quinta-feira, 30 de março de 2023

Historiadores explicam disputa de narrativas sobre ditadura militar

Passados 59 anos do golpe e da ditadura militar, ainda está presente na sociedade a chamada disputa de narrativas em torno do período.

Uma das questões é qual a real data do golpe: se o dia 31 de março ou 1º de abril. Para o professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis, essa é uma polêmica menor. Segundo ele, o início do golpe foi de fato no dia 31 de março.

"Na madrugada do dia 31, o general Mourão Filho dá início ao golpe armado pela deposição do João Goulart, e as esquerdas, ironicamente derrotadas, passaram a caracterizar o golpe como tendo sido vitorioso no dia 1º de abril. Como a gente sabe, o 1º de abril é o dia da mentira", argumenta.

Outra disputa presente até hoje é em relação ao termo golpe ou revolução. Daniel Reis reitera que foi um golpe a deposição de João Goulart em 1964, apesar de ter havido apoio de parcelas da sociedade civil a essa deposição, e que partidários do golpe renomearam o movimento como revolução por ela estar associada a coisas positivas na época.

"Golpe é todo aquele movimento que pela violência depõe um presidente da República. Ora, isso é objetivo. No Brasil, João Goulart (Jango) foi deposto por um movimento violento, que não provocou derramamento de sangue notável porque o presidente e as demais lideranças de esquerda resolveram se render sem luta”, explica.

Indo mais profundamente sobre a denominação do período, o professor também explicou porque o período da ditadura civil militar não pode ser considerado um período revolucionário.

“Essas modificações pela raiz, essas transformações designam o processo como revolucionário ou não. Houve revolução na Rússia, em Cuba, houve revolução francesa, americana... Porque ali houve transformações das políticas econômicas e culturais. Isso não houve no Brasil, embora o Brasil tivesse passado por um processo intenso de modernização. Foi uma modernização conservadora e autoritária”, opina.

•        Sociedade dividida

As pesquisas de opinião feitas à época pelo Ibope nas grandes cidades mostravam uma sociedade dividida. Se antes do golpe 42% consideravam bom e ótimo o governo de João Goulart e 30% regular, após a ação dos militares, pesquisa do Ibope em maio de 1964 revelou que 54% dos entrevistados aprovaram a deposição de Jango.

O motivo da população ter mudado de apoio a Jango para apoio ao golpe pode ter sido o forte sentimento de anticomunismo associado a João Goulart e que foi incentivado pela grande mídia e por adversários políticos. Nas pesquisas do Ibope, o comunismo era visto como ameaça por mais de 65% dos entrevistados. Mas o professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta, reitera o equívoco que era associar João Goulart ao comunismo ou socialismo.

“Muitas pessoas acreditaram que o Brasil estava em vias de se tornar um país comunista, o que estava muito longe de ser verdade. O presidente João Goulart não era um socialista, nem muito menos um comunista. Ele era um político trabalhista a favor de algumas reformas sociais, de salários melhores para os trabalhadores. Mas não era socialista, até porque ele era uma pessoa muito rica, um dos maiores fazendeiros do Brasil. Mas ainda assim, então, houve toda essa agitação em torno da ideia de que o Brasil corria um risco sério de se tornar uma nova Cuba na América Latina”, diz Daniel Reis.

E para quem quiser entender mais as discussões em torno do período, o historiador Rodrigo Patto publicou, em 2021, um livro que estuda mais a fundo todas as questões, chamado de Passados Presentes, o golpe de 1964 e a ditadura militar.

 

       1º de abril de 1964. Por Alberto Cantalice

 

O Golpe de 1964, desencadeado pelas forças armadas e por políticos conservadores, por obra do acaso, ocorreu no Dia da Mentira. Parecia de início para alguns que seria uma farsa passageira. Ledo engano, durou 21 anos. Erguendo o “espantalho” da ameaça comunista as vivandeiras de quartéis naquele período sombrio, também encasteladas nas principais redações de jornais, rádios e TVs, bradavam aos quatro ventos que era preciso pôr abaixo o governo legítimo de João Goulart.

