segunda-feira, 21 de abril de 2025

Quais são os direitos das pessoas trans no Brasil? Semana foi marcada por polêmicas aqui, nos EUA e no Reino Unido

Desde o começo do ano, polêmicas envolvendo os direitos das pessoas transexuais e transgêneros reacenderam o debate sobre o tema no Brasil e no mundo.

•        No Reino Unido, a Suprema Corte decidiu nesta semana que mulheres trans não se enquadram na definição legal de mulheres segundo a legislação de igualdade do país. Ou seja, a definição deve se restringir ao "sexo biológico", definido no nascimento.

•        Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva com o mesmo teor no primeiro dia do novo mandato. O texto diz que gêneros não são mutáveis e baseiam-se em “realidade fundamental e incontestável”.

•        Por conta dessa medida de Trump, o governo americano concedeu nesta semana um visto de entrada à deputada federal brasileira Erika Hilton (PSOL-SP) considerando seu gênero como sendo masculino.

•        O Brasil tem duas parlamentares trans na Câmara dos Deputados, as primeiras da história. A outra, Duda Salabert (PDT-MG), também informou que seu visto de entrada nos EUA teve o gênero alterado para masculino.

•        Aqui no Brasil, também nesta semana, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução que altera a idade mínima permitida para terapias hormonais e para cirurgias por pessoas que buscam mudança de gênero, além de proibir o bloqueio da puberdade em crianças e adolescentes trans.

Ao longo de décadas, transexuais e transgêneros – pessoas que não se identificam com o sexo que lhes foi atribuído no nascimento – têm lutado para garantir direitos constitucionais e mais respeito na sociedade.

<><> Risco de retrocessos

Especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que há um risco de retrocesso de direitos conquistados pelo grupo ao longo do tempo.

O principal "fator de risco", no país, é a fragilidade dos direitos conquistados – que não constam em leis, e sim, em decisões judiciais usadas como parâmetro.

"É um ataque coordenado que faz parte de um projeto político. Os avanços no Brasil foram majoritariamente em decisões judiciais. A falta de compromisso do governo em ratificar as mudanças em políticas públicas fica evidente e faz com que a cidadania não chegue de fato aos 3 milhões de pessoas trans", avalia a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides.

De acordo com Benevides, os governos usam a defesa dos "bons costumes" ou "os direitos das mulheres e meninas" para restringirem questões fundamentais das pessoas trans.

Coordenadora de um núcleo sobre diversidade sexual e de gênero na Universidade de Brasília (UnB), a professora Silvia Marques vê no Brasil um "panorama muito conservador", sobretudo na última década.

"Dentro do Congresso, a população LGBTQIA+ não consegue aprovar nenhuma iniciativa. É uma pauta que envolve uma moral sexual, na qual os parlamentares tendem a usufruir", diz.

>>>> Mas... de quais direitos estamos falando, e qual a situação deles no Brasil? Confira abaixo:

<><> Cirurgias de redesignação sexual no SUS

Em 2008, uma portaria do Sistema Nacional de Saúde (SUS) definiu a habilitação do processo transexualizador (para transição de gênero) em hospitais públicos brasileiros.

<><> Quais são os critérios para fazer a cirurgia?

Segundo o Conselho Federal de Medicina, o interessado em realizar a cirurgia deve:

•        realizar acompanhamento terapêutico pelo prazo mínimo de dois anos; e

•        ser maior de 21 anos.

Presidente da Antra, Bruna Benevides criticou a decisão recente do CFM sobre a idade mínima para começo das terapias hormonais.

Ela defende que a realização da cirurgia seja feita quando o paciente se sentir apto à mudança, já que ele passa por um rígido acompanhamento terapêutico.

"Proibir crianças trans vai fazer com que elas façam o uso do medicamento por conta própria. Uma vez que a gente vive em um país que se auto medica, os setores de defesa dos direitos humanos estão preocupados com a mudança", afirma Benevides.

Em 2018, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) emitiu uma resolução que orienta a atuação profissional de psicólogas e psicólogos para que travestilidades e transexualidades não sejam consideradas patologias.

<><> Registro civil para pessoas trans

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que transexuais e transgêneros podem alterar o nome no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia.

À época, a maioria dos ministros decidiu pela autorização independentemente de decisão judicial.

“É inaceitável no estado democrático de direito inviabilizar a alguém a escolha do caminho a ser percorrido, obstando-lhe o protagonismo pleno e feliz da própria jornada”, afirmou o relator do caso, o então ministro Marco Aurélio Mello.

<><> Criminalização da homofobia

Em 2019, o STF reconheceu a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero como crime. A prática foi comparada ao crime de racismo, até que o Congresso Nacional aprove uma legislação específica sobre o tema.

Com a decisão, pessoas que cometam atos de discriminação contra pessoas LGBTQIA+ podem ser punidas com penas que variam de 1 a 5 anos de reclusão.

<><> Maria da Penha para pessoas trans

Por unanimidade, em 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.

Os ministros analisaram um recurso do Ministério Público contra decisão da Justiça de São Paulo, que negou medidas protetivas previstas na lei para uma mulher transgênero agredida pelo pai.

Em entendimento unânime, a Sexta Turma concluiu que o artigo 5º da Lei Maria da Penha caracteriza a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero, e que isso não envolve aspectos biológicos.

<><> Cota trans nas universidades

A aplicação de cotas para pessoas trans em universidades não é uma medida governamental, e sim uma decisão de cada instituição de ensino. Para especialistas, a medida pode ser um instrumento de acesso ao ensino e justiça social.

"A gente acredita que a luta pelo acesso de pessoas trans ao ensino superior pode beneficiar a longo prazo a qualificação profissional dessas pessoas, considerando que essa população é marginalizada e que muitas vezes não consegue ter uma permanência adequada nas escolas", afirma a coordenadora de um dos núcleos sobre diversidade sexual de gênero da Universidade de Brasília Silvia Marques.

Cada universidade fica responsável por delimitar a quantidade de vagas reservadas e critérios de permanência para o grupo.

<><> Onde funciona?

Atualmente, 23 universidades públicas aprovaram políticas de inclusão para pessoas trans. O levantamento é da Seção Sindical dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará.

Em 2018, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi a primeira instituição brasileira a reservar vagas para pessoas trans. No ano seguinte, a Universidade Federal do ABC (UFABC), inaugurou a medida no estado de São Paulo. A Universidade Federal da Bahia também adotou o sistema de cotas e reservou uma vaga por turma para pessoas trans.

🔎Veja abaixo a lista com as principais unidades de ensino que vão começar a oferecer a cota neste ano:

•        Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ):

•        Universidade Federal Fluminense (UFF)

•        Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

•        Universidade de Brasília (UnB)

•        Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

<><><> Transfobia é crime no Brasil e em alguns estados dos EUA; veja regras em cada país

A deputada federal brasileira Erika Hilton (PSOL) disse que o governo dos EUA cometeu "transfobia de Estado" após receber um visto de entrada para um evento no país com o gênero masculino.

Erika Hilton se identifica como mulher e é a segunda pessoa trans a integrar a Câmara dos Deputados.

O caso de Erika Hilton é reflexo de uma ofensiva do governo Trump contra o que ele chama de “ideologia de gênero radical”. Ele determinou que o governo considerasse apenas dois gêneros - masculino e feminino -, e assinou várias medidas para, em suas palavras, "deter a loucura transgênero".

Segundo a equipe da parlamentar, não há como questionar juridicamente o documento, pois se trata de um ato de soberania do governo federal americano.

Erika Hilton recusou-se a viajar ao receber o documento em desacordo com sua autodeterminação de gênero como mulher.

Mesmo que o caso do visto não tenha consequências jurídicas diretas, ele levanta dúvidas sobre como cada país trata a transfobia atualmente.

<<<<<< Veja abaixo as diferenças:

>>> Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou em agosto de 2023 que atos de transfobia sejam igualados ao crime de injúria racial. E quem os fizer não tem direito a fiança, nem limite de tempo para responder judicialmente.

