Desafios para a
reconstrução: a questão ambiental no Brasil
Segundo
relatório divulgado no dia 20 de fevereiro de 2023 pela empresa australiana
XDI, algumas zonas econômicas importantes para a economia global são altamente
vulneráveis a catástrofes naturais devido ao processo de aquecimento global;
entre os países apontados está o Brasil. O alerta foi reforçado ainda pelo
cientista brasileiro Carlos Nobre, referência mundial em mudanças climáticas,
em entrevista para o portal UOL, em 21 de fevereiro de 2023 [1]. Porém, a
temática ambiental parece só ganhar destaque na mídia brasileira após desastres
naturais como o que presenciamos no litoral norte de São Paulo, durante o
Carnaval; ou ainda, como no deslizamento de terra ocorrido em Manaus, no dia
13/03/2023. Pensando na lacuna que a temática representa na cobertura midiática
brasileira, elaboramos um texto com o objetivo de chamar a atenção para a
importância do debate sobre as mudanças climáticas. A primeira pergunta
importante que devemos abordar é: afinal, existe relação entre o desmatamento
dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia, o uso agrícola do solo e as
mudanças climáticas?
O
Brasil é um país detentor de muitos recursos naturais e a gestão política do
país influencia diretamente na forma como estes recursos são utilizados e
explorados, bem como quais as consequências ambientais e econômicas ocasionadas
por falhas neste processo de administração do governo federal sobre a pasta do
Meio Ambiente.
Nicholas
Georgescu–Roegen, matemático e economista romeno, já denunciava, desde a década
de 60, que não é possível dissociar e desconsiderar a natureza e os
ecossistemas, do processo e da busca por “avanço” econômico. Para o autor, isso
se deve pelo fato de que medir crescimento econômico com base apenas no consumo
total de bens e serviços (PIB), sem considerar nessa balança o quanto de
impacto ambiental foi gerado nestes processos de produção e qual o prejuízo
relacionado a isso, a exemplo da extinção da vida no planeta devido às mudanças
climáticas, é a mesma coisa que tampar o sol com a peneira [2]. A economia
praticada pela maioria das nações, em níveis distintos, ainda não considera os
elementos da natureza como sendo seus fatores limitantes.
Ao
transformarmos recursos naturais em consumo (bens e serviços), geramos resíduos
diversos, que não são reaproveitados pelo sistema produtivo. Além disso, tais
resíduos voltam para a natureza (matéria e energia), totalmente diferentes do
que foram extraídos, ou seja, sendo prejudiciais para o meio ambiente. O fato
apresentado torna impossível enxergarmos a economia como um sistema fechado,
isolado da natureza. É por isso que existem atualmente diversos estudos sobre a
teoria do decrescimento econômico como uma saída viável para a convivência
entre o homem e a natureza [3], assim como sempre pensaram e agiram alguns
povos originários, a exemplo da filosofia guarani Teko Porã, sobre o viver em
equilíbrio com a natureza.
Dito
isto, torna-se necessário refletir sobre quais são as preocupações ambientais
mundiais atuais e coletivas para, então, compararmos às medidas e ações
adotadas pelo governo bolsonarista.
A
comunidade científica mundial trata o estudo do tema ambiental como uma
necessidade para a continuidade da existência da vida humana e de outras
espécies no planeta, ao contrário do que se viu durante a gestão negacionista
de Bolsonaro que colocou a exploração capitalista acima dos interesses
ambientais. Especificamente sobre mudanças climáticas, a NASA (National
Aeronautics and Space Administration), agência do governo federal dos Estados
Unidos responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas
de exploração espacial, possui um site dedicado ao consenso científico sobre o
tema, com diversas fontes de pesquisa, como: sociedades científicas americanas,
declaração conjunta de academias internacionais, agências governamentais dos
EUA e órgãos intergovernamentais.
Os
holofotes em torno do aquecimento global existem porque um aumento de 2°C na
temperatura média terrestre acabaria sendo um grande problema, com diversas
consequências, como: temperaturas extremas em algumas regiões, secas, chuvas
fortes e enchentes, degelo em geleiras, elevação do nível do mar,
desaparecimento de espécies, modificações de ecossistemas terrestres e
marinhos, escassez de alimentos, aumento de morte por calor em áreas urbanas e,
por fim, perdas econômicas.
Em
virtude disto, as principais nações se reuniram através da Organização das
Nações Unidas (ONU) para criar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (UNFCCC), que é um tratado internacional resultante da
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92). Este tratado foi
assinado por quase todos os países do mundo e teve como objetivo inicial
discutir soluções e protocolos que permitissem diminuir a emissão de gases do
efeito estufa (GEE) na atmosfera para níveis que seguramente não afetassem o
clima, uma vez que são esses gases, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4)
e o óxido nitroso (N2O), os principais causadores do aquecimento global.
A
partir da Convenção acima citada, foi criada a Conferência das Partes (COP –
Conference of the Parties), que é uma conferência realizada anualmente, desde
1995, a qual reúne “As Parte” (países signatários do tratado supracitado –
UNFCCC) para avaliarem a situação das mudanças climáticas globais e proporem
medidas que atendam aos objetivos estabelecidos de contenção e mitigação
[7]. É possível destacar o último marco
ocorrido na COP 26 (2021), o Pacto de Glasgow, onde ficaram definidos alguns
pontos do Acordo de Paris (2015 – COP 21) e teve como objetivo impulsionar
ações que limitassem o aquecimento global a 1,5°C até 2050, além de reduzir
emissões de CO2 em 45% até 2030 e neutralizar até 2050, e acelerar a transição
energética para fontes limpas.
Estes
eventos da COP têm como base sólida de apoio técnico o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC – Intergovernmental Panel on
Climate Change) [6, 8], das Nações Unidas, instituído para discutir o “estado
da arte” na ciência relacionada às mudanças climáticas. O Sexto Relatório de
Avaliação do Grupo de Trabalho II do IPCC contou com a participação de 270 autores
de 67 países.
É
importante entender que não somente a produção industrial (bens, produtos,
energia, combustíveis etc.) e outras formas de geração direta dos gases de
efeito estufa lançados na atmosfera contribuem para o aquecimento global. O
desmatamento de florestas e manuseio e uso do solo, principalmente relacionado
a pecuária extensiva (pastagem), método mais utilizado no Brasil, são uns dos
principais vilões para o aquecimento global e mudanças climáticas. A explicação
simplificada é que como as florestas absorvem o dióxido de carbono (CO2), a sua
destruição também limita a capacidade da natureza em manter as emissões fora da
atmosfera. O desmatamento, assim como a agricultura e outras mudanças no uso da
terra, são responsáveis por cerca de um quarto (25%) das emissões globais de
gases do efeito estufa.
Sendo
assim, o Brasil é o protagonista no quesito ambiental global, diretamente
ligado a um dos problemas ambientais mais graves da história da humanidade e
sua conduta política nos posiciona positivamente ou negativamente perante as
relações com o resto do mundo. Durante a gestão Bolsonaro, a imagem do Brasil
ficou extremamente prejudicada internacionalmente.
Sobre
a política ambiental no governo Bolsonaro, podemos destacar alguns
acontecimentos, os quais devem ser encarados como desafios a serem enfrentados
na gestão Lula:
• Desmonte do Instituto Chico Mendes
(ICMBio), autarquia que cuida das unidades de conservação ambientais e centros
de pesquisas;
• Desmonte da FUNAI, bloqueio de
demarcações de terras indígenas e avanço da mineração Industrial e do garimpo
em terras indígenas. Sendo que quase a totalidade (93,7%) do garimpo do Brasil
concentra-se na Amazônia. No governo Bolsonaro, só nos seus 02 anos iniciais
(2019 e 2020) houve um aumento de 11.800 hectares de área ocupada pelo garimpo;
• Exoneração de servidores em órgãos
ambientais e diminuição da fiscalização ambiental;
• Impacto econômico, perda de
investimentos e fundos estrangeiros devido a conduta da política ambiental.
Desde notícias midiáticas a artigos científicos abordaram este tema, como
exemplo, um artigo da Nature, um dos periódicos científicos de maior relevância
do mundo, mostra que o Brasil pode perder mais de US$ 1 bilhão por ano em
produção agrícola se o desmatamento na Amazônia não for contido, já que o
regime de chuvas está diretamente ligado à manutenção da floresta;
• Desmatamento dos biomas brasileiros,
principalmente a Amazônia. Talvez este seja o maior desafio de todos, por isso
o devido destaque neste artigo, pois o desmatamento da maior floresta tropical
do mundo contribui demasiadamente para auxiliar no controle do aquecimento
global e suas mudanças climáticas.
Uma
pesquisa recente da Carbon Brief coloca o Brasil em quarto lugar no ranking
mundial de emissões cumulativas de CO2 desde 1850, quando se leva em conta não
somente dados de emissões de queima de combustível fóssil, mas também mudanças
no uso do solo e desmatamento das florestas, sendo, portanto, um dos maiores
responsáveis historicamente pelas mudanças climáticas globais. Ou seja, a
preservação das florestas e diminuição do desmatamento torna-se fundamental
para contribuir com a remoção do CO2 e diminuição de gases do efeito estufa.
O
SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa),
que produz estimativas anuais das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no
Brasil, que faz uso dos dados do IPCC, também considera em sua metodologia o
cálculo de emissão de gases do efeito estufa advindos de “Mudança do Uso da
Terra e Florestas”. Segundo o SEEG, durante os dois governos Lula, entre 2002 e
2010, houve uma redução de 70% de emissão de CO2 (em toneladas) devido à
diminuição do desmatamento e melhoras na gestão do uso da terra. Em
contrapartida, o governo Bolsonaro produziu um aumento de quase 40% de emissão
de CO2 relacionado ao desmatamento e uso da terra. Destaca-se que a metodologia
do SEEG foi publicada em 2018 na revista Nature, periódico científico de enorme
impacto e relevância mundial.
De
acordo com a Carbon Brief, a saída de Bolsonaro e posse do Lula pode gerar uma
queda de 89% no desmatamento da Amazônia na próxima década. O mesmo estudo
ressalta a queda de 74,8 % no desmatamento durante a gestão do Lula, entre 2002
e 2010, contrapondo um aumento de 73% no desmatamento da Amazônia durante o
governo Bolsonaro. Porém, a confirmação desta expectativa depende do
enfrentamento de todo o desmonte realizado pelo governo anterior em nossa
política ambiental. Certamente, o tamanho do desafio impedirá a melhora dos
índices a curto prazo, o que exigirá a compreensão da população sobre a
necessidade de buscarmos resultados sólidos a médio e longo prazo. É
fundamental a tomada de consciência de que a política ambiental deve ser uma
política de Estado, e não uma política de governo que possa ser desmantelada a
cada troca de partido no poder Executivo federal.
Portanto,
a gestão Bolsonaro não somente afetou os cidadãos brasileiros, numa escala
local, como país, mas também atrapalhou o enfrentamento do problema das
mudanças climáticas. Tal governo representou um retrocesso na luta pela
sobrevivência de todas as espécies no globo terrestre, assim como para a
preservação de futuras gerações da humanidade. A defesa da exploração
capitalista desenfreada da Amazônia e de atividades econômicas predatórias
demonstraram total desprezo com a temática ambiental, que constitui na
atualidade uma grande preocupação mundial, pois nossa sobrevivência enquanto
espécie depende do cuidado com o meio ambiente. Tal postura colocou o Brasil na
contramão do restante do mundo, retirando todo o protagonismo positivo que já
obtivemos internacionalmente devido a nossa política ambiental, antes admirada
e tida como uma referência para outros países. Neste sentido, o governo Lula
representa a esperança da reconstrução da política ambiental brasileira, após
um tenebroso período marcado pela irresponsabilidade, que ocasionou enormes
danos aos bens naturais existentes em nosso país. Porém, o enfrentamento da
questão climática exige também o engajamento da sociedade nas discussões sobre
o tema, o que poderia ser fomentado pela mídia, de maneira constante, e não
somente em episódios de catástrofes naturais, cada vez mais frequentes em nosso
país.
Noruega retoma doações para o Fundo
Amazônia a partir da redução no desmatamento
Em
visita ao Brasil nesta semana, o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Espen
Barth Eide, ao lado de sua colega brasileira, Marina Silva, reiterou as
intenções de seu país de seguir apoiando o Fundo Amazônia, do qual é o maior
financiador.
“Nós
vamos continuar esta cooperação. Então, com novos resultados, haverá novos
pagamentos. Mas resultados primeiro, depois pagamentos. Isto foi algo que
acordamos com o Brasil quando esta cooperação começou”, disse Eide ao g1 na
última 4ª feira (22/3). Pelas regras do fundo, os repasses dos doadores são
condicionados à taxa de redução de desmatamento apresentada em período
anterior.
As
doações estavam paradas desde 2019, primeiro ano da gestão do ex-presidente
Jair Bolsonaro – segundo o ministro norueguês, consequência de atos daquele
governo. “As decisões sobre como usar o dinheiro do fundo são brasileiras, mas
em 2019 o acordo institucional foi quebrado. Então, não foi nossa decisão; o
congelamento foi efeito de uma decisão de Bolsonaro”.
Lembrando:
no começo do governo passado, o Fundo Amazônia acabou congelado depois da
extinção de seu comitê de gestão, atingido pelo “revogaço” dos colegiados
participativos. Isso travou o processo decisório para liberação dos recursos
disponíveis. Outro problema foi a insistência da antiga gestão em mudar as
regras para utilização dos recursos sem alinhamento com os governos doadores.
Em
declaração conjunta, os dois ministros concordaram com a importância de uma
“operacionalização rápida dos recursos disponíveis no Fundo Amazônia para apoiar
as necessidades críticas identificadas pelo Brasil para reduzir o desmatamento
e promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo na região amazônica”. No
texto, a Noruega também se comprometeu a “apoiar os esforços do Brasil para
mobilizar recursos adicionais para o Fundo Amazônia”.
A
passagem de Eide por Brasília teve ampla repercussão na imprensa, com manchetes
na Agência Brasil, CartaCapital, epbr, Estadão, ((o)) eco, O Globo, Poder360,
UOL e Valor. Já o InfoAmazonia abordou como o Fundo Amazônia tem ajudado na
retomada da política externa brasileira na gestão do presidente Lula,
facilitando o diálogo com países interessados em apoiar o Brasil na proteção
ambiental e na ação climática.
Em
tempo:
A
proposta apresentada pela União Europeia para destravar o acordo comercial com
o Mercosul prevê que o Brasil assuma novos compromissos contra o desmatamento,
informou Jamil Chade no UOL. Segundo a reportagem, os europeus querem que o
país se comprometa com um corte de pelo menos 50% da taxa de desmatamento até
2025. Mesmo com a proposição, ambientalistas europeus seguem preocupados com os
efeitos do acordo sobre a situação da Amazônia e de outros biomas
sul-americanos e pressionam pelo fim do acordo.
Fonte:
Por Rafael Muraro Derrite e Diogo Comitre, no Observatório da
Imprensa/ClimaInfo
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