quarta-feira, 23 de abril de 2025

Lauro Mattei: O lado esquecido do imperialismo dos EUA

A eleição e as ações iniciais do governo de Donald Trump parecem ir mais além de uma simples “guerra comercial” como tem sido divulgado frequentemente. Com sua pose de imperador do mundo, Donald Trump e seus asseclas pretendem retomar doutrinas imperialistas de séculos passados como forma de demonstração de poder absoluto sobre todas as demais nações do planeta.

Na essência, percebe-se que a ação de Donald Trump na esfera comercial global busca encobrir um problema doméstico, especialmente em termos do fracasso das políticas sociais norte-americanas que se reproduz no comportamento de fúria e ódio da classe média, a qual se frustrou com o cenário econômico que faz com que o “sonho americano” fique cada vez mais distante. Em grande medida, decorre daí o respaldo obtido por Donald Trump em relação às políticas protecionistas que estão sendo adotadas, bem como o apoio aos ataques proferidos contra os imigrantes, especialmente da América Latina e Caribe.

Para fazer frente a este cenário político complexo, Donald Trump está procurando reavivar para o presente a “Doutrina Monroe” definida pela política externa dos Estados Unidos em 1823. Ao impedir a interferência de países europeus no Continente Americano, tal doutrina reforçou o imperialismo dos Estados Unidos no referido local e permitiu, inclusive, que esse país realizasse todos os tipos de intervenção em países da América Latina e Caribe e também em países da América Central.

Apenas recordando que o tema do imperialismo foi discutido sistematicamente por John A. Hobson em 1902. Esse autor o considerou como sendo um fenômeno decorrente do processo de acumulação de capital que foi fortemente potencializado após as revoluções industriais. Esse assunto foi retomado por Vladímir Lênin em 1916 em sua obra clássica Imperialismo, fase superior do capitalismo, momento em que são analisadas as distintas características do imperialismo que movem sua existência: a luta política pela partilha do domínio no mundo.

De um modo geral, pode-se dizer que a política dos Estados Unidos para o conjunto de países que fazem parte do continente americano baseia-se no exercício do domínio por meio dos poderes econômico, político, cultural e militar, estando ela assentada nas ideias de superioridade e de submissão dos demais aos seus interesses. Tais pressupostos estão ancorados na presunção com que se autodenominam: a América. Ou seja, para Donald Trump e seus séquitos só existe uma nação americana: os Estados Unidos.

Portanto, não há nenhuma novidade quando o presidente Donald Trump se refere à América do Sul e Central como “quintal dos EUA”. O senhor Pete Hegseth, secretário de defesa dos EUA, em entrevista ao canal Fox News no dia 10.04.2025, assim se manifestou: (a) criticou o avanço da China na região utilizando-se do Canal do Panamá; (b) criticou o ex-presidente Barack Obama por ter deixado a China atuar na América do Sul e Central impondo sua influência econômica e cultural, além de ter feito “acordos ruins” com governos locais; (c) ressaltou que os EUA farão tudo o que for possível para interromper a influência chinesa na região, bem como as ameaças que a China representa para o hemisfério; (d) finalmente destacou a posição do presidente Donald Trump: “não mais, nós vamos recuperar o nosso quintal”. Para Donald Trump, a China “cresceu nesse quintal” durante os últimos governos democratas.

Em visita oficial recente ao Panamá, o secretário Pete Hegseth externou novamente o desejo de Donald Trump de que os EUA voltem a comandar o canal como era até 1999. Além disso, informou que haverá aumento das forças americanas nas antigas bases militares, além de solicitar isenção das taxas aplicadas às embarcações militares dos EUA, cujo movimento é elevado.

No mesmo evento, o secretário saudou a decisão do governo do Panamá de ter declinado de sua participação no projeto chinês da “nova rota da seda”, programa que, por um lado, promove a expansão de obras de infraestrutura e, por outro, busca a cooperação no âmbito de interesses mútuos. Registre-se que o canal do Panamá continua sendo estratégico para os EUA, uma vez que por ele passam 40% de todos os conteiners dos EUA, bem como 5% de todo o comércio mundial.

A China se manifestou duas vezes sobre esses assuntos acima mencionados. Na primeira delas afirmou que o governo de Donald Trump está chantageando o governo do Panamá, uma vez que acordos comerciais são decisões soberanas dos países, portanto interferências externas são inaceitáveis.

