Lauro Mattei: O lado esquecido do
imperialismo dos EUA
A eleição e as ações iniciais do governo de
Donald Trump parecem ir mais além de uma simples “guerra comercial” como tem
sido divulgado frequentemente. Com sua pose de imperador do mundo, Donald Trump
e seus asseclas pretendem retomar doutrinas imperialistas de séculos passados
como forma de demonstração de poder absoluto sobre todas as demais nações do
planeta.
Na essência, percebe-se que a ação de Donald
Trump na esfera comercial global busca encobrir um problema doméstico,
especialmente em termos do fracasso das políticas sociais norte-americanas que
se reproduz no comportamento de fúria e ódio da classe média, a qual se
frustrou com o cenário econômico que faz com que o “sonho americano” fique cada
vez mais distante. Em grande medida, decorre daí o respaldo obtido por Donald
Trump em relação às políticas protecionistas que estão sendo adotadas, bem como
o apoio aos ataques proferidos contra os imigrantes, especialmente da América
Latina e Caribe.
Para fazer frente a este cenário político
complexo, Donald Trump está procurando reavivar para o presente a “Doutrina
Monroe” definida pela política externa dos Estados Unidos em 1823. Ao impedir a
interferência de países europeus no Continente Americano, tal doutrina reforçou
o imperialismo dos Estados Unidos no referido local e permitiu, inclusive, que
esse país realizasse todos os tipos de intervenção em países da América Latina
e Caribe e também em países da América Central.
Apenas recordando que o tema do imperialismo
foi discutido sistematicamente por John A. Hobson em 1902. Esse autor o
considerou como sendo um fenômeno decorrente do processo de acumulação de
capital que foi fortemente potencializado após as revoluções industriais. Esse
assunto foi retomado por Vladímir Lênin em 1916 em sua obra clássica Imperialismo,
fase superior do capitalismo, momento em que são analisadas as distintas
características do imperialismo que movem sua existência: a luta política pela
partilha do domínio no mundo.
De um modo geral, pode-se dizer que a
política dos Estados Unidos para o conjunto de países que fazem parte do
continente americano baseia-se no exercício do domínio por meio dos poderes
econômico, político, cultural e militar, estando ela assentada nas ideias de
superioridade e de submissão dos demais aos seus interesses. Tais pressupostos
estão ancorados na presunção com que se autodenominam: a América. Ou seja,
para Donald Trump e seus séquitos só existe uma nação americana: os Estados
Unidos.
Portanto, não há nenhuma novidade quando o
presidente Donald Trump se refere à América do Sul e Central como “quintal dos
EUA”. O senhor Pete Hegseth, secretário de defesa dos EUA, em entrevista ao
canal Fox News no dia 10.04.2025, assim se manifestou: (a)
criticou o avanço da China na região utilizando-se do Canal do Panamá; (b)
criticou o ex-presidente Barack Obama por ter deixado a China atuar na América
do Sul e Central impondo sua influência econômica e cultural, além de ter feito
“acordos ruins” com governos locais; (c) ressaltou que os EUA farão tudo o que
for possível para interromper a influência chinesa na região, bem como as
ameaças que a China representa para o hemisfério; (d) finalmente destacou a
posição do presidente Donald Trump: “não mais, nós vamos recuperar o nosso
quintal”. Para Donald Trump, a China “cresceu nesse quintal” durante os últimos
governos democratas.
Em visita oficial recente ao Panamá, o
secretário Pete Hegseth externou novamente o desejo de Donald Trump de que os
EUA voltem a comandar o canal como era até 1999. Além disso, informou que
haverá aumento das forças americanas nas antigas bases militares, além de
solicitar isenção das taxas aplicadas às embarcações militares dos EUA, cujo
movimento é elevado.
No mesmo evento, o secretário saudou a
decisão do governo do Panamá de ter declinado de sua participação no projeto
chinês da “nova rota da seda”, programa que, por um lado, promove a expansão de
obras de infraestrutura e, por outro, busca a cooperação no âmbito de
interesses mútuos. Registre-se que o canal do Panamá continua sendo estratégico
para os EUA, uma vez que por ele passam 40% de todos os conteiners dos EUA, bem
como 5% de todo o comércio mundial.
A China se manifestou duas vezes sobre esses
assuntos acima mencionados. Na primeira delas afirmou que o governo de Donald
Trump está chantageando o governo do Panamá, uma vez que acordos comerciais são
decisões soberanas dos países, portanto interferências externas são
inaceitáveis.
Na segunda, a China rebateu mais fortemente a
visão de Donald Trump sobre a América Latina e Central: os povos
latino-americanos buscam suas independências e não querem doutrinas de
dominação porque buscam construir seu próprio lar sem ser quintal de ninguém.
Neste sentido, nota-se que há mais elementos
centrais que fazem parte do lado esquecido do imperialismo dos EUA, além da
guerra comercial que esse país vem travando globalmente, porém em particular
com a China: cortes expressivos nos programas mundiais de ajuda humanitária;
retirada do país dos principais organismos e agências da Organização das Nações
Unidas (ONU); culpabilização dos países latino-americanos pelo avanço das
drogas na sociedade Estadunidense; culpabilização dos imigrantes latinos pelos problemas
estruturais do mercado de trabalho dos EUA; etc.
Por fim, acreditamos que a maioria dos
latino-americanos não tem nenhum apreço pelos desejos do presidente dos EUA,
uma vez que seus quintais são providos de jardins com flores que simbolizam o
amor e a paz entre os povos e não pelo ódio e pela guerra que nutrem
cotidianamente a mente de um psicopata.
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Imprensa diz que Trump é
um bravateiro querendo parecer um negociador. Por Carlos Wagner
Nos últimos dias, o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, adotou dois discursos para
explicar o seu recuo no tarifaço das importações. O primeiro é para os seus
militantes e os secretários (ministros) e demais funcionários do alto escalão
do seu governo. Tem como objetivo reforçar a imagem do presidente como um
negociador inflexível e cruel com os países que acusa de sugarem o dinheiro e
os empregos dos americanos. O segundo é para o mercado e os bilionários que o
apoiaram e que estão tendo milhões de prejuízos com o tarifaço, em especial no
caso da China, cujos produtos foram taxados em 145% e revidou tarifando as
importações americanas em 125%. No primeiro governo Trump (2017 a 2021), a
estratégia dos dois discursos foi usada quando tentou fazer um tarifaço e
fracassou. Ele disse ter sido boicotado pelos seus secretários, funcionários
federais de carreira e até integrantes do Partido Republicano contrários
a sua influência. Para evitar que se repetisse o boicote, Trump só nomeou
para o seu segundo governo pessoas de sua estrita confiança que têm cumprido ao
pé da letra as suas ordens.
Fato é que Trump recuou no tarifaço.
Primeiro, congelou por 90 dias a aplicação das tarifas, deixado fora apenas a
China por ter retaliado à taxação. Segundo, na noite de sexta-feira (11/04),
decidiu retirar o imposto de 125% para a China e 10% para os outros países
sobre as importações de smartphones, chips, computadores e outros eletrônicos.
Como a governo chinês vai reagir na questão dos eletrônicos, vamos saber
durante a semana. A decisão de Trump beneficiou empresas como a Apple, cujos
iPhones fabricados na China e vendidos nos Estados Unidos ficariam três vezes
mais caros com as tarifas, e agradou os bilionários que o apoiaram nas
eleições, em especial Elon Musk, 53 anos, dono do X e de outras indústrias de
alta tecnologia, que ocupa o cargo de coordenador do Departamento de Eficiência
Governamental (Doge), criado especialmente para reduzir os gastos e o tamanho
da administração federal. Na semana passada, Musk, que é CEO da Tesla,
fabricante de carros elétricos fortemente afetada pelas tarifas, chamou de
imbecil Peter Navarro, 75 anos, conselheiro sênior do presidente Trump para o
comércio e a manufatura. Navarro é o responsável pelo tarifaço – a história
toda pode ser encontrada na internet. A pergunta agora é a seguinte. Desta vez,
o Partido Republicano, os secretários e outros funcionários de alto escalão não
boicotaram Trump. Muito pelo contrário, o apoiaram e estão lutando pelo
tarifaço. Claro, com exceção de Musk. Tratei do assunto no post publicado na
sexta-feira (11/04) Trump prometeu o tarifaço, os bilionários que o
apoiaram não acreditaram? A quem então o presidente irá culpar pelo
seu recuo para agradar os mercados e seus apoiadores donos do dinheiro?
Lembramos que o presidente americano se
elegeu vendendo para a opinião pública a ideia de que a globalização da
economia desindustrializou os Estados Unidos, semeando desemprego e espalhando
as fábricas americanas pelo mundo em busca de mão obra mais barata. E que a
solução era tarifar as importações, o que obrigaria a volta das indústrias para
o país. No primeiro governo Trump, especialistas já batiam na tecla de que o
tarifaço não ia dar certo. E no atual governo continuaram batendo na mesma
tecla. Entre os diversos motivos que apontam para o eventual fracasso vou citar
dois que considero os mais importantes. O primeiro é que existe o consenso,
inclusive entre importantes apoiadores de Trump, de que a volta das fábricas
para o território americano não significará a criação do mesmo número de
empregos que havia antes, porque a tecnologia avançou e substituiu boa parte
dos trabalhadores nas linhas de montagem. Segundo, as fábricas saíram dos
Estados Unidos em busca da mão obra mais barata, que foi encontrada no México,
Canadá, China, Vietnã e outros países da Ásia. O custo da mão de obra americana
é um dos mais altos no mundo. A grande novidade enfrentada pelo tarifaço no
segundo governo Trump é que os países atingidos se organizaram e retaliaram.
Entre eles, os 27 membros da União Europeia (UE) e a China, o maior parceiro
econômico dos americanos. Como se diz no linguajar popular, os chineses foram
para briga com Trump.
O tarifaço do Trump está fazendo água. Mas
mesmo naufragando ainda está muito longe de acabar a confusão que criou ao
redor do mundo. Estudiosos dos mercados admitem que o tarifaço espalhou a
desconfiança nos negócios em vários países. Geralmente, a desconfiança eleva a
inflação. O recrudescimento da inflação vai influenciar as eleições que vão
acontecer neste ano em 14 países da América Latina. Tenho pregado que a
imprensa precisa olhar com mais cuidado para a influência do tarifaço em vários
segmentos da população. Por exemplo, o que está sendo comentado sobre a guerra
de tarifas pelos corredores do Pentágono, do Departamento de Defesa dos Estados
Unidos, em Washington (DC), e o do Ministério da Defesa Nacional da China, em
Pequim? Os dois países são potências militares e econômicas. Muito embora o
perigo de um conflito armado tenha terminado com o fim da Guerra Fria (1947 a
1991), é bom seguir o manual do bom jornalismo e ficar de olho nas conversas
que estão circulando entre os altos escalões militares americanos e chineses.
Para arrematar a nossa conversa. Vou lembrar
duas importantes promessas feitas por Trump que ainda não foram cumpridas. A
primeira de que ia acabar em uma semana com a guerra na Faixa de Gaza entre
Israel e o Hamas, movimento terrorista que usa a população palestina como
escudo. No fim de semana, Israel destruiu o último hospital que estava operando
em Gaza. A outra promessa é que acabaria com a guerra entre Rússia e Ucrânia
com um telefonema. No Domingo de Ramos (13), importante data religiosa no calendário
dos ucranianos, os russos dispararam vários mísseis e mataram 32 civis na
Ucrânia. A bem da verdade digo que Trump tentou. Mas falhou. Como no caso do
tarifaço, que caminha a passos largos rumo ao fracasso. Mas não antes de
espalhar confusão pelo mundo. Fato é o seguinte. O espaço que conseguiu nos
jornais com as questões de Gaza, Ucrânia e o tarifaço geraram um capital
político importante para o presidente americano. A imprensa está mostrando que
Trump está mais para um bravateiro do que para um negociador inflexível e
cruel, como quer fazer parecer.
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Próximo alvo – emissoras
públicas. Por Eugenio Bucci
Depois de disparar contra as universidades e
a contra imprensa, a Casa Branca pretende agora atacar as emissoras públicas
dos Estados Unidos. As estações de rádio da NPR (National Public Radio)
e as estações de TV da PBS (Public Broadcasting Service) entraram na
mira. Estamos falando de dois pilares da comunicação social de toda a América
do Norte. A PBS foi formada 1970 e hoje reúne 365 canais de televisão dedicados
à cultura, à educação e ao jornalismo independente e crítico.
A NPR surgiu em 1969 e tem 1041 rádios
públicas entre as suas afiliadas, algumas delas em atividade desde a primeira
metade do século XX. Um dos pontos altos de sua programação tem sido o
jornalismo internacional. As duas entidades provam diariamente que qualidade
pode fazer sucesso e se distinguem por não veicularem anúncios publicitários
banais, desses que oferecem hamburger, pasta de dente, cartão de crédito ou
vitaminas em cápsula. Elas não têm fins de lucro. Agora, atraem a fúria de
Donald Trump, empenhado em cortar os recursos federais que elas deveriam
receber.
A notícia de mais essa agressão contra as
liberdades nos Estados Unidos apareceu no New York Times de
segunda-feira: “Casa Branca pedirá ao Congresso que retire o financiamento da
NPR e da PBS”. Na prática, isso significa que cerca de um bilhão de dólares
devem ser retirados do orçamento da NPR e da PBS. Os repórteres Benjamin
Mullin, Tony Romm e Jonathan Swan, do Times, ouviram fontes que
estão trabalhando diretamente nessas medidas e trouxeram a história a público.
Um furo providencial. É bom poder contar com o jornalismo vigilante e atento.
O site da NPR também deu destaque para o
golpe: “Trump planeja ordenar o corte do financiamento para NPR e PBS”. O
primeiro parágrafo do texto não esconde nada e não exagera nada: “O governo de
DonaldTrump preparou um memorando enviado ao Congresso comunicando sua intenção
de encerrar quase todo o financiamento federal para as emissoras públicas, o
que inclui a NPR e a PBS, segundo informou um funcionário da Casa Branca que
falou com a NPR”.
Aqui, vale uma nota sobre o comportamento
habitual das emissoras públicas dos Estados Unidos: elas não sonegam de sua
audiência os ataques que sofrem do governo. Estão certas em agir assim. Ao não
abaixarem a cabeça, não ajudam o agressor com o silêncio obsequioso. Ao
contrário, dão visibilidade total para tratamentos indevidos que, às vezes
mais, às vezes menos, recebem dos governantes.
A NPR e a PBS sabem que seus ouvintes e
telespectadores não são apenas crianças – há adultos na sala. Por isso, quando
se trata de contar sobre como se sustentam (ou como não se sustentam), têm o
costume respeitoso de tratar os adultos como adultos: compartilham com eles, em
primeira mão, o que eles têm direito de saber; não fazem rapapés de
acochambramento com autoridades em prejuízo do direito à informação de que todo
cidadão é titular.
Voltando ao país de Donald Trump, onde nuvens
carregadas se avolumam no horizonte, o fato é que as emissoras públicas agora
são atingidas pelas manobras de um governo que opera se nenhum escrúpulo para
se converter rapidamente em ditadura ordinária. Esse mesmo governo vem
promovendo a asfixia das melhores e maiores universidades do país, como
Columbia e Harvard. Ambas são privadas, como os ultraliberais gostam de
alardear, mas ambas dependem fortemente de verbas federais, como os privatistas
preferem esconder. Não se faz pesquisa de qualidade sem apoio governamental, em
nenhum lugar do planeta, mas pouca gente parece saber disso.
Contra as universidades, Donald Trump adotou
a linha de fazer chantagem aberta, descarada, e às vezes consegue o que quer.
Columbia aquiesceu, ao menos por enquanto, e fez as mudanças que atendem aos
caprichos da Casa Branca. Quanto a Harvard, esta promete resistir. O governo
quer retirar 2,2 bilhões de dólares do caixa dessa grande instituição, mas
Harvard firmou o pé. Postura digna. A briga é boa e justa. O desfecho, incerto.
Sinais negativos e positivos aparecem também
nas contendas entre o presidente e a imprensa. Do lado dos sinais negativos, o
pior talvez seja o anúncio veiculado na semana passada pela maior rede de
jornais dos Estados Unidos, a Gannett. Segundo o comunicado oficial
da Gannett, os seus títulos se dobraram às pressões da Casa Branca
e, entre outras rendições, vão remover menções à diversidade em sua pauta
diária.
Entre os sinais positivos, está a vitória
judicial da agência de notícias Associated Press. Há uma semana, os
repórteres da Associated Press recuperaram seu direito de
voltar a frequentar os eventos de imprensa na Casa Branca, por decisão de um
juiz federal. Desde fevereiro, eles vinham sendo barrados nesses encontros. O
motivo? Ora, muito simples: a agência se recusa a mudar o nome do Golfo do
México para Golfo da América em seu noticiário.
O panorama é esse. Quadro conturbado. A NPR e
a PBS viverão tempos duros. Se souberem enfrentar a sanha autoritária,
contribuirão para a causa democrática nos Estados Unidos e no mundo todo.
Fonte: A Terra é Redonda/Observatório da
Imprensa

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