Em 2019, o STF já tinha reconhecido o crime de transfobia, mas deveria ser enquadrado como crime de racismo. Quatro anos depois, ampliou a proteção e determinou que as ofensas deverão ser punidas como injúria racial. A diferença entre os dois é:

•        crime de racismo - é um ato de discriminação contra um grupo ou coletividade;

•        Injúria racial - é uma ofensa à dignidade de uma única pessoa.

Ambos os crimes são inafiançáveis e não prescrevem. A pena é de prisão de dois a cinco anos, que pode ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas.

>>> Estados Unidos

Os EUA aplicam leis federais contra crimes de ódio, que podem abranger crimes cometidos com base em raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual, gênero, identidade de gênero ou deficiência.

Mesmo com a ofensiva de Trump contra a regras de proteção de pessoas transgênero no âmbito federal, a interpretação e a aplicação de leis contra crimes de ódio com a proteção da identidade de gênero variam entre as jurisdições estaduais.

Extinção de programas de diversidade

A forma como o documento foi emitido é resultado das políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Desde seu primeiro discurso de posse, ele prometeu a extinção de programas de diversidade e reiterou que alterará políticas federais sobre gênero nos Estados Unidos.

Na fala, em 20 de janeiro, o republicano misturou conceitos sobre gênero e sexo biológico.

"Esta semana, também porei fim à política governamental de tentar incorporar socialmente a raça e o gênero em todos os aspectos da vida pública e privada. Vamos forjar sociedade que não enxergará duas cores e será baseada no mérito. Será política oficial dos EUA que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino", afirmou ele.

>>>> Veja todas as medidas assinadas por Trump desde que assumiu:

•        20 de janeiro: palavras e expressões em desacordo com a nova política de dois gêneros foram removidas de sites federais, como gay, lésbica, bissexual, LGBTQ, HIV, orientação sexual e transgênero.

•        22 de janeiro: Casa Branca ordenou o fechamento dos programas de diversidade do governo federal e colocou seus funcionários em licença remunerada.

•        24 de janeiro: o governo determinou que mulheres trans presas passem a cumprir pena em cadeias para homens. No dia 4 de fevereiro, a Justiça americana, no entanto, suspendeu a decisão.

•        25 de janeiro: suspensão da emissão de passaportes com o gênero "X" para pessoas que se identificam como não binárias.

•        27 de janeiro: Trump assinou ordem que abria portas para o banimento de soldados abertamente transgênero no Exército do país. Exatamente um mês depois, o Pentágono anunciou que começaria a removê-los nos próximos 30 dias, mas uma juíza federal suspendeu a ação no dia 18 de março.

•        28 de janeiro: restrição de transições de gênero para menores de 19 anos.

•        29 de janeiro: Trump assina ordem executiva para acabar com fundos para disciplinas que abordam racismo e teoria de gênero nas escolas.

•        5 de fevereiro: proibição da participação de meninas e mulheres transgêneros em eventos esportivos femininos em escolas e faculdades - nesta quarta-feira (16), o governo anunciou que vai processar o estado do Maine por não cumprir ordem.

<><> Saiba a diferença entre orientação sexual, expressão e identidade de gênero

você sabe o que é identidade de gênero, orientação sexual e expressão de gênero? Nesta reportagem o g1 ouviu especialistas e explica os diferentes termos que envolvem as questões de gênero.

Primeiramente, é importante definir o que se entende como gênero e sexo. Conforme Coral Herrera, escritora e doutora em Humanidades e Comunicação pela Universidade Carlos III de Madrid (Espanha), gênero é uma criação da cultura e sexo da natureza, geralmente, associado à genitália.

Por exemplo, gênero inclui papéis e expectativas que a sociedade tem sobre comportamentos, pensamentos e características que acompanham o sexo atribuído a uma pessoa. Segundo Maria Trumpler, diretora do departamento LGBT+ da Universidade de Yale (EUA), este é um conceito relativamente recente.

