domingo, 26 de março de 2023

Desafios para a reconstrução: a questão ambiental no Brasil

Segundo relatório divulgado no dia 20 de fevereiro de 2023 pela empresa australiana XDI, algumas zonas econômicas importantes para a economia global são altamente vulneráveis a catástrofes naturais devido ao processo de aquecimento global; entre os países apontados está o Brasil. O alerta foi reforçado ainda pelo cientista brasileiro Carlos Nobre, referência mundial em mudanças climáticas, em entrevista para o portal UOL, em 21 de fevereiro de 2023 [1]. Porém, a temática ambiental parece só ganhar destaque na mídia brasileira após desastres naturais como o que presenciamos no litoral norte de São Paulo, durante o Carnaval; ou ainda, como no deslizamento de terra ocorrido em Manaus, no dia 13/03/2023. Pensando na lacuna que a temática representa na cobertura midiática brasileira, elaboramos um texto com o objetivo de chamar a atenção para a importância do debate sobre as mudanças climáticas. A primeira pergunta importante que devemos abordar é: afinal, existe relação entre o desmatamento dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia, o uso agrícola do solo e as mudanças climáticas?

O Brasil é um país detentor de muitos recursos naturais e a gestão política do país influencia diretamente na forma como estes recursos são utilizados e explorados, bem como quais as consequências ambientais e econômicas ocasionadas por falhas neste processo de administração do governo federal sobre a pasta do Meio Ambiente.

Nicholas Georgescu–Roegen, matemático e economista romeno, já denunciava, desde a década de 60, que não é possível dissociar e desconsiderar a natureza e os ecossistemas, do processo e da busca por “avanço” econômico. Para o autor, isso se deve pelo fato de que medir crescimento econômico com base apenas no consumo total de bens e serviços (PIB), sem considerar nessa balança o quanto de impacto ambiental foi gerado nestes processos de produção e qual o prejuízo relacionado a isso, a exemplo da extinção da vida no planeta devido às mudanças climáticas, é a mesma coisa que tampar o sol com a peneira [2]. A economia praticada pela maioria das nações, em níveis distintos, ainda não considera os elementos da natureza como sendo seus fatores limitantes.

Ao transformarmos recursos naturais em consumo (bens e serviços), geramos resíduos diversos, que não são reaproveitados pelo sistema produtivo. Além disso, tais resíduos voltam para a natureza (matéria e energia), totalmente diferentes do que foram extraídos, ou seja, sendo prejudiciais para o meio ambiente. O fato apresentado torna impossível enxergarmos a economia como um sistema fechado, isolado da natureza. É por isso que existem atualmente diversos estudos sobre a teoria do decrescimento econômico como uma saída viável para a convivência entre o homem e a natureza [3], assim como sempre pensaram e agiram alguns povos originários, a exemplo da filosofia guarani Teko Porã, sobre o viver em equilíbrio com a natureza.

Dito isto, torna-se necessário refletir sobre quais são as preocupações ambientais mundiais atuais e coletivas para, então, compararmos às medidas e ações adotadas pelo governo bolsonarista.

A comunidade científica mundial trata o estudo do tema ambiental como uma necessidade para a continuidade da existência da vida humana e de outras espécies no planeta, ao contrário do que se viu durante a gestão negacionista de Bolsonaro que colocou a exploração capitalista acima dos interesses ambientais. Especificamente sobre mudanças climáticas, a NASA (National Aeronautics and Space Administration), agência do governo federal dos Estados Unidos responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial, possui um site dedicado ao consenso científico sobre o tema, com diversas fontes de pesquisa, como: sociedades científicas americanas, declaração conjunta de academias internacionais, agências governamentais dos EUA e órgãos intergovernamentais.

Os holofotes em torno do aquecimento global existem porque um aumento de 2°C na temperatura média terrestre acabaria sendo um grande problema, com diversas consequências, como: temperaturas extremas em algumas regiões, secas, chuvas fortes e enchentes, degelo em geleiras, elevação do nível do mar, desaparecimento de espécies, modificações de ecossistemas terrestres e marinhos, escassez de alimentos, aumento de morte por calor em áreas urbanas e, por fim, perdas econômicas. 

Em virtude disto, as principais nações se reuniram através da Organização das Nações Unidas (ONU) para criar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que é um tratado internacional resultante da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92). Este tratado foi assinado por quase todos os países do mundo e teve como objetivo inicial discutir soluções e protocolos que permitissem diminuir a emissão de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera para níveis que seguramente não afetassem o clima, uma vez que são esses gases, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), os principais causadores do aquecimento global.