Na segunda, a China rebateu mais fortemente a visão de Donald Trump sobre a América Latina e Central: os povos latino-americanos buscam suas independências e não querem doutrinas de dominação porque buscam construir seu próprio lar sem ser quintal de ninguém.

Neste sentido, nota-se que há mais elementos centrais que fazem parte do lado esquecido do imperialismo dos EUA, além da guerra comercial que esse país vem travando globalmente, porém em particular com a China: cortes expressivos nos programas mundiais de ajuda humanitária; retirada do país dos principais organismos e agências da Organização das Nações Unidas (ONU); culpabilização dos países latino-americanos pelo avanço das drogas na sociedade Estadunidense; culpabilização dos imigrantes latinos pelos problemas estruturais do mercado de trabalho dos EUA; etc.

Por fim, acreditamos que a maioria dos latino-americanos não tem nenhum apreço pelos desejos do presidente dos EUA, uma vez que seus quintais são providos de jardins com flores que simbolizam o amor e a paz entre os povos e não pelo ódio e pela guerra que nutrem cotidianamente a mente de um psicopata.

¨      Imprensa diz que Trump é um bravateiro querendo parecer um negociador. Por Carlos Wagner

Nos últimos dias, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, adotou dois discursos para explicar o seu recuo no tarifaço das importações. O primeiro é para os seus militantes e os secretários (ministros) e demais funcionários do alto escalão do seu governo. Tem como objetivo reforçar a imagem do presidente como um negociador inflexível e cruel com os países que acusa de sugarem o dinheiro e os empregos dos americanos. O segundo é para o mercado e os bilionários que o apoiaram e que estão tendo milhões de prejuízos com o tarifaço, em especial no caso da China, cujos produtos foram taxados em 145% e revidou tarifando as importações americanas em 125%. No primeiro governo Trump (2017 a 2021), a estratégia dos dois discursos foi usada quando tentou fazer um tarifaço e fracassou. Ele disse ter sido boicotado pelos seus secretários, funcionários federais de carreira e até integrantes do Partido Republicano contrários a sua influência. Para evitar que se repetisse o boicote, Trump só nomeou para o seu segundo governo pessoas de sua estrita confiança que têm cumprido ao pé da letra as suas ordens.

Fato é que Trump recuou no tarifaço. Primeiro, congelou por 90 dias a aplicação das tarifas, deixado fora apenas a China por ter retaliado à taxação. Segundo, na noite de sexta-feira (11/04), decidiu retirar o imposto de 125% para a China e 10% para os outros países sobre as importações de smartphones, chips, computadores e outros eletrônicos. Como a governo chinês vai reagir na questão dos eletrônicos, vamos saber durante a semana. A decisão de Trump beneficiou empresas como a Apple, cujos iPhones fabricados na China e vendidos nos Estados Unidos ficariam três vezes mais caros com as tarifas, e agradou os bilionários que o apoiaram nas eleições, em especial Elon Musk, 53 anos, dono do X e de outras indústrias de alta tecnologia, que ocupa o cargo de coordenador do Departamento de Eficiência Governamental (Doge), criado especialmente para reduzir os gastos e o tamanho da administração federal. Na semana passada, Musk, que é CEO da Tesla, fabricante de carros elétricos fortemente afetada pelas tarifas, chamou de imbecil Peter Navarro, 75 anos, conselheiro sênior do presidente Trump para o comércio e a manufatura. Navarro é o responsável pelo tarifaço – a história toda pode ser encontrada na internet. A pergunta agora é a seguinte. Desta vez, o Partido Republicano, os secretários e outros funcionários de alto escalão não boicotaram Trump. Muito pelo contrário, o apoiaram e estão lutando pelo tarifaço. Claro, com exceção de Musk. Tratei do assunto no post publicado na sexta-feira (11/04) Trump prometeu o tarifaço, os bilionários que o apoiaram não acreditaram? A quem então o presidente irá culpar pelo seu recuo para agradar os mercados e seus apoiadores donos do dinheiro?

Lembramos que o presidente americano se elegeu vendendo para a opinião pública a ideia de que a globalização da economia desindustrializou os Estados Unidos, semeando desemprego e espalhando as fábricas americanas pelo mundo em busca de mão obra mais barata. E que a solução era tarifar as importações, o que obrigaria a volta das indústrias para o país. No primeiro governo Trump, especialistas já batiam na tecla de que o tarifaço não ia dar certo. E no atual governo continuaram batendo na mesma tecla. Entre os diversos motivos que apontam para o eventual fracasso vou citar dois que considero os mais importantes. O primeiro é que existe o consenso, inclusive entre importantes apoiadores de Trump, de que a volta das fábricas para o território americano não significará a criação do mesmo número de empregos que havia antes, porque a tecnologia avançou e substituiu boa parte dos trabalhadores nas linhas de montagem. Segundo, as fábricas saíram dos Estados Unidos em busca da mão obra mais barata, que foi encontrada no México, Canadá, China, Vietnã e outros países da Ásia. O custo da mão de obra americana é um dos mais altos no mundo. A grande novidade enfrentada pelo tarifaço no segundo governo Trump é que os países atingidos se organizaram e retaliaram. Entre eles, os 27 membros da União Europeia (UE) e a China, o maior parceiro econômico dos americanos. Como se diz no linguajar popular, os chineses foram para briga com Trump.

O tarifaço do Trump está fazendo água. Mas mesmo naufragando ainda está muito longe de acabar a confusão que criou ao redor do mundo. Estudiosos dos mercados admitem que o tarifaço espalhou a desconfiança nos negócios em vários países. Geralmente, a desconfiança eleva a inflação. O recrudescimento da inflação vai influenciar as eleições que vão acontecer neste ano em 14 países da América Latina. Tenho pregado que a imprensa precisa olhar com mais cuidado para a influência do tarifaço em vários segmentos da população. Por exemplo, o que está sendo comentado sobre a guerra de tarifas pelos corredores do Pentágono, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Washington (DC), e o do Ministério da Defesa Nacional da China, em Pequim? Os dois países são potências militares e econômicas. Muito embora o perigo de um conflito armado tenha terminado com o fim da Guerra Fria (1947 a 1991), é bom seguir o manual do bom jornalismo e ficar de olho nas conversas que estão circulando entre os altos escalões militares americanos e chineses.

Para arrematar a nossa conversa. Vou lembrar duas importantes promessas feitas por Trump que ainda não foram cumpridas. A primeira de que ia acabar em uma semana com a guerra na Faixa de Gaza entre Israel e o Hamas, movimento terrorista que usa a população palestina como escudo. No fim de semana, Israel destruiu o último hospital que estava operando em Gaza. A outra promessa é que acabaria com a guerra entre Rússia e Ucrânia com um telefonema. No Domingo de Ramos (13), importante data religiosa no calendário dos ucranianos, os russos dispararam vários mísseis e mataram 32 civis na Ucrânia. A bem da verdade digo que Trump tentou. Mas falhou. Como no caso do tarifaço, que caminha a passos largos rumo ao fracasso. Mas não antes de espalhar confusão pelo mundo. Fato é o seguinte. O espaço que conseguiu nos jornais com as questões de Gaza, Ucrânia e o tarifaço geraram um capital político importante para o presidente americano. A imprensa está mostrando que Trump está mais para um bravateiro do que para um negociador inflexível e cruel, como quer fazer parecer.

¨      Próximo alvo – emissoras públicas. Por Eugenio Bucci

Depois de disparar contra as universidades e a contra imprensa, a Casa Branca pretende agora atacar as emissoras públicas dos Estados Unidos. As estações de rádio da NPR (National Public Radio) e as estações de TV da PBS (Public Broadcasting Service) entraram na mira. Estamos falando de dois pilares da comunicação social de toda a América do Norte. A PBS foi formada 1970 e hoje reúne 365 canais de televisão dedicados à cultura, à educação e ao jornalismo independente e crítico.

A NPR surgiu em 1969 e tem 1041 rádios públicas entre as suas afiliadas, algumas delas em atividade desde a primeira metade do século XX. Um dos pontos altos de sua programação tem sido o jornalismo internacional. As duas entidades provam diariamente que qualidade pode fazer sucesso e se distinguem por não veicularem anúncios publicitários banais, desses que oferecem hamburger, pasta de dente, cartão de crédito ou vitaminas em cápsula. Elas não têm fins de lucro. Agora, atraem a fúria de Donald Trump, empenhado em cortar os recursos federais que elas deveriam receber.