"A crença de que as pessoas são homens ou mulheres tem apenas 200 ou 300 anos. Eu diria que surgiu na Europa no século 18, quando os governos começaram a querer classificar as pessoas", disse Trumpler à BBC News Mundo, o serviço em língua espanhola da BBC.

Diante disso, pesquisadores da comunidade LGBTQIAPN+ classificaram que dentro da sigla existem algumas categorias. Basicamente, a nomenclatura divide em dois grandes grupos: identidade de gênero e orientação sexual.

•        Identidade de gênero diz respeito à experiência interna e individual relacionada ao gênero com o qual a pessoa se identifica (masculino, feminino, não-binário, agênero ou fluido). Quando a identidade de gênero de uma pessoa corresponde ao seu sexo biológico, dizemos que essa pessoa é cis. Quando, por outro lado, a pessoa se identifica com um gênero diferente do sexo que lhe foi atribuído ao nascer, trata-se de pessoa trans.

•        Orientação sexual diz respeito à atração que se sente por outros indivíduos. Ela geralmente também envolve questões sentimentais, e não somente sexuais.

•        Há ainda a expressão de gênero que pode ser considerada a forma que a pessoa manifesta socialmente sua identidade de gênero, por meio da sua identificação nominal, suas roupas, seu cabelo, a forma de usar a voz, a forma de expressão do corpo. Ela não aponta o gênero, a orientação ou a identidade necessariamente.

Apesar de socialmente associada à comunidade gay, a arte drag não tem a ver com gênero ou sexualidade e também não é uma expressão de gênero. Um homem hétero pode se montar para fins artísticos e mulheres, gays ou não, também. A vertente drag king é o oposto: geralmente mulheres vestidas de homens exagerando o lado masculino.

"Quando a gente fala de expressão de gênero, a gente fala de uma coisa que vive no nosso dia a dia, as drags não vivem de drags no seu dia a dia. É um personagem e gênero não é personagem. Eu me monto assim para performances artísticas", explicou Lorelay Fox, drag youtuber e consultora do programa "Amor e Sexo" da TV Globo.

<><> Quais são as orientações sexuais?

As orientações sexuais podem ser múltiplas, porém as cinco mais comuns são: heterossexual, homossexual, bissexual, assexual e pansexual.

•        Heterossexual: uma pessoa heterossexual é alguém que sente atração por pessoas do gênero oposto ao seu. Assim, as relações heterossexuais são as que acontecem entre uma mulher e um homem.

•        Homossexual: uma pessoa homossexual é alguém que sente atração e se relaciona com pessoas do mesmo gênero que o seu. Por exemplo, as relações entre duas mulheres ou entre dois homens. O termo homoafetivo também é usado para definir as relações de casais que formados por duas pessoas do mesmo gênero.

•        Bissexual: as pessoas bissexuais são as que sentem ligação emocional e sexual por pessoas dos dois ou mais gêneros, como pessoas cis ou trans.

•        Assexual: no caso das pessoas assexuais pode existir pouco ou mesmo nenhum interesse em ter relacionamentos sexuais com outras pessoas.

•        Pansexual: pessoas pansexuais sentem atração romântica e sexual por pessoas independente do gênero.

<><> Quais são as identidades de gênero?

A diversidade das identidades de gênero são infinitas, já que elas representam a pluralidade das identidades de gênero. Existem três mais comuns:

•        Cisgênero: é o termo usado para definir as pessoas que se identificam com o gênero associado ao seu sexo biológico. Uma pessoa cisgênero se sente confortável e pertencente ao gênero de nascimento, ela vive e se expressa conforme com o gênero atribuído por suas características.

•        Transgênero: são pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascimento, não se identificam com as características (físicas e/ou sociais).

•        Não binário: as pessoas não-binárias são aquelas que não se sentem enquadradas e identificadas com os gêneros tradicionais, ou seja, não se identificam como mulher ou homem. Existem variações na não-binariedade. Há quem sinta que não pertence a nenhum dos gêneros tradicionais (masculino ou feminino), há quem sinta que pertence ao dois ou em um momento, um, depois, outro, há também quem se identifique com outros gêneros.

 

Fonte: g1

 

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