A tragédia que se seguiu com cassações, aposentadorias compulsórias, prisões, exílios e mortes já está por demais escrita e documentada. Como rescaldo tenebroso do processo, restam a aparição dos corpos de dezenas de ativistas que sequestrados e mortos pelo porão, não tiveram suas famílias a devida elucidação.

O golpe, que começou com a participação do conservadorismo brasileiro e da quinta-coluna subordinada aos interesses estrangeiros, transmudou-se em ditadura eminentemente militar com a edição do famigerado Ato Institucional Nº 5. Nada mais do que o golpe dentro do golpe, em 13 de dezembro de1968.

Vindo de um círculo virtuoso no governo JK e da consagração de um plebiscito cujo resultado largamente majoritário dava ao governo João Goulart o apoio popular para as chamadas Reformas de Base, a interrupção do governo em 1964 legou ao país o atraso institucional, econômico e financeiro que até o presente não se conseguiu superar.

O retorno dos golpistas à frente dos quartéis, quase 60 anos depois, é o reflexo mais cristalino do caráter autoritário e anti-povo produzido pelo golpe militar de triste memória.

 A reconstrução do tecido social brasileiro pós golpe midiático-parlamentar de 2016 e da experiência trágica que foi o governo de ocupação do capitão Jair Bolsonaro exigirá das forças democráticas e progressistas um radical compromisso com a democracia.

 Só a plena democratização da sociedade permitirá que os setores populares se organizem e exijam os direitos básicos de cidadania. A dolorosa experiência do autoritarismo deve sempre servir de espelho para que não se esqueça.

Ditadura Nunca Mais!

 

       Eventos no 31 de março. Comandantes militares se calam enquanto clubes e associações organizam eventos comemorativos

 

As redes sociais dos militares das forças armadas e de civis militaristas andam bastante agitadas depois que anunciou-se que o ex-presidente Jair Bolsonaro voltaria para o Brasil nos próximos dias. Após algumas postagens em sites ligados aos militares, especula-se que o líder da direita pode comparecer ao Clube Militar do Rio de Janeiro para o evento que celebra o 31 de março.

Dentro das Forças Armadas já foi batido o martelo e não haverá nenhum tipo de ordem do dia ou comemorações relacionadas à revolução de 1964. O comandante do Exército, assim como o da Marinha e da Aeronáutica, não devem emitir qualquer comentário exaltando a data.

O Clube Militar do Rio de Janeiro é uma associação recreativa formada por militares da reserva, militares da ativa e civis que se associam a convite dos mesmos. Muitos militares de baixas graduações e até alguns oficiais que foram praças consideram o clube uma associação elitista, na medida em que não permite que suboficiais, subtenentes e sargentos, ainda que sejam militares de carreira, sejam admitidos como sócios.

O Clube Naval do Rio de Janeiro também está divulgando entre seus associados o convite para o evento que vai acontecer no Clube Militar.

Outras instituições, como a ACAPE -Associação de Componentes Ex-Componentes e Amigos da Polícia do Exército, também vão realizar eventos na data, não necessariamente especificados como em alusão ao 31 de março. A associação informa que No dia 31 de março de 2023, a Cia de comando da 1ª Divisão do Exército vai realizar uma formatura em homenagem aos veteranos da 1ª Cia PE, integrantes da ACAPE.

Segundo veiculado pelo site montedo.com, a associação de oficiais da reserva também vai realizar um evento no 31 de março.

 

       Há 55 anos, o assassinato de Edson Luis mobilizava o país contra a Ditadura Militar Fascista

 

No dia 28 de março de 1968, o estudante secundarista Edson Luís foi brutalmente assassinado pela polícia da Ditadura Militar Fascista. O jovem de 18 anos morreu durante uma manifestação enquanto reivindicava melhores condições para o restantaurante Calabouço, que funcionava enquanto um bandejão para os estudantes se alimentarem.

Edson Luís nasceu em Belém, no Pará, no dia 24 de fevereiro de 1950. Filho de uma família paraense, estudou na escola estadual Augusto Meira. Devido à falta de opções de ensino na sua região, mudou-se para o Rio de Janeiro para cursar o ensino médio no Instituto Cooperativo de Ensino.