A notícia de mais essa agressão contra as liberdades nos Estados Unidos apareceu no New York Times de segunda-feira: “Casa Branca pedirá ao Congresso que retire o financiamento da NPR e da PBS”. Na prática, isso significa que cerca de um bilhão de dólares devem ser retirados do orçamento da NPR e da PBS. Os repórteres Benjamin Mullin, Tony Romm e Jonathan Swan, do Times, ouviram fontes que estão trabalhando diretamente nessas medidas e trouxeram a história a público. Um furo providencial. É bom poder contar com o jornalismo vigilante e atento.

O site da NPR também deu destaque para o golpe: “Trump planeja ordenar o corte do financiamento para NPR e PBS”. O primeiro parágrafo do texto não esconde nada e não exagera nada: “O governo de DonaldTrump preparou um memorando enviado ao Congresso comunicando sua intenção de encerrar quase todo o financiamento federal para as emissoras públicas, o que inclui a NPR e a PBS, segundo informou um funcionário da Casa Branca que falou com a NPR”.

Aqui, vale uma nota sobre o comportamento habitual das emissoras públicas dos Estados Unidos: elas não sonegam de sua audiência os ataques que sofrem do governo. Estão certas em agir assim. Ao não abaixarem a cabeça, não ajudam o agressor com o silêncio obsequioso. Ao contrário, dão visibilidade total para tratamentos indevidos que, às vezes mais, às vezes menos, recebem dos governantes.

A NPR e a PBS sabem que seus ouvintes e telespectadores não são apenas crianças – há adultos na sala. Por isso, quando se trata de contar sobre como se sustentam (ou como não se sustentam), têm o costume respeitoso de tratar os adultos como adultos: compartilham com eles, em primeira mão, o que eles têm direito de saber; não fazem rapapés de acochambramento com autoridades em prejuízo do direito à informação de que todo cidadão é titular.

Voltando ao país de Donald Trump, onde nuvens carregadas se avolumam no horizonte, o fato é que as emissoras públicas agora são atingidas pelas manobras de um governo que opera se nenhum escrúpulo para se converter rapidamente em ditadura ordinária. Esse mesmo governo vem promovendo a asfixia das melhores e maiores universidades do país, como Columbia e Harvard. Ambas são privadas, como os ultraliberais gostam de alardear, mas ambas dependem fortemente de verbas federais, como os privatistas preferem esconder. Não se faz pesquisa de qualidade sem apoio governamental, em nenhum lugar do planeta, mas pouca gente parece saber disso.

Contra as universidades, Donald Trump adotou a linha de fazer chantagem aberta, descarada, e às vezes consegue o que quer. Columbia aquiesceu, ao menos por enquanto, e fez as mudanças que atendem aos caprichos da Casa Branca. Quanto a Harvard, esta promete resistir. O governo quer retirar 2,2 bilhões de dólares do caixa dessa grande instituição, mas Harvard firmou o pé. Postura digna. A briga é boa e justa. O desfecho, incerto.

Sinais negativos e positivos aparecem também nas contendas entre o presidente e a imprensa. Do lado dos sinais negativos, o pior talvez seja o anúncio veiculado na semana passada pela maior rede de jornais dos Estados Unidos, a Gannett. Segundo o comunicado oficial da Gannett, os seus títulos se dobraram às pressões da Casa Branca e, entre outras rendições, vão remover menções à diversidade em sua pauta diária.

Entre os sinais positivos, está a vitória judicial da agência de notícias Associated Press. Há uma semana, os repórteres da Associated Press recuperaram seu direito de voltar a frequentar os eventos de imprensa na Casa Branca, por decisão de um juiz federal. Desde fevereiro, eles vinham sendo barrados nesses encontros. O motivo? Ora, muito simples: a agência se recusa a mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América em seu noticiário.

O panorama é esse. Quadro conturbado. A NPR e a PBS viverão tempos duros. Se souberem enfrentar a sanha autoritária, contribuirão para a causa democrática nos Estados Unidos e no mundo todo.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Observatório da Imprensa

 

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