A partir da Convenção acima citada, foi criada a Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties), que é uma conferência realizada anualmente, desde 1995, a qual reúne “As Parte” (países signatários do tratado supracitado – UNFCCC) para avaliarem a situação das mudanças climáticas globais e proporem medidas que atendam aos objetivos estabelecidos de contenção e mitigação [7].  É possível destacar o último marco ocorrido na COP 26 (2021), o Pacto de Glasgow, onde ficaram definidos alguns pontos do Acordo de Paris (2015 – COP 21) e teve como objetivo impulsionar ações que limitassem o aquecimento global a 1,5°C até 2050, além de reduzir emissões de CO2 em 45% até 2030 e neutralizar até 2050, e acelerar a transição energética para fontes limpas.

Estes eventos da COP têm como base sólida de apoio técnico o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change) [6, 8], das Nações Unidas, instituído para discutir o “estado da arte” na ciência relacionada às mudanças climáticas. O Sexto Relatório de Avaliação do Grupo de Trabalho II do IPCC contou com a participação de 270 autores de 67 países.

É importante entender que não somente a produção industrial (bens, produtos, energia, combustíveis etc.) e outras formas de geração direta dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera contribuem para o aquecimento global. O desmatamento de florestas e manuseio e uso do solo, principalmente relacionado a pecuária extensiva (pastagem), método mais utilizado no Brasil, são uns dos principais vilões para o aquecimento global e mudanças climáticas. A explicação simplificada é que como as florestas absorvem o dióxido de carbono (CO2), a sua destruição também limita a capacidade da natureza em manter as emissões fora da atmosfera. O desmatamento, assim como a agricultura e outras mudanças no uso da terra, são responsáveis por cerca de um quarto (25%) das emissões globais de gases do efeito estufa.

Sendo assim, o Brasil é o protagonista no quesito ambiental global, diretamente ligado a um dos problemas ambientais mais graves da história da humanidade e sua conduta política nos posiciona positivamente ou negativamente perante as relações com o resto do mundo. Durante a gestão Bolsonaro, a imagem do Brasil ficou extremamente prejudicada internacionalmente.

Sobre a política ambiental no governo Bolsonaro, podemos destacar alguns acontecimentos, os quais devem ser encarados como desafios a serem enfrentados na gestão Lula:

•        Desmonte do Instituto Chico Mendes (ICMBio), autarquia que cuida das unidades de conservação ambientais e centros de pesquisas;

•        Desmonte da FUNAI, bloqueio de demarcações de terras indígenas e avanço da mineração Industrial e do garimpo em terras indígenas. Sendo que quase a totalidade (93,7%) do garimpo do Brasil concentra-se na Amazônia. No governo Bolsonaro, só nos seus 02 anos iniciais (2019 e 2020) houve um aumento de 11.800 hectares de área ocupada pelo garimpo;

•        Exoneração de servidores em órgãos ambientais e diminuição da fiscalização ambiental;

•        Impacto econômico, perda de investimentos e fundos estrangeiros devido a conduta da política ambiental. Desde notícias midiáticas a artigos científicos abordaram este tema, como exemplo, um artigo da Nature, um dos periódicos científicos de maior relevância do mundo, mostra que o Brasil pode perder mais de US$ 1 bilhão por ano em produção agrícola se o desmatamento na Amazônia não for contido, já que o regime de chuvas está diretamente ligado à manutenção da floresta;

•        Desmatamento dos biomas brasileiros, principalmente a Amazônia. Talvez este seja o maior desafio de todos, por isso o devido destaque neste artigo, pois o desmatamento da maior floresta tropical do mundo contribui demasiadamente para auxiliar no controle do aquecimento global e suas mudanças climáticas.

Uma pesquisa recente da Carbon Brief coloca o Brasil em quarto lugar no ranking mundial de emissões cumulativas de CO2 desde 1850, quando se leva em conta não somente dados de emissões de queima de combustível fóssil, mas também mudanças no uso do solo e desmatamento das florestas, sendo, portanto, um dos maiores responsáveis historicamente pelas mudanças climáticas globais. Ou seja, a preservação das florestas e diminuição do desmatamento torna-se fundamental para contribuir com a remoção do CO2 e diminuição de gases do efeito estufa.

O SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), que produz estimativas anuais das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil, que faz uso dos dados do IPCC, também considera em sua metodologia o cálculo de emissão de gases do efeito estufa advindos de “Mudança do Uso da Terra e Florestas”. Segundo o SEEG, durante os dois governos Lula, entre 2002 e 2010, houve uma redução de 70% de emissão de CO2 (em toneladas) devido à diminuição do desmatamento e melhoras na gestão do uso da terra. Em contrapartida, o governo Bolsonaro produziu um aumento de quase 40% de emissão de CO2 relacionado ao desmatamento e uso da terra. Destaca-se que a metodologia do SEEG foi publicada em 2018 na revista Nature, periódico científico de enorme impacto e relevância mundial.

