O
projeto do novo Código Eleitoral e seus impactos para as mulheres
Está em
votação, em regime de urgência, o Projeto de Lei Complementar nº 112/2021, que
dispõe sobre um conjunto de normas eleitorais, processuais eleitorais e os
direitos políticos. Trata-se da elaboração do novo Código Eleitoral, que se
encontra agora na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) do
Senado em fase de debates entre especialistas e análise da constitucionalidade.
Estima-se
que o Projeto seja votado ainda esse ano para poder viger a tempo das próximas
eleições, que ocorrerão em 2026.
O
Projeto, que recebeu duzentas emendas até então e que possui 898 artigos no
substitutivo apresentado pelo relator Senador Marcelo Castro (MDB-PI), tem
pontos críticos no que concerne ao direito de representação feminina e são
alguns deles que abordaremos a seguir.
Um dos
pontos nevrálgicos do texto refere-se à reserva de 20% das cadeiras para
mulheres nas casas legislativas. O que, a princípio, representa uma vantagem
competitiva para as mulheres pode, na prática, se traduzir em uma redução no
número de registros de candidaturas efetuados pelos partidos. Atualmente, a
legislação determina que cada partido ou coligação “preencherá o mínimo de 30%
e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo” (art. 10, § 3º, da Lei
9.504/1997). No projeto apresentado, também consta a mesma regra proporcional
para o registro de candidaturas — máximo de 70% e mínimo de 30% para cada
gênero. Contudo, essa regra passará a ser inaplicável por vinte anos.
Desse
modo, o percentual mínimo de candidaturas de mulheres a ser registrado pelos
partidos seria reduzido de 30% para 20%, conforme estabelecido no § 1º do art.
145, pelo período de vinte anos. Há, ainda, o afastamento da importante sanção
de “indeferimento do pedido de registro do partido político” que não cumpra,
sequer, o percentual mínimo rebaixado de candidaturas, pelo mesmo período.
De
acordo com o relator, a dispensa da obrigatoriedade de 30% das candidaturas de
mulheres seria compensada pela reserva de 20% das vagas nas Casas Legislativas.
A
Bancada Feminina no Senado, porém, tem se posicionado no sentido de que uma
coisa não deve substituir a outra, devendo ser somados os mecanismos para
garantia da participação política das mulheres da reserva de vagas e do número
mínimo de candidaturas, além do percentual mínimo dos recursos financeiros
destinados às campanhas. Também demandam a exclusão do afastamento da sanção de
indeferimento do pedido do registro partidário, que consta no substitutivo do
relator.
Além
disso, é de amplo conhecimento que a utilização de candidaturas fictícias,
conhecidas como “candidaturas laranjas”, por partidos, federações ou coligações
que não possuem a intenção real de viabilizar a candidatura de mulheres é uma
prática recorrente a cada eleição. Tal conduta enseja responsabilização por
parte da Justiça Eleitoral, medida necessária para que as agremiações sejam
desestimuladas a continuar privilegiando candidaturas masculinas e perpetuando
a gritante assimetria existente.
O
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possui entendimento sumulado quando o assunto
é fraude à cota de gênero nas eleições. Se a prática for comprovada, pode
resultar em anulação dos votos recebidos para o cargo, cassação do
demonstrativo de regularidade de atos partidários (DRAP) e dos diplomas das
candidaturas a ele vinculados, novo cálculo dos quocientes eleitoral e
partidário e até inelegibilidade das pessoas envolvidas na fraude.
No
entanto, caso aprovado o Novo Código Eleitoral conforme o substitutivo do
relator, a situação será diferente, acarretando um grave prejuízo às mulheres.
É que, como mencionamos acima, além de implicar na diminuição para 20% da cota
de gênero nas candidaturas, o texto prevê, ainda, uma suspensão da principal
punição aos partidos que não a cumprirem por vinte anos. O relatório
apresentado pelo Senador Marcelo Castro afirma que: “no período de vinte anos
após a edição da Lei que ora se pretende aprovar […] os partidos não serão
penalizados com o indeferimento da chapa caso não consigam preencher o
percentual mínimo de candidaturas, desde que as vagas remanescentes fiquem
vazias”.
A
literatura especializada informa que, passadas mais de duas décadas desde a
inclusão das cotas de gênero, a representação feminina ainda não atinge 20% nos
postos político-decisórios, e esse número revela o profundo abismo existente em
termos de representatividade. O fenômeno denominado sub-representação decorre
de uma série de obstáculos e desafios enfrentados pelas mulheres que buscam se
inserir na política institucional, sem que a legislação tenha sido capaz de
sanar tal problema. Ao contrário, o histórico sobre o tema revela que as
medidas legais voltadas à inclusão de mulheres nesse ambiente são
constantemente alvo de tentativas de esvaziamento, operadas por meio da
revogação de legislações mais benéficas, de recuos institucionais e de uma
técnica legislativa dúbia, que abre margem a interpretações menos favoráveis ao
grupo minoritário.
Ainda
que em alguns pontos o Projeto prometa possibilidades de avanços – a exemplo
das alterações do crime de violência política contra as mulheres, ampliando o
leque de vítimas estabelecido pela Lei nº 14.192/2021, que criminalizou a
conduta; prevendo a concessão de medidas protetivas; inserindo a categoria
“gênero” e excluindo “sexo”, estabelecida na atual legislação; em suma,
incorporando parte das críticas realizadas por especialistas, movimentos
feministas, organizações da sociedade civil entre outros atores chave na
construção dessa agenda–, estes não garantem que os direitos políticos e de
cidadania possam ser plenamente exercidos. A centralidade na criminalização
como resposta à sub-representação é um fio redutor da complexidade que envolve
o tema.
Importa
dizer que nos instrumentos para que mais mulheres possam disputar e acessar
cargos político-eletivos em condições menos desiguais em relação aos homens
deve estar a criminalização da violência política, como posto no Projeto. Mas é
necessário também refletir se os obstáculos formais e os retrocessos
legislativos que implicam na diminuição do percentual mínimo de candidaturas de
mulheres e no perdão aos partidos que fraudam as cotas de gênero não expressam,
paradoxalmente, também uma forma de violência política contra as mulheres.
Fonte:
Por Twig Lopes e Breno Zanotelli, no Le Monde

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