quinta-feira, 30 de março de 2023

O dilema da produção de orgânicos no Brasil

Maçãs suculentas, goiabas e laranjas: são somente três dos 45 tipos de frutas que Jairo de Souza Rios cultiva em suas terras no interior da Bahia. Sua fazenda de 3,6 hectares se assemelha a um pequeno paraíso para os amantes de frutas orgânicas.

Mas, para o pequeno produtor rural, sua produção se traduz em trabalho pesado e de baixo rendimento, mesmo possuindo o certificado Fairtrade, que atesta um comércio justo assegurando determinados padrões de produção que respeitam normas sociais, ambientais e econômicas.

Há 13 anos, Rios possui o certificado que promete preços justos para agricultores e uma cadeia produtiva completamente rastreada. "Ultimamente, o preço deixou de ser justo", diz o agricultor, de 39 anos, que vive com sua esposa Evelyn, com quem deseja ter filhos.

Segundo Rios, sobra pouco dinheiro para viver. No entanto, para ele, a produção orgânica é importante, mas quase não compensa devido ao preço pago pela laranja orgânica, que é minimamente superior ao da fruta produzida de maneira convencional.

•        Cooperativa quer preços mais justos

Rios e outros 79 agricultores fazem parte da Coopealnor, uma cooperativa de pequeno porte. Eles plantam laranjas, que são processadas em suco concentrado na cooperativa em parceria com a empresa Tropfruit. O produto é vendido, entre outros, para a Europa através da Gepa, a maior organização europeia de comércio alternativo.

Os agricultores decidem se querem cultivar da maneira orgânica ou convencional. A Gepa compra as duas variedades, pagando 2.315 dólares (cerca de R$ 11,9 mil reais) por tonelada de suco de laranja concentrado convencional e 3.900 dólares (cerca de R$ 20,1 mil reais) por tonelada de orgânico. O dinheiro é dividido entre os produtores.

Os agricultores orgânicos ganham mais dinheiro do que os convencionais, mas, segundo Rios, essa diferença não compensa. "O que me custa 20 ou 30 dias de trabalho como produtor orgânico, custaria menos do que um dia de trabalho como produtor convencional", afirma. Ele possui um trator, mas, para a produção orgânica, a maior parte do trabalho precisa ser feita com as mãos.

•        Baixa produção orgânica

A fazenda de Nelson Borges da Cruz fica a poucos minutos da propriedade de Rios. O agricultor de 75 anos diz que não consegue viver com o que recebe pela venda de laranjas orgânicas certificadas com o Fairtrade. "O dinheiro que eu recebo dá apenas para manter a fazenda", afirma. Ele conta que necessita da aposentadoria para sobreviver.

A propriedade de Cruz tem 3,5 hectares, mas sua produção é bastante reduzida, também pelo fato de ser uma fazenda antiga. O cultivo convencional poderia ajudar a aumentar a colheita. Ele, porém, é um entusiasta da produção orgânica e se recusa a usar pesticidas.

"Quando ando pela minha plantação, não tenho medo de contaminação. Posso comer laranjas, jacas e cocos", relata Cruz. "Ajudamos com nossas frutas a deixar todo mundo mais saudável."

•        Aumento de até 80% nos custos de produção

Não muito longe das duas fazendas está a sede da cooperativa, onde milhares de laranjas são selecionadas por pessoas e máquinas. O coordenador administrativo Aldo Souza mantem contato direto com a Gepa, cuja sede fica em Wuppertal, na Alemanha.

A princípio, Souza se diz satisfeito com a certificação, mas passou a exigir que a empresa Fairtrade pague um valor maior aos agricultores. "O preço mínimo é baixo demais para nós, porque os custos de produção aumentaram. Com o preço que recebemos hoje, a renda das nossas famílias diminuiu. Precisamos de uma compensação para melhorar isso."

Com a guerra na Ucrânia e a inflação, a taxa de câmbio do dólar caiu significativamente. As despesas com as quais os agricultores devem arcar antes da produção efetiva aumentaram em até 80%, relata Souza. Atualmente, os agricultores com propriedades menores não conseguem se sustentar com os preços pagos pelo Fairtrade.

Souza conta que alguns agricultores tiveram que procurar outro trabalho para conseguirem sobreviver. Ele conta ainda que há um êxodo rural entre as crianças em razão das dificuldades de subsistência na região.