De acordo com a Carbon Brief, a saída de Bolsonaro e posse do Lula pode gerar uma queda de 89% no desmatamento da Amazônia na próxima década. O mesmo estudo ressalta a queda de 74,8 % no desmatamento durante a gestão do Lula, entre 2002 e 2010, contrapondo um aumento de 73% no desmatamento da Amazônia durante o governo Bolsonaro. Porém, a confirmação desta expectativa depende do enfrentamento de todo o desmonte realizado pelo governo anterior em nossa política ambiental. Certamente, o tamanho do desafio impedirá a melhora dos índices a curto prazo, o que exigirá a compreensão da população sobre a necessidade de buscarmos resultados sólidos a médio e longo prazo. É fundamental a tomada de consciência de que a política ambiental deve ser uma política de Estado, e não uma política de governo que possa ser desmantelada a cada troca de partido no poder Executivo federal.

Portanto, a gestão Bolsonaro não somente afetou os cidadãos brasileiros, numa escala local, como país, mas também atrapalhou o enfrentamento do problema das mudanças climáticas. Tal governo representou um retrocesso na luta pela sobrevivência de todas as espécies no globo terrestre, assim como para a preservação de futuras gerações da humanidade. A defesa da exploração capitalista desenfreada da Amazônia e de atividades econômicas predatórias demonstraram total desprezo com a temática ambiental, que constitui na atualidade uma grande preocupação mundial, pois nossa sobrevivência enquanto espécie depende do cuidado com o meio ambiente. Tal postura colocou o Brasil na contramão do restante do mundo, retirando todo o protagonismo positivo que já obtivemos internacionalmente devido a nossa política ambiental, antes admirada e tida como uma referência para outros países. Neste sentido, o governo Lula representa a esperança da reconstrução da política ambiental brasileira, após um tenebroso período marcado pela irresponsabilidade, que ocasionou enormes danos aos bens naturais existentes em nosso país. Porém, o enfrentamento da questão climática exige também o engajamento da sociedade nas discussões sobre o tema, o que poderia ser fomentado pela mídia, de maneira constante, e não somente em episódios de catástrofes naturais, cada vez mais frequentes em nosso país.

 

       Noruega retoma doações para o Fundo Amazônia a partir da redução no desmatamento

 

Em visita ao Brasil nesta semana, o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, ao lado de sua colega brasileira, Marina Silva, reiterou as intenções de seu país de seguir apoiando o Fundo Amazônia, do qual é o maior financiador.

“Nós vamos continuar esta cooperação. Então, com novos resultados, haverá novos pagamentos. Mas resultados primeiro, depois pagamentos. Isto foi algo que acordamos com o Brasil quando esta cooperação começou”, disse Eide ao g1 na última 4ª feira (22/3). Pelas regras do fundo, os repasses dos doadores são condicionados à taxa de redução de desmatamento apresentada em período anterior.

As doações estavam paradas desde 2019, primeiro ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro – segundo o ministro norueguês, consequência de atos daquele governo. “As decisões sobre como usar o dinheiro do fundo são brasileiras, mas em 2019 o acordo institucional foi quebrado. Então, não foi nossa decisão; o congelamento foi efeito de uma decisão de Bolsonaro”.

Lembrando: no começo do governo passado, o Fundo Amazônia acabou congelado depois da extinção de seu comitê de gestão, atingido pelo “revogaço” dos colegiados participativos. Isso travou o processo decisório para liberação dos recursos disponíveis. Outro problema foi a insistência da antiga gestão em mudar as regras para utilização dos recursos sem alinhamento com os governos doadores.

Em declaração conjunta, os dois ministros concordaram com a importância de uma “operacionalização rápida dos recursos disponíveis no Fundo Amazônia para apoiar as necessidades críticas identificadas pelo Brasil para reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo na região amazônica”. No texto, a Noruega também se comprometeu a “apoiar os esforços do Brasil para mobilizar recursos adicionais para o Fundo Amazônia”.

A passagem de Eide por Brasília teve ampla repercussão na imprensa, com manchetes na Agência Brasil, CartaCapital, epbr, Estadão, ((o)) eco, O Globo, Poder360, UOL e Valor. Já o InfoAmazonia abordou como o Fundo Amazônia tem ajudado na retomada da política externa brasileira na gestão do presidente Lula, facilitando o diálogo com países interessados em apoiar o Brasil na proteção ambiental e na ação climática.

Em tempo:

A proposta apresentada pela União Europeia para destravar o acordo comercial com o Mercosul prevê que o Brasil assuma novos compromissos contra o desmatamento, informou Jamil Chade no UOL. Segundo a reportagem, os europeus querem que o país se comprometa com um corte de pelo menos 50% da taxa de desmatamento até 2025. Mesmo com a proposição, ambientalistas europeus seguem preocupados com os efeitos do acordo sobre a situação da Amazônia e de outros biomas sul-americanos e pressionam pelo fim do acordo.

 

Fonte: Por Rafael Muraro Derrite e Diogo Comitre, no Observatório da Imprensa/ClimaInfo

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário