Jair
de Souza: Jesus representa as necessidades dos oprimidos e não os interesses
dos seus opressores
Para
início de conversa, e para que não persista nenhuma incompreensão, sou um
entusiasmado defensor do legado de lutas sociais de Jesus, e não cultivo
absolutamente nenhum tipo de vinculação com nenhuma corrente religiosa.
Se o
que acabo de dizer ainda não foi suficiente para explicitar o que quero deixar
evidente, vou expressá-lo em outras palavras: sou um fervoroso admirador dos
ensinamentos sociais transmitidos por Jesus, mas me atenho plenamente a uma
concepção não religiosa da filosofia.
Embora
as evidências históricas disponíveis não sejam suficientes para dar-nos certeza
da existência concreta de Jesus em conformidade com o que é relatado nos
Evangelhos, a potência e a validade de suas mensagens são capazes de ganhar
vida independentemente de que ele haja ou não vivido em pessoa.
Então,
muito mais significativo do que debater sobre se Jesus existiu ou não como um
ser humano em algum momento, o que de fato nos deveria interessar é determinar
se os postulados a ele atribuídos têm ou não relevância, se devem ou não ser
defendidos e, também muito importante, se são aplicáveis no tempo e nas
condições prevalecentes nos dias de hoje.
Bem,
como já havia mencionado, não sou religioso e procuro me amparar numa
metodologia de análise embasada nas ciências.
Porém,
considero como um dever ser compreensivo com todos os que recorrem a um
pensamento de cunho espiritualista em suas tentativas de entender e explicar o
mundo em que vivemos.
Também
creio que deveriam ser respeitadas tão somente aquelas abordagens religiosas
nas quais a concepção de Deus esteja única e exclusivamente vinculada com a
prática e a busca do bem. Nunca, em nenhuma hipótese, podemos concordar e
aceitar que Deus e a religião sirvam para o exercício da maldade.
Assim,
toda e qualquer expressão religiosa deveria ser admitida, tolerada, ou até
mesmo apoiada, se estiver pregando o exercício da bondade.
Mas,
por outro lado, nenhuma orientação que sinalize no sentido oposto deveria ser
admitida, por mais que o nome de Deus seja invocado em sua sustentação. Entendo
que, para quem se apega a um ponto de vista religioso, o mal deveria sempre ser
associado com o diabo, jamais com Deus.
Em
vista do acima exposto, a figura de Jesus ganha destaque porque, pelo menos até
onde meu conhecimento se estende, suas manifestações estão sempre em sintonia
com a busca do bem.
O
propósito de suas pregações nunca se mostra como tendo por único objetivo o de
atender e servir aos desígnios mencionados como sendo de Deus nos textos do
Antigo Testamento. Muito longe disto.
Como
podemos constatar em várias passagens dos Evangelhos, Jesus não hesita em
refutar e abandonar preceitos que ele entendia como claramente contrários à
prática do bem. Há inúmeros casos neste sentido, nos quais Jesus nos mostra
que, não apenas por estarem inseridos nos livros ditos sagrados, proposições
nitidamente maléficas devem ser obedecidas e levadas adiante.
Qualquer
um com alguma familiaridade com os textos veterotestamentários conhece alguns
dos vários pontos objetados por Jesus.
Ao ser
questionado por estar fazendo curas num dia de sábado, ele foi veemente em
dizer que Deus jamais se oporia à prática do bem, fosse em que dia fosse.
Quando
lhe indagaram sobre quem constituiria o povo de Deus em sua visão, posto que
nas escrituras eram os judeus que tinham essa categorização, ele não hesitou em
rechaçar esse ponto.
Para
ele, como sabemos, o povo de Deus seria composto por todos os que aderissem e
praticassem a tolerância, a justiça e a solidariedade, independentemente de sua
origem nacional ou social.
Ninguém
em sã consciência diria que Jesus concordava com o Velho Testamento em temas em
que Deus aparece com um comportamento monstruoso, abominável, diabólico, para
dizer o mínimo.
Imaginem
se Jesus concordaria que Deus fosse um ser tão egoísta e cruel a ponto de
exigir que uma de suas criaturas demonstrasse estar disposto a cometer um crime
monstruoso, como o de matar a seu próprio filho como prova de sua lealdade.
Esse é um tipo de atitude que poderíamos esperar do diabo, que simboliza a
perversidade, mas nunca de um ser que representa a essência do bem.
De
igual maneira, jamais o veríamos dando seu aval a perversa ordem dada a Josué
para a invasão de Canaã e o extermínio de todos seus habitantes, sem poupar nem
mesmo as crianças. Isso equipararia Deus ao diabo em sua totalidade. É por isso
que não existe um único caso em que Jesus apareça avalizando medidas que sejam
de por si coisas indignas de um ser bondoso.
Eu nem
acredito, nem me interesso pelos relatos dos Evangelhos nos quais Jesus
multiplica o número de pães, transforma a água em vinho, etc.
Entretanto,
isso também não me incomoda em absoluto, e não vejo nenhum problema em que haja
gente que acredite e aceite essas passagens como verdadeiras, uma vez que, ao
fim e ao cabo, seriam medidas destinadas a favorecer a vida de seu povo.
Contudo,
entendo como realísticos, aceitáveis e louváveis todos aqueles casos em que o
vemos empenhado em orientar e ajudar o povo humilde a encontrar formas de sair
do estado de penúria em que viviam.
Em tais
situações o que se destaca é o exemplo de alguém profundamente comprometido com
o destino da gente mais carente e plenamente dedicado à busca de soluções para
livrá-los de seus problemas e seu sofrimento.
Em toda
a trajetória de sua vida, Jesus esteve permanentemente do lado do povo
trabalhador, do povo mais necessitado. Não há sequer um caso em que ele tenha
se alinhado com os poderosos em detrimento dos mais humildes.
Apesar
disto, há muito tempo, os seguidores dos que ordenaram a captura, a tortura e a
morte de Jesus se apropriaram de seu nome e vêm tratando de utilizá-lo para
garantir os privilégios dos poderosos a quem ele combatia quando por aqui
estava.
Precisamos
impedir que seu nome continue sendo manipulado pelos que sempre o odiaram.
Jesus representa os interesses do povo oprimido, e não os de seus opressores.
Sem ter
a pretensão de ofender a crença de ninguém, gostaria de acrescentar que eu,
pessoalmente, sinto que a figura de Jesus se mostra ainda mais grandiosa quando
o consideramos como um ser humano igual a nós.
É que,
em tal condição, estamos falando de alguém que, mesmo sem haver nascido dotado
de poderes e dons milagrosos, foi capaz de entregar-se de corpo e alma à causa
da justiça e da solidariedade aos mais desprotegidos. Isto, por si só, realça
ainda mais sua magnanimidade.
• O Caso Nadine: manipulação, cinismo e
omissão. Por Aldo Fornazieri
O
governo Lula apanhou muito e ainda vai apanhar por conta da concessão de asilo
diplomático à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia. Os três substantivos do
título deste artigo se referem a três atores políticos importantes: a
manipulação, à imprensa; o cinismo, ao bolsonarismo e a omissão, às esquerdas.
De modo
geral, a imprensa tratou o caso Nadine com manipulação e desinformação.
Concentrou suas críticas ao governo pela concessão do asilo, com o claro
objetivo de provocar desgaste político. Suas críticas instrumentalizaram os
ataques cerrados da oposição. Parece que a grande imprensa não aprende com os
seus erros: no caso da Lava Jato adotou o partido de Sergio Moro e deu no que
deu: desinformação e manipulação.
No caso
de Nadine, a grande imprensa disseminou a tese de que a peruana foi condenada
por corrupção, visando criar uma imputação negativa, uma forma de depreciação,
de linchamento. Na opinião pública em
geral, entende-se por corrupção o desvio de dinheiro público. Se a imprensa
quisesse informar corretamente, deveria ter dito que ela foi condenada por
caixa 2, explicando o caso.
A
imprensa brasileira deveria ter acrescentado que as acusações contra Nadine e
seu marido Ollanta Humala estão implicadas numa série de dúvidas – delação
premiada duvidosa e provas questionáveis – e que a própria emissão da sentença
feriu legalidades. Nesse aspecto, insuspeitos jornais peruanos, como La
República e El Comercio, agiram de acordo com o bom jornalismo ao informarem
essas dúvidas e questionamentos.
Alguns
comentaristas importantes da TV sustentaram a tese de que, como o Peru é uma
democracia, não se pode invocar casos de perseguição em sentenças judiciais.
Ora, Sergio Moro e a Lava Jato são um caso comprovado pelo STF de que houve
injunção política e ideológica na condenação de Lula, entre outros erros e
abusos judiciais. Tratou-se de perseguição política. Teria sido legítimo que
Lula tivesse pedido asilo, pois foi perseguido em instâncias judiciárias como a
13ª Vara de Curitiba e o TRF4. Ou não está comprovado, entre outros abusos, a
promiscuidade entre Moro e o Ministério Público, liderado por Dallagnol? A
trajetória política posterior dos dois só corrobora os abusos e a perseguição.
Ferindo
o dever de bem informar, a grande imprensa sequer se deu ao trabalho de
esclarecer os conceitos que estão envolvidos no caso Nadine. Não esclareceu,
por exemplo, que existem dois tipos de asilo – o diplomático e o territorial. O
diplomático ocorre quando o estrangeiro entra em embaixada brasileira no
exterior, que foi o caso de Nadine. E o territorial é quando já está em
território nacional.
O
Brasil tem tradição de atender os dois tipos de requerimentos,
independentemente das afinidades políticas e ideológicas dos que buscam o
direito. Por que a grande imprensa e os bolsonaristas não se lembram do caso do
senador boliviano Roger Pinto? Em agosto de 2013, ele chegou ao Brasil depois
de ficar mais de um ano asilado na embaixada brasileira na Bolívia. Foi trazido
num carro da própria embaixada até Corumbá. O Brasil era presidido por Dilma
Rousseff e a Bolívia, por Evo Morales, ambos com mútuas afinidades políticas e
ideológicas. Ao contrário da presidente do Peru, Dina Boluarte, que concedeu
salvo conduto a Nadine, Evo não o concedeu ao senador.
Na
Bolívia, Roger Pinto, opositor a Evo e político de centro-direita, foi
condenado por “abandono do dever” e por “dano econômico ao Estado”, crimes
comuns. O senador alegou sofrer perseguição política. Ele foi condenado por um
tribunal e a Bolívia era e é uma democracia. Nem os aiatolás, nem o sumo
pontífice, nem um comentarista da TV, nem ninguém pode impedir o direito de
alguém de se declarar perseguido político, mesmo de tribunais em democracias.
Se o declarante é ou não perseguido, é uma questão a ser verificada pela
apuração dos fatos, pelas implicações legais e, por fim, pelo tribunal da
história.
Mesmo
com todo o imbróglio da fuga e mesmo sendo ele um opositor do governo de Evo, o
governo de Dilma Rousseff decidiu conceder asilo político ao senador boliviano.
Não houve estardalhaço da grande imprensa e nem deveria ter havido. Assim como
a grande imprensa não deve continuar com sua campanha de manipulação e
desinformação no caso Nadine.
Ao
atacarem o governo pelo caso Nadine, os bolsonaristas mostram o quanto são
cínicos. Flávio Bolsonaro alegou várias vezes perseguição política e abuso de
poder para defender-se no caso das rachadinhas – um crime comum. Bolsonaro,
Eduardo Bolsonaro e muitos bolsonaristas alegam que são perseguidos pelo STF e
por Alexandre de Moraes. Eduardo, mesmo sem ser processado, fugiu para os
Estados Unidos alegando perseguição política e declarando que vai pedir asilo.
Os bolsonaristas não têm nenhuma moral para criticar o asilo por motivos
humanitários ou por qualquer outro motivo a Nadine Heredia.
O que
espanta é o silêncio, a apatia, a omissão e a covardia das esquerdas que não
entraram na batalha da defesa do governo. O PT se limitou a emitir uma nota
insípida. Os parlamentares do PT e das esquerdas em geral sumiram. Tendo em
vista que estamos no período de Páscoa, talvez estejam imbuídos pelo espírito
da Paixão, pois Cristo teria morrido para perdoar e redimir os pecados de
todos. Piedosos e mansos, talvez os deputados queiram perdoar os bolsonaristas
ou, já perdoaram…
Os
bolsonaristas concentram fogo nutrido contra o governo. As esquerdas adotam a
ética dos evangelhos: se alguém te bate na face direita, ofereça-lhe também a
esquerda. Ou talvez sigam uma escusa ética dos gabinetes e das conveniências.
De qualquer forma, esquecem-se de que o cristianismo só triunfou com a espada
do Império e que mandou matar um número infinito de pessoas, fazendo jorrar
rios de sangue. Mesmo assim, prega a mansuetude, a resignação e a obediência
dos oprimidos. Esse cristianismo, que não é o originário de Jesus, entregou o
mundo nas mãos dos malvados, como disse alguém.
A
conduta das esquerdas, dos ministros, dos deputados e dos líderes no caso de
Nadine é a continuidade da marca desse governo e dos partidos de esquerda:
jogar parado, apanhando calado. A apatia é a marca desse conjunto de forças
aninhadas no governo. Diziam que a anistia aos golpistas não passaria. Não
barraram o recolhimento de assinaturas de deputados para acelerar a tramitação
do projeto. Se o projeto for votado, passará. Se passar, o governo e os
deputados de esquerda recorrerão às barras das togas dos ministros do Supremo
para barrá-lo. A militância, perplexa e desalentada, olha atônita o horizonte
na busca de uma esperança motivadora.
Fonte:
Viomundo/Brasil 247

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