•        Gepa deixará de comprar suco concentrado

A DW entrou em contato com a Gepa para questionar a empresa sobre as alegações dos agricultores. A organização diz que nada impede um reajuste dos preços, e que isso será negociado juntamente com a cooperativa para a partir de 2024.

De acordo a Gepa, não será mais adquirido o suco de laranja concentrado de pequenos produtores em 2023. "Infelizmente, não poderemos comprar da Coopealnor neste ano devido à uma queda nas vendas. O motivo é que, nos últimos anos, devido à pandemia, não pudemos vender tanto suco e refrigerante. O suco de laranja concentrado ainda está nos estoques", escreveu a empresa.

A cooperativa disse à DW que já havia sido informada pela Gepa sobre a suspensão da compra neste ano em 2022. Justamente por isso, o grupo saiu em busca de novos compradores.

Nesse meio tempo, os agricultores Nelson Borges da Cruz e Jairo de Souza Rios continuarão lutando para sobreviver. Cruz sabe muito bem o deseja para o futuro: "Quero produzir mais e ganhar mais dinheiro. Quero uma vida melhor para mim e para minha família."

 

       Produtores orgânicos da Alemanha estão no limite

 

No início de janeiro desta ano, a atenção da imprensa alemã se voltou para Lützerath, um vilarejo no oeste da Alemanha que se tornou um ímã de ativistas do clima e símbolo da luta por um futuro menos poluente. Além de figuras conhecidas, como a ativista sueca Greta Thunberg, o agroprodutor orgânico Bernd Schmitz também fez parte dos que protestavam contra a demolição do vilarejo para extração mineral.

O criador de gado alerta, porém, para uma questão que quase se perdeu no acalorado debate sobre Lützerath: não se trata apenas dos esforços da Alemanha por mais proteção climática, mas também da reviravolta agrícola no país. Ou seja, não se preocupar apenas com o carvão abaixo do solo, mas também com o que está na superfície.

"Como pode ser que produzamos produtos sem sentido para os quais gastamos muita energia e, ao mesmo tempo, a nossa base alimentar é esgotada? E como fazer quando nós, como agricultores, somos obrigados a não emitir carbono, enquanto em Lützerath milhões de toneladas de CO2 serão lançadas na atmosfera?"

•        Cada vez mais agricultores desistem

Há alguns anos, talvez apenas alguns agricultores na Alemanha fizessem tais questionamentos, mas hoje a realidade é outra, e muitos estão no limite. A cada dia, seis propriedades agrícolas encerram suas atividades na Alemanha, principalmente por causa da explosão dos custos de produção. Atualmente, há 256 mil delas, mas a tendência é descendente. Para dar uma ideia: em 2005 havia quase 400 mil fazendas na Alemanha.

A administrada por Schmitz apareceu pela primeira vez em documentos oficiais em 1850, e já passa pela quinta geração da família. Ela é agora a menor da região, todas as outras propriedades menores desistiram de produzir.

Questionado sobre quantos anos mais iguais a 2022 seu negócio poderia aguentar, ele desabafa: "Um ano. Gastei 50% a mais do que no ano anterior apenas com combustível e eletricidade. Não podemos compensar isso no longo prazo. Minhas filhas querem assumir a fazenda, mas temos que pensar se ela ainda tem futuro.”

E ainda há a questão das mudanças climáticas. Devido à seca, Schmitz teve que reduzir o número de vacas para 35: suas pastagens não forneciam mais comida suficiente para todo o gado. Um círculo vicioso: sem chuva a grama não cresce, e os rendimentos também caem com a diminuição no número de animais. "Nos últimos anos, chegou a ficar sem chover durante três meses", conta Schmitz.

•        Falha na conversão para a agricultura orgânica

Um em cada oito produtores da Alemanha aposta na agricultura orgânica. Porém, os atuais 35 mil agricultores orgânicos têm sido particularmente afetados pela inflação recorde decorrente da invasão russa à Ucrânia. E em 2022, pela primeira vez em sua história, o mercado de orgânicos sofreu uma queda no faturamento. Segundo a Associação Alemã de Agricultores, no fim de outubro as vendas caíram 4,1%.

