as exportações dos países para fora da região. A nova moeda poderia ser utilizada tanto para fluxos comerciais quanto financeiros entre países da região."

Eles citam a "experiência monetária brasileira com o êxito da URV", em referência à Unidade Real de Valor, que foi usada como moeda de transição para implementação do real.

O artigo foi escrito pelos autores em abril de 2022, meses antes da eleição de Lula e a indicação de Haddad para o ministério da Fazenda.

Ao chegar em Buenos Aires, Haddad disse a jornalistas, segundo o jornal Valor Econômico: "Estive com ele [Massa] mais de uma vez conversando e ele está querendo incrementar o comércio que está caindo muito. [A situação do comércio] está muito ruim, e o problema é exatamente a divisa, né? Isso que a gente está quebrando a cabeça para encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente incrementar o comércio porque a Argentina é um dos países que compram manufaturados do Brasil e a nossa exportação pra cá está caindo."

 

Ø  'Encontro entre Lula e Maduro foi um golpe na estratégia de isolamento dos EUA', diz mídia americana

 

Já a mídia chinesa exaltou a reunião entre os líderes, dando atenção à declaração de Lula sobre ser "pessoalmente favorável" à entrada da Venezuela no BRICS e ao possível pagamento da dívida venezuelana com Brasil usando yuans.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou ontem (29) com seu homólogo venezuelano, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto e a visita do chefe de Estado venezuelano ao Brasil foi repercutida em diversas mídias no exterior.

Para os americanos da Bloomberg, o encontro entre os líderes marcou "um golpe na estratégia de isolamento da Venezuela por parte dos Estados Unidos", uma vez que o encontro Lula-Maduro colabora para volta de Caracas ao cenário geopolítico.

De todas as declarações concedidas por Lula durante a entrevista coletiva com Maduro ontem (29), a Bloomberg ecoou uma única frase: "É inexplicável que um país tenha 900 sanções porque outro país não gosta", quando o mandatário brasileiro se referiu a Washington.

A mídia também destacou o fato que, não só o Brasil, mas também outras nações da América Latina estão "reabilitando" a Venezuela para sair do isolamento imposto pelas sanções norte-americanas.

Como exemplo, a agência cita o líder colombiano, Gustavo Petro, que no ano passado reabriu oficialmente a fronteira de seu país com a Venezuela após sete anos fechada. Ao mesmo tempo, a nomeação do novo embaixador pelo governo de Gabriel Boric no Chile, depois que o cargo ficou vazio desde 2018.

O presidente colombiano Gustavo Petro (E) e o ministro venezuelano dos

Já a mídia chinesa, como a Quancha, narrou o encontro entre os líderes dando atenção à declaração de Lula sobre ser "pessoalmente favorável a entrada da Venezuela no BRICS". A agência de notícias relembrou que, e em abril, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, disse que Pequim apoia a promoção do processo de expansão do BRICS por meio de discussões com os países-membros.

O portal chinês QQ, da Tecent, escreveu sobre a retomada da parceria energética entre Brasil e Venezuela e a procura de Caracas para resolver a questão da dívida com o BNDES brasileiro, destacando a possibilidade de o pagamento ser feito em yuan e não dólar.

Maduro, assim como vários outros chefes de Estado da América do Sul, chegaram ao Brasil nos últimos dias para a cúpula proposta pelo governo brasileiro para promover o diálogo "franco" entre todos os países, identificando "denominadores comuns", discutindo perspectivas para a região e "reativando a agenda de cooperação sul-americana em áreas-chave", segundo o Itamaraty.

 

Fonte: Sputnik Brasil/ BBC News Brasil e BBC News Mundo

 

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