O Calabouço foi fundado em 1951 na sede histórica da UNE, no bairro do Flamengo. Após um ano de aberto, foi transferido para as proximidades do aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio.

Durante o ascenso de manifestações da década de 60, o Calabouço tornou-se palco de inúmeros embates estudantis relacionados à defesa da educação. Nele, estudantes travaram lutas contra o aumento do preço dos alimentos dos restaurantes estudantis. Após o golpe de 1964 lutaram contra o regime militar e as torturas, censuras e perseguições praticadas pelos covardes fascistas.

•        “Atira, já mandei atirar!”

Quando Edson Luis foi assassinato, o jovem tinha somente 18 anos. Ele era um dos 300 estudantes que jantavam no local. Carlos Alberto da Silva, testemunha que estava em uma banca de jornal próxima, afirmou que viu os policiais se dirigindo para o Calabouço e que ouviu a seguinte frase dos agentes: “Atira, já mandei atirar!”.

Os estudantes conseguiram resgatar o corpo de Edson Luís e o carregaram em passeata pelo centro do Rio até as escadarias da Assembleia Legislativa, na Cinelândia, onde seu corpo foi velado. O corpo de Edson Luís foi estendido no saguão do Assembleia, realizando uma denúncia contra os crimes violentos praticados pelos militares da Ditadura.

No mesmo dia, houve manifestações de protesto contra a ditadura e greve geral de estudantes em todo o país. Edson foi enterrado aos brados de “Mataram um estudante. Podia ser seu filho!”. “Bala mata fome?”, “Os velhos no poder, os jovens no caixão”.

•        Centenas de jovens foram assassinados durante a Ditadura

Após 55 anos, o dia 28 de março é lembrado e celebrado como o Dia Nacional de Luta dos Estudantes. O regime dos militares perseguiu, assassinou e torturou grande parte dos jovens que se rebelaram contra o sistema. Dessa forma, o dia 28 de março leva bandeiras como Memória, Verdade e Justiça.

É preciso honrar o legado de Edson Luís nas lutas contra a Reforma do Ensino Médio,  contra os cortes orçamentários na educação, pela criação e manutenção de bandejões estudantis, pelo passe livre e contra o genocídio da juventude e do povo negro.

Em homenagem a Edson Luís, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos compuseram a canção Menino. A letra diz: “Quem cala sobre teu corpo / Consente na tua morte / Talhada a ferro e fogo / Nas profundezas do corte / Que a bala riscou no peito“. Portanto, está mais que na ordem do dia não se calar sobre os crimes ocorridos nessa época do país. Punição para todos os responsáveis e cúmplices por este assassinato e pelo regime de terror que foi a Ditadura Militar Fascista.

 

       Ditadura militar: carcereiro da Casa da Morte deve responder por tortura e estupro, decide Justiça

 

Após recurso do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal reformou decisão que tinha absolvido o sargento reformado do Exército Antônio Waneir Pinheiro de Lima, que atuou na chamada Casa da Morte. Conhecido pelo apelido de Camarão, o sargento já havia se tornado réu por sequestro, cárcere privado e estupro da militante política Inês Etienne Romeu – única sobrevivente da Casa da Morte, localizada em Petrópolis (RJ). No entanto, após a defesa do réu, a denúncia foi rejeitada e ele, absolvido, sob o fundamento de que os fatos apontados como crime estavam protegidos pela anistia e pela prescrição.

Na nova decisão, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reconheceu que a conduta de Antônio Waneir não estaria abarcada pela Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) e determinou que a ação penal contra ele retome seu curso. O acórdão reforça o entendimento de que o Brasil, por ser signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, deve seguir a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que determinou que o país investigue e puna crimes contra a humanidade praticados pelos agentes estatais, não podendo considerar-se um obstáculo à investigação ou processo leis internas de anistia e prescrição, como é o caso dos autos.