Vendas de produtos orgânicos diminuem na AlemanhaFoto: picture-alliance/dpa

Até 2030, o governo federal quer elevar a participação da agricultura orgânica para 30% da produção nacional. Muitos especialistas consideram esse ambicioso plano uma meta ilusória. Se por um lado há a mudança no comportamento do consumidor, por outro se vê uma transformação lenta das áreas cultivadas e, por fim, a falta de apoio político.

Bernd Schmitz critica: "Se a sociedade quer uma mudança, então tem que haver financiamento. Isso inclui também o ministro das Finanças, que barateia a gasolina, mas ao mesmo tempo não fornece apoio financeiro adequado para o bem-estar animal. Se isso não acontecer, não haverá uma conversão para a agricultura orgânica.”

•        Menos consumo de carne, porém mais importações?

Também há críticas aos acordos de livre comércio. Uma aliança da União Europeia com os países do Mercosul pode ser firmada ainda em 2023, e uma nova tentativa do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os Estados Unidos também parece possível com a guerra na Ucrânia.

Para Schmitz, já basta o acordo Ceta, com o Canadá: "Queremos que se consuma menos carne na Alemanha para proteger o clima e, ao mesmo tempo, ratificam um tratado que permite a importação de 60 mil toneladas de carne bovina do Canadá?"

O agroprodutor também faz parte do movimento Wir Haben Es Satt (Estamos fartos), que desde 2011 protesta por uma reviravolta ecológica no setor agrícola da Alemanha. "Exigimos uma mudança na política agrícola que não apenas recompense o crescimento, mas também a produção de qualidade", reforça Bernd Schmitz.

 

       As muitas maneiras de tornar a agricultura mais verde

 

A placa pendurada no portão promete "Batatas – saudáveis e deliciosas". O slogan, ao qual caberia adicionar a palavra "rara", está alinhado à filosofia de Cornel Lindemann-Berk de qualidade na frente da quantidade. "Não temos chuva suficiente no verão. E como não queremos regá-las, transformamos essa fraqueza numa força."

Os rendimentos são 50% inferiores ao que poderiam ter sido, mas mesmo as variedades raras como Bergerac ou Bamberg não são compostas por muita água. Clientes de toda a região vão à loja da fazenda para comprar essas batatas conhecidas por seu sabor rico e alto conteúdo mineral.

Quem veio no verão passado também viu as faixas de flores coloridas à beira dos campos de Lindemann-Berk. Suas misturas de brilhantes papoulas vermelhas, escovinhas e margaridas selvagens atraíram ao local uma abundância de insetos. "O número de espécies de plantas aumentou, e as de insetos quadruplicaram", afirmou o agrônomo.

Os cientistas começaram a documentar o crescimento das flores após realizar plantios direcionados para insetos e pássaros. Aqui os animais podem encontrar comida e néctar, como também um local seguro para se reproduzir.

Essa empresa familiar na região da Renânia, na Alemanha, é uma das dez fazendas do país que participam de um projeto para testar e implementar medidas de conservação práticas e economicamente viáveis, paralelamente à agricultura tradicional.

Ao participar do projeto conhecido como Future Resources, Agriculture & Nature Conservation (F.R.A.N.Z. – Recursos Futuros, Agricultura e Conservação da Natureza), que se estende de 2017 a 2027, Lindemann-Berk está a caminho de se tornar um agricultor orgânico.

"Como parte deste projeto, não usamos adubo líquido nem produtos fitossanitários. Às vezes a produção é zero, porque ervas daninhas como cardos e bardanas são avassaladoras aqui." Para cada planta cultivada, cerca de 30 ervas e gramíneas indesejadas também despontam da terra.

•        Opção pela diversidade

Deste modo, há anos Lindemann-Berk vem sofrendo perdas de cereais e de colza. Mas ao assumir a fazenda Gut Neu-Hemmerich, três décadas atrás, ele converteu vários prédios abandonados em apartamentos e escritórios, e assim não depende apenas da agricultura para viver.

Ainda assim, para ele ainda é importante plantar uma diversidade de grãos, e não pratica monocultura, mas sim a rotação de culturas, como os fazendeiros faziam séculos atrás. Variar o que se cultiva a cada ano ajuda a regenerar o solo, ao mesmo tempo em que reduz doenças e pragas.

Como parte de outras experiências para o projeto F.R.A.N.Z., Lindemann-Berk plantou juntos milho e feijão verde. O feijão cresce sobre pés de milho e impede que a luz chegue ao solo, reduzindo assim significativamente o crescimento de ervas daninhas. Como o feijão é rico em proteínas e o milho contém amido, a mistura também pode ser usada para alimentar o gado.

Também foram introduzidas nos campos as chamadas "janelas de cotovias" – faixas retangulares em forma de janelas nas plantações, permitindo que a população de aves, fortemente dizimada, procrie tranquilamente no solo entre a densa plantação de cereais.

Ele só utiliza fertilizantes e pesticidas em caso de emergência, e mesmo assim em doses homeopáticas. "Fertilizante demais pode até causar a multiplicação de ervas daninhas indesejáveis. Nós calculamos as necessidades há mais de 40 anos. Usando amostras do solo, examinamos a quantidade de nutrientes no local e calculamos exatamente quanto fertilizante precisamos usar para obter um bom rendimento. Só então compramos o que precisamos."

Lindemann-Berk também prefere usar fertilizante orgânico feito com esterco. "É importado da Holanda, pois quase não há gado aqui nas proximidades", explica. Sua fazenda fornece grãos para o gado holandês, "então, por que não pegar de volta o estrume do animal?", pergunta, matreiro.

Os organismos do solo digerem o valioso fertilizante líquido e excretam minerais como nitrogênio, que as plantas absorvem pelas raízes. Essa mistura líquida para proteção de culturas pode ser aplicada a plantas problemáticas usando uma seringa com navegação por satélite e controle digital, uma medida particularmente eficaz após o pôr do sol.

Com a ajuda de sua própria estação meteorológica, dos dados coletados do solo e do serviço meteorológico, Lindemann-Berk pode fazer previsões para calcular o risco de ataque de fungos. Usando bactérias lácticas, ele conseguiu reduzir drasticamente o uso de fungicidas químicos. Mesmo assim, os pesticidas só devem ser usados se a planta não for capaz de se autoajudar.

Depois que a colheita é concluída, ele coleta novamente amostras do solo. "Até agora, as medições não mostraram resíduos de glifosato e seus produtos de decomposição dentro do grão", frisa.

Ele aponta para uma prateleira atrás dele, cheia de pastas, e explica que deve manter seus registros guardados por cinco anos. Embora os regulamentos sobre fertilizantes estejam sendo endurecidos há muitos anos – fazendo muitos fazendeiros desistirem da agricultura –, os impactos positivos não aparecerão nas águas subterrâneas antes de 30 anos.

•        Sabor e saúde ou beleza

As fazendas orgânicas só podem tratar suas plantas com preparados de cobre, que estimulam o crescimento e previnem contra fungos. Embora seja um metal pesado, os seres humanos precisam de cobre em pequenas doses, para ajudar na formação do sangue e apoiar o funcionamento do sistema nervoso.

"Fazemos tudo o que podemos para ser ecologicamente corretos, e fazemos o que as fazendas orgânicas fazem tão bem", afirma Lindemann-Berk. "Porque ninguém quer prejudicar o meio ambiente. Os agronegócios estão trabalhando nos mesmos lugares há séculos."

A prática sustentável é uma prioridade aqui. Mas para ser certificado como uma fazenda orgânica, ele precisaria arrancar as ervas daninhas à mão – como séculos atrás – e revolver regularmente o solo ao redor das plantas, para arrancar as raízes de ervas e gramíneas indesejadas.

"Ninguém quer fazer esse trabalho, nem mesmo os jovens estagiários", comenta. E, assim, o trabalho é deixado às máquinas, em tempos de agricultura industrial na Alemanha.

Lindemann-Berk dá a suas plantas muito espaço para crescer, o que lhes permite absorver nutrientes suficientes do solo e, por sua vez, resulta em terra bem arejada, menos suscetível a doenças fungais. Ele também pede aos clientes que prestam atenção excessiva à aparência de suas frutas e legumes para reconsiderarem suas prioridades.

"Se forneço a meus clientes maçãs dos pomares, saborosas e não tratadas, sempre haverá reclamações sobre algumas marcas nas frutas.". A quem quer produtos que sejam ao mesmo tempo orgânicos e impecáveis, o agricultar alerta: "São duas coisas que não combinam."

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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