Segundo o MPF, os crimes imputados ao militar foram comprovadamente cometidos contra Inês Etienne Romeu num contexto de ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira: “As torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados cometidos por agentes de Estado no âmbito da repressão política constituem graves violações a direitos humanos, para fins de incidência dos pontos resolutivos 3 e 9 da decisão, os quais excluem a validade de interpretações jurídicas que assegurem a impunidade de tais violações, afirmou o órgão, mencionando sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund contra Brasil.

•        Tortura

Inês Etienne Romeu foi sequestrada por militares na cidade de São Paulo e levada, em 8 de maio de 1971, para a chamada Casa da Morte, na região serrana do Rio de Janeiro. O local funcionava como um aparelho clandestino do Centro de Informações do Exército (CIE), onde militares torturavam presos políticos.

As investigações comprovaram que Antônio Waneir manteve Inês Etienne contra sua vontade dentro do centro ilegal de detenção, ameaçando-a de morte e utilizando recursos que tornaram impossível a defesa da vítima. O réu estuprou a vítima também durante o encarceramento. Sua condição levou-a a tentar tirar a própria vida por quatro vezes.

Após o período na Casa da Morte, Inês Etienne Romeu ainda foi presa em outros locais. Seu encarceramento somente terminou em agosto de 1979. O MPF ouviu a vítima em 2013, ocasião em que Inês Etienne Romeu reconheceu, pela primeira vez, a foto de Antonio Waneir como sendo o “Camarão” da Casa da Morte.

Em 2020, o sargento reformado e outros militares também foram denunciados pelo sequestro e tortura do advogado e militante político Paulo de Tarso Celestino da Silva, crimes igualmente cometidos na Casa da Morte.

Ação Penal – denúncia Inês Etienne Romeu – 0170716-17.2016.4.02.5106

Ação Penal – denúncia Paulo de Tarso – 5001249-13.2020.4.02.5106

Ação Civil Pública Paulo de Tarso – 5001770-21.2021.4.02.5106

 

       TCU deve aprovar devassa em sistema de controle de armas do Exército

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) fará uma devassa no sistema de controle de armas e munições do Exército brasileiro. A auditoria deve ser determinada já nesta quarta (29) pelo plenário da Corte. Ela abrangerá o período entre 2019 e 2022, quando Jair Bolsonaro (PL) governou o país.

Apurações realizadas pela corte de contas no ano passado apontam indícios graves de fragilidade na atuação do Exército como fiscalizador de clubes de tiro, lojas de armas e CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).

Segundo o TCU, há casos encontrados durante a fiscalização que se enquadram em crimes previstos no Estatuto do Desarmamento. Os documentos, no entanto, não permitem concluir se as possíveis irregularidades foram encaminhadas à polícia pelos militares.

O relatório elaborado por técnicos da corte de contas trouxe, ainda, duras críticas à falta de colaboração do Exército para atender às demandas da auditoria.

"As informações parciais prestadas corroboram o comportamento pouco colaborativo do órgão em relação às atuações deste tribunal, ao adotar postura reativa e não diligente no atendimento às demandas das equipes de auditoria, em ações legitimamente aprovadas pela corte de contas", dizia o relatório.

A demanda pela auditoria chegou à corte de contas por meio de um requerimento apresentado pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e aprovado pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.

O parlamentar afirmou haver indícios de descontrole do Exército Brasileiro. Ele listou, por exemplo, a revogação de portarias que tratavam sobre o rastreamento e a identificação de armas e munições sob o governo de Jair Bolsonaro —a todas elas foram dadas diferentes justificativas, o que levantou suspeitas de que as medidas tinham como objetivo atender a interesses de grupos armamentistas.

Valente ainda citou a redução de recursos financeiros e humanos destinados à fiscalização de lojas de produtos controlados, clubes de tiros e de empresas de segurança privada, a ocorrência de fraudes e a falta de detalhamento das armas registradas no sistema de controle, entre outros pontos.

"Diante da relevância do objeto proposto e tendo em vista que as fiscalizações já realizadas e as em execução não atendem integralmente os pontos trazidos pelo parlamentar, deve-se realizar a auditoria solicitada", diz um relatório técnico, em poder dos ministros do TCU.

 

Fonte: Agencia Brasil/Revista Sociedade Militar/PGR/A Verdade/FolhaPress

 

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